A Colaboração na Internet na Legendagem de Seriados ...



Fansubs e Legenders: a colaboração pela Internet para a legendagem de seriados no site .br[1]

Flávia Oliveira do Nascimento [2]

RESUMO

O trabalho observa aspectos da colaboração brasileira na Internet para a legendagem de seriados norte-americanos, mais especificamente na colaboração dos legendadores usuários do site .br. Ao longo do texto, são descritas as formas de colaboração nos grupos, desde as origens dos chamados fansubs até o surgimento dos legenders (legendadores independentes), a partir do conteúdo do site .br. O fenômeno é analisado utilizando os conceitos de cibercultura, comunidade virtual e inteligência coletiva propostos por André Lemos, Manuel Castells e Pierre Lévy, respectivamente, além do estudo da dinâmica de alguns grupos que integram o referido site, segundo a perspectiva de Raquel Recuero.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidades Virtuais; Legendagem de seriados; Fansubs.

1. Introdução

A cultura do ciberespaço se relaciona com a produção, o armazenamento e o consumo dos bens simbólicos, na medida em que se tornam significativos para os indivíduos envolvidos no processo (THOMPSON, 2002). É nesse ambiente comunicacional onde grupos organizam-se para criar circuitos alternativos de distribuição de conteúdo. Nesse trabalho discutiremos o processo de produção de legendas em português para seriados em língua inglesa, mais especificamente por meio da observação do site .br.

A prática da legendagem amadora suscita questionamentos, inclusive de ordem jurídica, que classificariam seus adeptos como uma potencial ameaça aos direitos autorais e um “risco” à indústria de entretenimento.

Contração das palavras inglesas fan subtitled – fãs legendados, em português, os fansubs são blogs ou sites criados por grupos de fãs que legendam novelas, séries, animes ou filmes e disponibilizam para outros fãs por meio de download, sem fins comerciais. Surgidos inicialmente nos anos 80 e 90 para prover os fãs das séries de animes japoneses dos produtos que nem sempre eram encontrados com facilidade no mercado, hoje em dia se refere a qualquer grupos que legendem episódios de suas séries favoritas, geralmente norte-americanas[3]. Chamados de legenders, as pessoas que compõe esses grupos possuem gênero, idades e formações distintas, reunidas em grupos geralmente especializados em uma carta de séries.

Para o público de um modo geral, os Fansubs deixam margem para vários questionamentos, que vão desde a existência de organização em sua estrutura, apesar do aparente caos que é a Internet, até se há algum tipo de compromisso com a qualidade do “produto” que está sendo entregue, no caso, as legendas. As características desses grupos, suas dinâmicas de funcionamento e as implicações de sua existência na sociedade contemporânea é a questão central do nosso trabalho, tratadas logo a seguir pela ótica dos fenômenos ciberculturais.

2.1.1 Comunidades virtuais e inteligência coletiva

Entendemos como ciberespaço o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores e também o universo oceânico de informações que essa infraestrutura abriga, assim como os seres humanos que compõem esse universo (LÉVY, 2003). Para Lemos (2002, p.148), o ciberespaço é mais do que um fenômeno técnico e passa a ser um fenômeno social.

O desenvolvimento da Internet só foi possível devido à cooperação e à liberdade de informação, fatores que propiciaram a inovação, muito mais do que a competição e os direitos de propriedade (CASTELLS, 2003, p.13). Devido à legendagem amadora, as empresas oficiais que fazem a tradução dos seriados reduziram o tempo para entrega dos episódios em até 30% (Fonte: Folha de São Paulo). Pode-se aferir assim que até o cliente convencional, o qual não acessa a Internet para assistir um episódio legendado, tem de alguma forma se beneficiado com a ação dos legenders e sua influência no mercado formal. Castells (2003) disse que o século XX provocou a união de três processos independentes: as exigências econômicas, as demandas sociais por liberdade e comunicação e os avanços da tecnologia. Para Pierre Lévy (2003, p.11), “o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem”. Foi por causa dessa avidez, típica da juventude que já nasce conectada à velocidade das máquinas, que os grupos de legendadores amadores incumbiram-se de não só de trazer os episódios recém-exibidos nos EUA, como também de legendá-los e dispô-los na rede o quanto antes. Atualmente um episódio exibido nos Estados Unidos (e transmitido online simultaneamente por meio de vários sites) chega legendado ao público em média 48 horas depois, a depender de uma série de fatores. Sobre as características desses “jovens ávidos”, Lévy conclui:

No contexto de comunicação telemática, planetária e multimodal, a rede pode agregar pessoas independentemente de localidade geográfica e não revelando, de imediato, referências físicas, econômicas ou religiosas. Com o ciberespaço, as pessoas podem formar coletivos mesmo vivendo em cidades e culturas bem diferentes. Criam-se assim territorialidades simbólicas (idem, 2003, p.149).

Pierre Lévy (1998, p.28) chamou de inteligência coletiva esse compartilhamento de saberes, que consiste em “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências”. Portanto, é uma inteligência afim com o proposto pelos fansubs, no que diz respeito às relações formadas dentro do ambiente de produção e compartilhamento de conteúdo, resultando inclusive em laços sociais, ignorando fronteiras políticas, econômicas e culturais.

2.1.2 Produção e Compartilhamento de Conteúdo - Estudo de caso: Site Legenders

Figura 1 - site .br

[pic]

O site .br é um site com conteúdo variado que reúne tutoriais para interessados em produzir legendas, regras e dicas para realizar traduções, matérias publicadas na mídia, dicionários online, glossários dos termos utilizados pelos legendadores, livros técnicos para download, relação de empresas especializadas em legendagem e traduções, legislação sobre direitos autorais, links para downloads dos programas utilizados e seus respectivos manuais comentados, links para cursos online ou presenciais (grátis ou pagos), links para sites que fornecem legendas, oferta de serviços de legendagem de vídeos de palestras, cerimônias etc (com tabela de preços) e relação de alguns grupos que fazem as legendas dos seriados, com a opção do internauta mandar a logo de sua equipe para o site transformá-lo em link.

Apesar de não ser atualizado desde junho de 2011, por razões desconhecidas, o site mostra o contador de visitas registrando novos acessos (17.190 visitas até o dia 08/12/12), provavelmente pelo vasto conteúdo de pesquisa que oferece livremente, sem a necessidade de filiação do usuário a um fansub.

2.1.3 Hierarquia e organização nas comunidades virtuais de legenders

Lemos (2002) observa a efervescência de comunidades no ciberespaço, num processo de “territorialidades simbólicas [...] o que agrega os internautas são afinidades intelectuais ou espirituais, formando coletivos de interesses comuns (LEMOS, 2002, p. 149)”. Em torno do site há várias comunidades estabelecidas (os grupos de legendadores batizam-se com nomes como InSubs, N.E.R.D.S[4], Insanos etc) que obedecem a uma hierarquia e que dividem tarefas para a legendagem de seriados. Assim, cada um possui uma função no grupo, e cada função goza de um significado distinto, de acordo com o quadro a seguir:

Figura 2 – quadro passo-a-passo

O passo a passo dos legendadores

|Líder |Algum membro da equipe precisa demonstrar interesse pela série. Caso aprovada, essa pessoa passa a ser o |

| |responsável pela produção das legendas, por convocar tradutores e sincronizadores (os cargos básicos da |

| |hierarquia) e estabelecer uma espécie de escala de trabalho. Toda a comunicação é feita por e-mail. |

|"Virgens" |Os episódios "virgens" (como são chamados logo depois a exibição no país de origem) são captados por membros da |

| |equipe em sites ou redes de compartilhamento estrangeiras, especializados em fornecer o material minutos após ter|

| |ido ao ar. |

|Tradução |Em posse dos episódios "virgens", os legendadores começam um processo de tradução que pode levar, dependendo da |

| |prática da pessoa, até 40 minutos a cada 10 de série. Em alguns casos, os tradutores acompanham a exibição da |

| |série em tempo real, disponibilizada por alguns sites estrangeiros, para adiantar no processo. |

|Manual |O tradutores seguem manuais bastante detalhados sobre o processo de legendagem. Alguns desses guias estão |

| |disponíveis para download na Internet e contém mais de 30 páginas que explicam o passo a passo. Número máximo de |

| |caracteres por linha da legenda e tempo de exposição do texto na tela são preocupações bastante comuns nesta |

| |etapa. |

|Sincronia |Depois de traduzida (tarefa que pode ser realizada por vários membros da equipe) o episódio passa por um processo|

| |de sincronização, para que falas correspondam com o que está escrito na tela. |

|Revisão |A próxima etapa fica a cargo dos revisores, que assistem a todo o episódio atentamente e corrigem possíveis erros|

| |de ortografia e sincronia. O revisor também uniformiza a legenda para evitar que palavras e expressões |

| |características dos personagens variem muito de episódio para episódio. O revisor é bastante valorizado dentro da|

| |equipe. Geralmente o cargo é ocupado por pessoas de confiança dos administradores |

| |Depois de revisada, a legenda está pronta para ser publicada. O tempo máximo de legendagem tolerado pelas equipes|

| |é de 24 horas para as séries mais populares. Para as secundárias, o prazo é mais flexível: entre 2 e 7 dias. O |

| |principal meio de divulgação é um site chamado , uma espécie de portal das legendas. O site está entre|

| |os 130 mais acessados do Brasil e chega a ter quatro mil usuários conectados ao mesmo tempo (Fonte: ). |

Fonte: Uol Tecnologia

O líder, também chamado de administrador ou apenas admin, é responsável pelo treinamento dos legendadores do coletivo, geralmente dominando o conhecimento para executar todas as funções dos participantes (Fonte: Superinteressante, 2011). É o mais experiente legendador e goza de respeito e prestígio pela qualidade, autenticidade e número de legendas entregue. Cerca-se dos revisores como braço direito. Estes, por sua vez, almejam alcançar a posição de líderes de seus próprios grupos, ao acumular experiência e reputação. Quando um grupo consegue entregar legendas dos seriados mais aguardados em pouco tempo e com qualidade, torna-se popular na rede.

Sobre sua composição, os coletivos são formados por homens e mulheres de diferentes faixas etárias (de adolescentes a idosos), formações acadêmicas e localização geográfica, podendo um grupo alcançar de 40 a 150 membros (Fonte: Tecmundo, 2012). Em comum, possuem conhecimento avançado ou intermediário em inglês, idioma falado nos seriados. Estudantes ou profissionais de áreas como Direito, Medicina e Ciências são bem-vindos para adaptar expressões e realizar da melhor maneira as traduções de seriados temáticos, como House MD, Grey´s Anatomy (ambos da área médica), Law & Order (Direito) e The Big Bang Theory (Exatas).

Segundo Raquel Recuero (2010, p.108-115), alguns dos valores mais comumente relacionados aos sites de rede social são visibilidade (proporciona a visibilidade dos indivíduos que compõe o grupo na rede), reputação (informações sobre quem o grupo é), popularidade (valor relacionado à audiência) e autoridade (poder de influência de um nó na rede social), fatores que podem estar ligados à motivação para que os grupos funcionem, mesmo sem a obtenção de lucro. Nos grupos de legendadores há uma hierarquia estabelecida pelos próprios membros que está relacionada a esses itens.[5]

Apesar de haver diferentes grupos de legendadores, não há hostilidade explícita entre eles, apenas competição. Sobre a relação entre competição e cooperação:

“A competição compreende a luta, mas não a hostilidade, característica do conflito. A competição pode, por exemplo, gerar cooperação entre os atores de uma determinada rede, no sentido de tentar suplantar os atores de outra. O conflito, de outro lado, pode gerar hostilidade, desgaste e ruptura da estrutura social. Muitas vezes, é associado à violência e à agressão (RECUERO,2010, p. 82)”.

O termo explícita mencionado acima porque os sites e perfis dos grupos de legenders nas redes sociais sofre constantemente agressões por parte de fãs das séries que desejam as legendas de imediato. Muitos comentários são ofensivos e levantam a suspeita que a competição entre esses grupos seja feita de forma velada, por meio de perfis falsos de componentes de outros grupos.

Sobre a legendagem feita por fãs, é pertinente pensar qual a postura do mercado formal de legendas em relação ao trabalho feito de forma gratuita pelos grupos. A equipe InSubs e o site de legendas já tiveram problemas com a Associação Antipirataria de Cinema e Música (Fonte: Tecmundo, 2012) em virtude da atividade afetar leis de direitos autorais e a ordem econômica. Sobre esse conflito de interesses:

“Sabemos que o ciberespaço constitui um imenso campo de batalha para os industriais da comunicação e dos programas. Mas a guerra que opõe algumas grandes forças econômicas não deve mascarar a outra que coloca em choque uma visão puramente consumista do ciberespaço, a dos industriais e vendedores – a rede como supermercado planetário e televisão interativa -, e uma outra visão, a do movimento social que propaga a cibercultura, inspirado pelo desenvolvimento das trocas de saberes, das novas formas de cooperação e de criação coletiva nos mundos virtuais (LÉVY, 2003, p.199)”.

A posição conflituosa do mercado em relação aos fansubs, no entanto, está se transformando aos poucos. É necessária a compreensão de que o trabalho dos legenders não passa de um hobby e que estes não possuem a qualificação técnica requerida para a legendagem profissional, apesar do compromisso que muitos grupos assumem de levar um conteúdo de qualidade para os fãs das séries.

Além do mais, tanto os legenders quanto o público que procura sua série preferida legendada na rede consomem os produtos originais vendidos em lojas, apresentados em cobiçados boxes e com vários extras. Portanto, há espaço na sociedade cibercultural para o desenvolvimento – e especialização – dos legendadores amadores, sem ameaças ao mercado.

3 Considerações finais

Neste artigo, vimos de que forma as comunidades virtuais – os fansubs – têm transformado a sociedade que consome os seriados legendados pelos legenders, estudando a dinâmica desses grupos e refletindo sobre os fenômenos ciberculturais envolvidos no processo.

No caso apresentado, o site .br foi tomado como objeto de estudo em virtude de ser um agregador de conteúdo e ponto de encontro de indivíduos e grupos envolvidos na legendagem de seriados americanos do inglês para o português.

A questão da hierarquia e dos valores importantes para a estruturação desses grupos foi tratada para uma melhor compreensão sobre a motivação destes, seja pela construção de reputação e conseqüente visibilidade, seja pela própria efervescência proporcionada pela capacidade das comunidades virtuais de proverem o próprio bem simbólico.

Finalmente, discutimos os conflitos que essas comunidades ciberculturais têm com a indústria de entretenimento, no que diz respeito aos direitos autorais.

REFERÊNCIAS

BLANCO, Gisela. A psicopata das legendas. Superinteressante, São Paulo, nº. 275, fevereiro de 2010.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

JUNIOR, Durval R. Fansubs: os rostos por trás das legendas na Internet. Tecmundo. 29 de abril de 2012. Disponível em: < ..br/22715-fansubs-os-rostos-por-tras-das-legendas-na-internet.htm> Acesso em: 11 dez. 2012

LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.

LÉVY, Pierre. A inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2003.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Meridional, 2010.

RODRIGUES, Lúcia. Chegada mais rápida de séries americanas acelera mercado de tradução. Folha de São Paulo, 17 de outubro de 2010. Disponível em: < > Acesso em: 08 dez. 2012

SAYURI, Juliana. Legendários. Superinteressante, São Paulo, nº 291, p. 78-83, maio de 2011.

THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

VITULLI, Rodrigo. "Legendadores piratas" trabalham por paixão e sem ganhar dinheiro; conheça a atividade. UOL Tecnologia. São Paulo, 21 de fevereiro de 2011. Atualizada em 1º de abril de 2011. Disponível em:

Acesso em: 08 dez. 2012.

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[1] Trabalho produzido para a disciplina de Comunicação Digital, ministrada pela profª Ana Cesaltina Barbosa Marques, no curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade Sete de Setembro, semestre 2012.2 noturno. Fortaleza – Ceará.

[2] Graduanda de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, no 3º semestre, pela Faculdade Sete de Setembro. Email: flodeoliveira@

[3] O seriado Lost, exibido pelo canal americano ABC no ano de 2004 a 2010, foi o marco da ampliação de grupo de legenders no Brasil. A trama do seriado era de mistério e os fãs relutavam em aguardar semanas para que os episódios fossem legendados pelos estúdios profissionais. O surgimento de legendas alternativas apareceu como uma demanda das comunidades na web (Fonte: Revista Superinteressante, 2010).

[4] Significado de alguns nomes que aparecem antes de cada episódio, para identificar o grupo que o legendou: InSubs: Qualidade é InSubstituível. N.E.R.D.S: Nerds Rock Doing Subtitles (Nerds arrasam fazendo legendas).

[5] O fansub é uma rede de pessoas onde esses valores são importantes, porém nem os sites dos grupos nem o site .br funcionam como um site de rede social no formato convencional, a exemplo do Facebook, Twitter etc), objetos de estudo da autora.

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