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Resumo:O presente trabalho debru?ar-se-á sobre as duas companhias de Teatro profissionais da cidade de Coimbra e os espa?os que estas ocupam: A Escola da Noite/Teatro da Cerca de S?o Bernardo e O Teatr?o/ Oficina Municipal de Teatro. Seguindo a figura do programador cultural procuraremos perceber de que forma é que o trabalho que estas estruturas conduzem no espa?o urbano pode ser transformador tanto para as próprias como para as áreas que ocupam. Esta análise integra ainda a conjuntura política em que o funcionamento destes espa?os municipais está integrado.Palavras-chave: teatro, espa?o urbano, programador cultural, antropologia urbanaResume:The following work focus on two professional theater groups of the city of Coimbra and the buildings in which they are located: A Escola da Noite/ Teatro da Cerca de S?o Bernardo and O Teatr?o/Oficina Municipal de Teatro. Following the figure of the cultural programmer we intend to understand the ways in which the work of these groups on the urban space can be transforming for their on activities as in for the areas that they occupy. This analysis integrates the political bubble in which these structures, located in city buildings, operate. Keywords: theater, urban space, cultural programmer, urban anthropology.?ndice Introdu??o 31 Políticas da Cultura e Espa?o Urbano Na Europa Pós-Guerra 1.1 A Antropologia Urbana 51.2 Políticas de Democratiza??o e Apoio à Cultura no Pós-Guerra 71.3 As Indústrias Culturais e Criativas141.4 Portugal e o seu Modernismo Tardio191.5 O Papel do Poder Local221.6 Aparecimento e Defini??o do Programador Cultural242 Coimbra: Do Teatro Universitário Ao Teatro Profissional2.1 Teatro em Coimbra282.2 Escola da Noite 302.3 O Teatr?o 332.4 A Constru??o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo342.5 A Constru??o da Oficina Municipal de Teatro 382.6 A C?mara Municipal de Coimbra e os Apoios ao Teatro 413 O Programador Cultural no Contexto Teatral: Os Casos da Escola da Noite e d’O Teatr?o484 Rela??o entre teatro e espa?o urbano4.1 O Teatr?o e o Vale das Flores 634.2 A Escola da Noite e a Rela??o com a Baixa 714.3 O papel da C?mara Municipal de Coimbra75Conclus?o 80Introdu??oNa contemporaneidade é difícil ignorar a for?a e o dinamismo que as cidades concentram no seu território, quer pelo número de indivíduos, quer pelo número de institui??es que nela se situam. Estes indivíduos e institui??es, pela forma como ocupam e praticam o espa?o s?o agentes transformadores do mesmo. O crescimento dos espa?os urbanos nas últimas décadas permitiu que se assistisse à emergência de novas institui??es e novos actores contribuindo para a diversidade de experiências que os espa?os urbanos concentram.Ao debru?armo-nos sobre estas áreas e a sua pluralidade, podemos identificar inúmeros objectos de estudo que, pela sua vitalidade e pela dimens?o abrangente e congregadora, nos permitem perceber fenómenos inerentes à din?mica urbana na actualidade.? neste contexto que surge o interesse em institui??es teatrais situadas em contextos urbanos. A actividade artística, especialmente a actividade performática de cariz teatral, por possuir uma vertente inerente agregadora de indivíduos na forma??o de públicos e por nos conteúdos apresentados incluir inúmeras vezes aspectos do quotidiano de maneira a reflectir sobre estes, afigura-se como extremamente interessante quando se procura perceber quais os aspectos transformadores que os organismos inserem no território e de que forma é que integram a pluralidade das áreas urbanas nas suas cria??es.Situadas na cidade de Coimbra, A Escola da Noite e O Teatr?o s?o duas companhias de teatro profissionais que desenvolvem a sua actividade em edifícios que constituem propriedade municipal, nomeadamente o Teatro da Cerca de S?o Bernardo e a Oficina Municipal de Teatro.O facto de ocuparem estes espa?os faz com que além das responsabilidades de cria??o, as companhias estejam também encarregues de definir uma programa??o de actividades culturais que complementem as encena??es próprias. A tarefa de programa??o, assumida por estas estruturas, faz emergir uma figura nova no panorama artístico, a figura do programador cultural.Este actor desempenha um papel importante neste contexto dado que a sua ac??o se localiza intrinsecamente entre vários domínios nomeadamente os de cariz social, financeiro, artístico e, por estas estruturas serem propriedade municipal, politico.A programa??o é, assim, construída dentro de várias influências e constrangimentos que estes mundos oferecem à actividade deste profissional.Torna-se assim claro que, pela mobilidade e din?mica, seguir as pisadas deste actor seria um caminho favorável para a persecu??o da percep??o das din?micas urbanas. Os programadores culturais poder?o, portanto, oferecer uma vis?o sobre as áreas urbanas, quer pelo engajamento que a actividade artística promove nas áreas onde se situa, quer pela influência que a pluralidade de actores e institui??es que esta integra tem na programa??o que as companhias procuram construir para os espa?os. Assim procuraremos responder às seguintes quest?es: De que forma é que o programador é um agente preponderante nas din?micas artísticas das companhias em que se insere? / Será a actividade das companhias transformadora das áreas urbanas que integram? / Poderá o trabalho das companhias ser o reflexo dos desafios que as zonas em que se situam lhe oferecem?Pretendemos através da condu??o de entrevistas com os diferentes intervenientes desta realidade, assim como com o acompanhamento e frequenta??o das actividades das companhias e com a contextualiza??o histórica da existência das mesmas e do panorama cultural da cidade de Coimbra obter componentes que nos permitam formular as respostas a estas quest?es.1 Políticas da Cultura e Espa?o Urbano na Europa do Pós-Guerra1.1 A Antropologia Nas CidadesEm 2014, o Relatório World Urbanization Propects, elaborado pela Divis?o das Na??es Unidas Para a Popula??o do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais, concluía que 54% da popula??o mundial vivia em áreas urbanas. Atingindo o seu valor máximo neste ano, é de notar que o crescimento populacional sustentado em áreas urbanas é uma tendência que se verifica há várias décadas, tendo a sua origem na Revolu??o Industrial e no êxodo rural que acompanhou este fenómeno. ? ligada a estas tendências de êxodo e concentra??o em áreas urbanas que surge a Antropologia Urbana.? certo que a vivência urbana representava e ainda representa um desafio para o olhar antropológico, historicamente situado em contextos exóticos e isolados. Na verdade, este “reposicionar” do olhar antropológico é um processo que tem vindo a acontecer desde os anos 70 motivado pela crescente relev?ncia dos processos de urbaniza??o aliados à quebra de financiamento para investiga??es nas ditas “sociedades exóticas”, fruto dos processos de descoloniza??o em curso (Cordeiro, 2003:4).Hannerz, no seu livro Exploring the City, livro este que tra?a importantes considera??es sobre a prática da Antropologia Urbana, define que “the city for our purposes, is (like other urban communities) a collection of individuals who exist as social beings primarily through their roles, setting up relations to one another through these . Urban lifes, then, are shaped as people join a number of roles together in a role repertoire and probably to some degree adjust them to each other. The social structure of the city consists of the relationships by which people are linked through various components of their role repertoires” (Hannerz, 1980:249).Albergando cada vez mais agentes e institui??es, a cidade torna-se palco de fenómenos sociais que se revelam de extrema import?ncia para o antropólogo. Dada a sua dimens?o e volume demográfico, no contexto urbano o confronto com a alteridade é imediato. As variáveis s?o quase infindáveis. Diferentes institui??es p?em em prática inúmeros processos sociais em simult?neo, num ritmo mais intenso do que em qualquer outro cenário. Aqui o individuo e a sociedade est?o espelhados no espa?o que ocupam, e as transforma??es que estes operam e de que s?o vítimas têm resultados quase imediatos e visíveis. Pondo em confronto estas dimens?es num mesmo espa?o, a cidade potencia o valor da antropologia em “making people reflect on the variability of the human condition and on their own particular situation” (Hannerz, 1980:7). As cidades afiguram-se, assim, áreas que exigem para si o reposicionamento do olhar antropológico fruto desta diversidade e das transforma??es que esta opera nos seus espa?os. Um olhar sobre a cidade é um olhar sobre aqueles que a ocupam, é um olhar sobre as ac??es destes e a forma como praticam o espa?o em que est?o inseridos. Carlos Fortuna vai ainda mais longe e diz-nos que cada vez mais “a cidade torna-se uma alegoria da sociedade e, (…) o que se diz sobre uma parece poder dizer-se cada vez mais sobre a outra” (Fortuna, 1997:4). Os estudos antropológicos que incidem sobre a cidade podem abordar várias temáticas e assumir formas muito variadas dado que as rela??es que se estabelecem nestes espa?os podem ser olhadas de várias perspectivas. A isso faz referência Carlos Fortuna quando nos diz que “n?o s?o apenas os estudos sobre cidades particulares que sobressaem, mas emergem também como objectos singulares de pesquisa empírica, e em detrimento da meta narrativa urbana, os seus (re)arranjos socio-espaciais específicos, a sua economia simbólica, a natureza dos seus edifícios, monumentos e outros marcadores, ou as suas ruas, parques e zonas de comércio.” (Fortuna, 1997:4). Tal como a cidade, também o discurso sobre a mesma se torna fragmentado e assume varias dimens?es, através de várias vozes. A cidade, a dimens?o e a pluralidade que esta encerra só assim pode ser compreendida.Esta import?ncia que o espa?o urbano tem adquirido no meio académico também é cada vez mais latente no quotidiano de quem ocupa estas áreas. Discuss?es sobre planeamento do território, qualidade de vida nas cidades, património, cultura, reabilita??o e outros domínios citadinos tornam-se cada vez mais uma constante na vida daqueles que integram o espa?o urbano e que com a sua existência contribuem para a sua constru??o. O relacionamento entre cidade e sociedade pode ent?o ser visto como uma via dupla, em que a cidade actua sobre a sociedade, sobre os indivíduos que a comp?em através da organiza??o do espa?o, por exemplo, e como a sociedade modifica a cidade e esses mesmos espa?os através da sua ac??o. O discurso antropológico, por se mover em vários domínios, acompanhando a vida dos seus agentes, em espa?os que agora ter?o de ser delimitados pela ac??o dos próprios, é o meio privilegiado para se compreender esta multiplicidade e a vivência citadina. Simultaneamente, as temáticas que trabalham a intercep??o dos domínios cidade e espa?o afiguram-se como extremamente importantes, uma vez que exploram a constru??o de representa??es nestes contextos através do confronto em termos muito imediatos e próprios com a alteridade, assim como as rela??es que s?o estabelecidas com as diversas institui??es que nele se fazem exercer. O individuo e o espa?o ganham novas dimens?es no contexto urbano que à antropologia em tudo interessa explorar.1.2 Políticas de Democratiza??o e Apoio ? Cultura No Pós-GuerraO pós-guerra decorrente da segunda guerra mundial foi um período vital quando falamos em transforma??es urbanas. Devastada pelos efeitos da guerra, a Europa concentrava-se agora em levar a cabo os seus projectos de reconstru??o que envolveriam as áreas do planeamento urbano e, como tal, modificariam a cidade e trariam para o centro das preocupa??es a defini??o das áreas urbanas. Antes de avan?armos neste ponto, é urgente esclarecermos o conceito de cultura e o sentido que lhe queremos aqui atribuir. Em 2001, a UNESCO na sua Declara??o Universal da Diversidade Cultural considera “a cultura como o conjunto dos tra?os distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradi??es e as cren?as” (Paiva, 2014:12). Esta defini??o, pela sua abrangência n?o se adequa com a persecu??o de um objecto analítico por parte da antropologia. Na verdade, neste campo científico, a defini??o de cultura, pela dimens?o de fenómenos que abarca nunca foi algo consensual e definido em termos absolutos, sendo oferecida por vários autores e correntes teóricas uma aproxima??o a um significado que permite que o conceito de cultura seja operacionalizado nos termos dos trabalhos que desenvolvem ou das correntes teóricas em que se inserem. Para uma no??o antropológica da cultura podemos recorrer a título de exemplo, à de Comaroff e Comaroff, autores que definem cultura como “o espa?o sem?ntico, o campo de signos e práticas no qual os seres humanos constroem e representam a si mesmos e aos outros e, portanto, as suas sociedades e histórias. Ela n?o é meramente uma ordem abstracta de signos ou de rela??es entre signos, nem tampouco a soma de práticas habituais. Nem pura linguagem, nem pura parole, nunca constitui um sistema fechado e totalmente coerente. Muito pelo contrário: Cultura sempre contem em si mensagens, imagens e ac??es polivalentes, potencialmente contestáveis. Ela é, em resumo, um conjunto de significantes-em-ac??o situados na história e desenrolando-se ao longo dela, significantes ao mesmo tempo materiais, simbólicos, sociais e estéticos” (Comaroff e Comaroff, Trad. Dulley e Janequine, 2010:34). Esta defini??o permite operacionalizar o conceito de cultura, n?o o limitando como entidade fechada e estática mas dando-lhe um sentido fluido e mutável, tomando a antropologia como seu papel a análise desses processos onde a cultura se manifesta.Neste sentido, o problema da abrangência do conceito e dos objectos de estudo é encarado adoptando uma vis?o metodológica que tenta captar a realidade nos seus próprios termos: polifónica, plural e simult?nea. Os processos com que nos confrontamos s?o tomados como fragmentos de uma realidade que os envolve e que integra outros fragmentos que podem ou n?o ocorrer em simult?neo e moldar as práticas que nela se inserem. E é nesta din?mica que nasce a unidade a que chamamos de cultura. Contudo, estes fragmentos n?o devem ser tomados como unidades limitadoras: “os fenómenos que observamos podem ter os seus fundamentos na actividade humana quotidiana; contudo, essa actividade, ainda que rural ou periférica, está sempre envolvida na constitui??o de estruturas e movimentos sociais mais amplos” (Comaroff e Comaroff, Trad. Dulley e Janequine, 2010:40).Muitas vezes, o nosso discurso quotidiano op?e-se a esta concep??o ampla que a antropologia oferece à cultura e limitamos a aplica??o deste vocábulo a domínios específicos, como por exemplo ao domínio artístico ou das actividades de produ??o criativa, sejam elas de cariz performativo, visual ou outro.O conceito de cultura é assim, através deste discurso, direccionado para actividades que exigem algum labor criativo, actividades através das quais o individuo pode criar um conjunto de significados através de sinais que s?o usados e reutilizados pelas mesmas. Assim, podemos denotar que tal como a antropologia, também o mundo artístico ofereceu uma reinven??o do conceito de cultura que se op?e ao sistema aberto e fluido sobre o qual a antropologia, tomando a defini??o dos Comaroff, o entende. Neste sentido, as actividades artísticas encerram a cultura nos espa?os de exercício da sua prática e frui??o, assim como no espa?o social dedicado às práticas artísticas. Carlos Fortuna e Augusto Santos Silva, no seu artigo Cidade do Lado da Cultura: Espacialidades Sociais e Modalidades da Intermedia??o Cultural oferecem uma vis?o de cultura que se op?e à abrangência da defini??o antropológica come?ando num primeiro momento por considerar que “a cultura, nas suas mais diversas concep??es e manifesta??es, tem uma espacialidade própria. Desde logo num sentido físico mais restrito, a espacialidade da cultura diz respeito aos lugares e equipamentos especializados sejam eles teatros, auditórios, museus ou galerias, onde se experimentam actos estéticos de cria??o artística. Mas a espacialidade da cultura é também e sobretudo uma espacialidade social e política mais ampla” (Fortuna e Santos Silva, 2001:410). E com esta espacializa??o em mente prosseguem definido cultura como um “campo relativamente espacializado de actividades expressivas e performativas, sujeito a uma lógica global de mercado, e relacionado directamente com grupos, práticas e representa??es sociais diversas” (Fortuna e Santos Silva, 2001:424). A cultura é assim direccionada para uma classe artística que a espacializa nos seus espa?os de exercício, contrapondo-se à vis?o integradora, abrangente e polifónica de todos os fenómenos sociais apresentada anteriormente de Comaroff e Comaroff como meio de operacionalizar este conceito e realidade por parte da antropologia.Os fragmentos que a antropologia delimita de forma a operacionalizar a sua defini??o de cultura no contexto das suas investiga??es, s?o, no mundo artístico, momentos performativos ou manifesta??es artísticas, em que o individuo, num espa?o específico físico e social é confrontado com sinais e signos que, fruto de uma inteligibilidade partilhada entre os artistas e os públicos, permitem pensar uma realidade exterior ao espa?o performativo onde acontecem. ? esta din?mica que o mundo artístico designa por cultura fechando este conceito nos fenómenos sociais partilhados entre indivíduos e actividades de cunho artístico. Em termos históricos, esta associa??o da cultura às artes é preponderante no século XVIII na Alemanha, quando um debate ideológico e de valores op?s as classes da nobreza e burguesia, na defini??o dos seus termos de identifica??o própria. Apoiado na obra O Processo Civilizador de Nobert Elias, é importante referir que, originário em Fran?a, o conceito de civiliza??o e consequentemente de indivíduos civilizados, pretendia distinguir a classe nobre das restantes como mais elevada, diferente pela sua postura e forma de estar social, assim como pela intelectualidade que se opunha à barbárie das outras classes. Esta caracteriza??o, rapidamente se disseminou no seio da sociedade francesa que, tomando-a como característica abrangente da mesma, se op?e aos restantes países pela conduta civilizada que proclamava possuir. “Em pouco tempo, a ideia de civilidade dominava todas as cortes da Europa e a corte francesa era a grande referência para todas as outras cortes” (Carvalho et al., 2013:37).Com pretens?es de ascender a este “degrau superior da existência humana”, a nobreza alem? come?a a adoptar postulados que os franceses tinham como sendo civilizados, incluindo até a própria língua francesa em detrimento do alem?o. No final do século XVIII a economia alem? apresentou melhorias face à situa??o precária em que se encontrava anteriormente, o que abriu espa?o para o desenvolvimento das artes, nomeadamente da literatura de língua alem?, que contrariava assim os princípios civilizadores. A classe burguesa alem? seria a principal impulsionadora deste crescimento artístico, utilizando o desenvolvimento artístico como meio diferenciador, dedicando assim o “seu tempo ao desenvolvimento artístico e intelectual, procurando romper cada vez mais com os costumes e a filosofia da aristocracia “civilizada” (Carvalho et al., 2013:40). A classe burguesa alem? diferenciava-se assim da civiliza??o nobre, definindo-se como intelectualmente superior através da valoriza??o da produ??o artística, criando assim o conceito de cultura alem? de burguesia, que encontrou eco nas Universidades, onde “os professores e religiosos divulgavam essa ideologia para todo o território alem?o, ampliando cada vez mais a ideia de cultura e aumentando o desprezo pela aristocracia dos ‘bons modos’ ou aristocracia civilizada” (Carvalho et al 2013:43).Podemos ent?o denotar que o conceito de cultura nasce ligado a uma vis?o intelectual e artística de valoriza??o individual e de uma classe, n?o integrando os domínios económicos ou políticos na sua retorica e que por esta raz?o se mantem ligado a este domínio no discurso actual quando nos referimos às práticas artísticas.No decurso deste trabalho, pretendemos abordar o conceito de cultura no sentido das práticas artísticas, uma vez que essa é a retórica utilizada pelos actores e pela sociedade em que se inserem nos discursos que utilizam, sejam eles provenientes do meio artístico, politico ou social. Contudo o trabalho deste conceito com os domínios da política e da cidade, n?o permitirá que a vis?o sobre o mesmo se possa manter t?o espacializada do ponto de vista físico e social, podendo isso ser demonstrado através das redes em que estes actores se movem e da possível influência ou n?o que este domínio exerce na sociedade e vice-versa. Neste sentido a defini??o de cultura que pretendemos trabalhar é enunciada por Beck et al no artigo “Consumo e Cultura: Modos de Ser e Viver a Contemporaneidade” que nos diz que “O conceito de cultura vem destacando o seu caracter fundamentalmente produtivo e criativo visto como ac??o, como actividade, como experiência que produz identidades e diferen?as. (…) Podemos ainda considerar que a cultura envolve uma rede de representa??es e discursos, adquirindo diferentes significados no social. Ou seja, a moda, a música, o cinema, etc, s?o exemplos dessa rede de discursos e representa??es sociais de consumo que carregam marcas culturais, as quais adquirem diferentes significados relacionados com os distintos grupos que os produzem e que s?o também por eles produzidos” (Beck, 2014:89). Consideramos esta defini??o como a mais adequada ao trabalho que pretendemos levar a cabo pois considera a cultura como sendo um fenómeno din?mico, ac??es que levam à cria??o de representa??es levando em conta as actividades artísticas e a sua import?ncia para a constru??o destas representa??es no seio das sociedades em que se inserem, permitindo assim integrar os diferentes domínios e discursos a que viremos a dar enfoque.Tendo em mente esta din?mica e mutabilidade do conceito de cultura nas várias paisagens ideológicas em que se insere, é importante esclarecer de que forma é que a cultura artística espacializada se envolveu com a cidade e com as políticas que nesta intervêm, nomeadamente o poder local e o o podemos observar, com o caso alem?o a título de exemplo, as artes e os decisores de poder sempre estabeleceram rela??es entre si, variando o teor das mesmas consoante a época em que nos focamos. Contudo, a vis?o de que o acesso às artes era um direito que a todos deveria ser concedido e a realiza??o desta ideia pelo aparelho estatal surgiu primeiramente em Fran?a. Esta vis?o é a primeira aproxima??o da rela??o que a cultura e o Estado mantêm actualmente no seio dos mais variados estados na??o, incluindo Portugal.Jeanne Laurent, politico Francês, que ocupou o cargo de Vice-Director de Espectáculos e Música inserido na Direc??o Geral das Artes Francesa entre 1946 e 1952, foi pioneiro no desenvolvimento de uma nova rela??o entre o Estado e cultura, aproveitando o contexto de renova??o urbana promovido pelo segundo pós-guerra. A sua actividade levou à implementa??o de um programa de descentraliza??o do Teatro francês, com vista a torna-lo acessível e a populariza-lo entre os habitantes da província. O sucesso desta ac??o e a aproxima??o entre política e cultura levou à ideia de que era necessário fazer mais e melhor pela Cultura e que esse trabalho era da responsabilidade do poder estatal. Limitada a uma Direc??o Geral das Artes, com verbas muito reduzidas, urge a necessidade da cria??o de um Ministério para aumentar n?o só as verbas, mas também a ac??o estatal no apoio à cultura. Jeanne Laurent foi uma das vozes que concebeu uma série de argumentos a este respeito, criando mesmo um plano a sete anos que além de reconhecer a necessidade de mais financiamento para a cultura por via estatal, previa uma reforma social que aproximaria os criadores artísticos do estado. Acresce a isto o facto de em 1956, Robert Binchet, Alto Funcionário da Secretaria de Estado para as Artes e Letras, ter redigido e publicado um artigo nos “Chaiers de la Republique”, o “Pour un ministere de Arts” em que defende a cria??o de um verdadeiro Ministério das Artes descrevendo a suas tarefas pormenorizadamente e insurgindo-se contra o abandono a que a III República tinha vetado a cultura. Esta concep??o que via a cultura como um direito atingiu inúmeros políticos e intelectuais franceses e a sua compila??o pode ser encontrada no livro de 2012, Cultura e Estado: A Politica Cultural em Fran?a, 1955-2005 por Gentil e Poirrier. Conceitos como a democratiza??o cultural, o apoio do Estado à cultura, educa??o para as artes, que só ser?o introduzidos na discuss?o no panorama português décadas mais tarde, est?o no centro do debate na Fran?a no início dos anos 50. No seguimento deste debate, é criado em 1959 o primeiro Ministério da Cultura, chefiado por André Malraux. O Decreto-lei de 24 de Julho de 1959, que estabelece a sua cria??o, apoia-se no postulado de tomar a cultura como um direito para legitimar a sua miss?o: “O ministério encarregado dos assuntos culturais tem a miss?o de tornar acessíveis as principais obras da humanidade e, primeiro, da Fran?a ao maior número possível de Franceses; garantir o mais vasto público para o nosso património cultural e favorecer a cria??o de obras de arte e do pensamento que o enrique?am” (Gentil e Poirrier, 2012:19). A sua ac??o, inovadora para o panorama anterior da interven??o estatal no acesso à cultura, passa pela cria??o de uma Rede Nacional de Casas de Cultura, por todo o território francês na tentativa de permitir uma democratiza??o cultural através de um acesso facilitado à cultura. No entanto, esta interven??o come?ou também a cobrir a cultura de uma retórica estatal, através da quest?o das inclus?es e das exclus?es pela sua institucionaliza??o através das escolhas que eram feitas em rela??o ao que passaria por estas casas de cultura. Ao longo do exercício deste cargo, André Malraux também expressou o seu desejo de tornar a cultura gratuita, nomeadamente o Teatro, como forma de combater a “gan?ncia” dos privados em lucrar com este ramo expressando-o em vários discursos como: “Mas, senhoras e senhores, no que se refere aos teatros nacionais, deveríamos chegar n?o a uma mera desonera??o, mas sim à gratuidade. O teatro gratuito! (…) ? preciso admitir que, um dia, faremos pela cultura o que Jules Ferry fez pela educa??o: a cultura será gratuita” (Cit. In Gentil e Poirrier, 2012:63). Podemos constatar que a facilita??o do acesso à cultura através da dissemina??o de infraestruturas como as casas de cultura e a procura da gratuitidade ou de pre?os reduzidos para a frui??o de actividades artísticas norteou a ac??o dos decisores políticos que viam a cultura como um direito a ser garantido pelo Estado. Contudo, estas medidas foram consideradas pelos críticos como insuficientes para a dimens?o da tarefa, uma vez que julgavam a escassez de público pela dificuldade de acesso à cultura e ignoravam as quest?es de estética e de conteúdo que essas mesmas estruturas albergavam. Em 1964, o Servi?o de Estudos e Pesquisas do Ministério dos Assuntos Culturais Francês leva a cabo uma pesquisa conduzida pelo sociólogo Francês Pierre Bourdieu e por Alain Darbel com Dominique Schnapper que culmina na obra O Amor Pela Arte. Nesta, o autor defende que a diminui??o de barreiras entre a cultura (que neste caso seria entendida como erudita, algo que discutiremos adiante) e as classes da popula??o que anteriormente à adop??o destas medidas n?o teria acesso à mesma, n?o era suficiente para as aproximar: “If it is indisputable that our society offers to all the pure possibility of taking advantage of the works on display in museums, it remains the case that only some have the real possibility of doing so” (Bourdieu e Darbel, 1991:37). Esta possibilidade é debatida através do conceito de “necessidades culturais”, que regem a procura de actividades artísticas pelos indivíduos que necessitam satisfazê-las. Essa necessidade de satisfa??o é adquirida, segundo Bourdieu, através da educa??o, uma vez que é patente em indivíduos com um nível de escolaridade mais elevado, verificando-se o maior número de vezes que estes visitam museus e a maior demora que as suas visitas apresentam, apesar de a acessibilidade física e económica estar garantida a todos. O tempo despendido por visita, por cada classe e consequente nível médio de educa??o, também pode ser teorizado na dificuldade que as classes com um grau menor de forma??o (que despendem menos tempo em média nas suas visitas) podem ter na apreens?o do significado das obras com que s?o confrontadas, podendo este argumento atentar contra os princípios democratizadores da cultura expressos anteriormente pela retórica estatal, uma vez que se verifica que a facilidade física de acesso às artes n?o constituía de facto uma democratiza??o das mesmas, uma vez que a sua produ??o ainda é direccionada às classes para quem a arte sempre foi acessível e inteligível, pois s?o partilhados com os produtores da mesma. Em jeito de conclus?o podemos dizer que “Os resultados de pesquisas foram de encontro a essa suposi??o, mostrando que as barreiras simbólicas eram factor preponderante, impedindo que novos segmentos da popula??o tivessem acesso à oferta da cultura ‘clássica’” (Botelho in Lacerda e Gomes, 2013:44).Apesar da vis?o crítica apresentada, o postulado da democratiza??o cultural foi seguido por outros países Europeus. Em 1949, uma Autoriza??o Real, documento que capacita a existência de certas organiza??es no Reino Unido definindo as suas fun??es, cria o Bristh Council of Arts, um organismo público sobre a al?ada governamental, dedicado à promo??o das Artes e da Cultura Brit?nicas.Financiado pelo Governo Brit?nico e pelas receitas provenientes da Lotaria Nacional, o Bristh Council of Arts foi um importante órg?o de apoio às actividades culturais na Gr?-Bretanha, sendo a sua ac??o comparável à de um Ministério da Cultura, igualmente debatida no seio do Parlamento.Em 1994, este organismo sofre uma restrutura??o e é dividido em 3 organismos independentes: O Arts Council England, Scottish Arts Council e o Arts Council of Wales. Actualmente sobre a al?ada do Ministério da Cultura, Desporto e Media, o British Council of Arts apoia actividades culturais que se estendem sobre os mais variados espectros culturais, assim como programas de educa??o para as artes nas escolas, inclusivos para todas as classes. O seu plano de ac??o a 10 anos (2010-2020) e a defini??o de uma política holística que integra n?o só o valor económico mas também social e de promo??o de uma educa??o artística para todos, constitui uma política inovadora no que diz respeito à concerta??o estratégica para o apoio à cultura.Através dos casos históricos da Fran?a e da Inglaterra podemos observar que as políticas de apoio à cultura floresceram no pós-guerra, ganhando o domínio artístico uma import?ncia acrescida na reconstru??o pós-guerra, tanto no sentido urbano como no sentido identitário, sendo utilizado para a refunda??o de uma identidade nacional através da preocupa??o em difundir e democratizar o acesso a actividades artísticas vistas como um meio de produ??o de referentes simbólicos. A dissemina??o desta ideia e destas políticas culmina na introdu??o do direito à cultura em 1966, no Pacto Internacional Pelos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que assim, considera que é dever do Estado garantir aos seus cidad?os o direito “de participar da vida cultural; beneficiar do progresso científico e suas aplica??es; beneficiar da protec??o dos interesses morais e materiais que decorrem de toda a produ??o científica, literária ou artística de que cada um é autor” (art. 15, I Cit in Lepos, 2015:204).Podemos atestar ent?o que a liga??o do Estado à cultura se torna cada vez mais forte nesta e nas décadas seguintes, sendo consagrada em legisla??o internacional. Este facto gra?a outra import?ncia a esta din?mica, uma vez que a entrada na esfera jurídica e o reconhecimento da sua import?ncia for?am o seu aparecimento nos Estados em que esta n?o existe e o seu crescimento nos restantes onde já haveria a liga??o, levando assim ao crescimento dos apoios e iniciativas assim como a forma??o de uma consciência social focada nas artes e na sua actividade, originando o crescimento dos públicos e do sector artístico.1.3 As Indústrias Culturais e CriativasEste crescimento do apoio do Estado à cultura levou ao crescimento do sector, tanto em termos da oferta, como da import?ncia que esta assumia na sociedade. Podemos argumentar que este fenómeno ocorreu de uma maneira generalizada na Europa, n?o atingindo contudo Portugal, que se encontrava mergulhado num regime ditatorial onde o apoio do Estado à cultura era um meio de propaganda ideológica. No entanto, por toda a Europa, o segundo pós-guerra trouxe mudan?as importantes em termos socias, políticos e económicos. Mais tarde, a queda dos postulados modernistas abriu caminho para as concep??es pós-modernistas que se caracterizavam por um abandono de narrativas totalizantes e da procura de verdades absolutas e por uma dissolu??o de barreiras e o abandono da diferencia??o que estas criavam dentro da sociedade: “Post modernism envolves a dissolving, not only between high and low cultures, but also boundaries between diferent forms such as tourism, art, education, photography, television, music, sport, shopping and architeture” (Urry, 1990:74). Esta dissolu??o de barreiras tomou uma faceta importante do ponto de vista artístico e social, pois, com o crescimento tecnológico e de popula??o das áreas urbanas criam-se as condi??es para o que seria apelidado de cultura de massas. Originária dos Estados Unidos da América, com a entrada da televis?o nos lares, a massifica??o de formas, imagens, músicas e express?es culturais estendeu-se até à Europa. Esta, acessível a todos quer em termos físicos aliada à dissemina??o tecnológica, quer em termos abstractos pela partilha de representa??es que a tornavam inteligível a todos, diferenciava-se da cultura erudita cujo acesso e compreens?o funcionariam como meio de distin??o social de classe.Esta dualidade seria negada à luz dos postulados pós-modernistas, que transformam no seu discurso algumas das características atribuídas à cultura de massas de forma pejorativa em oposi??o às formas eruditas como por exemplo o dualismo distrac??o/contempla??o e valor económico/valor intrínseco, em características com um sentido valorativo, legitimando a sua existência e consumo do mesmo modo que a cultura erudita. “Postmodern cultural forms are not consumed in a state of contemplation (as at the classical concert) but of distraction. Postmodern culture affects the audience via its immediate impact, though what it does for one, through regimes of pleasure, and not though the formal proprieties of aesthetical material. And this serves to undermine any strong distinction between high culture enforced by an elite knowledgeable about the aesthetics of a given sphere (painting, music, literature) and the popular or low culture of the masses. Post modernism is anti-hierarquical, opposed to such vertical differentiation”(Urry, 1990:76).A quebra de barreiras n?o só entre classes e formas de cultura, mas também entre domínios sociais leva que a rela??o entre a economia e a cultura cres?a: “Commerce and culture as indissolubly interwined in the post modern” (Urry, 1990:77). Esta conjectura, aliada ao panorama capitalista de maximiza??o de lucros em que nasce a cultura de massas leva a que o sector privado veja o sector cultural como um bom investimento e que para estes direccione os seus recursos o que constitui um desafio para a rela??o entre a cultura e o Estado. Poderiam os interesses privados tomar o lugar do Estado no apoio à cultura? Ver a cultura como meio de riqueza constituía uma afronta ao valor artístico do que era produzido? Haveria diferen?as entre actividades apoiadas pelo Estado e actividades apoiadas pelos privados no que diz respeito à sua qualidade artística?Esta tríade que envolve o Estado, a cultura e os privados adensa-se a partir de duas mudan?as significativas na rela??o que estes domínios estabelecem com o da cultura. Da parte do Estado, como já mencionado anteriormente, nasce a necessidade de tomar a cultura como um direito de frui??o de todos os cidad?os, o que leva à condu??o de apoios para o sector artístico, e na contemporaneidade à integra??o das artes nos programas de educa??o. Da parte do sector privado, o desenvolvimento do capitalismo promove a entrada da lógica de mercado no sector cultural tomando estas actividades como produtos. Esta “economiza??o da cultura” é definida como sendo “a tendência para integrar procedimentos e fun??es características da organiza??o empresarial nas várias etapas de circula??o dos bens culturais, valorizando-se o papel da gest?o planeamento, programa??o, divulga??o e marketing cultual” (Gomes et, al 2006:121). O sector privado, reconhecendo a capacidade que as actividades culturais têm em criar e transmitir representa??es direccionam os seus fundos para o apoio das mesmas, dando origem a um fenómeno apelidado de marketing cultural. Este é definido por Rubim “como uma zona instável de trocas, nas quais se intercambiam recursos financeiros e valores, iminentes ao produto cultural ou dele derivados, como prestigio e legitimidade, repassados sob a forma de qualidades agregadas a uma imagem social” (Rubim, 1998:144)Para o campo cultural, que naturalmente precisa destes investimentos para a realiza??o das suas actividades, torna-se necessário balan?ar estes dois domínios e a forma como estes influenciam a sua produ??o correndo o risco de se deixar instrumentalizar pela retorica estatal ou o de ficar presa às demandas económicas do sector privado.No amago deste debate, ganha for?a o conceito proposto em 1944 de ‘indústrias criativas’ pela m?o de Adorno e Horkheinner, filósofos e sociólogos alem?es, no sentido de descrever a forma como o capitalismo e a massifica??o danificavam, no entender deles, a cultura e a estética das obras, apagando a arte tradicional e favorecendo em contrapartida, repeti??es de formas estéticas já conhecidas com vista a agradar o público e com isso, garantir os lucros através destas repeti??es seguras. O termo indústria criativa apresentaria assim uma conota??o negativa. A intromiss?o da economia e dos privados no sector cultural valorizaria no momento da produ??o o valor de mercado da obra, desprezando o seu valor artístico intrínseco. ? medida que o debate foi avan?ando, novas perspectivas emergiram. As indústrias culturais e criativas come?aram a ser vistas como fonte de aumento e diversifica??o da oferta, sendo abertas à experimenta??o de novas formas de exercício artístico e à integra??o de novos profissionais no sector, o que contribui para a sua constante revitaliza??o. A sobrevivência e crescimento deste sector dependem, claro, dos meios que este disp?e para o desempenho da sua actividade. Neste sentido a interven??o dos privados pode ser um meio de promo??o da oferta do sector cultural, que, com o seu crescimento, torna-se incomportável para o or?amento que o ministério disp?e para o seu apoio.Assim, a rela??o entre cultura e economia deixou cada vez mais de ser motivo de crispa??o, uma vez que a cultura abriu espa?o para investimentos privados que ajudaram à sua expans?o e diversifica??o, apresentando resultados positivos dentro do meio. A cultura precisava da economia assim como a economia precisava dos retornos e da din?mica que as actividades culturais lhe ofereciam. Esta liga??o levou à introdu??o de domínios como a moda, o design e a arquitectura no espectro das actividades artísticas, onde permaneceram juntamente com artes mais tradicionais como o Teatro e a dan?a por exemplo. Ao juntar estas actividades ao seu ramo de ac??o a cultura aproximou-se das empresas e da cidade e tornou-a numa actividade economicamente competitiva. “A UNESCO considera aliás, que o futuro da cultura está dependente do papel das indústrias culturais e criativas, situando-as descomplexadamente no contexto do comércio globalizado e das cidades cooperativas capazes de abrigar alguns dos segmentos mais din?micos do capitalismo contempor?neo” (Paiva, 2014:20).As indústrias culturais e criativas beneficiam da sua permanência em territórios urbanos, uma vez que a sua actividade pode chegar a um maior número de indivíduos, além das parcerias e colabora??es que podem estabelecer com outros agentes, como parte da din?mica intrínseca que estas possuem. A sua permanência no espa?o urbano possibilita-lhes também um maior acesso a equipamentos e meios para a concretiza??o dos seus projectos e muitas vezes a frui??o também de algum tipo de apoio por parte do poder local.Ao mesmo tempo, através deste dinamismo as áreas urbanas integram-nas como um meio de valoriza??o territorial e económico, estabelecendo através da sua actividade rela??es com o espa?o e com os indivíduos que o comp?em promovendo a coes?o social, dada a partilha de signos e significados que constroem em rela??o com quem deles usufrui, criando uma inteligilidade comum a partir da produ??o artística. No entanto, este discurso de coes?o social, proveniente de inúmeros agentes culturais como forma de valorizar o impacto das suas actividades, é contrariado por David Harvey na sua obra A Condi??o Pós-moderna. Nesta, ele argumenta que as barreiras entre certas concep??es que o pós-modernismo descartava, ainda se mantêm presentes na forma como, por exemplo, os consumidores de arte se tentam destacar dos demais pelo seu consumo e na forma como certas representa??es artísticas prevalecem sobre outras sustentadas no seu valor monetário. As condi??es de produ??o artística e os discursos à cerca desta devem ser analisados dado que “the more it turns in upon itself or the more it sides with this or that dominant class in society, the more the prevailing sense of the symbolic and moral order tends to shift” (Harvey, 1990:348).A quest?o das indústrias criativas e a sua fixa??o no espa?o urbano é também vista como forma de promover uma identidade cultural do lugar dado que estas s?o tidas como meio diferenciador e gerador de atractividade no espa?o, muitas vezes como resposta à degrada??o e desertifica??o dos centros urbanos. Este modo de ac??o é desde os anos 80 defendido e posto em prática por Charles Landry, criador do conceito de Cidades Criativas. Segundo este a criatividade surge como meio de reabilita??o das cidades, que através desta e do seu sector cultural se tornam mais competitivas e oferecem maior qualidade de vida. Desde os anos 80 que com o seu grupo de trabalho faz consultadoria e p?e este conceito em prática sendo que “desde meados dos anos oitenta, o objectivo principal deste grupo centrou-se na revitaliza??o social e económica das cidades e como as actividades culturais podem ajudar neste processo. Este grupo – Comedia – trabalha na elabora??o de estratégias urbanas, no estudo de qualidade de vida e no desenvolvimento da indústria cultural para a cidade e regi?o” (Mil?o, 2006:33). Exemplos da aplica??o prática deste conceito em cidades por todo o mundo podem ser encontrados em The Creative City de 1995 por Charles Landry. O conceito de cidades criativas toma a criatividade como for?a motriz para a constru??o de uma cidade e de uma sociedade melhores, no sentido em que é através da promo??o deste valor e das actividades a ela ligadas que se gerará uma melhor qualidade de vida. Podemos ent?o encontrar na obra de 1995 de Charles Landry um conjunto de condi??es que têm de ser satisfeitas na procura da cidade criativa ou de espa?os criativos recaindo um deles sobre os bairros urbanos e a concentra??o de indústrias culturais e criativas: ”Creative people and projects need to be based somewhere. A creative city require land and buildings at affordable prices, preferably close to other cultural amenities. These are likely to be available in urban fringes and in areas where uses are changing, such as former part and industrial zones. Cheap spaces reduce financial risk and therefore encourage experiment”(Landry, 1995:30). Contudo, esta procura por estes espa?os urbanos pode dar origem a um fenómeno conhecido por gentrifica??o na medida em que os efeitos positivos gerados pela instala??o destas indústrias criativas ou de actividades comerciais s?o tomados pela especula??o imobiliária que através da subida das rendas e dos bens de servi?os dificulta gradualmente a permanência dos moradores que ocupavam estas áreas, geralmente de rendas baixas, vendo-se assim estes impossibilitados de assegurar a sua manuten??o nestes espa?os. Em Vida e Morte nas Grandes Cidades, após expor a import?ncia que a diversidade e a comunh?o de diferentes indivíduos têm para a constru??o do dinamismo urbano e para a constru??o de áreas promotoras de bem-estar e criatividade, Jane Jacobs descreve o processo de gentrifica??o: “A diversified mixture of uses at some place in the city becomes outstandingly popular and successful as a whole. Because of the location’s success, which is invariably based on flourishing and magnetic diversity, ardent competition for space in this locality develops. (…) The winners in the competition for space will represent only a narrow segment of the many uses that together created success. (…) If tremendous numbers of people, attracted by convenience and interest, or charmed by vigor and excitement, choose to live or work in the area, again the winners of the competition will form a narrow segment of population of users. Since so many want to get in, those who get in or stay in will be self-sorted by the expense” (Jacobs, 1961:243).As possibilidades de reabilita??o destas áreas através das actividades culturais, apesar de valorizarem os territórios, funcionam como um processo de diferencia??o e de exclus?o para aqueles que se vêem impossibilitados de corresponder ao aumento do custo de vida. Os fenómenos de gentrifica??o nunca poder?o portanto corresponder a fenómenos de reabilita??o urbana pelo caracter de exclus?o e destrui??o das din?micas sociais que imp?em. Os bairros de Harlem e Soho como principais exemplos deste fenómeno de gentrifica??o s?o descritos por Neil Smith em The New Urban Frontiers: Gentrification and the Revanchist City.Estas perspectivas refor?am o cuidado que as abordagem à territorializa??o de iniciativas culturais têm que ter em conta, uma vez que diferentes actores comportam diferentes narrativas e diferentes pontos de vista dos efeitos que as suas ac??es têm nos territórios em que se inserem, e se de facto s?o promotoras ou criadoras de desigualdades.O Estado também pode ter um papel nesta discuss?o através dos discursos que produz, maioritariamente mediado pelas actividades e institui??es que promove e que apoia e o impacto que estas podem ter nas áreas onde se inserem. Assim, considero importante reflectirmos adiante como é que estes argumentos e exemplos provenientes da Europa do segundo pós-guerra foram integrados em Portugal nos anos 80 na sua abertura ao exterior após a revolu??o de 25 de Abril de 1974.1.4 Portugal e o seu Modernismo TardioAs transforma??es anteriormente mencionadas nos domínios da cultura, da interven??o do Estado nesta e da cidade também chegariam a Portugal, um pouco mais tarde e tomando uma forma diferente.Entre 1933 e 1974, Portugal encontrava-se mergulhado num regime totalitário, conhecido como Estado Novo. Partilhando com outros regimes fascistas características como a limita??o das liberdades individuais, no domínio cultural, essas limita??es passaram por a imposi??o de uma fiscaliza??o de todas as obras produzidas e consequente censura de todos os conteúdos que n?o se coadunavam com a retórica que o Estado Novo pretendia transmitir. A prevalência do Estado fazia-se sentir no domínio da produ??o cultural instrumentalizando este sector através das limita??es impostas às temáticas abordadas, levando assim a uma padroniza??o cultural por parte do Estado Novo, usando a cultura como instrumento para o exercício do seu poder e a reprodu??o do seu discurso.Ultrapassado este período, torna-se necessário repensar a rela??o que ligava o Estado à cultura, decorrente da mudan?a de panorama político, económico e social. Os primeiros anos depois da Revolu??o de 25 de Abril de 1974 foram de grande indefini??o tanto no campo político, como no campo cultural, com as estruturas artísticas a enfrentarem problemas na cria??o de din?micas próprias e na identifica??o de uma identidade criativa nacional. Neste período foi criada a Comiss?o consultiva para as Actividades Teatrais que esbo?ou o Projecto Lei do Teatro. Este apesar de nunca ter sido implementado “criou a ideia de teatro como servi?o público” no vocabulário nacional (Vasques, 1999:2) e com isso, trouxe também a funda??o do Centro Dramático de ?vora. Contudo, os avan?os eram escassos e, na década de 1980, o que come?ava agora a nascer em Portugal já era um dado adquirido por toda a Europa. Portugal, irá, assim, integrar algumas componentes das políticas que abordámos anteriormente em rela??o aos sectores cultural e político, individualizando o seu caso face aos seus congéneres, adoptando um modernismo tardio, caracterizado pelos programas de constru??o de infraestruturas e pela organiza??o de grande eventos culturais de repercuss?o europeia e internacional, como que numa tentativa de absorver e alcan?ar toda a influência e trabalho que já vinha a ser desenvolvido no estrangeiro. Com a tomada de posse do IX Governo Constitucional é criado o primeiro Ministério da Cultura que exerce fun??es entre 1983 e 1985, ganhando assim o domínio da cultura um ministério autónomo, invertendo a liga??o Estado-cultura de controlo para apoio. A integra??o de Portugal na Uni?o Europeia, em 1986, vem acelerar o crescimento cultural já em curso. Com a integra??o nesta comunidade, Portugal encontrava-se mais exposto a influências e políticas externas, passado o período totalitário em que havia alguns entraves a esta exposi??o. Além disso, Portugal pode também usufruir de um conjunto de fundos comunitários que abrangeram o sector cultural. Estes subsídios foram aplicados na organiza??o de eventos como Lisboa Capital Europeia da Cultura em 1994, a Exposi??o Mundial de Lisboa em 1998 e Porto Capital Europeia da Cultura em 2001. Estes eventos foram importantes para a integra??o portuguesa e da sua produ??o cultural nos circuitos europeu e internacional, assim como para a cria??o de públicos através do grande número de actividades culturais que foram desenvolvidas neste período. Dada a sua envergadura, estes eventos levaram ao crescimento do sector cultural devido à mobiliza??o de meios e pessoas que a sua dimens?o envolveu. O crescimento do sector é acompanhado pelo natural crescimento da oferta, que tem acesso a estas plataformas de exposi??o a outro nível. Em 1998, a Lei do Mecenato, que estimula pessoas singulares e colectivas a doar fundos à cultura com a promessa de retorno na forma de incentivo fiscal em redu??o dos impostos, além do retorno social de contribuir para a promo??o da cultura, come?a a ter influência na realidade artística portuguesa ao encontrar retorno junto de empresas e cidad?os individuais, demonstrando a crescente relev?ncia que a cultura ganhava na estes desenvolvimentos, surge à semelhan?a do que aconteceu pela Europa, a vis?o da cultura como um direito para todos os cidad?os e da necessidade da garantia da sua frui??o pelo Estado, dando origem à cria??o e dissemina??o de infraestruturas pelo território nacional, no sentido de promover o acesso à cultura junto de outros indivíduos que n?o só aqueles que habitam na capital e nas grandes cidades. O conceito de democratiza??o cultural e a sua aplica??o que já tínhamos observado em Fran?a integra agora as políticas portuguesas. A entrada na Uni?o Europeia constituiu, como refere Augusto Santos Silva, o apoio fundamental que faltava a Portugal para arrancar com o seu projecto cultural nacional, dotando o território de infraestruturas: “As últimas décadas de integra??o europeia trouxeram novas oportunidades de financiamento, de cria??o e desenvolvimento de projectos e foram a alavanca para as autarquias alargarem a sua interven??o à cultura, após superarem a necessidade de constru??o de infra-estruturas físicas ligadas às necessidades colectivas básicas” (Silva in Damaso 2013:1).Com a constru??o e renova??o de mais de 130 equipamentos culturais distribuídos por todo o território nacional, foram criadas infraestruturas que possibilitariam o desenvolvimento de actividades culturais numa área mais alargada do território nacional. Acompanhando o alargamento deste território cultural, o governo estabelece também uma série de programas como a Rede de Teatros Históricos, a Rede Nacional dos Teatros e Cineteatros, destinados a apoiar e a atribuir financiamentos a estas infraestruturas. Estas redes, na sua maioria já extintas, revelaram-se importantes nesta primeira fase das novas políticas culturais do Estado, uma vez que permitiram que este n?o se alienasse completamente da cultura após a concretiza??o das obras e facilitaram a circula??o de projectos até territórios que anteriormente n?o teriam tido a oportunidade de os receber. Contudo, a sua extin??o n?o acontece por acaso, dado que estas redes apresentavam debilidades que n?o conseguiram ser ultrapassadas. Apesar da constitui??o destas redes, n?o houve a concep??o de um plano estratégico para a valoriza??o destes novos espa?os. N?o foi tida em conta a necessidade de dinamiza??o dos mesmos, nem os territórios e públicos específicos que este integrava, sendo as possibilidades de capta??o de público inexploradas no seio destas redes. Olhando para este facto e apontando as suas debilidades, Carlos Vargas escreve para o “Observatório Politico” aquilo que ele considera ser o real objectivo alcan?ado por estas Redes: “Assim, os denominados programas ‘Rede de Teatros Históricos’, ‘Rede nacional de Teatros e Cineteatros’ e a ‘Rede Municipal de Espa?os Culturais’ foram meras fórmulas para colocar em negocia??o no espa?o politico a possibilidade de interven??o em equipamentos culturais por parte do poder local. Por detrás destas denomina??es n?o encontramos programas que revelem uma estratégia para o território, quer para os artistas, quer para os públicos” (Vargas, 2011:6).As décadas 80 e 90 foram assim marcadas pela expans?o do sector cultural em Portugal, quer através da constru??o de infraestruturas, quer pela realiza??o de eventos com projec??o europeia e internacional que captaram profissionais e visibilidade para o sector. Através destas duas din?micas, foram lan?adas as bases para uma nova etapa para o sector cultural português. Após a constru??o de infraestruturas e a capta??o e forma??o de profissionais na área, era agora hora de dinamizar estas estruturas e fomentar a actividades destes profissionais. Só assim seria possível crescer. 1.5 O Papel do Poder LocalA dissemina??o de equipamentos culturais pelo território português criou interroga??es quanto à quest?o da sua gest?o e financiamento. Com a Rede Nacional de Teatros e Cine Teatros a revelar-se insuficiente e a ser extinta na década de 90, uma estratégia nacional integrada para estes equipamentos tornava-se mais difícil, e, a fonte de dinamismo para estes veio do poder local, dado que muitos equipamentos culturais recém construídos já se encontravam sob a al?ada das autarquias, o que possibilitava uma maior proximidade entre o equipamento, o que nele ocorre e o território onde se situa. O espa?o que a cultura tinha ganho nos organismos de Estado, conquistava-o agora a nível local, com a cria??o de departamentos em vários municípios que trabalhariam exclusivamente o domínio da cultura, com or?amento destinado para o apoio e promo??o de actividades artísticas, promovendo também a sua liga??o com outros domínios, nomeadamente os da educa??o e da reabilita??o urbana.Tendo a cultura ganho um papel mais relevante e sendo o poder local o seu maior potenciador junto da sociedade, n?o é de estranhar que em 1999 esta rela??o entre poder local e cultura tenha sido legislada através do decreto-lei 159/99 que estabelece o quadro de transferência de atribui??es e competências para as autarquias locais: “A lei reconhece aos órg?os municipais competências para planear, executar e gerir centros de cultura e de ciência, bibliotecas, teatros, museus… apoiar projectos e agentes culturais n?o profissionais, actividades culturais de interesse municipal e a constru??o e conserva??o de equipamentos culturais de ?mbito local” (Melo, 2007:39). Assim, fruto da interven??o regular que as autarquias já tinham neste domínio, é criado um conjunto de procedimentos que atesta e sistematiza esta import?ncia e esta rela??o que tinha vindo a ser estabelecida. Natália Azevedo, socióloga, referia em 2003, a import?ncia que a cultura teria adquirido junto do poder local: “A cultura tem tido, nos últimos dez anos um enfoque político significativo no contexto das autarquias. O enquadramento jurídico e organizacional das quest?es culturais, os or?amentos, os projectos e actividades têm n?o só configurado modos locais de rela??o com a cultura, como garantido ao poder local uma particular visibilidade politica e social. Criar e dinamizar equipamentos com valências culturais tornou-se um dos objectivos estruturantes das políticas culturais municipais” (Azevedo, 2003:201).A entrega da gest?o destes equipamentos ao poder local traz um conjunto de vantagens uma vez que permite trabalhar os edifícios e as actividades que estes promovem numa óptica mais direccionada para o espa?o e território onde se inserem, sendo também possível integrar as opini?es e vis?es do público na sua gest?o, devido à proximidade do poder local face à gest?o estatal. Em territórios com vários agentes culturais, as C?maras Municipais poderiam intervir como elemento de concerta??o entre os mesmos, promovendo o diálogo e podendo até integrá-los em estratégias municipais culturais a longo prazo. Com a entrada das autarquias nas quest?es da cultura torna-se também possível o aumento e diversifica??o de financiamento para estas actividades culturais, uma vez que o poder local passa a contribuir, juntamente com o Estado que n?o se alheia da sua responsabilidade de apoio à cultura, com verbas para o exercício da mesma.A interven??o das autarquias no domínio cultural também pode trazer alguns problemas. Sendo que cada autarquia tem autonomia para gerir os recursos culturais de que disp?e, a import?ncia atribuída aos mesmos por cada uma pode trazer discrep?ncias a nível nacional, no que diz respeito ao acesso e promo??o de actividades culturais, assim como ao nascimento e fixa??o de novos agentes culturais em determinadas áreas.Sendo parte de um organismo municipal, pretende-se que o sector da cultura nas C?maras Municipais n?o deixe de ter uma vis?o holística e integrada da actividade cultural de que se ocupa, n?o se resumindo por isso a sua actividade à gest?o destes espa?os. Assim sendo, de forma a maximizar as potencialidades dos mesmos, as autarquias celebram contractos de gest?o com companhias de Teatro, dan?a ou equipas de gest?o artística que se ocupam exclusivamente dos mesmos e que reúnem maior foco nesta actividade do que qualquer quadro municipal poderia dispor. ? ligado a este contexto e à integra??o de uma lógica de mercado nas actividades culturais, que emerge a figura do programador, passando da sua existência limitada no tempo criada pela organiza??o dos grandes eventos anteriormente referidos ou actividades esporádicas, a uma mais constante e crescente presen?a situada nestes espa?os.1.6 Aparecimento e Defini??o do Programador CulturalO programador cultural é uma profiss?o relativamente recente no contexto português. Com passados artísticos diferentes e múltiplos, assim como a proveniência das suas áreas de forma??o, os programadores culturais afiguram-se, no entanto, como personagens cada vez mais importantes na introdu??o e expans?o da cultura, assim como na dinamiza??o dos espa?os em que a sua ac??o incide.A figura do programador cultural emerge apoiada nos grandes eventos culturais de dimens?o internacional, cuja organiza??o Portugal levou a cabo nos anos 90. Assim, como nos diz Cláudia Madeira, num artigo dedicado a estes profissionais Novos Notáveis – Os Programadores Culturais, o programador neste contexto “é tomado, tal como os notáveis que faziam a media??o entre a aldeia e a cidade, como o mediador entre a escala nacional e a escala internacional, como o detentor dos conhecimentos que lhe possibilitam fazer uma selec??o ou tomar uma decis?o sobre os projectos artísticos que lhe s?o apresentados” (Madeira, 2000:3).Findo este período de organiza??o destes eventos de projec??o mundial, o programador cultural volta o seu exercício para os espa?os culturais e a sua actividade passa da periocidade esporádica dos eventos para a constante da existência e necessidade de programa??o dos espa?os culturais. A entrada do programador em vários teatros e cine-teatros prende-se com a cedência da sua gest?o e programa??o por parte das autarquias a companhias artísticas. Esta op??o tem por base dois motivos: o primeiro, referido anteriormente, tem que ver com a falta de profissionais qualificados, à época, no ramo artístico, principalmente nas áreas de gest?o e programa??o uma vez que esta actividade n?o era requerida anteriormente por falta de dinamismo e como tal, n?o houve a cria??o de meios para a forma??o. Os programadores culturais apresentam currículos muito diversos e a sua forma??o incide numa vertente mais prática das actividades culturais que gerem, o que legitima a sua ac??o no meio artístico onde prevalece a opini?o dos pares como meio de legitima??o de qualidade. O segundo motivo relaciona-se com a redu??o de custos na explora??o destes espa?os. Verificou-se que a instala??o de uma companhia já existente num destes espa?os culturais era uma op??o mais vantajosa do ponto de vista económico, uma vez que evitava criar de raiz estruturas institucionais para essa fun??o, rentabilizando para isso as estruturas administrativas e os profissionais inerentes à existência das companhias só por si. Ao ceder estes espa?os a estruturas artísticas já concebidas as autarquias criam logo novas possibilidades tanto para as estruturas como para os espa?os. Por um lado, os espa?os culturais ganham um público estabelecido pela reputa??o anterior da actividade artística destes grupos e dos seus envolvidos, construindo assim a sua reputa??o no territó esta centraliza??o das actividades, estes grupos artísticos, além dos novos desafios de gest?o de programa??o que enfrentam, têm acesso a melhores condi??es para o exercício da sua actividade, assim como a possibilidade de privar com outros profissionais através da programa??o e o acesso a financiamento. Particularmente incidente sobre a área do teatro, o aparecimento do programador cultural é um passo do crescimento que esta área sofre com o aumento do número de infraestruturas no território nacional aliado à integra??o na vis?o capitalista das actividades culturais. Este processo de “economiza??o da cultura”, como já referimos anteriormente, veio abrir oportunidades ao desenvolvimento de novas fun??es e ocupa??es na organiza??o de actividades no sector cultural e artístico, consideradas decisivas para a visibilidade da produ??o e para uma efectiva recep??o. “Gestores, programadores, comissários, técnicos de marketing e outros intermediários culturais, tornam-se, pois, figuras cada vez mais requisitadas pelas organiza??es culturais que reconhecem a indispensabilidade das suas interven??es especializadas” (Gomes, 2006:122).Os programadores s?o vistos como responsáveis pela dinamiza??o destes espa?os de que ficam encarregues, procurando com a sua ac??o ajudar na rentabiliza??o do espa?o, numa época onde a cultura é vista com um bem mercantilizável, assim como na cria??o de uma narrativa artística que permita o enriquecimento dos territórios e do público a que a eles acorre, do ponto de vista cultural e social. ? assim de destacar a import?ncia que esta figura, apesar da sua recente ascens?o, adquire tanto no campo artístico, como no campo social.Os programadores culturais, nesta realidade, s?o a personifica??o da intercep??o dos mundos da cultura, da política e da cidade, tendo a sua ac??o de se estender a estes domínios quando o seu trabalho se concretiza em fun??o de um edifício cultural. Trabalhando em diálogo com artistas e criadores, aproximam o processo de cria??o ao processo de produ??o e difus?o, mediando a ac??o cultural dos criadores com a política cultural autárquica, ao mesmo tempo que os seus inputs e a sua vis?o dos públicos e das condicionantes económicas pode afectar o processo de cria??o.A fun??o do programador é fulcral para o exercício das artes no sentido em que as suas escolhas legitimam a existência e o sucesso de certos espectáculos informando o público e os pares do meio artístico da existência de valor numa obra, em detrimento de outras. Permitem que estes acedam a financiamentos e a públicos diversos. Em rela??o aos públicos, a ac??o do programador permite a constru??o de um imaginário artístico através da exposi??o a certas obras em detrimento de outras, moldando também a estética do individuo, confrontando-o com as formas artísticas que acha legítimas para o espa?o, o território e a narrativa que este pretende construir. O programador constrói a imagem e a relev?ncia que o espa?o cultural adquire, através da reputa??o que este ganha com a programa??o e cria??o artística que nele se concentra. Contudo, programar actividades culturais para um determinado espa?o, ou sobre a al?ada de um determinado evento n?o constitui tarefa fácil. Programar envolve fazer escolhas, pensar o público, o espa?o e a cidade. Programar envolve fazer inclus?es e exclus?es e construir uma retórica que confira coerência a essas escolhas. Na verdade, o processo através do qual se fazem estas mesmas escolhas n?o é linear e inclui muitas variáveis: “Deste ponto de vista, é preciso ter em aten??o que op??es se tomam ao programar, s?o também elas condicionadas por uma serie de factores que muitas vezes v?o para além do critério artístico e do gosto pessoal de quem programa. ? óbvio que o gosto pessoal estará sempre presente, em graus diferentes, em qualquer programa de teatro, no entanto, quem trabalha nesta área sabe que factores como a disponibilidade financeira, o equilíbrio e diversidade das áreas e disciplinas apresentadas, o processo interno de decis?o das estruturas, entre outras, condicionam em grande parte o resultado final apresentado ao público” (Afonso, 2007:109).A quest?o do programador teatral apresenta especificidades próprias, face aos seus congéneres. Em primeiro lugar, o teatro é uma arte que só se manifesta quando ocorre, querendo isto dizer que só vemos os resultados do seu trabalho no momento da apresenta??o do espectáculo, sendo o sucesso da actividade do programador reflectido mais no imediato, contrariando o que se passa por exemplo com a pintura e artes plásticas, que se prestam à contempla??o, à redescoberta e à durabilidade do seu registo no espa?o e no tempo. Em segundo lugar, os programadores culturais que trabalham na área do teatro deparam-se, na actualidade, com a necessidade de captar públicos para os espectáculos nesta área, uma vez que os números, apesar de em crescimento, longe est?o dos espectadores de cinema ou de concertos de música, por exemplo. Face a este facto, o programador cultural no campo do teatro e as estruturas sobre a sua al?ada têm integrado nos seus trabalhos, actividades vocacionadas para a inf?ncia e com um cariz pedagógico, funcionando como que uma educa??o para as artes e expondo as crian?as à import?ncia do teatro, no mesmo grau de relev?ncia com que somos todos os dias confrontados com exibi??es de filmes ou anúncios de concertos, criando assim hábitos de cultura para o teatro, através deste trabalho de inclus?o desta vertente pedagógica na programa??o.Programar n?o se afigura de todo uma tarefa fácil. Quando situado num espa?o cultural, o programador torna-se o elemento de media??o entre vários mundos. O mundo criativo requere a sua presen?a, como forma de valorizar os espectáculos através da sua selec??o, o mundo social exige que a sua ac??o traga dinamismo e que satisfa?a as necessidades culturais de que os territórios e público onde o espa?o cultural se integra padecem, acrescendo ainda a necessidade política de retorno económico face ao dinheiro que autarquias e Estado investem nestas estruturas. A ac??o din?mica do programador neste contexto situado poderá ser decisiva na import?ncia que os edifícios culturais ganham no contexto urbano, criando assim novas centralidades tendo por base a impuls?o da cultura, no seio das cidades.2 Coimbra: Do Teatro Universitário ao Teatro Profissional2.1 Teatro na Cidade de CoimbraA história do teatro em Coimbra está ligada a um dos organismos mais reconhecidos e que constitui a marca da cidade no mundo: a Universidade de Coimbra. Sem uma companhia de teatro profissional instalada na cidade, durante muitos anos, a vitalidade teatral da cidade de Coimbra surge através de grupos de teatro amadores, os grupos provenientes do teatro universitário. O TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra) é o grupo teatral mais antigo em actividade na cidade de Coimbra e o grupo de teatro universitário mais antigo ainda em actividade da Europa. Este grupo é criado em 1938 sobre a designa??o de Grupo Cénico da Sec??o de Fado Académico de Coimbra, sec??o esta pertencente à Associa??o Académica de Coimbra à qual o TEUC se mantem agregado ainda hoje e onde se encontram as suas instala??es, o Teatro de Bolso. A cria??o do TEUC traz a Coimbra a possibilidade de explorar caminhos criativos que até ent?o se revelavam impossíveis para quem queria contactar com o mundo do teatro. O TEUC, apesar de intrinsecamente direccionado para a comunidade estudantil, trabalha em Coimbra autores clássicos do teatro grego, assim como obras mais contempor?neas, incluindo autores portugueses. A sua actividade permitiu a emergência de alguns profissionais como Paulo Quintela e, através de uma política que procurava diversificar os encenadores com quem trabalhavam, exp?e os actores e públicos a diferentes estéticas e vis?es promovendo o seu enriquecimento. A par do TEUC, anos mais tarde, em 1954, nasce o CITAC (Circulo de Inicia??o Teatral da Academia de Coimbra), usufruindo também do estatuto de organismo autónomo da AAC (Associa??o Académica de Coimbra) e de instala??es (o Teatro-Estúdio) no edifício desta. Apostando também na forma??o, o CITAC persegue caminhos dentro do ramo do experimentalismo teatral, destacando-se assim do TEUC, e introduzindo esta vertente no panorama da cidade de Coimbra. Os respectivos sítios na internet enumera as inúmeras performances que estas estruturas levaram a cabo em Coimbra, sendo também de assinalar o artigo de Alexandra Silva de 2012, intitulado Teatro Universitário em Coimbra na Década de 1980 como referente para uma contextualiza??o história do trabalho destas estruturas.A existência desta vivacidade no ramo do teatro universitário na cidade de Coimbra foi extremamente importante, dado que durante anos estes organismos foram os principais responsáveis pela dinamiza??o do teatro em Coimbra e pela introdu??o de estéticas e vanguardas temáticas que, derivando do carácter associativo destes grupos, muitas vezes versavam tomadas de posi??o políticas e sociais de ruptura. Este facto aliás traria alguns dissabores na época que antecedeu o 25 de Abril, pois, estando Portugal mergulhado num regime totalitário, as produ??es eram alvo de controlo e censura, sendo inclusive o CITAC fechado pela PIDE (Policia Internacional e de Defesa do Estado, ou seja, a for?a policial ao servi?o do regime salazarista) em 1970, para reabrir em 1975, depois de derrubado o regime.O teatro universitário constituiu também uma fonte de forma??o prática para novos profissionais, promovendo anualmente cursos direccionados para estudantes nas áreas da cria??o e produ??o, que mais tarde poderiam, como aliás se verificou, vir a revelar aspira??es em continuar a exercer esta voca??o. N?o tendo Coimbra nenhuma escola ou curso de teatro à época, a forma??o oferecida por estes grupos neste contexto universitário era a única via de educa??o artística no ramo teatral em Coimbra. Outro factor demonstrativo da vitalidade e import?ncia que estes grupos de teatro universitário traziam à cidade de Coimbra pode ser observado na sua participa??o e organiza??o de festivais internacionais de teatro, nomeadamente a Semana Internacional de Teatro Universitário (SITU) organizada pelo TEUC, com periocidade de 2 em 2 anos (passando em 1986, a designar-se BUC – Bienal Universitária de Coimbra) que tornava Coimbra palco de inúmeras apresenta??es de grupos de teatro universitários das mais variadas proveniências internacionais, sendo o seu sucesso comprovado pelos cerca de 10 mil espectadores que este evento angariava: “pela SITU foram passando algumas das mais interessantes propostas do teatro universitário europeu, que ali encontraram o seu melhor palco, sendo este festival uma das mais importantes realiza??es do género na Europa e considerado, por organiza??es estrangeiras, como o lugar privilegiado para o confronto entre as várias escolas de teatro e os vários grupos universitários independentes” (Silva, 2012: 89). A vitalidade cultural de Coimbra era impulsionada e renovada por estes grupos, com mais espa?o criativo depois do 25 de Abril, que em contacto com este panorama internacional, integravam novas estéticas e ocupavam novos espa?os da cidade nomeadamente exposi??es em montras de casas comerciais, no criptopórtico do Museu Nacional Machado de Castro e no foyer do Teatro Académico Gil Vicente (Silva, 2012: 90), no caso do TEUC. O CITAC, integrando este caminho da explora??o espacial na sua estética experimental, desenvolve no período pós-25 de Abril performances e happenings em diversos espa?os da cidade, ocupando até carruagens de comboios e procurando a interac??o com o público através de sketches n?o ensaiados que pediam a colabora??o da assistência. Esta explora??o espacial, além de importante do ponto de vista criativo, pelas novas possibilidades que traz, é também importante para a cidade que integra no seu quotidiano estes acontecimentos culturais e a actividade dos principais dinamizadores teatrais da cidade. Alexandra Silva evidencia este facto ao real?ar que: “Tal como os locais ocupados pelo TEUC para as suas exibi??es, esta forma como os estudantes ocupam o espa?o urbano e se relacionam com o património histórico e arquitectónico é, também, uma forma de resistência. Gerou, por um lado, um interessante diálogo entre Academia e cidade, redescobrindo?se novas e diversificadas formas de contacto entre estudantes, popula??o e património, e levou à cria??o de espa?os onde a performatividade ganhou particular realce, ao subverterem?se os respectivos espa?os de interven??o” (Silva, 2012:91).O início dos anos 80 vê nascer em Coimbra outro grupo de Teatro n?o profissional, desta vez desvinculado do teatro universitário, a Cooperativa Bonifrates. Sendo um grupo n?o profissional, os membros da Bonifrates têm as mais diversas forma??es profissionais e assumem o teatro como “forma de interven??o cívica e cultural na vida da cidade” (Bonifrates – Quem Somos). Pela Bonifrates passaram nomes que viriam a ser preponderantes na cena teatral coimbr? como Manuel Guerra e Deolindo Pessoa.Nos anos 80 e 90, com princípios semelhantes aos das políticas de descentraliza??o francesas, come?am a surgir companhias de teatro profissional por todo o território nacional, fenómeno a que Coimbra n?o é alheia.2.2 A Escola da NoiteA primeira companhia de teatro profissional da cidade de Coimbra surge em 1992. O seu nascimento é promovido pela existência de um panorama favorável que cria condi??es até agora nunca reunidas simultaneamente para a existência de uma companhia de teatro profissional. Em primeiro lugar, A Escola da Noite nasce da identifica??o, por parte de um conjunto de indivíduos saídos do TEUC, da impossibilidade que enfrentavam ao quererem prosseguir uma carreira no mundo do teatro e de n?o terem plataformas para tal na cidade de Coimbra, seja do ponto de vista educativo, investindo na forma??o teórica, seja do ponto de vista prático, engajando no trabalho de alguma companhia já existente. A vontade deste grupo de ex-membros do TEUC encontra uma realidade favorável para a concretiza??o dos seus intentos, acompanhando o início e crescimento de várias iniciativas de ?mbito teatral na cidade de Coimbra, como descreve António Augusto Barros, um dos membros fundadores da Escola da Noite e seu actual Director Artístico e responsável pela programa??o: “Nós estávamos em 1991 quando tomámos a decis?o, no final desse ano. Portanto, estávamos a entrar em 1992 e havia aqui um contexto favorável ao teatro. Para além de haver teatro a vários níveis em Coimbra, havia também o contexto em que o Teatro Académico Gil Vicente (TAGV) tinha uma nova direc??o artística, deu uma volta muito grande nessa altura na sua programa??o, e eu digo, enfim, declarando interesses, porque eu a partir de 90 fui escolhido por concurso público para dirigir o TAGV. Esse era um dos dados contextuais. O outro é que, para além dos grupos universitários, existia também um festival de teatro universitário com grande repercuss?o que passava por ser um dos melhores festivais de teatro do país que era a BUC - Bienal Universitária de Coimbra, organizada, com relativa autonomia também por gente do TEUC. Para além disso foi lan?ada a ideia de criar um instituto, o Instituo de Teatro Paulo Quintela, dedicado a estudos teatrais e de investiga??o e anunciava-se esta [A Escola da Noite] companhia de Teatro profissional” (Entrevista – António Augusto Barros a 3/12/2015).Este florescimento de iniciativas e novas din?micas para o teatro na cidade de Coimbra em 1992, acontece num ano em que a cidade acolhe um evento de propor??es nacionais que viria a dar renovado vigor ao trabalho teatral na cidade: a elei??o de Coimbra como a primeira Capital Nacional do Teatro. Esta elei??o viria a ser o impulso decisivo que levaria à cria??o da companhia de teatro profissional, A Escola da Noite, como nos relata António Augusto Barros: “O secretário de Estado da Cultura da altura, que se chamava Pedro Santana Lopes, decide criar uma iniciativa, que era a Capital do Teatro, do País. Tinha feito uma tentativa em ?vora, mas foi apenas uma tentativa e queria faze-lo de uma forma mais sólida e chamou para isso um encenador, o Ricardo Pais. O Ricardo Pais conhecia o contexto em que estava Coimbra, tinha acabado de ser director do Teatro Nacional D. Maria, na altura e eu tinha feito parte da direc??o dele e vim para o TAGV quando terminou essa experiência. E portanto o Ricardo Pais, para além de me conhecer pessoalmente sabia que havia este novo contexto em Coimbra com o TAGV a mudar muito e sabia também destes projectos de criar o Instituto de Teatro, de criar uma companhia profissional. Portanto, o Ricardo Pais, que foi convidado pelo Santana Lopes, para fazer a Capital do Teatro mas sem indica??o em que cidade, é que prop?s Coimbra, conhecedor deste contexto. E para nós que tínhamos a inten??o, mas ainda n?o tínhamos concretizado essa inten??o de criar formalmente a companhia, A Escola da Noite, foi um contexto em que de repente, sendo nomeada Capital do Teatro Coimbra, e aparecendo uma companhia profissional, nós podíamos beneficiar disso mesmo, desse investimento teatral em Coimbra, e foi o que aconteceu. Nós tínhamos decidido isso nos últimos meses de 1991, e em 1992 estava a come?ar a Capital do Teatro em Coimbra, que depois se estendeu por 93. Nós a 27 de Mar?o de 1992 estávamos a estrear o nosso primeiro espectáculo” (Entrevista – António Augusto Barros a 3/12/2015). “Amado Monstro” a partir de "Amado Monstruo", de Javier Tomeo com adapta??o teatral de J. J. Préau, Jacques Nichet e Jo?lle Gras, estreia a 27 de Mar?o de 1992, sob al?ada d’A Escola na Noite no Teatro Académico Gil Vicente. Em cena durante 18 sess?es, a primeira encena??o de A Escola da Noite atrai um total de 2556 espectadores. Como fundadores desta companhia de teatro profissional podemos identificar 13 membros: António Augusto Barros (encenador), Sofia Lobo (actriz), Ana Rosa Assun??o (gráfica e figurinista), Rui Valente (produtor), Jo?o Mendes Ribeiro (cenógrafo), José Neves (actor), Lígia Roque (actriz), José Abreu Fonseca (actor), José Santana (técnico de som), Manuel Guerra (encenador), Jorge Ribeiro (técnico de luz), Rosário Rom?o (actriz) e António Jorge (actor) (A Escola da Noite – Weblog - Fundadores).O nascimento d’A Escola da Noite e a sua primeira apresenta??o auguram-lhe um futuro próspero. Por um lado, a sua existência vinha combater uma lacuna há muito identificada que se prendia com a n?o existência de uma companhia profissional de teatro em Coimbra, o que constituía uma quebra com o dinamismo que o teatro universitário inseria na cidade. Por outro lado, com Coimbra a ser eleita Capital Nacional de Teatro para o ano de 1992, esta companhia dispunha à partida de um financiamento atribuído e de um meio promotor da sua actividade, assim como uma abertura maior da cidade e dos públicos à existência de eventos culturais desta natureza. A Escola da Noite define-se no seu dossier de apresenta??o como companhia em forma??o, que pretende "’fazer caminho caminhando’, sem o espartilho de grandiloquentes postulados estéticos e culturais prévios (como se cada grupo devesse ter uma ‘filosofia’ ou uma ‘estética’ privadas…), que se tornam obsoletos no fragor dos primeiros embates. Sabe-se o que se quer fazer e como, mas pouco se intui do resultado do confronto da matéria teatral com o seu público, com a sua crítica, ou dos reflexos do funcionamento da ética do grupo e da prática artística em cada um dos seus elementos. (…) ‘Fazer um Teatro à medida das nossas dúvidas’ foi a fórmula que encontrámos para afirmar que n?o nos limitaremos a reproduzir fórmulas. Tentaremos que o nosso trabalho reflita, em cada momento, as nossas quest?es à norma, ao fazer teatral. (…)” (A Escola da Noite - Weblog- Dossier de apresenta??o in História Breve). Esta apresenta??o transmite n?o só a ideia de jovialidade do grupo na época da sua cria??o como também o seu passado ligado ao teatro universitário que desemboca no seu desejo em quebrar estéticas e postulados tradicionais. O convite a encenadores de fora para realizarem trabalhos pontuais com a companhia também integrava este postulado fundacional da diversifica??o das estéticas, da forma??o e da constru??o de uma companhia aberta: “n?o queríamos fechar-nos no nosso próprio projecto, queríamos desenvolver linguagens artísticas comuns, queríamos criar linguagens próprias, mas queríamos faze-lo em confronto com outros criadores, com a vis?o de outros criadores” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015). ? sob este panorama din?mico no campo teatral e com estes objectivos impulsionadores à cria??o e forma??o que nasce a primeira companhia profissional de teatro na cidade de Coimbra. No entanto, a constitui??o de grupos teatrais profissionais na cidade nos anos 90 n?o se ficaria por aqui.2.3 O Teatr?oDois anos após ter surgido a primeira companhia de teatro profissional em Coimbra, nasce em 1994, O Teatr?o – Companhia de Teatro para a Inf?ncia, no seio da mesma cidade e com a mesma vertente profissional na cria??o teatral. O nascimento desta companhia, apesar de 2 anos volvidos, é também fruto do evento Coimbra Capital de Teatro de 1992. Esta iniciativa, dada a sua dimens?o, abarcou diferentes valências dentro da prática teatral, sendo uma delas, o teatro para inf?ncia. Manuel Guerra, professor e encenador, também ele um antigo membro do TEUC, seria indicado como responsável pela programa??o deste segmento, fruto da sua liga??o ao teatro para a inf?ncia e da proximidade que mantinha com professores e educadores de inf?ncia através do ensino da unidade curricular de Express?o Dramática na Escola Superior de Educa??o de Coimbra. ? fruto deste trabalho que no ano de 1993, Manuel Guerra é abordado pelo Secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes, que o desafia para a cria??o e instala??o na cidade de Coimbra de uma companhia de teatro profissional, vocacionada para o teatro para a inf?ncia.O Teatr?o nasce assim com esta miss?o, a da encena??o de pe?as voltadas para um público infantil, trabalhando autores clássicos e contempor?neos ou mesmo cria??es próprias. Com um público-alvo assumidamente infantil é natural assumirmos que além da cria??o, a miss?o desta companhia envolva também uma componente pedagógica de educa??o para as artes e cria??o de hábitos de ida ao teatro nas crian?as, algo expresso nas suas encena??es e no projecto pedagógico que criam anos mais tarde: “O Teatro e a arte em geral têm uma fun??o de intervir na sociedade, de criar indivíduos activos, capazes de questionar o seu mundo e de intervir sobre ele activamente. O Teatro tem a possibilidade de permitir ver o mundo de forma diferente, de alargar horizontes. ? em torno desta ideia que a actividade da companhia se faz. Se todos os espectáculos d’ O Teatr?o s?o produzidos tendo por base a proposta de discuss?o em torno de alguma inquieta??o que nos move, enquanto cidad?os e artistas, o projecto pedagógico d’ O Teatr?o nasce também deste contexto, sendo transversal a todas as actividades promovidas pela companhia” (O Teatr?o - Apresenta??o).Aceite o desafio, O Teatr?o apresenta a 22 de Junho de 1994, no Auditório do Instituto Português do Desporto e da Juventude em Coimbra, a pe?a “Eles devem andar loucos”, da autoria e encena??o de Manuel Guerra, que se manteve em cena durante 56 sess?es nas quais participaram 5947 espectadores. Da equipa d’O Teatr?o à data da sua funda??o faziam parte Manuel Guerra, Helena Faria, Nuno S. Silva, Pedro Tochas e Vítor Torres, colaborando também neste período nomes como José Luís Ferreira, Susana Paiva, Margarida Mendes Silva e Carlos Madeira e encenadores como Deolindo Pessoa e José Caldas (O Teatr?o – Primeiros Anos).Além do passado ligado ao Teatro universitário, nomeadamente ao TEUC e do seu nascimento ser impulsionado pela realiza??o de Coimbra Capital do Teatro em 1992, ambas as companhias partilham um factor que será determinante tanto na sua rela??o com o poder local, como com o espa?o urbano, os públicos e a cidade e que levará ao cruzamento das suas histórias: ambas nascem sem um espa?o definido para a concretiza??o da sua actividade, apresentando as suas encena??es em espa?os difusos pela cidade nos primeiros anos. A procura activa de solu??es por parte das companhias e do poder local, assim como a interven??o estatal mudaria o rumo da história durante os anos seguintes.2.4 Constru??o do Teatro da Cerca de S?o BernardoFundada em 1992, A Escola da Noite, até ao ano de 1996 n?o encontra um espa?o fixo para a exposi??o das suas encena??es. Durante este período realiza apresenta??es em espa?os diversos da cidade, como Teatro Avenida, o Edifício das Caldeiras, o Teatro Académico Gil Vicente e o Cine-Teatro S. Teotónio. Porém, a companhia demonstrava ter outras ambi??es: “Nós sempre quisemos, como companhia que queria ser uma companhia de Coimbra, estar no centro da cidade, de preferência no cora??o da cidade. Quando aparecemos em 92 o panorama era muito pobre em espa?os e nós sabíamos disso” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015). Conscientes das limita??es que enfrentavam como companhia de teatro profissional por n?o possuírem sede própria para o exercício das suas encena??es, A Escola da Noite torna-se um organismo activo na procura de solu??es para este problema, explorando vários espa?os da cidade que n?o tendo as características necessárias para a prática teatral, poderiam ser adaptados para a mesma. ? nesta busca que, em 1995 encontram uma garagem, localizada no Pátio da Inquisi??o, propriedade da C?mara Municipal de Coimbra que era usada como espa?o de arruma??o. Esta garagem desperta o interesse da companhia, que com as devidas obras, considera tornar a garagem o seu espa?o de apresenta??o. Assim, em 1995, 3 anos depois do início da sua actividade profissional, A Escola da Noite firma um contrato que prevê a cedência e utiliza??o deste espa?o assim como a atribui??o, pela primeira vez desde a sua existência, de um financiamento anual de apoio à sua actividade por parte da C?mara Municipal de Coimbra. A 13? encena??o da Escola da Noite “Amores” a partir da “Tragicomédia D. Cristóbal” e de “O Retábulo de D. Cristobal” de Federico Garcia Lorca com encena??o de António Augusto Barros foi a primeira a ser estreada neste espa?o. O estabelecimento da companhia neste espa?o foi um passo muito importante na sua história e crescimento. Por um lado, situava o seu trabalho numa área central na vida da cidade de Coimbra, o Pátio da Inquisi??o localizado na Baixa, zona de reconhecida import?ncia histórica e quotidiana, cumprindo um desejo expresso d’A Escola da Noite, o de trabalhar com e para a cidade, partindo de uma posi??o central. Por outro, ao estabelecer-se, a companhia cativava o seu público para um espa?o específico e constante que a identificaria e centralizaria o seu trabalho, tomando-o como referência cultural no espa?o: “Criámos aqui um movimento cultural no centro da cidade, com grande dinamismo, no Pátio da Inquisi??o que n?o era o que é hoje, era um parque de estacionamento. Come?aram a vir autocarros de crian?as, de escolas, pessoas de todo o lado, houve uma grande curiosidade com a primeira companhia de Teatro profissional (…). Come?amos a criar aqui a nossa linguagem, a nossa diferen?a. Em determinada altura isso teve algum impacto e a C?mara decidiu também renovar esta parte em particular da cidade” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).A actividade desta companhia estaria também ligada a partir de 1996 à Cena Lusófona – Associa??o Portuguesa para o Interc?mbio Cultural através da participa??o de alguns dos seus membros na funda??o e constitui??o da mesma como, por exemplo, António Augusto Barros. Esta participa??o integraria A Escola da Noite num contexto internacional, mais especificamente ligado à lusofonia, com as vertentes de cria??o e forma??o teatral com e para os países lusófonos. A garagem onde a companhia desenvolvia a sua actividade por possuir uma altura insuficiente para o desenvolvimento da prática teatral e possuir uma estrutura degradada, tornou-se insuficiente para continuar a albergar o dinamismo e as ambi??es d’A Escola da Noite. Assim, a renova??o que era necessária para esta área da cidade de Coimbra, era também necessária para este espa?o d’A Escola da Noite.Desde o ano de 1997 que a C?mara Municipal de Coimbra tinha na sua posse um projecto de renova??o para o Pátio da Inquisi??o, concebido pelo Arquitecto Jo?o Mendes Ribeiro, personalidade ligada A Escola da Noite através da concep??o de várias cenografias para a companhia. Este projecto previa “como estratégia da cidade a defini??o do pólo cultural neste área, que inclui a reabilita??o do edifício pré-existente, a constru??o de edifícios de constru??o de raiz e a requalifica??o do espa?o público.” (Entrevista - Jo?o Mendes Ribeiro a 15/02/2016). As inten??es desta concep??o arquitectónica fazem dela o primeiro passo para a requalifica??o urbana da Baixa e da Rua da Sofia. Este projecto ficaria parado na C?mara Municipal, até 1999, ano que a visita de Manuel Maria Carrilho, Ministro da Cultura, despoleta a assinatura de uma série de protocolos que serviriam como medidas de combate a lacunas previamente identificadas na área cultural em Coimbra, como por exemplo, a insuficiência estrutural das instala??es d’A Escola da Noite e dos Encontros de Fotografia em Coimbra que, por sua vez, viriam a impulsionar as obras de renova??o do Pátio da Inquisi??o para a instala??o condigna destes dois organismos culturais. Além de criar instala??es para estes dois grupos e mais tarde para a Cena Lusófona, o projecto previa a edifica??o de uma livraria de arte e de um café-concerto entre a zona do Pátio da Inquisi??o e da Cerca de S?o Bernardo, assim como a saída gradual dos servi?os camarários que estavam instalados nesta zona, tornando-o num verdadeiro pólo cultural da cidade.A assinatura do protocolo de constru??o de um novo teatro e de renova??o do Pátio da Inquisi??o previa a conclus?o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo para o ano de 2002, sendo a obra fruto de um financiamento tripartido entre 3 entidades: a C?mara Municipal de Coimbra, o Ministério da Cultura e o Ministério do Equipamento. A renova??o desta zona traria contudo um problema: para acontecer, a garagem onde A Escola da Noite levava a cabo a sua actividade nos últimos anos teria de ser demolida, deixando a companhia novamente desalojada e com um futuro incerto. Surge assim a necessidade de encontrar um espa?o provisório que pudesse alojar n?o só A Escola da Noite, mas também O Teatr?o que também n?o dispunha de condi??es dignas para a prática teatral, as quais abordaremos adiante. A Escola da Noite, em conjunto com O Teatr?o e de forma mais preponderante com a C?mara Municipal na pessoa da vereadora da cultura Teresa Portugal, tomaram como demanda a procura de novos espa?os onde as companhias pudessem exercer a sua actividade, por tempo provisório. Contudo, esta busca revela-se infrutífera e a solu??o encontrada passa pela constru??o de um novo teatro, além daquele que estava a ser construído no Pátio da Inquisi??o. Este com características diferentes seria de edifica??o rápida e simbolizaria o cruzar da história das duas companhias de teatro profissional num mesmo espa?o – A Oficina Municipal de Teatro, localizada no Vale das Flores. Este, tal como o Teatro da Cerca de S?o Bernardo, seria um teatro municipal e, como tal, propriedade da C?mara Municipal de Coimbra.A Oficina Municipal de Teatro abriu porta no ano de 2002, ano em que inicialmente estaria prevista a conclus?o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo, no Pátio da Inquisi??o. Este espa?o permitiu ? Escola da Noite usufruir de um espa?o provisório para as suas encena??es através da ocupa??o da Sala Grande, espa?o este que constituía uma melhoria face à garagem adaptada no Pátio da Inquisi??o. Como parte do compromisso estabelecido pela C?mara Municipal, como entidade a quem pertencia este novo espa?o, a’O Teatr?o foram destinadas duas salas e um escritório, sendo as suas apresenta??es feitas noutro edifício da cidade.Os sucessivos atrasos, tanto na concep??o de uma solu??o que permitisse a demoli??o da garagem como no processo da obra em si, levaram a que a situa??o provisória d’A Escola da Noite se elevasse de dois para seis anos, tendo o seu término em 2008 com a abertura do Teatro da Cerca de S?o Bernardo.A mudan?a d’A Escola da Noite da Oficina Municipal de Teatro para o Teatro da Cerca de S?o Bernardo, apesar de só se concretizar em 2008, come?ou a ser negociada dois anos antes em 2006. Com membros e trabalho amadurecidos e com um novo espa?o, A Escola da Noite n?o só regressa ao centro da cidade depois de seis anos numa área mais periférica, mas também encara a possibilidade de crescer e extravasar o domínio da cria??o: “Por um lado a quest?o central era mudarmo-nos para o centro da cidade, onde tínhamos trabalhado e depois, era melhorar a possibilidade de sermos n?o só estrutura residente e de criarmos os nossos próprios espectáculos, como podermos gerir o teatro e a sua programa??o” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).Face a esta situa??o, em 2006, a C?mara Municipal e A Escola da Noite encetaram negocia??es com base em dois protocolos diferentes: Um protocolo de residência e um protocolo de gest?o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo. A assinatura do protocolo de residência n?o teve qualquer entrave por parte das duas entidades, uma vez que desde 1999, com a decis?o da constru??o deste edifício, que esta situa??o estava prevista. O protocolo de gest?o, contudo, n?o teve a mesma recep??o. O diferendo, que desenvolveremos num ponto adiante, prendeu-se fundamentalmente com a defini??o da responsabilidade da programa??o do espa?o: se esta ficaria entregue a A Escola da Noite ou ao pelouro da cultura da C?mara. O acordo entre as partes acaba por ditar que esta responsabilidade ficaria a cargo d’A Escola da Noite, assumindo-se o já director artístico e encenador da companhia, António Augusto Barros, como programador cultural, desde a mudan?a em 2008 até à actualidade. O facto de se tornar estrutura decisora no que concerne à programa??o cultural deste espa?o constitui o principal desafio que A Escola da Noite assume na mudan?a, sendo um passo importante na sua evolu??o como entidade artística e de referência no panorama urbano da cidade de Coimbra. O desafio pode ser ponderado pelos custos de manuten??o que o novo espa?o acarreta, além da necessidade de angariar fundos para a oferta de uma programa??o de qualidade, assim como o peso que constitui para uma equipa que anteriormente n?o tinha esta tarefa em m?os, ocupando-se unicamente da produ??o dos seus espectáculos. A Escola da Noite entra assim numa nova fase, em que além de companhia residente, acarreta também responsabilidades de programa??o e dinamiza??o de um espa?o cultural. ? neste contexto que a actividade d’A Escola da Noite se desenvolve até à actualidade, mantendo uma programa??o regular situada principalmente no Teatro da Cerca de S?o Bernardo. 2.5 Constru??o da Oficina Municipal de TeatroA Oficina Municipal de Teatro, localizada no Vale das Flores, Coimbra, é um edifício propriedade municipal, casa da companhia de Teatro profissional, O Teatr?o.Criada em 1994, só em 2002, é que O Teatr?o vê a constru??o de um espa?o tipologicamente adequado para a encena??o teatral destinado para a sua actividade e, só em 2008, é que o ocupa plenamente. A indefini??o quando à ocupa??o de um espa?o cultural leva a que até 2003, a actividade d’O Teatr?o aconte?a por vários espa?os da cidade, sendo os mais frequentes o auditório do Instituto Português do Desporto e da Juventude e, posteriormente, o Cine-Teatro s?o Teotónio.Em 1999, com a assinatura do protocolo para a constru??o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo, há a constata??o de que A Escola da Noite teria de se retirar da garagem ocupada neste espa?o para dar início às obras. Neste processo, tanto a C?mara como a companhia encetam uma busca entre alguns edifícios na cidade, que se revela infrutífera. Assim, A Escola da Noite, O Teatr?o e a C?mara Municipal de Coimbra chegam a um compromisso que estipula a constru??o da Oficina Municipal de Teatro, que albergaria numa primeira fase, A Escola da Noite na Sala Grande e a O Teatr?o na sala de ensaios e em dois escritórios para a execu??o de tarefas administrativas. A urgência de constru??o desta estrutura, dado que Coimbra possuía duas companhias de Teatro despojadas de espa?os condignos para a sua actividade e se preparava para receber um evento cultural de dimens?o nacional intitulado Coimbra Capital Nacional da Cultura, fazia com que a Oficina Municipal de Teatro tivesse de ser edificada num curto espa?o de tempo, e como tal, seria estruturalmente diferente do Teatro da Cerca de S?o Bernardo que tinha um prazo de constru??o à data da sua idealiza??o de 3 anos. Com este estado de urgência em mente, A Escola da Noite sugeriu que se contactasse o Engenheiro Jo?o Aides, que tinha sido o responsável pelo projecto do Teatro Experimental de Aveiro, um edifício que poderia ser um modelo para aquele que se pretendia edificar em Coimbra, dado o período de curta dura??o da sua constru??o. Depois deste contacto, ficou definido que o projecto da Oficina Municipal de Teatro teria características semelhantes ao Teatro Experimental de Aveiro. O projecto foi entregue aos arquitectos Gon?alo Louro e a Cláudia Santos que optaram pela edifica??o de um pavilh?o industrial com adapta??es acústicas promovendo assim a rapidez da constru??o que ficou concluída no mesmo ano da sua projec??o, 2002. Face à necessidade de estacionamento que o espa?o tinha e dado que as condi??es da sua constru??o levavam à utiliza??o de materiais que n?o se adequavam à estética urbana do centro de Coimbra, a C?mara Municipal de Coimbra definiu que este edifício ocuparia um terreno situado no Vale das Flores, uma zona periférica da cidade.A constru??o da Oficina Municipal de Teatro constitui uma viragem na história d’O Teatr?o. Com a conclus?o deste espa?o cultural, A Escola da Noite instala a sua actividade e as suas apresenta??es na Sala Grande e O Teatr?o instala os servi?os administrativos em dois escritório e na sala de ensaios, onde inicia o seu projecto pedagógico das Classes de Teatro. O crescimento da companhia está também espelhado no alargamento do público para o qual as suas cria??es se destinavam, passando o seu trabalho a direccionar-se de forma gradual para outras audiências, nomeadamente a infanto-juvenil, em 2002, com “Xmas Qd Kiseres” de Jorge Loura?o Ferreira com encena??o de António Mercado e Manuel Guerra, e por conseguinte o público adulto em 2004 com “Passagem” com encena??o de António Mercado.Em 2003, sendo Coimbra Capital Nacional da Cultura e uma vez que a Oficina Municipal de Teatro n?o dispunha de outra sala de espectáculos a n?o ser a Sala Grande ocupada pel’A Escola da Noite, O Teatr?o realoja a actividade no Museu dos Transportes. Este espa?o revelar-se-á de extrema import?ncia para O Teatr?o, uma vez que é nele que esta companhia exerce pela primeira vez as fun??es de programa??o, além das de cria??o artística. Localizado na Rua da Alegria, elo de liga??o entre a Baixa e a Universidade, o Museu dos Transportes localizava-se numa zona mais central da cidade e nele O Teatr?o cresceu, tanto em termos artísticos como na relev?ncia e reconhecimento que a sua actividade traria para a cidade.A responsabilidade acrescida n?o se revelou tarefa fácil, como é notado por Isabel Craveiro, actual Directora Artística d’O Teatr?o, que na época dividia o seu trabalho entre a produ??o e a apresenta??o de pe?as como actriz da companhia: “Houve imensas mudan?as porque do ponto de vista estrutural é muito diferente tu teres uma estrutura que apenas produz, que administra uma equipa que se junta para fazer uma produ??o ou teres uma estrutura fixa que de repente se alarga, e que está preocupada n?o apenas com a sua própria cria??o, mas com inúmeros problemas administrativos, financeiros, de gest?o que envolvem a programa??o de um espa?o. E depois obviamente, os grandes ganhos artísticos que isso traz, porque eu entro em contacto com uma data de criadores depois obrigam-te também a um exercício muito forte de pensar como é que se faz a comunica??o, como é que se pensa no público, espectáculos, com que criadores é preciso ir falar ou n?o, quem é que nós escolhemos para trazer … isso tudo é muito empolgante e foi muito interessante na altura nós fazermos” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).Com a actividade constante e de qualidade reconhecida pela comunidade coimbr? que criaram no Museu dos Transportes, O Teatr?o além de dinamizar um espa?o que n?o era visitado anteriormente, conseguiu também neste período alargar as suas produ??es, os seus membros e colaboradores e também os seus públicos. O resultado positivo alcan?ado pela companhia com as actividades de cria??o e programa??o no Museu dos Transportes, fez com que em 2008 com a ocupa??o definitiva da Oficina Municipal de Teatro, apos a saída d’A Escola da Noite, fossem atribuídas à companhia pela C?mara Municipal de Coimbra essas mesmas competências em rela??o a este espa?o. Ao contrário d’A Escola da Noite, que enfrentava o desafio de num novo espa?o, definitivo, come?ar a ser também responsável pela programa??o, para O Teatr?o a mudan?a mais preponderante que um espa?o definitivo trouxe foi o da periferia do mesmo no contexto da cidade de Coimbra. Este espa?o e a sua liga??o, como nos diz Isabel Craveiro, constituem um desafio para a actividade da companhia até ao momento presente: “Esta zona da cidade é uma zona sem hábitos de espa?os culturais. Tirando ali o centro recreativo do Norton de Matos n?o há (…) propriamente uma tradi??o porque é uma zona relativamente nova, é uma zona de expans?o e na verdade tem sido bastante difícil que as pessoas que vivem aqui à volta se relacionem com a programa??o d’O Teatr?o” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).A constru??o da Oficina Municipal de Teatro, apesar de trazer melhores condi??es para O Teatr?o, trouxe também devido à sua localiza??o novos estímulos, nomeadamente em rela??o ao público. O trabalho constante da companhia tem vindo a actuar no contexto espacial do Vale das Flores e urbano na cidade de Coimbra no sentido de esbater essa periferia.2.6 A C?mara Municipal de Coimbra e a sua Rela??o com o Teatro ProfissionalO período que decorre entre a cria??o das companhias profissionais de teatro sob as quais nos termos debru?ado e a actualidade, envolve, no contexto político autárquico da cidade de Coimbra, um conjunto de 4 executivos camarários que assumiram fun??es ao longo deste período e que nesse exercício contactaram com as companhias e com a cultura, assumindo sensibilidades diferentes. A cria??o d’A Escola da Noite e d’O Teatr?o, em 1992 e 1994, respectivamente, ocorrem durante o primeiro mandato de Manuel Machado que se inicia em 1989. Durante este primeiro mandato, o executivo de Manuel Machado depara-se com o facto da autarquia estar mergulhada numa dívida, o que n?o permitiria que o potencial governativo se pudesse exercer ao máximo. Este facto, como referiu Teresa Portugal, vereadora da cultura deste executivo, limitou os intentos da C?mara Municipal em várias áreas, entre as quais a cultura n?o foi excep??o. Contudo, n?o era só o factor financeiro que tinha limitado até à época a interven??o autárquica na cultura, sendo complementado com a falta de vis?o e dinamismo de que o poder local padecia perante este sector, faltando os incentivos ao seu crescimento e frui??o.O executivo de Manuel Machado constitui uma mudan?a, ainda que subtil, no que era a rela??o do poder local com a cultura. Com Teresa Portugal como vereadora, após ver o mandato renovado e as contas regularizadas, o pelouro da Cultura apoiou variados agentes culturais de Coimbra e elaborou um plano estratégico no que diz respeito à sua ac??o perante este sector. A C?mara Municipal de Coimbra come?ou a tomar como sua a responsabilidade da oferta cultural da cidade, n?o se centrando apenas nos apoios, mas também intervindo como promotora de actividades culturais.O crescimento que descrevemos anteriormente da actividade teatral em Coimbra foi assim acompanhado por uma matura??o da parte do poder local na sua rela??o com a cultura e com os agentes culturais, embora com algumas condicionantes face aos problemas financeiros que enfrentou, condicionantes essas que s?o reflectidas na falta de apoio de que A Escola da Noite padeceu nos seus primeiros 3 anos de existência.Uma vez que Manuel Machado esteve à frente dos desígnios da autarquia da cidade de Coimbra até ao ano de 2001, foi sua a responsabilidade de em 1999 receber em Coimbra a visita do ent?o Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho e de, nesta visita, assinar o protocolo que previa a constru??o de um novo teatro no Pátio da Inquisi??o e, assim, resgatar e encetar o projecto para a reconstru??o desta área e a sua transforma??o num pólo cultural. Como já referimos anteriormente, estas obras exigiam um realojamento d’A Escola da Noite, pelo que a companhia em conjunto com a C?mara Municipal partiram em busca de espa?os disponíveis temporariamente para a relocaliza??o da companhia. Teresa Portugal, vereadora da cultura, revelou que se “empenhou activamente” nesta busca, e n?o só em realojar A Escola da Noite mas também dar melhores condi??es a’O Teatr?o (Entrevista - Teresa Portugal a 05/03/2016). Após estabelecer diálogo com as duas companhias, e face às necessidades espaciais de que a cidade padecia no que dizia respeito a equipamentos culturais, fica alinhada a constru??o da Oficina Municipal de Teatro como referimos anteriormente, n?o só para servir os interesses imediatos d’A Escola da Noite, mas também para acolher as actividades da elei??o de Coimbra como Capital Nacional da Cultura para o ano de 2003.A continuidade destes projectos e desta vis?o é posta em causa quando em 2001, ocorre um novo processo eleitoral autárquico, que tem como principais oponentes Manuel Machado e Carlos Encarna??o. O primeiro sai derrotado, tomando assim posse um novo executivo que tem Mário Nunes como vereador da Cultura. Neste período de transi??o é abandonada a concretiza??o plena do projecto que tornaria o Pátio da Inquisi??o um pólo cultural da cidade de Coimbra. Actualmente neste espa?o, que foi melhorado, situam-se o Teatro da Cerca de S?o Bernardo, o Centro de Artes Visuais, a Cena Lusófona e a Mercearia da Arte. Contudo o projecto previa a constru??o de um café-concerto e de uma livraria cultural e, sobretudo, previa também a retirada dos servi?os camarários instalados nesta área, o que n?o se concretizou na opini?o do arquitecto Jo?o Mendes Ribeiro, responsável pelo projecto pela “falta de interesse da C?mara Municipal de Coimbra” (Entrevista - Jo?o Mendes Ribeiro a 15/02/2016).Um ano depois da tomada de posse deste novo executivo municipal, acontece em 2003 um grande evento de dimens?o nacional – Coimbra é nesse ano a Capital Nacional da Cultura. Como é sabido, as companhias teatrais profissionais da cidade ainda ocupavam os seus espa?os transitórios na Oficina Municipal de Teatro e no Museu dos Transportes pelo que foi nestes que desenvolveram as suas actividades no ?mbito deste evento. A classe cultural coimbr? foi muito crítica na forma como este evento foi gerido dado que a elei??o de Coimbra Capital Nacional da Cultura foi anunciada apenas um ano antes da sua realiza??o assim como a equipa responsável pela sua execu??o. Este facto era encarado como prejudicial para o sucesso do evento, uma vez que daria às entidades culturais pouco tempo de prepara??o para um acontecimento desta dimens?o. Apesar de Coimbra Capital Nacional da Cultura ter decorrido dentro da normalidade, anos após o seu término, a marca que um evento desta dimens?o deixa na sociedade, nos agentes culturais e na paisagem é pouco expressiva para um evento desta dimens?o revelando assim o pouco sucesso, justificado pela C?mara Municipal com a insuficiência de financiamento que esta actividade padeceu. Ultrapassado o período da Capital Nacional da Cultura, o executivo de Carlos Encarna??o teve de gerir a situa??o que os sucessivos atrasos na constru??o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo causaram e as consequências que estes trouxeram para as actividades das companhias que ficaram apreensivas pela situa??o transitória que parecia ser cada vez mais permanente.Nesta conjuntura, as rela??es entre o poder local e as companhias mantiveram-se relativamente estáveis até ao ano de 2006, altura em que surgem os primeiros sinais de crispa??o entre A Escola da Noite e a autarquia. No primeiro trimestre deste ano A Escola da Noite enfrentava uma situa??o complicada a nível financeiro, colocando em causa a continuidade da sua actividade. Esta precariedade financeira teria sido promovida pelo atraso no pagamento do subsídio de 2005 por parte da C?mara Municipal de Coimbra no valor de 75 mil euros.Avolumando esta problemática, o executivo camarário anunciou também um corte nos apoios à companhia para o ano de 2006, apoiado nos problemas or?amentais que a autarquia atravessava. O mau estar entre a companhia e a autarquia foi exacerbado pelas declara??es do vereador da Cultura, Mário Nunes, que perante a comunica??o social apelidou de “protocolos gravosos” os que ligavam a C?mara Municipal de Coimbra à Escola da Noite e ao TAGV e a actividade desta companhia como “lesiva do interesse do município” (Fonseca, 2006:34).A interferência que esta conjuntura teve na actividade criativa d’A Escola da Noite pode ser constatada n?o só pelas declara??es da mesma anunciando cortes na programa??o e pelo endere?o de uma carta ao executivo camarário na qual descreviam um “estrangulamento financeiro sem precedentes” (Fonseca, 2006:34), mas também através da própria divulga??o para o espectáculo em cena durante este período. Assim, o cartaz de “Profundo” apresentava as “desculpas” d’A Escola da Noite ao Dr. Mário Nunes pelos “prejuízos” que a actividade da companhia tinha causado ao municí o mau estar vivido entre A Escola da Noite e o poder local exposto em haste pública nos meios de comunica??o social locais e nacionais, a opini?o pública toma uma posi??o e gera-se uma como??o local expressa na elabora??o de um manifesto intitulado “Saneamento Básico da Cultura” por um grupo de cidad?os reunidos sobre o nome de “ProUrbe” em que expressavam: “Recusamo-nos a pactuar, com o nosso silêncio, com a humilha??o destes e de todos os agentes que têm prestado um servi?o público na cidade de Coimbra. Os profissionais da cultura n?o a merecem, mas, acima de tudo, a cidade n?o merece ser exposta ao ridículo desta forma. Exige-se da C?mara Municipal, e do seu Presidente, que esteja à altura das responsabilidades e das legítimas aspira??es de uma cidade que pode e deve afirmar-se regional, nacional e internacionalmente, pela cultura e pelo conhecimento” (PróUrbe - Sanear). Entre os signatários que constituíam este grupo de cidad?os podemos encontrar o nome de várias figuras ilustres da cena cultural e política da cidade, em particular, a já mencionada e ex-vereadora da cultura Teresa Portugal. No seu entender e como conhecedora do contexto, Teresa Portugal, considera que o mandato de Mário Nunes foi danoso para o trabalho que se tinha vindo a desenvolver, em parte potenciado pela “vis?o provinciana” que este tinha do sector cultural, o que fez com que a riqueza etnográfica da área rural circundante de Coimbra fosse equiparada às actividades culturais que se desenvolviam no espa?o urbano, n?o no sentido do seu valor artístico mas expressando-se na dota??o financeira atribuída e no patrocínio do seu exercício e da sua mostra na área urbana (Entrevista - Teresa Portugal a 05/03/2016). ? de destacar que o depoimento desta ex-veradora da cultura face a esta situa??o foca-se na ac??o de Mário Nunes pois sendo Teresa Portugal a antecessora de Mário Nunes é esta a posi??o que esta se encontra mais capacitada para julgar. Contudo, o manifesto de que é signatária faz uma crítica à actua??o global da C?mara Municipal de Coimbra.? debaixo deste período de consterna??o e tendo como protagonistas os actores que temos vindo a referenciar nas disputas anteriores, que no ano de 2006 come?am a ser negociados os protocolos de residência e de gest?o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo.O protocolo de residência foi assinado sem qualquer problema por ambas as partes uma vez que em 1999, aquando a celebra??o do protocolo da constru??o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo foi desde logo acordado que a sua edifica??o seria para colmatar a falta de condi??es de que A Escola da Noite padecia. As possibilidades que este novo espa?o oferecia e o investimento feito justificavam que a actividade neste fosse constante e n?o se limitasse às encena??es d’A Escola da Noite.Para assegurar e responsabilizar uma entidade por esta ac??o de programa??o seria necessário a assinatura de um protocolo de gest?o o que se revelou um processo mais complicado e que veio a encetar mais uma divergência entre A Escola da Noite e a autarquia. O diferendo nasce da vontade da C?mara Municipal de Coimbra em querer assumir os desígnios da programa??o do espa?o através do pelouro da cultura, mas dispondo para este efeito dos servi?os e do pessoal d’A Escola da Noite. Além disso, discutia-se também o facto de a C?mara Municipal de Coimbra querer proceder à instala??o de alguns funcionários num gabinete do Teatro da Cerca de S?o Bernardo em que A Escola da Noite queria instalar os seus servi?os administrativos. Contrariando a posi??o camarária, A Escola da Noite apresenta uma proposta de gest?o do espa?o sustentada na premissa de que “A Escola da Noite é detentora de experiência profissional, conhecimentos, recursos técnico e humanos e que disp?e a colocá-los ao servi?o da gest?o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo e que essa situa??o é vantajosa do ponto de vista artístico – pela constru??o de uma identidade programática-, na forma??o de públicos e no trabalho com o público escolar;” (A Escola da Noite – Protocolo de Gest?o Do Teatro da Cerca de S?o Bernardo)Com a celebra??o deste protocolo a nível de programa??o A Escola da Noite compromete-se que a mesma obede?a a critérios de qualidade e exigência artística, nomeadamente:“a) Equilíbrio entre diferentes formas de express?o artística;b) Equilíbrio entre diferentes segmentos de público-alvo;c) Estratégias de comunica??o, publicidade e capta??o e fideliza??o de públicos;d)Uma adequada articula??o entre as produ??es próprias e as iniciativas exteriores que venham a ser acolhidas;e)Uma adequada e rigorosa gest?o de or?amento para a programa??o que venha a ser definido em fun??o dos recursos captados” (A Escola da Noite – Protocolo de Gest?o Do Teatro da Cerca de S?o Bernardo)A Escola da Noite, com a celebra??o deste protocolo, assumiria também a gest?o administrativa do Teatro, que contempla os recursos humanos e a celebra??o de contractos e também os domínios da produ??o, comunica??o e marketing além da já assegurada residência e consequente cria??o. “Propusemo-nos, nomeadamente, a assumir as fun??es de gest?o e programa??o do Teatro, para além do papel que nos está reservado enquanto companhia residente. Mantemos essa disponibilidade e esse interesse, na certeza de que esta solu??o é a que melhor garante a cria??o de uma identidade artística e de uma coerência programática para este equipamento e aquela que, além disso, é a mais rentável do ponto de vista económico (porque permite optimizar recursos humanos e financeiros)” (A Escola da Noite – Posi??es Públicas – O Ponto da Situa??o).? nestes termos que a proposta de gest?o é aceite pela C?mara Municipal de Coimbra e é sob estes moldes que se exerce a ocupa??o definitiva em 2008 pel’A Escola da Noite do Teatro da Cerca de S?o Bernardo. Com a retirada desta companhia da Oficina Municipal de Teatro, abria-se espa?o para a ocupa??o plena deste por parte d’O Teatr?o, e foi nesta inst?ncia que esta companhia também negociou com a C?mara Municipal a assinatura de protocolos de residência e gest?o. Neste caso, a assinatura dos protocolos decorreu sem problemas e O Teatr?o assegurou a residência e a programa??o do espa?o, o que espelha a postura adoptada tanto pela C?mara que n?o colocou obstáculos a que estas actividades fossem exercidas plenamente pela equipa d’O Teatr?o, como por parte da companhia que vê como essencial a manuten??o de uma boa rela??o com a autarquia: “A rela??o com o poder local é boa, sempre foi e isso tem que ser. Vou passar a explicar, acho que quem mexe com dinheiro público tem que ter várias capacidades. Tem que ter a capacidade de perceber que está a mexer com dinheiro que n?o é deles e que nós estamos a fazer um servi?o público para as pessoas. Isso é uma grande responsabilidade para nós, mas também é uma grande responsabilidade de quem nos dá o dinheiro, certo? Ent?o, nós e C?mara Municipal que financia O Teatr?o partilhamos uma responsabilidade grande que é a de criar um servi?o para dar aos cidad?os desta cidade. E portanto, independentemente de nós pensarmos de maneiras diferentes, essa responsabilidade obriga-nos a termos que trabalhar juntos” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).Com a ocupa??o dos novos espa?os pelas respectivas companhias e a mudan?a de executivo que leva à saída de cena de Mário Nunes, as rela??es entre a autarquia e as companhias melhoram e conduzem-nos até à situa??o actual.Entre este período, o poder local ainda passa um período de instabilidade provocado pela demiss?o de Carlos Encarna??o, abandonando o seu terceiro mandato um ano após a sua elei??o motivado pela discórdia com as decis?es do governo que havia cancelado a obra do Metro Mondego, tomando o seu lugar o ent?o vice-presidente Jo?o Paulo Barbosa de Melo. Em 2013, há um novo período de elei??es autárquicas que marca o regresso de Manuel Machado à presidência da C?mara Municipal de Coimbra.Actualmente o Presidente da Camara de Coimbra mantem-se Manuel Machado, e a sua vereadora da Cultura é Carina Gomes. Esta, além de caracterizar como positiva a rela??o que a autarquia mantem com ambas as companhias, vê desta forma a responsabilidade do poder local para com os equipamentos de que é detentor e onde est?o instaladas estas estruturas: “Como proprietária desses teatros, a C?mara Municipal de Coimbra tem, naturalmente, o dever de zelar pela sua boa utiliza??o e abertura a públicos diversos, garantindo que as estruturas que os gerem o fazem da melhor forma possível. Assim, a CMC apoia a sua actividade e incentiva uma programa??o de qualidade, adequada ao espa?o e à dimens?o da cidade, mantendo-se atenta e disponível para colaborar em todos os programas que constituam uma mais-valia para a din?mica cultural da cidade. Por outro lado, incentiva as companhias residentes a melhorar o seu plano de comunica??o e divulga??o, no sentido de levar mais público aos seus espectáculos” (Entrevista - Carina Gomes a 02/02/2016).A ac??o positiva da autarquia pode ser atestada, por exemplo, na interven??o com um apoio refor?ado a nível financeiro a’O Teatr?o, após um duro corte no financiamento que este auferia por parte da Direc??o Geral das Artes. Contudo a actua??o da C?mara Municipal ainda continua a revelar algumas debilidades do ponto de vista dos agentes culturais, nomeadamente no que diz respeito à falta de um plano estratégico para a cultura e da concerta??o e diálogo que isso traria para os mesmos e para optimiza??o dos recursos que esta disp?e, sendo este um dos problemas indicados por Teresa Portugal na sua entrevista. A ac??o da C?mara Municipal também poderia potenciar a rela??o da cultura com outros domínios de ac??o municipal como a requalifica??o urbana e coes?o e integra??o social, factores que discutiremos adiante.3 O Programador Cultural no Contexto Teatral: Os Casos d’A Escola da Noite e d’O Teatr?oA Escola da Noite e O Teatr?o s?o estruturas que ao longo da sua história sofreram mudan?as significativas no que diz respeito à sua rela??o com o espa?o e infraestruturas que ocupam, como pudemos observar no capítulo anterior. Neste capítulo iremos debru?ar-nos sobre a actividade destas companhias nos espa?os que ocupam actualmente, atribuindo um enfoque especial à figura do programador. Para podermos tomar estas companhias como instrumentos de análise, é caro à antropologia que se exer?a um exercício de delimita??o, tanto dos actores que integram estas institui??es assim como do alcance das suas actividades.Tomamos como defini??o analítica para estas estruturas o conceito de “mundos da arte” descrito por Becker em 1982 no seu livro Art Worlds e cuja defini??o é: “Art worlds consist of all the people whose activities are necessary to the production of the characteristic works which that world, and perhaps others as well, define as art. Members of art worlds coordinate the activities by which work is produced by referring to a body of conventional understanding embodied in common practice and in frequently used artifacts. The same people often cooperate repeatedly, even routinely, in similar ways to produce similar works, so that we can think of an art world as an established network of cooperative links among participants” (Becker, 1982:34).Estes “mundos da arte”, assim definidos, n?o têm fronteiras e tomam a configura??o de redes que ligam os seus intervenientes durante a concretiza??o de um projecto artístico sobre o qual cooperam, cessando-se ou reconfigurando-se com o seu término. Definir a identidade dos intervenientes dos “mundos da arte” d’A Escola da Noite e d’O Teatr?o afigura-se como uma tarefa simples, uma vez que s?o as próprias companhias que os identificam num exercício da atribui??o de autoria dos trabalhos que estes indivíduos constroem em coopera??o. Pela extens?o que estes mundos da arte podem tomar haverá profissionais que n?o estar?o referenciados dado que a sua influência, ainda que presente no resultado final, n?o contribui de forma directa para a constru??o deste, mas sim, para a constru??o de componentes que vir?o a intervir no projecto.Assim, podemos observar que ambas as companhias possuem uma organiza??o mais ou menos semelhante sendo constituídas por uma equipa artística, uma equipa técnica e uma equipa administrativa. Apesar de serem profissionais com competências diferentes todos integram o mesmo mundo da arte da institui??o onde se inserem pois a sua ac??o é indispensável no projecto de coopera??o que é gerir e ocupar os edifícios pelos quais s?o responsáveis, pelo que além da cria??o consideramos que, pela sua complexidade, a actividade de programa??o também está embebida de uma vertente artística pelo exercício de procura de coerência e narrativa a que obriga. Esta vertente artística da actividade de programa??o encontra-se aberta a discuss?o, sendo que “na perspectiva de alguns profissionais e analistas da área [pode ser] equiparado a uma obra, pela pessoal conjuga??o de descobertas e escolhas (assump??o de risco) que comporta” (Gomes et al., 2006:122). Em todo o caso, consideramos esta perspectiva como aquela a adoptar para a prossegui??o dos nossos intentos.? ent?o de notar que, a nível artístico ambas as companhias possuem um director artístico e actores, sendo que A Escola da Noite lista ainda um cenógrafo e uma figurinista. Neste domínio, O Teatr?o identifica um dramaturgo como integrante da sua equipa artística. No seio da equipa técnica ambas as companhias s?o semelhantes enunciando profissionais diferenciados responsáveis pelo som, pela ilumina??o e pela fotografia. Finalmente a nível administrativo ambas as companhias registam a presen?a de um administrador e de um responsável pela contabilidade, apresentando A Escola da Noite uma responsável pela imagem gráfica e O Teatr?o responsáveis pela gest?o cultural e financeira, comunica??o e assessoria de imprensa e pela produ??o executiva (A Escola da Noite – Equipa Actual e O Teatr?o – Equipa).Decorrente da especificidade do trabalho que desenvolvem, albergando classes de teatro para todas as idades e pelo percurso voltado para a inf?ncia o qual ainda se mantem expresso na import?ncia que atribui à educa??o pelas artes, O Teatr?o possui ainda um conjunto de pedagogos e uma responsável pela coordena??o pedagógica, sendo que a maioria destes pedagogos n?o desempenham esta fun??o exclusivamente, aliando-a à actividade de actores da companhia.No entanto, retirando esta situa??o, decorrente da actividade diferenciadora que a companhia leva a cabo, podemos atestar que existe uma similaridade na forma como as companhias se organizam, definindo assim cargos idênticos dentro da sua estrutura. Estas semelhan?as n?o podem ser tomadas como um acaso, tratando-se portanto de uma das muitas conven??es por que se regem os mundos da arte.Este sistema de conven??es que impera nos mundos da arte é introduzido por Becker quando se refere à utilidade das mesmas na concretiza??o de um projecto: “People who cooperate to produce a work of art usually do not decide things in afresh. Instead, they rely on early agreements that have become part of the conventional way of doing things in that art”(Becker, 1982:29). Assim, “the possibility of artistic experience arises from the existence of a body of conventions that artists and audiences can refer to in the making sense of the work” (Becker, 1982:29).Face ao que referirmos anteriormente, se tomarmos as companhias O Teatr?o e A Escola da Noite como mundos da arte, onde os seus actores cooperam na concretiza??o do projecto de cria??o artística e programa??o para os espa?os da Oficina Municipal de Teatro e do Teatro da Cerca de S?o Bernardo através da utiliza??o de conven??es que podem justificar a organiza??o semelhante que as suas estruturas adoptam, estaremos perante o nosso objecto de análise. Com um sistema de conven??es em marcha, podemos questionar-nos como é feita a integra??o de novos elementos nestes mundos da arte, dado que n?o possuem conhecimento sobre as conven??es da mesma. Esta situa??o pode ser explicada através do depoimento de Ricardo Correia, ex-actor d’A Escola da Noite que colaborou com a companhia entre 2002 e 2006, quando descreve a sua experiência inicial neste processo: “Na altura veio muita gente, era para aumentar o elenco d’A Escola da Noite para 6 ou 7 actores, acho eu. Ent?o entrámos 6 pessoas, todas recém-licenciadas ou que estavam a come?ar o trabalho profissional. Mas foi assim um casting muito engra?ado, foi muito bem feito, era como se fosse uma espécie de workshop onde eles davam a conhecer o trabalho deles e também nos integravam em propostas” (Entrevista a Ricardo Correia em 11/03/2016).Este workshop, como é descrito, pode ser visto, à luz da exposi??o que temos vindo a fazer sobre os mundos da arte, como uma forma de integrar os novos profissionais nas conven??es da companhia e no trabalho que esta desempenha.Os projectos que estas companhias desenvolvem s?o o que marca, de facto, a sua identidade enquanto institui??o artística. Isto porque, apesar das conven??es, estas só se expressam na forma de concretiza??o destes projectos como elementos facilitadores, n?o actuando sobre o conteúdo artístico dos mesmos.Uma breve consulta ao reportório de encena??es que estas duas companhias levaram a cabo, indica que as temáticas e autores abordados s?o muito variados, mas que os elementos constantes que se verificam advêm de gostos pessoais dos programadores/directores artísticos/fundadores das mesmas. Passamos a ilustrar esta afirma??o com os exemplos d’A Escola da Noite e d’O Teatr?o. No que concerne a‘O Teatr?o, verifica-se a existência de um reportório voltado para o teatro de inf?ncia dada a exclusividade que a companhia oferecia a produ??es voltadas para este público. Embora as encena??es desta companhia já contemplem um público mais adulto, esta vertente do teatro infantil ainda se encontra patente no projecto pedagógico que levam a cabo e no discurso dos próprios quando caracterizam o seu papel e as suas ac??es.A voca??o da companhia para o teatro infantil foi definida no momento da sua funda??o, quando em 1993 o Secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes, aborda Manuel Guerra, responsável pela programa??o de teatro para a inf?ncia no evento “Coimbra Capital do Teatro” de 1992 para a cria??o de uma companhia de Teatro profissional voltada para o público infantil. Assim, esta companhia adopta a voca??o de um dos seus fundadores tomando como componente da sua identidade e miss?o a cria??o de espectáculos para a inf?ncia.Apesar de actualmente Manuel Guerra já n?o fazer parte da equipa d’O Teatr?o e de a companhia já integrar encena??es para públicos adultos na sua cria??o e programa??o, a aten??o ao público infantil n?o deixa de estar patente nos trabalhos da companhia através do projecto pedagógico. Este projecto leva a cabo actividades que em articula??o com a programa??o d’O Teatr?o permitem à companhia “desenvolver e refletir sobre a actividade criativa, criando pontes e construindo redes de sentidos entre as várias actividades bem como acentuar a tónica na componente formativa no ?mbito das experiências artísticas” (O Teatr?o – Projecto Pedagógico). Este projecto pedagógico, além de conter em si workshops e actividades pontuais de férias, tem como principal montra da sua express?o as Classes de Teatro. Estas, iniciadas também sob a orienta??o de Manuel Guerra aquando a ocupa??o da sala de ensaios da Oficina Municipal de Teatro, s?o a grande actividade deste projecto pedagógico, tanto pela sua dura??o como pelo número de participantes que cativam. As classes dividem-se por 4 escal?es e cada escal?o tem uma classe de inicia??o e uma de continua??o. Adiante pretendemos discutir a relev?ncia que esta vertente pode ter para a companhia e para a cidade. A men??o deste facto neste capítulo pretende demonstrar a import?ncia que a actividade do programador exerceu na defini??o da identidade da companhia e de actividades que tomaram e que actualmente ainda tomam forma no seio desta. A liga??o à inf?ncia está ainda patente na existência da modalidade do “Bilhete Família” que oferece descontos como incentivo para que as famílias frequentem o teatro, muitas vezes famílias com membros menores.A Escola da Noite, à semelhan?a d’O Teatr?o, também possui características na sua identidade artística enquanto companhia decorrentes de processos levados a cabo pelo seu director artístico/programador. Se nos debru?armos sobre as encena??es que esta companhia levou a palco durante estes 25 anos de actividade, encontramos uma particular incidência por textos da autoria de Gil Vicente. Esta vontade em desenvolver este autor é algo que nas palavras de António Augusto Barros está patente desde a forma??o da companhia: “Queríamos fazer Gil Vicente de uma outra maneira. E portanto come?amos também, a curto prazo, logo no início, a fazer uma abordagem a Gil Vicente que depois fomos, tocamos sempre desde o momento da funda??o até aos nossos dias” (Entrevista António Augusto Barros a 03/12/2015).Além da liga??o a Gil Vicente, é também patente na história d’A Escola da Noite a liga??o aos países lusófonos da qual nascerá uma institui??o a que actualmente se encontram vinculados de seu nome “Cena Lusófona – Associa??o Portuguesa Para o Interc?mbio Cultural”. A Cena Lusófona foi criada em 1995 com sede na cidade de Coimbra. As suas actividades passaram pela realiza??o de um festival de teatro rotativo pelos vários países de língua portuguesa, a inventaria??o de espa?os para a prática teatral nestes países, a constitui??o de um centro de Documenta??o e Informa??o, a publica??o de uma revista especializada e de uma colec??o de dramaturgia de língua portuguesa e a organiza??o de um estágio internacional de actores lusófonos que inclui três ac??es de forma??o que culminam numa co-produ??o internacional. Desde 2015 que esta associa??o ocupa a Ala Central do Colégio Das Artes no Pátio da Inquisi??o.A Escola da Noite e o Teatro da Cerca de S?o Bernardo s?o elementos constituintes desta associa??o e participam destas actividades. António Augusto Barros acumula fun??es de director artístico da companhia e de presidente desta associa??o e explica-nos como é que esta rela??o foi desenvolvida: “Eu sempre tive uma aten??o especial em rela??o a ?frica e a outras culturas, interessava-me muito a pesquisa sobre rituais, rituais iniciáticos, festas várias que se realizavam nas várias culturas em presen?a na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), gostava muito de conhecer um pouco isso, investigar um pouco isso e trabalhar com gente de lá. Sempre me interessou muito, fiz viagens a ?frica mesmo antes de se constituir A Escola da Noite e em determinada altura nós tivemos, enquanto A Escola da Noite, um convite da Funda??o Gulbenkian para levar justamente Gil Vicente à Guiné Bissau. E nós fomos, levámos o Auto da ?ndia à Guiné Bissau, o que constituiu lá um grande êxito” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).A recep??o que tiveram junto desta comunidade veio a despertar a vontade de estender esta colabora??o com os países de língua portuguesa, de fomentar este interc?mbio, n?o só de forma esporádica através de festivais mas também de forma continuada. E é no sentido de dar resposta a esta necessidade que parte de António Augusto Barros a ideia de cria??o desta associa??o. Apesar deste interesse pessoal, como foi conotado pelo próprio, do programador d’A Escola da Noite ter extravasado o trabalho da companhia e se ter materializado numa entidade própria, A Escola da Noite manteve uma aten??o especial a estas quest?es na sua programa??o e matriz: “essa é uma das características, essa aten??o ao interc?mbio, às outras culturas que se expressam também em língua portuguesa tudo isso acabou por ser também uma marca d’A Escola da Noite que nós temos desenvolvido muito e que nos diferencia” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).Através destes exemplos, ilustrámos a forma como os programadores e os seus interesses e aptid?es individuais podem influenciar a identidade e o trabalho das companhias em que se inserem. Esse facto é mais preponderante nestes casos uma vez que os programadores s?o também membros fundadores das ditas companhias. Contudo, no caso d?O Teatr?o, apesar de Manuel Guerra n?o estar presente, o projecto pedagógico actualmente em marcha integra-se na vis?o desenvolvida por Manuel Guerra para a companhia, na procura de contribuir para a constru??o de “indivíduos activos”, como definem a sua miss?o, come?ando pelas camadas mais jovens.A import?ncia dos programadores nos mundos da arte em que se inserem n?o se limita só à forma como influenciam as suas cria??es e identidade. A ac??o destes profissionais no momento de apresenta??o de uma pe?a de arte, seja ela de que tipo for, é decisiva como descreve Becker quando se refere à ac??o dos intermediários: “Artists, having made a work, need to distribute it, to find a mechanism which will give people with the taste to appreciate it access to it and simultaneously will repay the investment of time, money, and materials in the work so that more time, materials and cooperative activity will be available with which to make more work (…). Fully develop art worlds, however, provide distribution systems which integrate artists into their society’s, economy, bringing art works to publics which appreciate them and will pay enough so that work can proceed” (Becker, 1982:93).Tendo nós já definido o programador como figura que para levar a cabo o seu trabalho se move em diferentes domínios, nomeadamente dentro do contexto artístico onde as obras s?o criadas, mas também com preocupa??es económicas em termos de rentabilidade e responsabilidades sociais no sentido da constru??o de um imaginário e de referências artísticas através da inclus?o de determinadas obras em detrimento de outras, é fácil identificar nesta figura as características do intermediário de que Becker fala. A sua ac??o é fulcral para o desenvolvimento das actividades artísticas no seio do espa?o em que se insere. Ao ser responsável pela programa??o, este individuo possibilita outros criadores de aceder às instala??es onde a sua actividade programática se situa e regula também o tempo em que esta se exerce. Este elemento é decisivo para os mundos da arte, na medida em que se a uma determinada obra n?o é possibilitado o acesso pelo público a sua aprecia??o n?o se exerce e, como tal, o trabalho será sempre incompleto, n?o se concretizando no momento da sua apresenta??o, algo especialmente caro as actividades de cariz performativo como o teatro.Esta rela??o é encarada por Becker como sendo um sistema. Obras que n?o se adequem ao sistema mais dificuldades enfrentam na sua distribui??o. A n?o adequa??o, pode expressar-se em várias dimens?es, seja por dificuldades estruturais do espa?o em acomodar o espectáculo, dificuldades or?amentais ou incompatibilidade entre a obra e a narrativa artística programada. Esta rela??o, contudo, é apresentada por Becker como tendo dois sentidos: “Systems change and accommodate to artists just as artists change and accommodate to systems” (Bercker, 1982:95).Uma análise à programa??o d’A Escola da Noite desde Setembro de 2015 até Junho de 2016 permite-nos destacar alguns factos para melhor percebermos este exercício de gest?o e programa??o. Inicialmente, podemos verificar que em Setembro s?o realizadas pela primeira vez actividades que se v?o estender ate ao mês de Junho, com presen?a constante na programa??o da companhia sendo elas “Os Sábados para a Inf?ncia” e o “Clube de Leitura Teatral”, em parceria com o Teatro Académico Gil Vicente. ? de destacar os meses de Setembro e Outubro como um exemplo de como a programa??o pode ser um exercício de coerência e de complemento a actividades de cria??o própria da companhia. Com a estreia da pe?a “A Canoa” por parte d’A Escola da Noite, que incide sobre a temática da violência doméstica, além das sess?es de apresenta??o da pe?a para o público e para escolas, a programa??o do teatro incluía também actividades paralelas a esta temática como dois debates, o primeiro em parceria com o “Grupo Violência - Informa??o, Investiga??o e Interven??o”, e o segundo com a “Promundo” e o CES – Centro de Estudos Sociais, após a exibi??o da reportagem da SIC - “O Amor N?o Mata”. Sobre esta quest?o das parcerias é de destacar as actividades que em colabora??o com organiza??es ou eventos levados a cabo na cidade de Coimbra, preenchem a programa??o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo neste período. Para lá das já mencionadas, contam-se também colabora??es em actividades realizadas no teatro com a RUC – Rádio Universidade de Coimbra, a “CORES- Associa??o de Apoio a Crian?as e Jovens em Risco”, a Universidade de Coimbra na ocasi?o do “Congresso Internacional de Língua Portuguesa”, o “Projecto Intimate” do CES, o “Enconto Nacional de Estudantes de Design”, a “Campanha de Preven??o de Maus Tratos na Inf?ncia e Juventude”, a “SOS Racismo”, o Ateneu de Coimbra e a “APA- Associa??o Portuguesa de Antropologia”. Estas parcerias podem funcionar como um meio de liga??o à cidade e levam ao Teatro da Cerca de S?o Bernardo públicos diversificados em fun??o da diversidade de institui??es com que colaboram.? importante real?ar a relev?ncia dada aos artistas que desenvolvem a sua actividade na cidade de Coimbra na programa??o d’A Escola da Noite ao longo deste período. Os “Sábados para a Inf?ncia” s?o preenchidos com actividades artísticas coordenadas por Leonor Barata, Cláudia Sousa, V?nia Couto, Luís Pedro Madeira e Ana Biscaia. V?nia Couto e Ana Biscaia tiveram a oportunidade de integrar a programa??o com projectos artísticos que desenvolvem paralelamente aos que integram os “Sábados para a Inf?ncia”, como os Macadame, banda de V?nia Couto e a apresenta??o do livro “Poemas a Conta-gotas” com ilustra??es de Ana Biscaia. Neste caso, a colabora??o em projectos anteriores neste mundo da arte prosperou e deu oportunidade a estes artistas de integrar a programa??o da companhia com outros projectos. Os concertos de “A Jigsaw”, “Quatro e Meia”, “Segue-me à Capela” e a apresenta??o do espectáculo da “Bonifrates” s?o exemplos da integra??o de artistas locais na programa??o do teatro.Por fim, teremos que destacar as companhias teatrais profissionais que neste período integraram a programa??o d’A Escola da Noite, nomeadamente o Teatro Meridional no ?mbito do “Congresso Internacional de Língua Portuguesa”, o Teatro de Montemuro integrado num dos dias dos “Sábados para a Inf?ncia”, o CENDREV – Teatro Dramático de ?vora que, pela tradi??o que tem em encenar Gil Vicente, integrou uma actividade em conjunto com A Escola da Noite que incidia na apresenta??o de textos de Gil Vicente a escolas e, por fim, a apresenta??o da co-produ??o internacional “Os Desaparecidos” pelas companhias O-Team e Pathos Munchen da Alemanha e a Companhia de Teatro de Braga (parceiros da Escola da Noite também na Cena Lusófona) que voltou em Junho com a pe?a “No Alvo”. Durante o período designado, A Escola da Noite também andou em digress?o com a pe?a “A Canoa” que depois da apresenta??o em Coimbra, de 17 de Setembro a 14 de Outubro e de 30 de Janeiro a 3 de Fevereiro, rumou a Braga, ?vora, Sarago?a, Barcelos e Figueira da Foz. Através da análise deste período da programa??o, que corresponde a uma temporada, e dos pontos salientados, podemos observar que A Escola da Noite introduz o Teatro da Cerca de S?o Bernardo como agente din?mico na cidade de Coimbra, ao acolher diversas organiza??es e, como tal, diversos púbicos no ?mbito das actividades que alberga. Podemos também notar que muitas destas actividades se inserem na narrativa que A Escola da Noite constrói, seja de uma forma mais pontual com a encena??o da pe?a “A Canoa” acompanhada pelos debates e documentários em torno da temática da violência doméstica, seja a longo prazo cumprindo os pressuposto da sua miss?o e identidade, com conteúdos que incidem sobre quest?es dos países lusófonos como debates e exibi??o de documentários e a colabora??o com o “Congresso da Língua Portuguesa” em parceria com a Universidade de Coimbra. A liga??o a Gil vicente, presente na matriz da companhia desde a sua forma??o, também esteve presente durante este período de programa??o. Por último, é de salientar a colabora??o com artistas que desenvolvem outros projectos artísticos e colaboram com outros agentes na cidade de Coimbra.Uma análise a igual período da programa??o d’O Teatr?o revela-se igualmente informativa das especificidades desta companhia. Em Setembro, a estreia da pe?a “As Três Irm?s (Making Of)” levou O Teatr?o a trocar a Oficina Municipal de Teatro por apresenta??es na Casa Municipal da Cultura, no Museu de Santa-Clara–A-Velha e na Liga dos Combatentes, retornando em Outubro para um período de exibi??o na Oficina Municipal de Teatro. Esta encena??o propunha-se a tratar quest?es que incidiam sobre o presente de Portugal e “perceber onde estamos enquanto sociedade – e para onde queremos ir” (O Teatr?o – Blog- As Três Irm?s (Making Of)), o que se relaciona com a vontade expressa da companhia em estimular a interven??o e a participa??o dos cidad?os através da sua actividade.Esta pe?a introduziu também uma componente nova na rela??o d’O Teatr?o com o seu público, o “crowdfunding”. Como resposta aos cortes no financiamento por parte da Direc??o Geral das Artes e na tentativa de n?o deixar este impasse ter um impacto na programa??o já alinhavada, O Teatr?o recorreu a uma plataforma online que permitiu a doa??o de fundos exclusivamente para a realiza??o desta produ??o, integrando a comunidade como patrocinadora da encena??o, promovendo um engajamento directo e n?o exclusivamente pela aquisi??o de um bilhete. Assim, o indivíduo que efectua a doa??o poderia nem sequer assistir à performance, tendo no entanto tomado parte activa na mesma. “As Três Irm?s (Making Of)” teve ainda uma temporada em Maio na Oficina Municipal de Teatro.Durante o período de análise definido, a juntar a esta encena??o, ainda houve lugar a mais duas estreias n’O Teatr?o. Estas foram, mais especificamente, reposi??es de pe?as estreadas em anos anteriores: “As Três Rainhas Magas” em cena nos meses de Dezembro e Janeiro por ocasi?o das festividades natalícias e “D. Quixote de Coimbra” em cena nos meses de Fevereiro e Mar?o. Tanto para uma como para outra, foram levadas a cabo, por parte da equipa e de voluntários, ac??es de promo??o na Baixa de Coimbra, área mais central da cidade em oposi??o ao Vale das Flores onde se situa a Oficina Municipal de Teatro. Estas encena??es incidiam em temáticas voltadas para o público infantil, sendo no caso d’“As Três Rainhas Magas” complementada com actividades para a família nas quais os participantes partilhavam as suas vivências natalícias. Em Junho, com a estreia de Teatro no Pátio, O Teatr?o voltou a descentralizar a sua actividade, levando a cabo apresenta??es em 5 locais diferentes da cidade: o Largo S. Salvador, o Beco das Cruzes, a Rua do Cabido, a Rua dos Coutinhos e o Parque Verde do Mondego, no ?mbito da Feira Cultural de Coimbra. Fora da cidade de Coimbra, a companhia deslocou-se a Almada, numa permuta com os “Artistas Unidos”, a Lisboa, à Figueira da Foz e à Tábua. Houve espa?o para colabora??es com outras organiza??es da cidade, nomeadamente o Jardim Bot?nico, a Escola Superior de Educa??o de Coimbra e o Centro de Forma??o Nova ?gora, a Escola Secundária Avelar Brotero, a Escola Secundária da Quinta das Flores e o Centro de Forma??o Minerva na ocasi?o da organiza??o da Mostra de Teatro Escolar.Paralelamente à cria??o, O Teatr?o desenvolveu actividades voltadas para o público infantil que consistiram na organiza??o, durante as férias escolares, de visitas guiadas a locais importantes da cidade.Existiram ainda actividades de outras disciplinas que n?o o teatro, como o concerto dos Fandango, a iniciativa “Condomínio Vale das Flores” e o ciclo de conferências “Casa Território: Sujeito, Democracia e Perten?a” com três sess?es em três espa?os diferentes: o Mosteiro de Santa Clara, o Convento de S. Francisco e a Quinta das Lágrimas. Sobre este período de Setembro a Junho há algumas considera??es que podemos tecer. Em primeiro lugar, é importante salientar a quest?o da descentraliza??o. Além de, como é o caso d’A Escola da Noite, apresentarem as suas cria??es noutras cidades, também dentro de Coimbra O Teatr?o mostrou grande mobilidade entre espa?os diferentes da cidade. Tendo a temporada o mote “Andar a Pé, Ver de Perto”, a pe?a d’“As Três Irm?s (Making Of)” foi exemplo disso, sendo encenada em quatro localiza??es diferentes. As duas outras encena??es que estrearam na temporada com esta temática, apesar de tomarem a Oficina Municipal de Teatro como espa?o performativo, os seus actores, encarnando as personagens que interpretavam, dirigiram-se à Baixa onde abordavam os transeuntes como ac??o promocional para o trabalho que desenvolviam na Oficina Municipal de Teatro. Também o ciclo de conferências organizado pel’O Teatr?o que pretendia problematizar temáticas relativas ao território e perten?a, teve lugar em três espa?os diferentes da cidade, assim como as visitas programadas para as crian?as em tempo de férias escolares. No entanto, apesar deste desenrolar da ac??o em espa?os diferenciados, a quest?o da rela??o da companhia com o Vale das Flores é algo pertinente nas din?micas de cria??o e gest?o que pautam o trabalho d’O Teatr?o. Embora abordaremos esta quest?o em detalhe no próximo capítulo, quando focarmos a rela??o das companhias com os espa?os onde se situam os edifícios sede, é de salientar que durante esta temporada O Teatr?o levou a cabo um projecto voltado para esta zona intitulado “Condomínio Vale das Flores”. Será possível identificar níveis de engajamento diferenciados entre as duas companhias no que diz respeito às escalas socio-espaciais identificadas, como o bairro, a cidade, a regi?o, o nacional e o internacional, fruto dos pressupostos definidos na sua miss?o e objectivos tra?ados para as suas actividades.Em rela??o à programa??o apresentada, é importante ressaltar a manuten??o de rela??es e da coerência face à identidade e miss?o definidas no momento da sua funda??o. Ilustrando este facto, podemos atestar a liga??o à Escola Superior de Educa??o de Coimbra, que no mês de Janeiro apresentou a encena??o “5x Por Semana Contra a Parede”, como resultado final da forma??o destes alunos. Esta apresenta??o é, alias, um acontecimento anual na programa??o d’O Teatr?o, o que atesta a continuidade da rela??o forjada por Manuel Guerra, que era docente desta institui??o no momento de funda??o da companhia. Por último, torna-se necessário abordar a quest?o dos cortes inesperados que a companhia sofreu no financiamento atribuído por parte da Direc??o Geral das Artes e da influência que estes tiveram na programa??o anunciada. Com a temporada “Andar a Pé, Ver de Perto” já programada quando a noticia dos cortes se abateu sobre a companhia, a programa??o sofreu algumas altera??es: “Ent?o, reduz-se o número de actores, fazem-se, recauchutam-se pe?as para gastar menos dinheiro, as pessoas ficam vários meses sem receber dinheiro, contratam-se estagiários. (…) Obviamente corta-se a programa??o, fazemos pe?as com menos actores, n?o contratamos encenadores de fora, tudo mais pobre” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27-11-2015). As reposi??es das pe?as “As Três Rainhas Magas” e “D. Quixote de Coimbra”, estreadas no ano 2006 e 2009, surgem como resposta a este contexto desfavorável que a companhia enfrentou como resultado da n?o atribui??o de 125 mil euros provenientes da modalidade acordo tripartido e de 185 mil euros da modalidade de apoio bienal. A exclus?o de actividades da programa??o n?o é para o público uma face visível dos cortes, uma vez que o processo de programar é invisível ao espectador, a n?o ser no seu resultado final. Contudo, a mudan?a de paradigma económico condicionou a actividade programática da companhia, que cancelou toda a programa??o externa para o segundo semestre, assim como os concertos na sala “Tabacaria” da Oficina Municipal de Teatro. Os cortes obrigaram também a modifica??es no mundo da arte d’O Teatr?o, causando despedimentos e redu??es de horário na tentativa de honrar as despesas fixas desta estrutura.Através dos factos apontados podemos verificar que as companhias teatrais profissionais da cidade de Coimbra geram din?micas diferenciadas em termos de público e no que diz respeito às temáticas artísticas que abordam. Esta actividade é em grande parte fomentada pelo trabalho do programador, que articula diferentes agentes na constru??o de uma temporada de actividades. A ac??o programática é central na manuten??o e defini??o da identidade da companhia, o que no mundo artístico e social constitui a sua reputa??o. As escolhas que comp?em a actividade de programar s?o de grande import?ncia, tanto para artistas como para a institui??o: “Distribution has a crucial effect on reputations. What is not distributed is not known and thus cannot be well thought of or have historical importance. The process is circular: what does not have good reputation will not be distributed”(Becker, 1982:95).A identidade artística defendida nos pressupostos fundacionais da companhia em fun??o das valências e interesses que os seus membros pretendiam explorar e a sua manuten??o e renova??o através da ac??o programática é fulcral ao sucesso da companhia e ao impacto e imagem que o seu trabalho tem perante a sociedade. Esta imagem é também tomada a nível pessoal pelos integrantes dos mundos da arte nos seus percursos individuais de trabalho e cria??o.O teatro enfrenta ainda uma especificidade diferente na sua rela??o com as reputa??es: “Since the performing arts do not produce objects which can be stored, exhibited, and sold, they distribute art differently from gallery systems. (…) They differ in selling the audience not objects, but tickets to see something done. Objects can be sold after potential buyers see them; performances must be presold” (Becker, 1982:119).Assim, através da constru??o destas programa??es e de narrativas que as acompanham, os programadores procedem a um exercício de constru??o e manuten??o de reputa??es que colocam os edifícios teatrais na din?mica urbana enquanto espa?os que chamam para si a frequenta??o, fruto das actividades que albergam. A actividade destes profissionais n?o é um exercício efectuado a curto/médio prazo com a programa??o de cada temporada, mas funciona como uma actividade a longo prazo de constru??o/manuten??o das reputa??es já estabelecidas. Como o programador se move entre vários domínios e a sua actividade exige que extravase o mundo da arte em que se insere, também as reputa??es, como resultado da sua actividade, s?o levadas em conta em diferentes domínios. No domínio social, as reputa??es podem funcionar como meio de atrac??o para públicos e organiza??es que se queiram associar a estas reputa??es e formar parcerias. A nível artístico é de ressaltar que a legitima??o da qualidade destas estruturas e das suas propostas advém muitas vezes do julgamento que os seus pares exercem sobre as mesmas, dado que estes elementos, por possuírem as ferramentas consideradas necessárias para tornar inteligível o sentido das cria??es fruto da sua educa??o e prática artística, legitimam os seus juízos sobre as mesmas e acabam por contribuir para a reputa??o construída. A nível económico, visto que a maior fonte de subsistência advém de subsídios atribuídos pelo Estado dado os elevados custos de manuten??o que estas estruturas possuem, a reputa??o que sobressai do seu trabalho pode constituir um elemento decisor na atribui??o ou n?o destes mesmos subsídios. Estes domínios, além de considerarem as reputa??es na imagem que fabricam das estruturas, também influenciam as mesmas e a actividade de programar.O trabalho que estas estruturas levam a cabo é o meio para obterem as reputa??es que pretendem. Na defini??o da sua miss?o e na rela??o que pretendem construir com os públicos, as companhias exp?em os pressupostos que norteiam a constru??o das suas programa??es, sendo que o seu efeito nas reputa??es só pode ser discutido numa escala a longo prazo e n?o pode ser limitado a uma temporada, ainda que a mesma seja reflexo da continuidade de ac??o dos princípios anteriormente definidos. A reputa??o é uma componente reveladora da rela??o que os mundos da arte mantêm com os públicos e com a sociedade em que se inserem. A liga??o e o lugar que pretendem ocupar na sociedade é indicado priori, definido de forma objectiva no momento de cria??o de ambas as companhias. A programa??o pode ou n?o ser o conjunto de práticas que promove esta vontade discursiva.A juventude e o desejo em profissionalizar a sua actividade est?o reflectidos na defini??o da miss?o d’A Escola da Noite, ao enunciarem-se como “companhia em forma??o que pretende ‘fazer caminho caminhando’ e na vontade em se reinventarem enquanto indivíduos renunciando ao “espartilho de eloquentes postulados estéticos e culturais prévios”. Este caminho pela dúvida constitui a rela??o que a companhia pretende encetar com o público e a reputa??o da mesma constrói-se na procura conjunta de satisfa??o destas necessidades – “importante para nós será que o público possa ler o nosso percurso e, nessa base, ir estabelecendo connosco protocolos baseados no encontro possível das suas necessidades culturais com a nossa evolu??o” (A Escola da Noite - Weblog- Dossier de apresenta??o in História Breve)Este discurso reflecte-se ao nível das práticas pela diversidade de autores encenados ao longo dos anos, assim como a extens?o a encenadores convidados, n?o se limitando aos tais postulados estéticos. A jovialidade e a import?ncia atribuída à irreverência e reinven??o s?o asseguradas pela introdu??o de novos profissionais no mundo da arte, que no seu currículo contam com pouca experiência ou mesmo saídos directamente da forma??o universitária em áreas artísticas, fazendo da prática teatral no seio da companhia meio de forma??o.As premissas definidas pel’O Teatr?o demonstram a vontade de construir uma reputa??o que assente num trabalho engajado com o público considerando que “o Teatro e a arte têm uma fun??o de intervir na sociedade, de criar indivíduos activos, capazes de questionar o seu mundo e de intervir sobre ele activamente. O Teatro tem a possibilidade de permitir ver o mundo de forma diferente, de alargar horizontes. ? em torno desta ideia que a actividade da companhia se faz.”. Nas palavras da directora artística Isabel Craveiro, o objectivo “? n?o estar ali a fazer para uma parede, é fazer para aquelas pessoas, querer que elas se manifestem e isso de alguma forma é um Teatro engajado, um Teatro que é feito com a generosidade de querer discutir alguma coisa com alguém” (Entrevista – Isabel Craveiro a 27/11/2015).Esta vontade espelha-se em matéria prática nas temáticas abordadas nas cria??es da companhia e na constitui??o do projecto pedagógico que como forma de formar indivíduos e de lhes fornecer uma vis?o artística e espírito crítico que os traz para o debate e para a participa??o na vida artística de cria??o da companhia. “Operando em estreita articula??o com o trabalho artístico, o projecto pedagógico permite-nos n?o só apurar a reflex?o sobre a actividade criativa, mas também estabelecer pontes e redes de sentidos entre esta e as restantes desenvolvidas: isto traduz-se activamente na concretiza??o de projectos e eventos que, tanto na sua estrutura formal como no seu conteúdo programático, se relacionam intimamente com o momento que O Teatr?o atravessa e com os desafios com que este se depara e lan?a à comunidade” (O Teatr?o – Apresenta??o).Há uma preocupa??o em inserir a comunidade e de problematizar a participa??o dos espectadores, procurando torna-los agentes opinativos e oferecendo-lhes as plataformas para tal em actividades que incitam ao diálogo com o mundo da arte, como o “Condomínio Vale das Flores”, os mais variados workshops e a organiza??o de conferências com carácter participativo. Será importante referir que as reputa??es n?o traduzem consensos. Contudo, ao serem o resultado da coopera??o celebrada nos mundos da arte, s?o o reflexo das transforma??es sociais que a actividade artística pode introduzir nos espa?os que ocupa. Neste capítulo, ao introduzir o conceito dos mundos da arte quisemos exacerbar o caracter colectivo e cooperativo na concep??o de um projecto artístico. Destacámos a figura do programador por considerar a actividade que supervisiona o elemento agregador dos actores que comp?em o mundo da arte e por a programa??o por que é responsável ter influência em vários domínios sobre os quais este actor se move e que ultrapassam o mundo da arte, o que se revela importante quando tentamos perceber o efeito transformador da arte no espa?o urbano. Ao destacar os movimentos e decis?es deste actor no contexto das redes dos mundos da arte, como fizemos ao acompanhar a programa??o e as justificativas para a mesma implementadas durante uma temporada, mostramos que “art is social in being created by networks of people acting together, and proposes a framework for the study of different modes of collective action, mediated by accepeted newly developed conventions” (Becker,1982:369).No próximo capítulo pretendemos mostrar como é que a ac??o dos programadores e das actividades que desenvolvem nos mundos da arte podem ou n?o ser transformadoras dos espa?os urbanos em que se inserem. Se neste capítulo focamos a ac??o do programador e das suas actividades no seio da companhia e na resposta a alguns desafios inerentes a esta actividade e ao mundo da arte do qual fazem parte, no próximo, procuraremos discutir como é que essa ac??o pode extravasar estas institui??es e ser ou n?o resposta a outros problemas. 4 A Rela??o Entre Teatro e Espa?o UrbanoAs estruturas teatrais pela sua ac??o, além de produzirem din?micas relacionais dentro de portas, onde as suas actividades artísticas se realizam, também podem surtir o mesmo efeito fora de portas, nas áreas que os edifícios ocupam.Para os casos de estudo d’A Escola da Noite/Teatro da Cerca de S?o Bernardo e d’O Teatr?o/Oficina Municipal de Teatro, podemos discutir a possibilidade da influência da actividade artística nas zonas da Baixa e do Vale das Flores, respectivamente. A preocupa??o com a integra??o das áreas e das comunidades que as habitam nos conteúdos programáticos destas estruturas pode ser importante n?o só em termos de capta??o de público, mas também no que diz respeito à qualidade de vida nestes territórios, tendo como exemplo positivo deste efeito a abordagem do conceito de cidades criativas e, como exemplo negativo, o fenómeno apelidado de gentrifica??o, ambos expostos no primeiro capítulo desta disserta??o.4.1 O Teatr?o e o Vale das FloresO Vale das Flores é uma zona relativamente nova da cidade de Coimbra, resultante do processo de expans?o e crescimento da cidade nos anos 90. Esta área pode ser caracterizada como uma “zona de expans?o e consolida??o urbana da cidade de Coimbra, o Vale das Flores representa uma nova centralidade que come?ou a ser planeada na década de 90 pelos servi?os técnicos do município, com a localiza??o nesta área de duas grandes superfícies comerciais, uma via estruturante que surge no seguimento da mais recente ponte sobre o Mondego, um novo quartel de bombeiros e ainda escolas do ensino primário, secundário, politécnico e universitário” (Pereira, 2016).Actualmente, podemos verificar a grande concentra??o de servi?os que esta zona oferece, acrescentando-se aos já citados um conservatório de música, um centro de saúde e várias empresas, especialmente o Instituto Pedro Nunes. A localiza??o deste grande número de servi?os, principalmente na área sul do Vale das Flores, aliada à densidade habitacional edificada a norte constituem os aspectos potenciadores desta nova centralidade que se pretendia o zona de expans?o, a disponibilidade urbanística que possuía permitiu que, na procura de solu??es para a constru??o de um novo edifício teatral, a op??o tomada fosse um terreno nesta área, entre uma superfície comercial e o quartel de bombeiros.O caracter de urgência da constru??o do teatro, que, n?o priorizava as preocupa??es estéticas com a forma exterior da constru??o, aliado à necessidade de estacionamento que o espa?o requeria refor?aram a op??o tomada para esta zona. A mudan?a e estabelecimento d’O Teatr?o neste espa?o aconteceu no ano de 2006. Com a actividade estabelecida anteriormente no Museu dos Transporte, localizado na Rua da Alegria, entre a Baixa de Coimbra e a Alta Universitária, a mudan?a para o Vale das Flores retira-os desta área central de liga??o e passagem entre duas zonas com um dinamismo próprio, para uma zona onde se tentava criar uma nova centralidade.Contudo, esta nova centralidade n?o se verifica na prática do espa?o, como relata Isabel Craveiro, em termo de compara??o com o Museu dos Transportes: “Muita diferen?a porque as… quer dizer, em rela??o ao museu dos transportes, o museu ficava num sítio interessantíssimo que apesar de n?o ficar no centro, centro, quer dizer fica no centro da cidade. (…) Tirando ali o centro recreativo do Norton de Matos n?o há (…) propriamente uma tradi??o porque é uma zona relativamente nova, é uma zona de expans?o e na verdade tem sido bastante difícil que as pessoas que vivem aqui à volta se relacionem com a programa??o d’O Teatr?o” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).Tendo nós já caracterizado a actividade e os intentos que O Teatr?o persegue, como aqueles que procuram a promo??o de indivíduos culturalmente investidos e participativos, é de notar as mudan?as significativas que esta nova área oferece para a persecu??o destes objectivos, com a lacuna de hábitos culturais de que padece, podendo esta ser derivada do facto do Vale das Flores ser uma área recente, como já mencionamos.Torna-se necessário, portanto, criar estratégias que promovam as actividades desta estrutura na vida desta popula??o, integrando-a no seu quotidiano, promovendo a cria??o de hábitos artísticos, uma vez que a companhia continua a procurar esta liga??o com o público, considerando este aspecto fundamental na sua actividade enquanto estrutura artística. A par das cria??es artísticas próprias, na procura deste contacto com a popula??o, O Teatr?o desenvolveu e ampliou a sua ideia de projecto pedagógico com actividades diversificadas: “O grande instrumento de participa??o desta popula??o que vive aqui à volta é o projecto pedagógico. Isso tem sido de facto o grande motor de cria??o do público e de fixa??o de público d’O Teatr?o” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).O projecto pedagógico é composto por actividades que, pela rela??o que procuram ter com a comunidade e pelo facto desta participa??o ser essencial à sua realiza??o, merecem algum destaque, nomeadamente, As Classes de Teatro, O Bando à Parte, o Condomínio Vale das Flores e o recém implementado Projecto educativo.As Classes de Teatro, pela afluência que geram e pelo facto de serem um projecto com 15 anos de actividade constante, s?o a componente mais emblemática deste projecto pedagógico. Idealizadas pelo fundador d’O Teatr?o, Manuel Guerra, como já referimos anteriormente, as Classes, que come?aram por ser direccionadas para a inf?ncia, abrangem agora todos os escal?es etários. Nos últimos anos tem sido possível até assistir a uma maior procura por parte de adolescentes e adultos, sendo que todas as classes funcionam em horário pós-laboral.A companhia define esta actividade como “um espa?o de aprendizagem e de experiências na área do Teatro. Este programa é desenvolvido a partir do jogo dramático construído através da explora??o dos indutores de ac??o dramática: objecto, imagem, som, espa?o e texto.” (O Teatr?o – Classes). A forma??o que muitos dos membros d’O Teatr?o possuem na área de Teatro e Educa??o leva-os a verem estas classes que ministram n?o como um meio de forma??o para futuros artistas, até porque a carga horária é limitada a 1h30min por semana, mas como um complemento à lacuna artística que o sistema de educa??o possui, funcionando assim como um meio de enriquecimento pessoal a nível de competências sociais para os seus participantes.As Classes, pela afluência que geram com as nove turmas que as constituem em funcionamento, s?o um meio de dinamismo para a Oficina Municipal de Teatro e para o Vale das Flores, pela assiduidade que esta actividade requer durante os meses de Outubro a Junho. Estes alunos podem também desenvolver uma maior aten??o às actividades da companhia, uma vez que o projecto pedagógico é construído em articula??o com a programa??o do teatro. No entanto, a carga ligeira que as Classes oferecem, com apenas uma sess?o por semana, pode n?o ser suficiente para construir esta rela??o e potenciar esta actividade através da forma??o de novos públicos que frequentariam outras actividades do teatro para lá da sess?o semanal da sua classe. Contudo, é de salientar que as Classes de Teatro, por serem uma actividade com um alto grau de participa??o, por indivíduos de várias zonas da cidade, introduzem algum dinamismo a esta zona periférica que poderia n?o ser frequentada por estes indivíduos caso n?o houvesse esta iniciativa.Outro projecto sobre o qual debru?aremos a nossa aten??o tem o nome de “Bando à Parte”. Destinado para jovens entre os 14 e os 20 anos de idade, o projecto é apresentado pel’O Teatr?o através do seguinte parágrafo: “Interessa cada vez mais que os cidad?os em geral e os jovens em particular desenvolvam um processo de interroga??o sobre a sociedade em que vivem, refletindo sobre ela e atuando positivamente sobre as comunidades em que se inserem. A actividade artística é um instrumento essencial para estimular esta reflex?o crítica, desenvolvendo ao mesmo tempo a criatividade e estabelecendo pontes com outras províncias de sentido. O BANDO ? PARTE pretende ter impacto na cria??o de cidad?os esclarecidos e com capacidade crítica, autónomos, com capacidade de a??o individual e com uma liga??o profunda com o espa?o urbano e social que os rodeia assim, como com as suas diferenciadas perten?as culturais” (O Teatr?o – Bando à Parte).A primeira edi??o ocorreu entre 2010 e 2011 e era constituída por um grupo de jovens provenientes de bairros sociais da cidade de Coimbra, como o Bairro da Rosa e do Ingote. O segundo ciclo deste projecto trabalhou com jovens de várias nacionalidades e n?o se limitou a jovens provenientes de áreas desfavorecidas, procurando promover a heterogeneidade e a multiculturalidade do grupo.O Bando à Parte era um projecto de forma??o artística direccionado para jovens que de outra forma n?o teriam oportunidade de usufruir de actividades e forma??o de cunho artístico. O projecto oferecia ao grupo aulas que versavam as áreas do teatro, da música e da dan?a e incluía também visitas a alguns locais emblemáticos da cidade, assim como a oportunidade de assistir a algumas encena??es d’O Teatr?o e concertos integrantes da sua programa??o. A evolu??o do impacto que a integra??o no Bando à Parte teve na vida de cada participante foi acompanhada através de reuni?es com os directores de turma e as famílias de cada membro ao longo do tempo de dura??o do projecto. A esta actividade de periocidade regular acresce a recep??o e integra??o nas actividades do grupo, durante um breve período, de jovens provenientes de organiza??es de outros países, com as quais foi estabelecido um interc?mbio e um exercício final, que consistiu na encena??o de um espectáculo que integrou a programa??o da companhia para essa temporada.Segundo o Relatório Intercalar de Janeiro-Julho d’O Teatr?o de 2012, as metas deste projecto e da forma??o oferecida, tal como as Classes de Teatro, n?o tem como objectivo principal a forma??o de futuros profissionais das artes mas sim a “constru??o de identidades baseadas na promo??o de capacidades de relacionamento interpessoais e inter grupais” (Siva, 2013:6).O desenvolvimento deste trabalho integrado no projecto pedagógico pretendia intervir em pequenos grupos e usar a componente artística como via enriquecedora de competências sociais e culturais de indivíduos que n?o possuíam meios para aceder a estes. Simultaneamente faria chegar a actividade d’O Teatr?o a grupos que anteriormente n?o tinham contacto com a mesma, promovendo a companhia e incentivando-os a deslocarem-se e explorarem a zona do Vale das Flores, nomeadamente, as famílias dos envolvidos que seriam convidadas a assistir ao seu exercício final. Contudo, a vaga de desistências e a dificuldade detectada em acompanhar o progresso destes jovens, no sentido de perceber se o ingresso neste projecto teria surtido algum impacto noutros domínios da sua vida, promovendo a continuidade do engajamento artístico que se pretendia criar, s?o pontos menos conseguidos com a actividade do Bando à Parte identificados pel’O Teatr?o.Assim podemos considerar que esta componente do projecto pedagógico se esgota na sua inten??o, n?o produzindo din?micas notórias no que diz respeito à aproxima??o desta estrutura a outras zonas da cidade que n?o o Vale das Flores. Esta aproxima??o, na procura do combate da aparente periferia a que O Teatr?o se considera vetado em compara??o com locais como o Museu dos Transportes (apesar do projecto de constru??o desta zona de expans?o ser a introdu??o de uma nova centralidade), pode ser conseguido com o “Projecto Educativo para Coimbra”, actividade mais recentemente idealizada para integrar o projecto pedagógico. Este projecto oferece actividades artísticas promovidas pel’O Teatr?o junto de 15 IPSS (Institui??es Particulares de Solidariedade Social) sendo elas: o Centro Paroquial e Bem-Estar de Almalaguês, Centro Bem Estar Social de Brasfemes, o Centro Comunitário de S?o José, o Centro Social de S?o Pedro, Centro Social de Nossa Senhora da Concei??o, o Centro Social Integrar, o Centro Social Paroquial S?o Jo?o do Campo, o Centro de Apoio à Terceira Idade de S?o Martinho do Bispo, Associa??o Cultural e Recreativa de S?o Paulo de Frades, o Centro Social Cultural Recreativo de Quimbes, o Centro de Apoio Social de Souselas, o Centro Social e Paroquial de Taveiro, a Obra Social de Torre de Vilela e o Centro Social Nossa Senhora dos Milagres (Caritas) em Cernache.Por abranger institui??es de várias áreas e por criar uma rede t?o ampla de ac??o, esta actividade pode produzir um impacto maior em zonas diversificadas da cidade de Coimbra, levando o trabalho d’O Teatr?o a novos públicos, perseguindo também o seu intento de descentraliza??o já mencionado. Este projecto, com um ano de existência, faz com que seja prematuro avaliar o seu impacto na oferta cultural e principalmente educativa, assim como na aproxima??o da cidade à companhia e vice-versa através do contacto mais próximo que é estabelecido. O trabalho nestas institui??es poderá ter efeitos benéficos nesse sentido, uma vez que promove o contacto com a actividade teatral na inf?ncia promovendo a cria??o de hábitos culturais. Podemos salientar que a qualidade e o potencial do Projecto Educativo para Coimbra foram atestados pela C?mara Municipal de Coimbra através da atribui??o por vota??o unanime de um financiamento de 25 000 euros para este projecto ,acompanhado das declara??es que consideram que “trata-se de um projecto que constitui uma mais valia na programa??o cultural e pedagogia concelhia, na medida em que se dirige a um público-alvo especifico, descentralizando a oferta educativa e procurando chegar directamente aos destinatários, envolvendo crian?as e idosos num programa concertado que promove o envolvimento da comunidade a que se dirige e a inclus?o social” (Moura, 2015).Estas declara??es e o apoio concedido vêm comprovar o potencial e os benefícios que a C?mara Municipal vê neste projecto, encontrando nele um meio de acesso à educa??o artística e da promo??o, através das artes, da inclus?o social. Permite também que os membros d’O Teatr?o possam levar o seu trabalho a zonas geograficamente mais afastadas do Vale das Flores e assim ter contacto com públicos que de outra forma n?o se encaminhariam à Oficina Municipal de Teatro.As actividades que temos vindo a focar, com a excep??o das Classes de Teatro, levam muitas vezes o trabalho da companhia para outras zonas que n?o o Vale das Flores, n?o promovendo a rela??o dos públicos com a Oficina Municipal de Teatro, nem a rela??o desta com o Vale das Flores, pelo menos no contexto imediato em que essas actividades se desenrolam.A constru??o desta rela??o com o Vale das Flores é algo que tem integrado as preocupa??es da companhia, desde o momento da mudan?a em 2006. Neste sentido a actividade de programa??o e cria??o constante da companhia e o “Condomínio Vale das Flores”, actividade integrante do projecto pedagógico, podem afirmar-se como respostas, no sentido de combater esta lacuna relacional entre o teatro e todos aqueles que frequentam e habitam o Vale das Flores: “Aqui há volta há muito mais servi?os do que casas. De resto tens uma faculdade aqui que, durante os anos todos que isto aqui esteve, pensavam que era um hangar para constru??o de cenários. Come?aram a entrar cá no ano passado e há dois anos através da associa??o de estudantes. Por e simplesmente n?o vêm. E é atravessar a rua. E a gente convida… E isto s?o servi?os. Mas quer dizer e as pessoas que vivem aqui à volta? Tu tens que desenvolver formas de que elas se vinculem ao projecto. Ent?o uma delas é esta ideia do condomínio, a gente criar um condomínio. Tem sido uma ideia participada, muito participada, porque envolve sempre uma espécie de uma festa. Já fizemos piqueniques, já fizemos aqui fora no jardim com contadores de histórias e as pessoas contavam histórias, envolvemos algumas associa??es de moradores… Mas é um trabalho que tem que ser de extrema regularidade, tens que andar sempre a bater à porta das pessoas, convida-las para vir, elas n?o têm o hábito de vir ao Teatro. Se calhar os mais velhos, ainda guardam uma memória de ir ao Teatro, Teatro de revista, Teatro popular, maior que as gera??es mais novas. N?o foram habituadas a ir, ponto. V?o ao cinema, v?o a uma data de sítios, mas ao Teatro n?o vêm. Depois, os universitários n?o vêm. N?o vêm porque, n?o há autocarro. N?o vêm porque há imensas coisas para fazer. Estou a ser pessimista, é claro que vêm, vêm alguns mas numa cidade com tantos mil… mais de 40 mil alunos no ensino superior em Coimbra…E para onde é que eles v?o?” (Entrevista -Isabel Craveiro a 27/11/2015).Como descrito pela directora artística/programadora Isabel Craveiro o “Condomínio Vale das Flores” é o projecto que mais está ligado à zona que a Oficina Municipal de Teatro ocupa, quer pelos valores que a sua idealiza??o intrínseca procura promover, quer pela sua realiza??o em actividades de convívio e partilha. O Condomínio Vale das Flores procura criar esta ideia de proximidade entre os “vizinhos” d’O Teatr?o por serem estes os que apresentam maior facilidade de desloca??o à Oficina Municipal de Teatro.Em suma “procura a dar a conhecer a Oficina Municipal de Teatro e o trabalho que lá se faz aos moradores do bairro envolvente, junto da Escola Secundária da Quinta das Flores, junto do Conservatório de Música, junto de associa??es de pais da ISEC (Instituto Superior de Engenharia de Coimbra), dos pais e dos alunos das classes” (Silva, 2013:5).A aproxima??o a estes moradores é feita através de abordagens verbais e pela distribui??o de panfletos pelos prédios, porta à porta, em contacto directo pela equipa d’O Teatr?o. No entanto, reside a dificuldade de encontrar estes indivíduos em casa na hora dos contactos. Esta actividade, que se realiza desde 2010, encontrou nos anos anteriores uma participa??o elevada, como foi mencionado anteriormente, promovendo o convívio e a aproxima??o à estrutura d’O Teatr?o, com a realiza??o de uma sardinhada, sess?es de histórias, um concerto ao ar livre, visita à Oficina Municipal de Teatro e ainda a visualiza??o de duas encena??es d’O Teatr?o.No ano de 2015, tive a oportunidade de estar presente no dia 19 de Dezembro na Oficina Municipal de Teatro, data escolhida para a realiza??o do “Condomínio Vale das Flores”. Antes do espectáculo, para o qual foram convidadas as famílias de funcionários de empresas vizinhas como a IteCons, o Instituo Pedro Nunes e os Bombeiros Sapadores de Coimbra, foram recebidas pela equipa d’O Teatr?o e foram alvo de pequenas entrevistas que pretendiam investigar a sua rela??o com a Zona do Vale das Flores, com O Teatr?o e as suas tradi??es natalícias, já que este era o tema da programa??o que acompanhava a encena??o a que iriam assistir. Com estes relatos, registados em vídeo, procurava-se elaborar o postal natalício d’O Teatr?o, com caracter comunitário.Contudo, pude verificar que estes convidados n?o preenchiam a lota??o da sala e que n?o havia várias famílias da mesma empresa, apenas uma por organiza??o vizinha, o que considero insuficiente para a aproxima??o d’O Teatr?o a estas, devido à dimens?o que apresentam e o número de funcionários que comportam.? notória a rela??o que O Teatr?o procura estabelecer com a comunidade através das actividades que referimos anteriormente, quer seja em contextos de maior proximidade, como com o Condomínio Vale das Flores, seja em contextos mais distantes e disseminados pelo território. A figura do programador coordena a actividade desta companhia em várias frentes, quer articulando o projecto pedagógico com a cria??o e programa??o artística, quer na constru??o de uma narrativa coerente para a temporada, quer na resposta aos constrangimentos financeiros, quer na divulga??o destas actividades, sendo a face visível deste trabalho em meios de informa??o mediáticos de alcance local e nacional.? parte das iniciativas desenvolvidas no projecto pedagógico, as actividades de cria??o e a programa??o também constituem uma fonte de visitas e como tal uma oportunidade para criar uma nova atractividade para o Vale das Flores, algo que pode redefinir o estatuto periférico que esta zona ocupa na prática da cidade pelos que nela habitam, como é citado por Isabel Craveiro, quando esta refere a dificuldade de capta??o de públicos após a mudan?a para esta zona.Em rela??o às actividades de cria??o e programa??o sabemos que ainda predomina um enfoque especial (mas n?o exclusivo) em encena??es para a inf?ncia. Este facto, além da sua import?ncia histórica e identitária para a companhia, pode assumir uma nova relev?ncia na rela??o que se procura estabelecer com a comunidade, uma vez que “embora as estruturas especializadas no domínio educativo/formativo representem ainda um estreito segmento da oferta cultural e artística, as ac??es pedagógicas integram cada vez mais o leque de actividades promovidas para estruturas de cria??o/produ??o. Funcionam essencialmente como ac??es complementares às desenvolvidas nestas organiza??es e visam, em primeira inst?ncia, o alargamento e diversifica??o da oferta com o intuito de recrutar novos públicos” (Gomes et al, 2006:128).Estas declara??es, produzidas numa análise às “Entidades Culturais e Artísticas em Portugal” sobre a al?ada do Observatório Das Artes no ano de 2006, demonstram a vitalidade e a promessa que o sector do teatro para a inf?ncia e as actividades de cariz pedagógico significavam no seio dos criadores e produtores artísticos. A actividade d’O Teatr?o surge assim como exemplo do que estas declara??es previam ao estabelecer conex?es com o território e com os seus públicos essencialmente através de iniciativas de cariz pedagógico e vocacionadas para a inf?o forma de conclus?o deste ponto é possível afirmar que a mudan?a d’O Teatr?o para o Vale das Flores teve um impacto positivo, pois veio atenuar as carências culturais que se faziam e ainda se fazem sentir nesta área. Aliado à edifica??o do Conservatório de Música em 2010 na mesma zona, a actividade d’O Teatr?o pode ser uma for?a decisiva para combater esta lacuna e promover assim a nova centralidade que se pretendia criar aquando a expans?o da cidade. A instala??o de um edifício teatral nesta zona constitui um passo para a cria??o de hábitos culturais nos moradores e frequentadores diários do Vale das Flores, algo que n?o existia antes da edifica??o da Oficina Municipal de Teatro, mas que a actividade d’O Teatr?o pretende criar através do estabelecimento de uma rela??o de proximidade.No entanto, esta carência de hábitos culturais constituiu um desafio para a companhia, que anteriormente estava alojada numa área central da cidade, tendo que orientar agora as suas actividades para a capta??o de públicos, direccionando-a n?o só para os residentes do Vale das Flores, mas incluindo também cidad?os residentes noutras áreas, actuando assim de forma descentralizada no sentido de se estabelecer como um factor de atractividade no Vale das Flores. Assim, além dos efeitos transformadores que a criatividade e as estruturas culturais podem ter com a programa??o e encena??es regulares, O Teatr?o, com o seu projecto pedagógico e iniciativas descentralizadas por todo o território de Coimbra, procura estabelecer uma rela??o de maior proximidade com o público, criando assim uma dupla via em que ao mesmo tempo que amplia a sua rede de ac??o no território, se procura solidificar e afirmar o seu papel din?mico no Vale das Flores.4.2 A Escola da Noite e a BaixaDesde a sua funda??o que a companhia A Escola da Noite assumiu que queria ser uma companhia para a cidade de Coimbra e, como tal, situar a sua actividade numa área central. Durante os primeiros anos de existência, face à carência de espa?o culturais onde pudessem instalar-se de forma permanente, as suas encena??es realizaram-se em vários auditórios da cidade que, ao mesmo tempo, recebiam manifesta??es artísticas de outras organiza??es.A necessidade de estabelecerem a sua identidade num espa?o próprio em que, pela frui??o permanente de infraestruturas, pudessem crescer e aprofundar a sua actividade, levou a que, depois de uma procura activa, propusessem à C?mara Municipal de Coimbra a ocupa??o de uma garagem, propriedade municipal no Pátio da Inquisi??o.Esta mudan?a foi o encetar de uma rela??o que se viria a prolongar até à actualidade. O Pátio da Inquisi??o é um pequeno enclave que se situa na zona da Baixa de Coimbra. “A Baixa Coimbr? n?o tem limites definidos, mas pode-se considerar como limites genéricos: a zona verde e rotunda da Casa do Sal a norte, o Parque Doutor Manuel Braga a sul, o Mercado Municipal D. Pedro V a este e o Rio Mondego a oeste” (Tenente, 2015:17).Na época em que A Escola da Noite acordou a ocupa??o da garagem no Pátio da Inquisi??o, esta zona apresentava um aspecto diferente do que possui agora. Antes das obras de requalifica??o em 2003, servia de parque de estacionamento e era composta maioritariamente por servi?os camarários, n?o havendo, portanto, raz?o aparente que motivasse desloca??es ao Pátio, com a excep??o dos trabalhos destes servi? a mudan?a d’A Escola da Noite para esta zona, toda esta din?mica mudou. Como primeira companhia de teatro profissional da cidade, a curiosidade que a actividade artística despertou aliava-se à resposta que a existência desta companhia fornecia à lacuna cultural de actividade teatral da cidade de Coimbra. A vitalidade introduzida nesta zona à época é assim descrita por António Augusto Barros: “Foi assim que arrancámos e criamos aqui o movimento cultural no centro da cidade, com grande dinamismo, no Pátio da Inquisi??o que n?o era o que é hoje, era também outro parque de estacionamento. Come?aram a vir camionetas de crian?as, de escolas, gente de todo o lado, houve uma grande curiosidade, primeira companhia de teatro profissional…Houve milhares de pessoas que passaram a vir aqui ao Pátio da Inquisi??o ver teatro. Come?amos a criar aqui a nossa linguagem, a nossa diferen?a” (Entrevista António Augusto Barros a 03/12/2015).A instala??o d’A Escola da Noite é portanto considerada por António Augusto Barros, director artístico da companhia, como um momento transformador para esta zona da cidade e para a companhia que come?a assim a dar os primeiros passos na cria??o da sua linguagem e identidade, apoiando-se para isso nesta liga??o criada com o Pátio da Inquisi??o.A vitalidade que esta actividade introduziu, especialmente através da atrac??o de públicos mais jovens integrados em visitas escolares, poderia ter tido um papel importante no combate ao envelhecimento das zonas históricas, fenómeno comum a que a zona da Baixa n?o é alheia, apesar de a sua constitui??o apresentar uma fac??o de moradores mais jovem do que se esperava (ver Fortuna et al 2005,8 in Constru??o Magazine 13).A atrac??o destes públicos mais jovens poderá ter sido devido às encena??es de textos de Gil Vicente que povoam a história da companhia desde a sua funda??o. Por este autor ser leccionado em contexto escolar, a oportunidade de assistir a encena??es de uma companhia profissional dos conteúdos leccionados afigura-se como enriquecedor para a forma??o dos alunos e uma oportunidade para A Escola da Noite interagir com público mais jovem e de o atrair ate à zona do Pátio da Inquisi??o e da Baixa.O dinamismo que A Escola da Noite trouxe à Baixa n?o passou despercebido e prova disso mesmo é que, quando a C?mara Municipal de Coimbra tomou a decis?o de renovar a zona do Pátio da Inquisi??o, o projecto escolhido, do arquitecto Jo?o Mendes Ribeiro, também ele ligado A Escola da Noite com trabalhos cenográficos, versava a recupera??o do Pátio com vista à cria??o de um pólo cultural na cidade de Coimbra.Para além da constru??o de um edifício teatral nesta zona destinada às actividades d’A Escola da Noite, o projecto “refor?aria o ?mbito cultural que aquele lugar foi adquirindo com as constru??es de espa?os para o Centro de Artes Visuais e a Escola da Noite. A ideia era instalar na Ala Nascente do Colégio das Artes um café concerto e uma livraria de arte, relacionada com o espa?o público e entre o Pátio da Inquisi??o e a Cerca de s?o Bernardo” (Entrevista - Jo?o Mendes Ribeiro a 15/02/2016).Os efeitos positivos que a actividade d’A Escola da Noite introduziu nesta área motivaram o poder local a investir na vertente criativa para esta zona da cidade, procurando assim criar condi??es para a instala??o de novas estruturas artísticas no sentido de expandir o dinamismo que esta a actividade d’A Escola da Noite introduzira nesta área. Após alguns contratempos, descritos anteriormente no segundo capítulo, chegamos à situa??o actual. A par d’A Escola da Noite, encontram-se neste momento instalados no Pátio da Inquisi??o o CAV- Centro de Artes Visuais e a Cena lusófona – Associa??o para o Interc?mbio Cultural. A retirada dos servi?os camarários para a instala??o da livraria e do café-concerto previstos nunca chegou a concretizar-se e, como tal, o projecto de cria??o do pólo cultural nunca foi posto em prática na sua plenitude. Ainda assim, A Escola da Noite ganhou um novo espa?o, o Teatro da Cerca de S?o Bernardo, que lhe trouxe melhores condi??es mas também maior responsabilidade, pois passaram a ser a entidade responsável pela programa??o aliada à actividade de cria??o que já desempenhavam. Esta actividade de cria??o e programa??o situada neste espa?o é sem dúvida um factor de afluência a esta zona, como é possível denotar pela ocupa??o do Pátio da Inquisi??o nos dias de espectáculo, em oposi??o às restantes noites. Numa breve incurs?o por esta área da cidade de Coimbra, podemos encontrar cartazes de divulga??o da programa??o do Teatro da Cerca de S?o Bernardo em inúmeros estabelecimentos comerciais. Contudo, a capacidade de transformar estes e outros habitantes da Baixa em visitantes efectivos é algo que parece n?o fazer parte das preocupa??es imediatas que norteiam as actividades desenvolvidas pela companhia.Por um lado, o trabalho desta companhia, ao contrário d’O Teatr?o, encontra-se encerrado nas instala??es do Teatro da Cerca de S?o Bernardo e raramente se desenvolve fora deste, como aconteceu nos primeiros anos onde podemos encontrar na programa??o performances de rua no Pátio da Inquisi??o. A regress?o do número destes eventos é consequência da diminui??o do or?amento disponível para a companhia, segundo A Escola da Noite, que com encargos relativos às novas infraestruturas deixa de poder comportar inúmeros eventos. A popula??o que habita e trabalha na Baixa pelo contacto com actividades de cariz cultural no seu quotidiano poderia despoletar a curiosidade pelo trabalho da companhia situado no Teatro da Cerca de S?o Bernardo.A apresenta??o da encena??o “A Cidade” a 9 de Junho de 2016 pode constituir um momento de aproxima??o ao público, uma vez que A Escola da Noite optou por apresentar uma parte da encena??o que se encontrava a desenvolver, integrando no processo de cria??o ainda em curso a resposta do público a esta apresenta??o. Como tive oportunidade de assistir, a lota??o n?o se encontrava esgotada, mas o público era composto por indivíduos de idades bastante diversas, como crian?as, jovens e indivíduos mais velhos. A possibilidade de acompanhar e tomar parte do processo de cria??o, assim como a gratuitidade do evento, podem constituir elementos de aproxima??o ao público e geram novos visitantes que, entusiasmados por poderem acompanhar um processo ao qual geralmente n?o têm acesso, se dirigem ? Escola da Noite.A cria??o de uma rela??o com a zona da Baixa poderia ser fundamental no contributo que as artes e a criatividade podem fornecer em processos de reabilita??o urbana, como aquele que a C?mara Municipal de Coimbra tem em marcha para esta área, quest?o que aprofundaremos no ponto adiante. No entender d’A Escola da Noite, constrangimentos económicos de vária ordem e a carência de concerta??o entre várias entidades que atuam no segmento da reabilita??o urbana, s?o factores determinantes para que a actividade da companhia n?o consiga ter uma papel mais presente na Baixa e na vida da popula??es que nela habitam, n?o conseguindo assim tomar um papel preponderante neste projecto de reabilita??o. Apesar deste facto, é de notar que, historicamente, a actividade desta companhia sempre teve um papel positivo nesta área atraindo visitantes de várias proveniências ao Pátio da Inquisi??o, quer pelo interesse que as cria??es e programa??o da companhia despertam, quer pela colabora??o com outras organiza??es, que trabalhando em temáticas especificas enriquecem e diversificam a programa??o e o público que frequenta o Teatro da Cerca de S?o Bernardo. Estes factos contribuem, ainda que n?o directamente com esse objectivo em vista, para a dinamiza??o da Baixa, uma vez que promovem a visita a esta zona por parte de indivíduos que n?o têm por hábito a sua frequência.4.3 O Papel da C?mara Municipal de CoimbraA Oficina Municipal de Teatro e o Teatro da Cerca de S?o Bernardo, apesar de entregues ao Teatr?o e ? Escola da Noite respectivamente, n?o deixam de ser infraestruturas municipais e como tal a C?mara Municipal de Coimbra n?o deixa de ter uma responsabilidade sobre estas.Para Carina Gomes, actual vereadora da Cultura da C?mara Municipal de Coimbra, “Como proprietária desses teatros, a C?mara Municipal de Coimbra tem, naturalmente, o dever de zelar pela sua boa utiliza??o e abertura a públicos diversos, garantindo que as estruturas que os gerem o fazem da melhor forma possível. Assim, a CMC apoia a sua actividade e incentiva uma programa??o de qualidade, adequada ao espa?o e à dimens?o da cidade, mantendo-se atenta e disponível para colaborar em todos os programas que constituam uma mais-valia para a din?mica cultural da cidade. Por outro lado, incentiva as companhias residentes a melhorar o seu plano de comunica??o e divulga??o, no sentido de levar mais público aos seus espectáculos” (Entrevista - Carina Gomes a 02/02/2016).Após um período atribulado, o estabelecimento destas duas companhias nestes respectivos espa?os veio acompanhado de contractos de residência e gest?o que, além da cedência do espa?o, definiam que o apoio municipal se manifestaria sob a forma de financiamento repartido com a Direc??o Geral das Artes. De notar que, além de terem que custear as suas actividades de cria??o e agora de programa??o, as companhias est?o responsáveis pela manuten??o dos espa?os em que se inserem e pelas despesas que o funcionamento constante deste acarreta, ainda que n?o recebam financiamento destinado especificamente a nenhum destes encargos. Actualmente, a C?mara Municipal e estes organismos mantem um bom relacionamento institucional, respeitando o acordado nos respectivos protocolos. Contudo, existem discrep?ncias na forma como as companhias teatrais vêem a ac??o da C?mara no que diz respeito ao domínio da cultura. A Escola da Noite ,apesar de considerar que mantem boas rela??es com o poder local, denota que o apoio financeiro que neste momento recebe é insuficiente para fazer face aos encargos permanentes que a sua actividade constitui: “temos um contracto com a C?mara para gerir e programar o teatro só que, e em especial nos últimos tempos com a crise, com os cortes de subsidio do Ministério da Cultura e da C?mara Municipal… o dinheiro que nos dá a C?mara Municipal n?o dá sequer para pagarmos metade das despesas fixas do teatro. Estou a falar de água, luz, gás, limpeza, ter o teatro aberto, sem actividade nenhuma. Quer dizer a C?mara dá, metade daquilo que a C?mara dá que s?o 20 000 euros para o teatro, mais de metade é gasto na luz, só a luz. Portanto estamos aqui numa situa??o sobretudo a partir dos últimos anos desgastante e é muito penalizadora, inclusivamente muita gente n?o conhece e julga que nós podíamos fazer melhor e n?o podemos. (…) N?o temos sequer esse dinheiro para ter o teatro aberto a sério, temos que deslocar dinheiro que recebemos do Ministério da Cultura para meter aqui no teatro, isto já é uma casa grande, já n?o é a garagem, s?o 11 mil euros por causa do ar condicionado, por causa do gás e n?o temos um tost?o para programa??o” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).As quest?es económicas podem tornar-se mais urgentes com a abertura do Convento de S. Francisco, um equipamento cultural de grandes dimens?es que, ficando também sob a al?ada municipal, alocará nele recursos financeiros destinados à cultura.Por outro lado, O Teatr?o refere que o facto de a sua actividade envolver a responsabilidade de lidar com dinheiros públicos faz com que as rela??es com a C?mara tenham de ser positivas uma vez que partilham este encargo. No que diz respeito a este facto, os cortes que a companhia foi alvo por parte da Direc??o Geral das Artes constituem “naturalmente uma preocupa??o para o município” (Entrevista - Carina Gomes a 02/02/2016). Face a esta situa??o, a C?mara Municipal de Coimbra mostrou-se disponível para reunir com O Teatr?o na procura de solu??es e refor?ou o apoio financeiro no sentido de viabilizar e criar condi??es mais favoráveis para a companhia dar continuidade ao trabalho.A quest?o financeira toma um papel principal no discurso que medeia a rela??o das companhias com o poder local. Apesar de podermos imputar ao apoio financeiro a import?ncia que a C?mara Municipal de Coimbra atribui às actividades artísticas que estas desempenham, o seu papel pode fazer-se sentir noutros domínios.A C?mara Municipal de Coimbra como proprietária destes espa?os e patrocinadora das actividades das companhias e da programa??o que estas constroem pode ter um papel preponderante na rela??o que estas mantem com a área que ocupam.No caso do Vale dos Flores, a iniciativa de tornar esta zona uma área de expans?o da cidade de Coimbra possibilitou a existência de um maior cuidado urbanístico no seu planeamento, nomeadamente no que diz respeito aos acessos e oferta de infraestruturas que contribuem para um maior conforto dos que habitam e visitam esta área, como por exemplo um parque e grande oferta de estacionamento.A op??o de instalar O Teatr?o nesta zona veio enriquecer culturalmente um zona que, apesar da sua riqueza em servi?os dos mais variados domínios, n?o apresentava actividades de cariz artístico.O apoio à divulga??o, que a C?mara Municipal vê como parte da sua ac??o perante estas estruturas, pode ser importante como meio de combate à dist?ncia que a companhia alega face a áreas mais centrais. O facto de a rede de transportes que abrange esta área circular até horários mais tardios pode tirar do caminho constrangimentos nas desloca??es daqueles que, n?o habitando no Vale das Flores, desejam visitar a Oficina Municipal de Teatro.No caso da Escola da Noite, o papel que a C?mara Municipal de Coimbra pode ter noutros domínios que n?o financeiro torna-se uma quest?o mais urgente e profunda, pelo facto do teatro se localizar numa área alvo de um processo de reabilita??o urbana, em que a interven??o artística e criativa poderia ter um papel decisivo.A interven??o de organismos municipais como a Coimbra Viva – Sociedade de Reabilita??o Urbana (Coimbra Viva – SRU) centra-se ao nível do edificado, nomeadamente no sector habitacional e na procura de moradores mais jovens para esta área: “A estratégia de actua??o da Coimbra Viva - SRU passa pela revitaliza??o das fun??es e ocupa??es das actividades instaladas, pela reabilita??o do edificado existente, espa?os públicos e equipamentos existentes, procurando contribuir para o desenvolvimento económico, comercial e cultural da Baixa, para que se contrarie o processo de envelhecimento da popula??o que se regista actualmente, sendo para isso necessário dotar a Baixa de boas condi??es de habitabilidade” (Tiago, 2010:41).Contudo, a tarefa de reabilita??o poderia estender-se a outros domínios que n?o só o habitacional, que através da colabora??o com outros organismos poderiam atribuir outras valências à zona da Baixa. Esta opini?o é partilhada pela vereadora da cultura Carina Gomes: “Como é do conhecimento geral, os centros históricos – e Coimbra n?o é excep??o – apresentam um conjunto de problemas comuns, como a desertifica??o, o envelhecimento da popula??o, a precaridade do parque habitacional ou acessibilidades difíceis, por exemplo. Para a sua revitaliza??o, tem de haver uma estratégia concertada, que passa n?o só pela reabilita??o do edificado, mas também pela atrac??o de pessoas, através de programas de anima??o e culturais e através do comércio” (Entrevista -Carina Gomes 02/02/2016).Neste sentido, a conclus?o do projecto do pólo cultural na zona do Pátio da Inquisi??o torna-se mais urgente, pelo enriquecimento que as actividades artísticas poderiam trazer a esta área e pela rela??o que estas institui??es podem estabelecer com o espa?o e as pessoas que o rodeiam, através das actividades que levam a cabo. Torna-se urgente também a elabora??o de uma estratégia concertada, tal como foi apontado pela vereadora Carina Gomes, na qual a C?mara Municipal pode ter um papel importante na concerta??o das diferentes organiza??es que se situam nesta zona e nela levam a cabo actividades que pelo cariz relacional s?o um meio de atrac??o de pessoas, nomeadamente A Escola da Noite, o Centro de Artes Visuais, o Jazz Clube ao Centro e a Agência de Promo??o da Baixa. Actualmente, a actividade que esta companhia leva a cabo encontra-se isolada destes pressupostos e, n?o existindo uma estratégia concertada, a contribui??o das actividades artísticas para a reabilita??o desta área torna-se muito mais difícil, pois a sua ac??o n?o chega a ser t?o abrangente e transformadora como poderia ser. As institui??es culturais instaladas nesta zona apresentam duras críticas à ac??o da C?mara Municipal para a conserva??o destes espa?os, dado que se neles n?o se promover o bem-estar, a ac??o das institui??es artísticas torna-se ineficaz para a atrac??o de cidad?os. António Augusto Barros refere que “As ruas est?o mal vigiadas, mal policiadas, hoje à merce de consumidores e traficantes de droga, sujas…” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015), enquanto que o director do Centro de Artes Visuais, em 2013, faria a seguinte caracteriza??o desta zona: “basta olhar para o Pátio [da Inquisi??o], a sujidade, a falta de cuidado, o estado do acesso à Cerca de S?o Bernardo” (Pereira, 2013).Uma ac??o concertada entre estes agentes e a C?mara Municipal, assim como a promo??o do bem-estar através de um maior cuidado com a limpeza e seguran?a desta zona, seriam factores decisivos para a reabilita??o desta área e o combate da desertifica??o que se faz sentir. Contudo, o facto de o poder local ver esta área como segura e considerar que estas organiza??es “tendo já o seu público fidelizado, contribuem em grande medida para uma interven??o directa na Baixa de Coimbra” poderá dificultar o entendimento e a procura de objectivos de maior impacto para a revitaliza??o desta área. Sem este entendimento e ac??o, tal como resume António Augusto Barros, a actividade destas estruturas exerce-se de forma mais limitada: “Nós fazemos o que podemos para contrariar isso, basta termos a porta aberta, estarmos aqui, enfrentarmos as dificuldades, estamos nelas, mas n?o tem a eficácia que podia ter” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).Como podemos observar, a interven??o Camarária junto destas companhias faz-se sobretudo a nível financeiro e de infraestruturas, cedendo os fundos e os espa?os para a realiza??o das suas actividades, sendo esta uma rela??o com vantagens para ambos os lados, uma vez que ao depositar os encargos programáticos nestas estruturas o poder local oferece a possibilidade de usufruto de actividades culturais aos seus cidad?os. Contudo, podemos concluir que o poder local poderia ter uma ac??o mais preponderante, maximizando o alcance da actividade destas companhias nomeadamente na vertente social e do espa?o urbano, como, a título de exemplo, auxiliando O Teatr?o na sua miss?o de capta??o de públicos e integrando o trabalho d’A Escola da Noite num plano estratégico de revitaliza??o urbana. Para a persecu??o destes intentos é necessário também que as estruturas artísticas se mostrem abertas à colabora??o com o poder local e organismos estatais, oferecendo a sua experiência como praticantes do espa?o em que as companhias inserem como input decisivo para as ac??es transformadoras nestes.A actividade dos programadores torna-se fulcral no estabelecimento destes compromissos institucionais e sociais. Como meio de liga??o entres vários domínios, a figura do programador é fulcral no contacto dos mundos da arte com outros organismos, entre eles o poder local. Pelas suas fun??es intrinsecamente o levarem a experienciar e a mediar a rela??o artística com os cidad?os, o espa?o e a cidade, o seu trabalho pode ser decisivo para que se estabele?am compromissos que levem a actividade artística a ter um impacto nos espa?os urbanos onde se insere, como por exemplo na revitaliza??o do espa?o urbano ou na dinamiza??o de áreas periféricas do mesmo. O conhecimento que o poder local pode fornecer aos programadores no que diz respeito à caracteriza??o destas áreas de um ponto de vista holístico e da popula??o que nelas habita e trabalha pode fornecer ao programador elementos que o levem a integrar na sua programa??o actividades artísticas que permitam estabelecer uma rela??o com estes espa?os urbanos.Conclus?oAo longo das últimas páginas focámos o nosso olhar na ac??o do programador e nas redes onde este se move para percebermos de que forma é que as institui??es teatrais em foco se relacionam com o espa?o urbano e de que forma é que este e os actores que o comp?em s?o afectados pelas actividades artísticas. Através de entrevistas levadas a cabo com vários intervenientes institucionais tanto dos mundos da arte em quest?o como do poder local e com os próprios programadores, assim como um acompanhamento próximo das suas actividades de programa??o durante uma temporada e a sua frequenta??o e ainda, com a reconstitui??o histórica das companhias, das programa??es e do panorama cultural da cidade com recurso a relatos e a documenta??o noticiosa local e nacional procurámos perceber de que forma é que estas estruturas e o seu processo de fixa??o nos espa?os que agora ocupam poderá ou n?o ter influência nestas áreas urbanas e de que forma é que a realidade destas e os desafios que apresentam constituem um factor de relev?ncia para o trabalho da companhia.Procuramos com as iniciativas levadas a cabo responder a três quest?es levantadas na fase inicial desta investiga??o: De que forma é que o programador é um agente preponderante nas din?micas das companhias em que se insere? / Será a actividade das companhias transformadora das áreas urbanas que integram? / Poderá o trabalho das companhias ser o reflexo dos desafios que as zonas em que se situam lhe oferecem?Em primeiro lugar, teremos que salientar a preponder?ncia que a figura do programador adquire no seio das companhias onde este estudo foi levado a cabo, o que vai de encontro à primeira quest?o levantada para este projecto. Tanto O Teatr?o como A Escola da Noite possuem identidades artísticas próprias perpetuadas também pela ac??o dos programadores.No caso da Escola da Noite, António Augusto Barros é um dos membros fundadores da companhia e como tal, o trabalho da mesma foi e continua a ser embebido nos seus interesses pessoais, como podemos observar pela incidência em actividades focadas na Comunidade de Países da Língua Portuguesa e na parceria com a Cena Lusófona, sendo este interesse por estes países e comunidades expresso pelo próprio.Quanto a’O Teatr?o, apesar do seu fundador Manuel Guerra, já n?o se encontrar em fun??es, a sua actual programadora Isabel Craveiro, na sua ac??o de programa??o continua a exercer as premissas delineadas na funda??o da companhia na sua voca??o essencial de estrutura teatral para a inf?ncia fruto da apetência demonstrada para esta área por Manuel guerra.Foi ent?o possível verificar que no seio destas estruturas artísticas de cunho teatral que observámos, a figura do programador é vital para que sejam levadas a cabo as responsabilidades de cria??o e programa??o de que estas estruturas est?o encarregues. No seio destas, os seus gostos ou apetências pessoais revelam-se e trespassam o individuo sendo integrados no trabalho e na identidade das estruturas.No seguimento deste ponto e com incidência na segunda quest?o levantada, foi possível denotar que a instala??o de estruturas artísticas nestas áreas e a actividade que levam a cabo foram e s?o pontos de influência positiva na mesma.Tanto a instala??o d’O Teatr?o no Vale das Flores como d’A Escola da Noite na Baixa s?o factores de atractividade de cidad?os que face à oferta cultural que estas áreas oferecem, a elas acorrem, sendo de ressaltar que no caso destas estruturas a sua instala??o nestas zonas foi o primeiro foco cultural das mesmas, sendo portanto responsáveis pela cria??o de hábitos culturais situados nestas localiza??es.Contudo é de notar que actualmente e em referência à última quest?o, apesar dos constrangimentos financeiros, a actividade e a consequente influência destas estruturas poderia ser mais incidente no quotidiano das áreas que ocupam.No caso d’O Teatr?o, apesar do conjunto de actividades descentralizadas que levam a cabo darem a conhecer a estrutura aos cidad?os de Coimbra, a escassa participa??o e eficácia das actividades direccionadas para o Vale das Flores amputa a miss?o da companhia em ligar-se aos quotidiano e ao que a rodeia. Continuar a apostar cada vez mais no projecto pedagógico e refor?ar a divulga??o e contacto com a popula??o residente no Vale das Flores num horário pós laboral podem ser pontos que ajudem a colmatar os problemas de participa??o local identificados pela companhia.No caso d’A Escola da Noite foi mencionado que à época da sua instala??o no Pátio da Inquisi??o, a curiosidade gerada pelo trabalho da primeira companhia de teatro da cidade, foi um factor de atractividade para a área da Baixa.Contudo, após 25 anos de actividade constante, a curiosidade esbateu-se e o reconhecido mérito do trabalho da companhia para a dinamismo da baixa poderia ser expandido participando em propostas de reabilita??o urbana, oferecendo uma componente humana, social e artística a um projecto que se tem vindo a concentrar em conjunturas habitacionais e económicas.No que diz respeito à dimens?o local é possível que pela oferta e identidade diferenciada, estas estruturas n?o concorrem entre si, o que pode explicar a sua longevidade. No panorama cultural da cidade parece uma consequência da vitalidade e tradi??o do teatro universitário e amador, criando uma oferta plural no ?mbito da produ??o teatral.Ao longo dos anos, a C?mara Municipal de Coimbra tem vindo a proporcionar condi??es mais condignas como a edifica??o dos espa?os que agora ocupam e a implementa??o de um financiamento regular para os dois organismos o que aponta para um reconhecimento da import?ncia de ambas as estruturas no campo cultural da cidade de Coimbra.Por último, e apoiando-nos um pouco no que já foi referido, é de notar que a ac??o do programador e consequentemente das companhias se processa a diversos níveis, de forma mais intensa nuns do que noutros. A relev?ncia do trabalho do programador no contexto da companhia e a nível local foi referida em pontos anteriores sendo possível acrescentar a import?ncia deste ultimo no trabalho d’OTeatr?o pela forma como a ac??o desta companhia integra iniciativas cujo alcance se pretende local e regional.A estes, acrescem os níveis de ac??o nacional e internacional que se revelam mais preponderantes no trabalho d’A Escola da Noite, quer nos discursos fundacionais que revelam estas aspira??es, quer a nível prático nas digress?es e recep??es de outras companhias de várias proveniências assim como a liga??o à Cena Lusófona e à Comunidade de Países de Língua Portuguesa.Assim, seguindo as pisadas do programador e a rede de actores que a sua ac??o constitui podemos descortinar algumas das din?micas interrelacionais entre espa?o urbano e estruturas artísticas. Como proposta futura de aprofundamento desta temática, seria possível dar seguimento a esta investiga??o realizando um trabalho etnográfico mais denso sobre as actividades da companhia, ultrapassados agora os constrangimentos iniciais de compreens?o da dimens?o complexa de rela??es que envolve estas organiza??es e que caracteriza o panorama cultural de Coimbra. Neste sentido seria possível integrar ainda um foco maior nos públicos na sua vivência enquanto utilizadores e transformadores do espa?o urbano e das estruturas artísticas sendo a sua vis?o exterior dos processos de composi??o do trabalho destas uma outra perspectiva que poderá oferecer novas quest?es nas rela??es destas institui??es e actores com o espa?o urbano.BibliografiaAfonso, Anabela 2007. Teatro Municipal de Faro, Um Teatro a Sul In Portugal, José e Marques, Susana, Gest?o Cultural do Território. Porto, Setepés: 107-112Azevedo, Natália 2003. 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