O antigamente está de volta - Moçambique para todos



O antigamente está de volta?

Não há passaportes e os sinais são do passado

Limitação às liberdades individuais e livre circulação de pessoas está a ser preparada, já em curso, ou é apenas o prelúdio da entrada em vigor dos “passaportes biométricos”?

Guiché da Direcção Nacional de Migração e porta-voz do Ministério do Interior contradizem-se e alimentam especulações

(Maputo) Não estão a ser emitidos passaportes normais para os cidadãos comuns. Só salvos-condutos. Isso indicia haver crise de passaportes. Fontes primárias do «Canal de Moçambique» referem que é apenas uma mudança de modelos de passaportes que está para ser implementada. Mas o porta-voz do Ministério do Interior apenas diz que “não há crise de passaportes”. Esta contradição está a deixar no ar a suspeita de que possa estar em preparação algo que volte a limitar a livre circulação de pessoas e, consequentemente, a interferência do Estado com as liberdades individuais dos cidadãos previstas na Constituição da República. O clima não propicia confiança e urge um esclarecimento claro que tranquilize os cidadãos.

Fontes e factos

A Direcção Nacional da Migração enfrenta uma crise na emissão de passaportes, cenário que fontes primárias do «Canal de Moçambique» afirmam que dura há meses, alegadamente devido a ruptura parcial dos stocks de passaportes normais. Segundo essas fontes está em perspectiva o lançamento de um novo modelo de passaporte e a Migração acha que não é conveniente encomendar novos passaportes para repor os stocks dos “velhos” sob alegação de que a despesa que isso iria implicar não se justifica quando se está perante a eventualidade do actual modelo de passaportes vir a ser substituído por outro e sobrarem sem utilidade. De acordo com essas fontes, para o público em geral, ou seja, para cidadãos comuns, presentemente apenas se emitem «salvo-condutos» ou «certificados de emergência», documentos que permitem viajar apenas para um determinado país, ou seja, para país específico. De momento os passaportes normais apenas são emitidos para figuras credenciadas por instituições do Estado ou empresas públicas. Neste último caso, também só para quem tenha uma espécie de “estatuto especial”.

Esquemas

Os cidadãos comuns nesta fase só conseguem passaporte normal recorrendo a esquemas de suborno. Directamente, junto de funcionários da Migração, ou então, indirectamente, recorrendo a terceiros que possuem conexões com funcionários daquela instituição.

Estão assim lançados os dados para mais uma daquelas já bem conhecidas operações de corrupção suscitadas pela escassez. Mas por trás do que está a acontecer pode estar algo muito mais grave do que se imagina. O silêncio das autoridades a quem compete esclarecer preocupa e não ajuda a que se deixe de construir castelos no ar. No passado já houve disso e quem manda é desse tempo.

Ministério do Interior

Há duas semanas que o «Canal de Moçambique» está na posse destas informações. A semana passada contactou o porta-voz do Ministério do Interior (MINT), Ilídio Miguel, que afirmou não corresponder à verdade a existência de falta de passaportes normais.

Retornámos às fontes que continuaram a assegurar que de facto há crise de passaportes na Migração. Aliás, o «Canal de Moçambique» falou com um funcionário do sector de emissões de passaportes que também, por seu turno, confirma a crise.

Perante a contradição entre a fonte oficial do Ministério do Interior e as fontes primárias do «Canal de Moçambique», voltámos a confrontar o mesmo porta-voz do «MINT», Ilídio Miguel que reafirmou a sua posição oficial – “Há passaportes”, disse e acrescentou que “tudo o resto não passa de pura especulação”.

A realidade no balcão da Migração

Voltámos de novo à Direcção Nacional da Migração. Desta vez dirigimo-nos ao sector do expediente. Não nos apresentámos como jornalistas. Num dos guichés atendeu-nos uma funcionária. Explicámos-lhe que queríamos tratar de passaporte. A senhora não podia ter sido mais clara: “De momento não há passaportes”. Segundo ela “o que se emite são certificados de emergência”, um documento que “serve apenas para quem quiser viajar para os países vizinhos”. Simulámos que queríamos viajar para Europa. Disse-nos que para tal poder-se-ia emitir passaporte normal, mediante um documento dos serviços a fundamentar os motivos da viagem.

Entretanto, no encontro de ontem o porta-voz do MINT, Ilídio Miguel, a dado passo, quando confrontado pelo «Canal» sobre os novos elementos começou a revelar insegurança quanto à sua convicção de que “há passaportes”. A dado passo deixou de utilizar o anterior discurso sobre especulação e passou a falar das probabilidades de existência de rotura de stock mas que segundo suas palavras a situação estaria sob controle.

“Pode existir rotura de stocks, mas a situação está controlada”, enfim um caso que esperamos ver esclarecido, eventualmente pelos superiores do próprio porta-voz uma vez que há um encontro marcado com o «Canal» para esse efeito.

Enchentes

O passeio da Av. Ho Chi Min, defronte do edifício onde funciona a Direcção Nacional da Migração, anda, nas horas de expediente, a abarrotar de gente. Mesmo para chegar ao balcão, que se encontra na cave, é necessário algum malabarismo. As escadas que dão acesso ao portão principal, também andam muito cheias, pois centenas de cidadãos ávidos de obter um passaporte, pretendem, a todo custo que a recepcionista os anuncie a um dos funcionários. Tal e qual como no tempo do mono partidarismo em que se limitavam dessa forma as liberdades individuais.

Para se conseguir um encontro com um dos chefes, as justificações variam: Vai desde ser “primo”, “sobrinho”, “tio” ou “filho”... O meio mais prático, pelo que pudemos ver, é o telemóvel, qual caixinha mágica, que dispensa a recepcionista.

É normal ver funcionários, descendo a rua falando no “cell”, e na esquina mais próxima – Rua das Flores – depois e já noutra, a entregar a “encomenda”, o tão apetecido passaporte. Fazem-no às escondidas.

Entre os que horas a fio ficam ali pregados, é possível ouvir: “Mano quer passaporte. Posso resolver o seu problema”.

“Quanto é que isso vai me custar?”, perguntámos a um dos que se ofereceu para tratar do nosso caso.

“Tens o expediente ai mais quinhentos paus?”

- “O dinheiro que tenho não chega”,

- “Quanto é que tens?”

- “Duzentos e cinquenta.”

- “Aumenta lá pelo menos cento e cinquenta!...”

Findo este interessante diálogo nas barbas da Migração, as bichas e os esquemas continuam a ser o pão de cada dia.

O porta-voz do MINT

Já o porta-voz do MINT, Ilídio Miguel, vê as enchentes de outro prisma. Para ele as enchentes que se verificam na Migração são “normais”, uma vez que, alegou, “com a abolição de vistos nas fronteiras vizinhas, a procura aumentou”.

Ausência de números

Sobre o número de pedidos de passaportes que diariamente dão entrada na Direcção Nacional da Migração, o porta-voz do MINT nada sabe dizer. Não sabe quantificar. “Não tenho os números. Tenho de solicitar à directora”.

Quanto aos alegados factos de paragem de emissão de passaportes para dar lugar ao novo modelo, o porta-voz do MINT disse que tal não corresponde à verdade, apesar de confirmar que “vamos introduzir um passaporte biométrico, mas esse é um projecto que ainda não foi implementado”.

Passaporte biométrico, segundo acabou por explicar Ilídio Miguel, é um tipo de passaporte que permite a leitura electrónica dos dados do portador, constantes nele.

Veremos se será isso que está para aí a vir. Tanto segredo e práticas que fazem recordar o passado, enquanto não forem devidamente esclarecidas deixam no ar suspeitas de que se esteja de novo em preparação restrições às liberdades individuais dos cidadãos, desta vez em pleno Século XXI. (Luís Nhachote)

CANAL DE MOÇAMBIQUE – 26.07.2006

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