A situação epidemiológica da hanseníase no Brasil e em ...

A situa??o epidemiol?gica da hansen?ase no Brasil e em Campinas

Marcos de Souza Queiroz Maria Ang?lica Puntel

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros QUEIROZ, MS., and PUNTEL, MA. A endemia hans?nica: uma perspectiva multidisciplinar [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1997. 120 p. ISBN 85-85676-33-7. Available from SciELO Books .

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A SITUA??O EPIDEMIOL?GICA DA HANSEN?ASE NO BRASIL EM CAMPINAS

A hansen?ase ? prevalente no Brasil, e constitui-se um s?rio problema de sa?de em v?rias partes do mundo subdesenvolvido. A doen?a ? definida como infectocontagiosa cr?nica, de longa dura??o. Produzida pelo Mycobacterium leprae (. le prae), ao manifestar-se compromete a pele e, principalmente, o sistema nervoso pe rif?rico. Pode tamb?m comprometer os vasos, gl?ndulas, ?rg?os internos, aparelho locomotor, boca, laringe, globo ocular, nariz e outros ?rg?os. As principais fontes de bact?rias s?o, provavelmente, as mucosas das vias a?reas superiores. Tamb?m s?o fonte de bacilos os hansenomas ulcerados, o leite materno, a urina e as fezes.

A hansen?ase ? transmitida de pessoa a pessoa, atrav?s do contato ?ntimo e prolongado com doentes das formas contagiantes (Virchoviana ou Dimorfa), sem tratamento. Sua transmiss?o est? tamb?m fortemente ligada a fatores socioecon?micos, tais como: estado nutricional, a situa??o de higiene e, principalmente, a condi??o de moradia da popula??o. A probabilidade de transmiss?o da doen?a ? muito maior, por exemplo, num barraco de favela em que residem v?rios indiv?duos, estando um deles infectado. Entretanto, um fato importante ? que a maioria das pessoas n?o adoece mesmo convivendo durante muito tempo, na mesma casa, com doente contagiante sem tratamento. H? estudos imunol?gicos que indicam que cerca de 90% das pessoas t?m defesa natural contra o M. leprae.1

Nesse contexto, o verdadeiro problema com que se depara qualquer programa de sa?de p?blica que vise a erradicar a hansen?ase n?o ?, como em muitas outras doen?as infecciosas, interceptar a cadeia de transmiss?o, principalmente se for considerado o fato de que grande parte da popula??o brasileira est? contaminada pelo M. leprae, embora n?o desenvolva a doen?a. O problema real seria interceptar

1 TALHARES, S. & NEVES, R. C . Hansen?ase. ISEA - Instituto Superior de Estudos da Amaz?nia, 2. ed.,

1989. Organiza??o Pan-americana da Sa?de. Manual para o controle de lepra. 2. ed. Washington, D.C., 1989.

a cadeia de recep??o, que s? poderia se realizar atrav?s da descoberta de uma vacina espec?fica, o que ainda n?o ocorreu e nem dever? ocorrer t?o cedo.

O modo de transmiss?o da hansen?ase ?, portanto, complexo, sendo necess?ria a intera??o de dois fatores: o grau de contagiosidade do infectante e o grau de receptividade do indiv?duo exposto. Quando a contagiosidade ? forte e a receptividade da pessoa exposta ? alta, ? poss?vel uma transmiss?o r?pida da doen?a, n?o sendo necess?rios nem uma exposi??o longa nem contatos ?ntimos.2

Nos indiv?duos que adoecem, a infec??o tamb?m se desenvolve de acordo com as caracter?sticas imunol?gicas do hospedeiro. Se estas forem mais competentes, produz-se uma forma localizada e n?o contagiosa da doen?a; do contr?rio, desenvolve-se uma forma generalizada e contagiosa. Entre esses extremos, encontramse as formas intermedi?rias, refletindo um largo espectro de varia??es de resist?ncia.3 Estima-se que cerca de 10% das pessoas infectadas apresentam sinais da doen?a ap?s um per?odo de incuba??o, que leva em m?dia de dois a sete anos.

A classifica??o da doen?a, atualmente adotada nos servi?os p?blicos de sa?de brasileiros, resultou do VI Congresso Internacional de Leprologia, realizado em Madri, em 1953. Neste Congresso, manteve-se a proposta do Congresso de Havana de 1948, de classificar a doen?a segundo sua tend?ncia de evoluir em dire??o a um de seus p?los, Virchoviano ou Tubercul?ide. Nesta concep??o, e de acordo com as diretrizes do Minist?rio da Sa?de,4 a classifica??o da doen?a deve basear-se em quatro crit?rios: o cl?nico, o imunol?gico, o bacteriol?gico e o hispatol?gico, que permitem detectar quatro formas b?sicas de manifesta??o da hansen?ase, quais sejam:

? Indeterminada (I) ou precoce: fase inicial da doen?a. Apresentam-se manchas hipocr?nicas de limites imprecisos e ?reas de hipestesia t?rmica seguidas de altera??es de sensibilidade dolorosa e t?til. O indiv?duo pode permanecer na forma indeterminada durante muito tempo, antes de ocorrer a polariza??o para a forma tubercul?ide ou virchoviana, o que depender? do seu comportamento imunol?gico.

? Tubercul?ide (T): p?lo n?o contagioso, habitualmente est?vel, com bacterioscopia, em geral, negativa, les?es bem delimitadas e freq?ente acometime nto nervoso.

? Virchoviana (V): p?lo contagioso, com grande n?mero de bacilos, apresentando les?es cut?neas difusas e acometimento sist?mico.

? Dimorfa (D): muito inst?vel, com baciloscopia positiva ou negativa e manifesta??es cut?neas polimorfas.

2 NOUSSITOU, F. M.( SANSARRICQ, H., WALTER, j. A lepra na crian?a. Associazione Italina "Amici di Raoul Follereau", 1981.

3 ROTBERC, A. No??es de hanseniologia. S?o Paulo: Funda??o Paulista contra Hansen?ase, 1979. 4 Minist?rio da Sa?de. Secretaria Nacional de Programas Especiais em Sa?de Divis?o Nacional de Der-

matologia Sanit?ria. Controle da hansen?ase: Uma proposta de integra??o ensino-servi?o. Rio de Janeiro: OMS/NUTFS, 1989.

Para chegar a uma classifica??o da forma de hansen?ase de que o paciente ? portador, al?m da sintomatologia cl?nica e hispatol?gica, ? de grande utilidade o teste de Mitsuda que, mesmo sem ser propriamente uma prova de diagn?stico, ? ?til na classifica??o de um paciente, uma vez realizado o diagn?stico.5 O teste de Mitsuda baseia-se em uma rea??o imunol?gica do tipo celular de alta especificidade para o M. leprae, que permite a avalia??o prognostica para portadores de hansen?ase. O teste ? negativo para a forma virchoviana, positivo na forma tubercul?ide, enquanto nos portadores da forma indeterminada pode ser negativo (progn?stico evolutivo para o p?lo Virchoviano), positivo (progn?stico evolutivo para o p?lo Tubercul?ide) ou ainda duvidoso.

Originalmente, o teste de Mitsuda foi desenvolvido com o objetivo de descobrir uma vacina, empreendimento que, infelizmente, n?o foi bem-sucedido. Contudo, observou-se que o teste servia para diferenciar os indiv?duos que reagem dos que n?o reagem ? presen?a da micobact?ria. O teste ? feito atrav?s da remo??o de um peda?o da regi?o lesada (hansenoma) de um paciente (ou de animais de laborat?rio), que ? laboratorialmente macerado e preparado para ser inoculado em um outro paciente. Na forma tubercul?ide, ou em indiv?duos s?os, ocorre uma rea??o, um calombo no local (Mitsuda positivo); na forma virchoviana n?o h? rea??o (Mitsuda negativo) que comprove a exist?ncia de uma defici?ncia imunol?gica do paciente.

O resultado do teste de Mitsuda ? tamb?m utilizado para reagrupar os pacientes para a implanta??o dos novos esquemas terap?uticos (poliquimioterapia). Esse reagrupamento resultou em algumas readequa??es na nomenclatura. Nesse contexto, usam-se os termos multibacilares e paucibacilares. Os primeiros definemse pelos pacientes portadores da forma virchoviana, dimorfa e indeterminada, com Mitsuda negativo, enquanto os segundos definem-se pelos pacientes portadores da forma tubercul?ide e indeterminada, com Mitsuda positivo. Estudos empreendidos pela Organiza??o Pan-americana da Sa?de6 mostram que as formas multibacilares t?m grande responsabilidade epidemiol?gica na transmiss?o da doen?a: enquanto as pessoas que t?m contato intradomiciliar com pacientes paucibacilares est?o duas vezes mais propensas a contrair a doen?a do que os sem contato, as pessoas com contato intradomiciliar com pacientes multibacilares correm um risco de 4 a 10 vezes maior.

Infelizmente, ainda hoje, a hansen?ase est? muito atrasada com rela??o aos avan?os obtidos para a cura da tuberculose, que tamb?m utiliza a poliquimioterapia (PQT) - recentemente posta em pr?tica diante da maior resist?ncia do agente etiol?gico ao tratamento ministrado com a sulfona. No caso da tuberculose, o conhecimento est? muito mais adiantado. Os antibi?ticos utilizados s?o espec?ficos para cada caso e para cada situa??o, de acordo com a popula??o bacilar e os locais em

5 Organiza??o Pan-americana da Sa?de. Op. cit., 1989. 6 Organiza??o Pan-americana da Sa?de. Op. cit., 1989.

que se encontra. J? no caso da hansen?ase, ainda n?o se desenvolveram antibi?ticos espec?ficos.

? interessante notar que a tuberculose sempre apresentou um car?ter que, apesar de tr?gico, n?o era estigmatizante. Era uma doen?a que afetava tamb?m os ricos, principalmente aqueles que, de acordo com a representa??o constru?da no s?culo passado, viviam intensamente a vida, descuidando-se da sa?de. Tratava-se, por isso, de uma doen?a que merecia ser dimensionada e revestida de aten??o cultural e art?stica. A literatura e a ?pera encarregaram-se de promover uma imagem rom?ntica para a doen?a, enquanto a ci?ncia procurou concentrar esfor?os no sentido de estud?-la e encontrar melhores formas terap?uticas.

J? a hansen?ase nunca encontrou qualquer representa??o cultural favor?vel. Trata-se de um mal que n?o afeta e nunca afetou de um modo significativo a sociedade dominante, como ocorre atualmente com a AIDS. Provavelmente por este motivo a doen?a desperta interesse ou compaix?o apenas marginal. Mesmo atualmente, o estudo e a investiga??o nesta ?rea ainda s?o isolados, e mesmo as faculdades de medicina dedicam uma aten??o muito pequena a este problema.

Assim, a pesquisa com hansen?ase at? hoje n?o obteve uma t?cnica que permitisse a mais elementar cultura de c?lula, base fundamental para o desenvolvimento de uma vacina. S? em 1960 conseguiu-se inocular o bacilo em ratos. A forma da doen?a que se desenvolveu, no entanto, foi a paucibacilar tubercul?ide e o rato curava-se espontaneamente depois de oito meses. Em 1972, conseguiu-se inocular o bacilo no tatu, que leva dois anos para desenvolver a doen?a. A duplica??o de material imunol?gico (DNA) da micobact?ria da hansen?ase ? bem recente e um processo excessivamente caro. Essa t?cnica, empregada amplamente pela biologia molecular, permite um diagn?stico laboratorial precoce e ? promissora no sentido de ensejar estudos mais avan?ados sobre a doen?a.

Uma vez que n?o se tem um teste confi?vel para se detectar a infec??o pelo M. leprae, pouco se sabe tanto sobre o n?vel de infec??o da popula??o como sobre o mecanismo de transmiss?o. Em conseq??ncia da n?o detec??o da infec??o no indiv?duo e porque o doente significa uma propor??o ?nfima entre os infectados, fica a impress?o equivocada de que o ?ndice populacional de infec??o ? pequeno. O ?ndice de transmissibilidade ?, na verdade, muito grande, sendo baixa apenas a propor??o de pessoas que adoecem ap?s terem sido infectadas.

A hansen?ase prevaleceu no norte da Europa at? o s?culo XIII e depois disso declinou gradativamente at? a sua extin??o. Fine7 relata que aproximadamente 800 mil casos foram registrados na Noruega na segunda metade do s?culo XIX e que o ?ltimo caso end?mico conhecido ocorreu em torno de 1950. H? evid?ncias de que o desaparecimento da hansen?ase, juntamente com o desaparecimento de muitas outras doen?as infecciosas na maior parte do continente europeu, tenha ocorrido

7 FiNt, P. E. Leprosy, the epidemiology of a slow basterium. Lpidemiologic Reviews, 4: 161-188, 1982.

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