Introdução



Viriato Caetano DiasIlha de Mo?ambique - estudo da Fortaleza de S?o Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte (século XVI a XIX)?vora, Fevereiro - 2010AbreviaturasA.N.T.T. - Arquivo Nacional da Torre do TomboB. G.U. E. - Biblioteca Geral da Universidade de ?voraB. P. E. - Biblioteca Pública de ?voraCap. - CapelaC.C. - Corpo ChronologicoC.M.C. - Centro Multimédia ComunitárioCod. - CódiceDoc. - DocumentoFig. - FiguraIGESPAR - Instituto de Gest?o do Património Arquitectónico e ArqueológicoPe. - PadreS - S?oSéc. - SéculoSegs. - SeguintesSt° - SantoUNESCO - Organiza??o das Na??es Unidas para a Ciência, Educa??o e CulturaV. – Ver ou vejaAnexos:Mapas / PlantasFig. 16: “PLANTA FORMA DA FORTALEZA DE MO?AMBIQUE” / Tal como no Atlas de Viena, a representa??o da ilha de Mo?ambique, atribuída a Jo?o Teixeira, data de 1622 / Biblioteca do Forte de S. Juli?o da Barra / “Lyvro de Planta forma das fortalezas da ?ndia”, séc. XVII.Fig. 18: “PLANTA DU FORT DE MOZAMBIQUE TIR? DE FARIA”, I.v; Cchley / bipartida/ séc. XVIII?/ Arquivo Histórico Ultramarino (217 x 156 mm) Faria e Sousa (1666??) é o confessado modelo da Planta superior no enquadramento do desenho.Fig. 20: “CARTA TOPOGR?FICA DA ILHA DE MOSSAMBIQUE QUE POR ORDEM DO ILLMO. EXMO. SENHOR FRANCISCO DE MELLO DE CASTRO GOVERNADOR E CAPITAM GENERAL TIROU O CAPITAM DE INFANTARIA? E ENHENHEIRO GREG?RIO THAUMATURGO DE BRITO? NO ANNO DE 1754…3 / Arquivo Histórico Ultramarino (820 x 628 mm).Fig. 24: “PLANTA DO QUARTELAMENTO E FORTALEZA DA ILHA DE MO?AMBIQUE…” / Carlos José dos Reis e Gama, 1802 / Arquivo Histórico Ultramarino (524 x 630).Planta n? 2 de Pedro Barreto de Resende, secretário do Vice-Rei “Cota: Cód. CXV / 2-1” – Biblioteca Pública de ?vora (1635).Fotos / ImagensHomenagem à Ilha de Mo?ambique:Fortaleza de S?o Sebasti?o Capela de Nossa Senhora do BaluarteN?o s?o aparentes em ti as marcas de grandeza, Erecta e incólume ao desafio áspero do vento e da areia,Nenhum monumento desfigura De tudo e de todos oculta, menos do mar, breveOu altera a monotonia sem convuls?es Milagre alvinitente à flor da rocha em espuma,Do teu rosto quase anónimo Se te feita, o sol deslumbra e resvala pelas linhas.A escassez de ogivas, arcobotantes, Puríssimas do teu rosto, vergando a acesa fonte.Rosáceas, burilados portais, cobra-la tu Como nalguns raros objectos exíguos (sonetosNa gravidade da terra sombras de Cam?es, certos pormenores de Fídias, pe?asE do teu silêncio. N?o vem sequer. do artesanato egípcio) só na límpida maravilhaDa tua voz a opress?o que cerra Singela do teu risco se gradua e aferemAs almas de quantos de ti Os nomes de rigor e método. Capela extremaSe acercam. N?o demonstras, E recolhida, antes quem nossa incauta. N?o afirmas, n?o imp?es. Humanidade se desnuda silente, humildeElusiva e discretamente altiva, E comovida, que orgulhoso e implacávelfala por ti apenas o tempo. Deus, na terra, recusaria em ti sua morada?Poeta Rui Knopfli (1989)ResumoO presente trabalho constitui um estudo sobre a ilha de Mo?ambique: Fortaleza de S?o Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, no período compreendido entre os séculos XVI e XIX, período esse marcado pela domina??o colonial portuguesa em Mo?ambique.A import?ncia da ilha de Mo?ambique come?ou a revelar-se com o estabelecimento do Tratado da ?ndia e com os acontecimentos navais no Oriente. Em 1544 -1545, quando D. Jo?o de Castro foi mandado governar a ?ndia, verificou, perante o suceder das ocorrências, da urgência de se levar a efeito a fortifica??o do porto e da ilha em geral. Foi assim que, em 1558, sob batuta de Miguel de Arruda, come?a a constru??o da Fortaleza de S. Sebasti?o, a maior da ?frica Austral. Esta fortaleza era muito importante para Portugal, porque a ilha de Mo?ambique tinha-se tornado o entreposto da permuta de panos e missangas da ?ndia por ouro, escravos, marfim e pau preto de ?frica, e era da ilha que partiam todas as viagens comerciais para Quelimane, Sofala, Inhambane e Louren?o Marques (actual Maputo), mas também para os principais mercados europeus, de Lisboa para Génova, Veneza e Flandres. Para além dos portugueses outros concorrentes europeus apareceram na corrida pelo controlo das rotas comerciais das especiarias da ?ndia, como foi o caso dos franceses, ingleses e holandeses, estes inclusive tentaram ocupar a ilha por duas vezes, em 1607 e 1608 e, n?o o conseguindo, devastaram-na pelo fogo.A Capela de Nossa Senhora do Baluarte foi construída muito antes da Fortaleza de S. Sebasti?o. De estilo medieval clássico português, o Manuelino, com abobada cruzadas, é o edifício mais antigo preservado em Mo?ambique. Aquando da sua funda??o em 1522, por D. Pedro de Castro, a capela tinha como principal objectivo defender o canal que dá acesso ao porto da ilha, mas também servia de local de culto. Depressa, tornou-se a “espinha dorsal” da coloniza??o portuguesa, através de campanhas / miss?es de submiss?o dos povos autóctones locais. A import?ncia económica, associada a quest?o de natureza, fundamentalmente, geo-estratégica - cidade insular - , determinara à escolha da ilha de Mo?ambique para a primeira capital dos territórios de Mo?ambique, directamente subordinada, de 1509 a 1752, à jurisdi??o do vice-rei da ?ndia até 1898, quando Mouzinho de Albuquerque transferiu a capital para Louren?o Marques (Maputo), devido às manifestas insuficiências da ilha para continuar a desempenhar eficazmente o papel de capital.Introdu??oO presente trabalho tem como tema ilha de Mo?ambique, como objecto o estudo da Fortaleza de S?o Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, o aspecto sua import?ncia histórica durante o processo de ocupa??o e domina??o colonial portuguesa em Mo?ambique, nos primórdios dos Séculos XVI a XIX.A pergunta de partida é: que motivos teria à Coroa portuguesa para construir a Fortaleza de S. Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte na ilha de Mo?ambique? Como hipótese temos: protegia às naus que se deslocavam ao canal que conduz ao porto interior da ilha, garantia a defesa da ilha, bem como - para o caso concreto da capela - teria contribuído, substancialmente, na domina??o e submiss?o religiosa dos povos da ilha, dado que estes eram, antes da ocupa??o colonial portuguesa, na sua maioria, de religi?o isl?mica. Todavia, a domina??o religiosa só foi possível enquanto durou a presen?a colonial portuguesa na ilha.O objectivo geral deste trabalho é analisar as linhas mestres que nortearam a ocupa??o portuguesa de Mo?ambique, os específicos s?o:- Localizar e contextualizar Mo?ambique e a ilha do mesmo nome.- Descrever a import?ncia e o impacto sócio-político, económico, militar e estrutural da Fortaleza de S. Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte no período cronológico em referência.N?o existe das bibliografias consultadas uma única obra que abordasse exclusivamente a Fortaleza de S. Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte. O que existe, porém, s?o obras que espelham, duma maneira geral, o papel estratégico da ilha de Mo?ambique durante o processo de ocupa??o e domina??o colonial portuguesa, séculos XVI a XIX, como é o caso de Cid, Ferraz, Moreira, Lobato, Lima (Ver bibliografia completa).Coube-me, nesta ordem de ideias, estudar a import?ncia histórica da Fortaleza de S. Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, por entender que estas duas fortifica??es foram, durante aproximadamente cinco séculos, a chave da ocupa??o e domina??o colonial portuguesa em Mo?ambique. Esta é no fundo a principal raz?o que me levou a estudar o tema, esperando que o mesmo seja de utilidade académica para todos os que quiserem se debru?ar sobre o assunto.O presente trabalho está organizado da seguinte maneira:ResumoCapítulo ICapítulo II Conclus?oBibliografia, eAnexoCapítulo II.1 Localiza??o e contextualiza??o:Mo?ambiqueIlha de Mo?ambiqueA história da ilha de Mo?ambique no séculos XVI a XIX, está associada à chegada de Vasco da Gama a Mo?ambique em 1498. E como n?o poderia de deixar de ser, n?o obstante o tema de fundo deste trabalho cingir-se sobre a ilha de Mo?ambique, mais concretamente a Fortaleza de S. Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, procurarei, preliminarmente, situar e contextualizar Mo?ambique dentro do período cronológico em referência e só depois, em paralelo, me debru?arei sobre a indescritível, memorável e histórica beleza da pérola do ?ndico – ilha de Mo?ambique.I.2 – Mo?ambiqueEste nome do único estado do Oriente africano de língua oficial portuguesa (embora na larga área por que se estende se falem mais de dez línguas locais) era aplicável apenas a uma ilha situada a norte, à latitude de cerca de 15° S (D. Jo?o de Castro, no seu Roteiro de Lisboa a Goa, observou uma vez em 14 ?45 e outra vez em 14?50 S nos dias 2 e 5 de Agosto de 1538). O primeiro português a visitar Mo?ambique, segundo alguns autores, terá sido Pêro da Covilh?; este viajante, no desempenho da miss?o de que D. Jo?o II o encarregara, passou certamente pelos principais centros comerciais do Indost?o (Goa e Calecute, por exemplo), esteve em Ormuz e em Adém, mas n?o é seguro, embora seja provável, que em seguida tivesse percorrido toda a costa oriental africana habitualmente frequentada por mercadores árabes até ao limite sul de Sofala, passando, talvez, por Mogadíscio, Momba?a e Mo?ambique. Tal experiência, remetida possivelmente para Lisboa em relatório hoje desencaminhado, explicaria as escalas de Vasco da Gama, se bem que elas também pudessem ter sido aconselhadas pelos pilotos árabes (os “malemos” dos textos portugueses) com que o Capit?o-Mor da chamada armada de descobrimento da navega??o de Lisboa até à ?ndia esteve, sem dúvida, em contacto, e exactamente a partir de Mo?ambique; neste sentido, n?o se pode esquecer que Vasco da Gama n?o procurou, como mostra a Rela??o da sua viagem, atribuída a ?lvaro Velho, fazer escala em Sofala; certamente n?o deixaria de tomar esse porto importante do escoamento do ouro e de marfim se dele tivesse conhecimento.Essa primeira armada portuguesa avistou Mo?ambique no dia 1 de Mar?o de 1498, mas só ancorou no porto acolhedor que a ilha proporcionava no dia imediato: logo se deram conta de que na terra habitavam “mercadores” e que tratava “como mouros brancos”; as mercadorias transaccionadas, na pena exagerada do autor da Rela??o, eram o ouro e a prata, o cravo e a pimenta, o gengibre e as pérolas, a alj?far e os rubis; supunha ele que “todas estas coisas”, salvo o ouro, “vinham aqui de carreto”, trazidas pelos mouros, sendo as pedras, o alj?far e as especiarias em t?o grande quantidade que “n?o era necessário resgatá-las (isto é, comprá-las), mas acompanhá-las aos certos”! Se o comércio em Mo?ambique nunca terá sido de tanto vulto que merecesse tal admira??o do narrador, ele existia, e estava nas m?os de mu?ulmanos; Vasco da Gama, logo que foi identificado como intruso, passou a ser tratado com inimizade, chegando a admitir-se relato da viagem que terá sido em terra firme uma conjuntura para matar toda a tripula??o das ent?o já apenas três naus da armada. Com o estabelecimento da carreira da ?ndia, a ilha de Mo?ambique passou a ter uma grande import?ncia estratégica, n?o só por se tornar como um dos lugares de encontro para naus eventualmente tresmalhadas na longa viagem desde Lisboa como ainda por serem refor?ados a ficar aí retidos os navios que se atrasavam e perdiam o tempo favorável para demandar a ?ndia (ou seja, que perdiam a mon??o). Embora fosse reconhecida a insalubridade da ilha, esta última utiliza??o que dela se fazia levaria os portugueses a ocuparem-na, a construírem nela uma fortaleza e um hospital, e também uma feitoria para estabelecer e fomentar as trocas mercantis. No decurso do século XVI, a ilha de Mo?ambique era, por via de regra, escalada pelas armadas da ?ndia, principalmente na viagem de ida; e também o era pela nau que anualmente vinha de Goa até Sofala a carregar ouro e marfim, de que a Coroa procurava deter o monopólio, apesar de nunca ter conseguido erradicar o contrabando, pois as severíssimas medidas a tal respeito tomadas eram facilmente iludidas. Albuquerque (1994, p.751).O valor desse ponto de apoio aos navios portugueses que sulcavam o Oceano ?ndico tornou-se t?o evidente que uma carta (hoje incompleta) que D. Jo?o de Castro escreveu daí ao rei em Agosto de 1545, quando se dirigia a Goa para assumir o Governo da ?ndia (em que se incluía ent?o Mo?ambique); Castro, acompanhado dos seus capit?es, observou ent?o a pequena ilha com toda a minúcia, e, concluindo que a fortaleza velha estava construída no lugar “mais ruim” dela, aconselhava que se edificasse de raiz uma nova e mais poderosa, em local considerado mais conveniente: assim veio a fazer-se, e é a que hoje existe.A escala em Mo?ambique tornara-se quase obrigatória para as naus da carreira da ?ndia que n?o fizessem a derrota “por fora” da ilha de S. Louren?o. No primeiro quarto do século XVI chegou mesmo a ser pensada, por um marinheiro que sobre a sua ideia escreveu em 1556 ao rei, como um “nó” da carreira, ou seja, como local privilegiado para partir a rota da ?ndia em duas partes: uma delas, servida por uma frota, estabelecida a liga??o entre Lisboa e Mo?ambique; a segunda, com outras embarca??es, ligaria este porto ao Indost?o. Nesta hipótese, Mo?ambique ficava a ser entreposto para a armazenagem de mercadorias oriundas da ?ndia e também para a repara??o de navios, obviando-se aos inconvenientes de longos meses à espera de tempo favorável, como sucedia com alguns navios e com as suas tripula??es, correndo estes sérios riscos de epidemias dizimadoras, como frequentes vezes aconteceu.O mesmo autor enfatiza que uma solu??o alternativa, e certamente preferível, ao menos do ponto de vista sanitário, foi apresentada por uns apontamentos que o diplomata Jo?o Pereira Dantas mandou ao rei D. Jo?o III. A ideia que este fidalgo prop?e foi a ele substituir o ponto de apoio da ilha de Mo?ambique por um outro qualquer, situado na ?frica do Sul, onde o rei devia “mandar” descobrir e buscar lugar para fazer uma fortaleza e escala desde o cabo da Boa Esperan?a até à Baia Formosa, ou até à Baia da Lagoa, onde melhor porto e mais sadio, mais acomodado e mais proveitoso sítio se achasse.Pereira Dantas alinha muitas raz?es em favor da sua proposta, desde o ser através dela possivelmente evitado que os navios invernassem em Mo?ambique (com todos os inconvenientes que daí podiam resultar) até o afastar-se a projectada fortaleza para além do alcance das ofensivas dos turcos e desde a proximidades à ilha de S. Louren?o incentivar o reconhecimento da sua costa sul (com possíveis vantagens económicas) até à circunst?ncia de tal fortaleza n?o prejudicar Sofala, por ficar dela a uma dist?ncia que Pereira Dantas estima em 400 léguas. Mas a proposta do marinheiro e a mais fundamentada sugest?o do diplomata n?o foram aceites, e nem sequer sabemos se teriam sido discutidas. Mo?ambique continuaria através das décadas, até ao eclipse da carreira da ?ndia, a ser porto de escala e apoio dos navios que a percorriam. Por motivos de “ordem política, económica e social” – como escreveu Maria Emília Madeira Santos -, mas talvez também pelo peso da rotina. (Ibid., p.752). I.3 – Ilha de Mo?ambiqueAo longo do levantamento dos dados bibliográficos deparei-me com a preocupante inexactid?o das fontes face a localiza??o da ilha de Mo?ambique. Se por um lado as fontes s?o un?nimes em afirmar que a ilha fica situada na província de Nampula, em Mo?ambique; por outro lado, os dados que fazem a extens?o e a largura da ilha continuam infelizmente por esclarecer. Fontes mais recentes inclusive que deveriam trazer dados precisos e concisos à superfície, tendo em conta as múltiplas ferramentas disponíveis actualmente, estas continuam, infelizmente, ambíguas. Todavia, com base no quadro de relatividade do conhecimento, as fontes consultadas n?o deixam por isso de ser válidas, nem t?o-pouco invalidam o presente trabalho. Ao longo deste trabalho questionarei algumas delas, sobretudo aquelas que me parecem ser as mais dúbias. Segundo a página monumentos.pt, visitada a (02/11/09) a ilha de Mo?ambique fica situada a 4 km, no litoral E. da província de Nampula, tem uma extens?o de cerca de 3 km de comprimento por 200 a 500 m de largura. O relevo da ilha é relativamente plano, variando entre as costas altimétricas de 9 e 1.10 m, no interior. A ilha está integrada no distrito com o mesmo nome, que se divide em duas localidades: da ilha (ilha de Mo?ambique e ilhas de S?o Louren?o, a S., de Goa ou S?o Jorge, e a E. e Sena ou S?o Tiago, a SE.) e do Lumbo, que constitui a maior parte do território.Para Cunha (1939, p.12) a ilha, situada na costa da ?frica Oriental portuguesa, atingindo o Paralelo 15°, foi descoberta por Vasco da Gama no dia um de Mar?o de 1498, na sua gloriosa viagem para a ?ndia. Aqui desembarcou o grande Almirante no dia dois; e recebeu a visita do xeque Cacueja, que a governava em nome do rei de Quiloa, no dia três. ? banhado pelo Oceano ?ndico, e está separada do Continente por um canal de cinco quilómetros de largura, tendo um magnífico porto onde se podem abrigar poderosas armadas. A ilha é formada por rochas de coral, e mede cerca de 2.500 metros de comprimentos na sua maior largura. A primeira fonte é aquela que no meu entender faz a localiza??o exacta da ilha, tanto em termos de comprimento como de largura e n?o só, mas também quanto a divis?o administrativa. De facto a ilha têm duas distintas localidades, sendo o Lumbo a parte mais populosa. Quanto a segunda fonte, embora tenha feito uma localiza??o global da ilha, peca por afirmar dubiamente que Vasco da Gama foi o descobridor da ilha Mo?ambique; ora esta informa??o n?o só é falsa como atropela os factos históricos. Convém recordar que quando Vasco da Gama aportou pela primeira vez à ilha de Mo?ambique, em 1498, esta já era um lugar que reunia variadas camadas culturais: negros, árabes, turcos, indianos e, possivelmente, chineses, que ai permutavam mercadorias ou exploravam riquezas dos povos autóctones. Albuquerque (1994, p. 752) n?o muito distante da descri??o de Cunha, talvez um pouco mais exagerado do ponto de vista das medidas (comprimento e largura), porém, esclarecedor em rela??o ao povoamento e a import?ncia da ilha antes da ocupa??o portuguesa, situa a ilha na Costa Oriental de ?frica, a norte de Sofala, tem 2,5 km de comprimento e 1.2 km de largura e está a uma dist?ncia do continente de cerca de 5 km. Por lá passou Vasco da Gama (1498), mas a ilha só foi ocupada pelos portugueses a partir de 1507. Como estava, sensivelmente, a meio caminho entre o cabo da Boa Esperan?a e a ?ndia, passa a ser ponto de passagem e de comércio, como nos refere frei Jo?o dos Santos:“Há pau-preto que vai para Portugal e ?ndia, também cria??es de porcos, cabras e galinhas que abastecessem as naus da carreira da ?ndia” A esta ilha se refere ainda D. Jo?o de Castro, dizendo que é um dos melhores portos que tem visto e “dentro pode agasalhar 30 naus”. O mesmo autor acrescenta que na época da chegada de Vasco da Gama, a ilha de Mo?ambique constituía-se em uma povoa??o Swahili governada por um xeque, subordinado ao sult?o de Zanzibar. Constituía-se ent?o no maior porto isl?mico e no maior centro de constru??o naval do leste africano, relacionando-se com o Mar Vermelho, a Pérsia, a ?ndia e as ilhas do ?ndico. (Idem).Quem também escreveu sobre a ilha de Mo?ambique e de forma bastante suscita foi Alexandre et Dias (1998, p. 583) que situam praticamente a ilha na linha de jun??o entre as duas pontas, sensivelmente a meio, e orientada no sentido nordeste-sudoeste. Já fora da baia encontra-se uma série de ilhas, das quais as mais importantes s?o a ilha de S?o Jorge – ou de Goa – e a de S?o Tiago – ou de Sena; a primeira está situada a meia dúzia de quilómetros a leste da ponta sul da ilha de Mo?ambique, a outra, ligeiramente afastada, na direc??o de sudeste. Toda a baía é acidentada por numerosos bancos de cereal. Contudo, numa direc??o sueste-noroeste, entre a ilha e a ponta de S?o Jo?o, encontra-se um pequeno canal (da ordem dos 400 m) cuja profundidade atinge os 40 m. A ilha tem uns escassos 3 km de comprimento por 350 m de comprimento de largura média e 500 m na máxima.Também a IGESPAR, página visitada em (28/10/2009) dedicou ao tema a sua aten??o. Diz que a ilha é uma cidade insular situada na província de Nampula, na regi?o norte de Mo?ambique, que deu o nome ao país do qual foi a primeira capital. Devido à sua rica história, manifestada por um interessantíssimo património arquitetónico, a ilha foi considerada pela UNESCO, em 1991, Património Mundial da Humanidade. O seu nome, que muitos nativos dizem ser “Muipiti”, parece ser derivado de Mussa-Ben-Bique, ou Mussa Bin Bique, ou ainda Mussa Al Mbique, personagem sobre quem se sabe muito pouco. Esta tese é sustentada por Costa (1934, s/p), naquela que seria o primeiro e, provavelmente, o mais objectivo estudo sobre a origem do termo “Muipiti” explica a quest?o a partir de uma história:“Muito antes dos portugueses navegarem no oceano ?ndico, um pescador indígena chamado Muipiti, atraído pela abund?ncia de peixe que havia em volta da ilha (hoje Mo?ambique) foi-se lá a instalar e tomar posse dela .Os indígenas do continente, para a distinguir das ilhas que a rodeiam, come?aram a designá-la pelo nome do possuidor, isto é, Ilha do Muipiti (em língua ?makua, ?kisirua ia Muipiti). Depois, para abreviar o nome, chamavam-lhe apenas Muipiti. E Muipiti ficou. Mais tarde passou a ilha para o governo dum outro indígena, chamado M?biki. Sucedeu-lhe um filho, de nome Mu?a, que governava a ilha, quando Vasco da Gama fundeou em frente. Estabelecidas as rela??es com os habitantes, os portugueses perguntaram quem mandava na ilha. Responderam os interrogados: -Manda o Mu?a M?biki. Os portugueses, daí em diante, quando se referiam a ilha, diziam: - A ilha de Mu?a M?biki. E, aligeirando a provincial destes dois nomes, foram dizendo Mo?ambiki, até que se converteu no vocabulário actual “Mo?ambique”. N?o está documentado em nenhuma fonte bibliográfica consultada, mas sabe-se que a ponte que liga a parte continental (Lumbo) à insular (cidade histórica) da ilha é relativamente maior que a extens?o do seu cumprimento / largura. Esta constata??o foi revelada pelo Amade Ismael a meu pedido.Numa outra abordagem, sob ponto de vista populacional da ilha, Lobato (1967, s/p) diz-nos que haveria, segundo o Padre Monclaros, setenta casados (ou famílias) portugueses, seiscentos cafres e índios e uns setenta moradores mouros que habitavam a povoa??o de Mugicate, onde tinham mesquita e para onde os Jesuítas gostavam de ir conversar com os cacizes. Gente estrangeira n?o faltava e era muita, fora a das naus, que dava às vezes trabalhos – porque armava brigas. A fei??o de Mo?ambique modificou-se sensivelmente com a estadia da expedi??o de Francisco Barreto destinada ao Monomotapa, e, segundo o mesmo Monclaros, teria, cerca de 1574, cem moradores portugueses, uns duzentos cafres e índios, tendo desaparecido a povoa??o dos mouros, que decerto a abandonaram transferindo-se para a Cabeceira Pequena, que se tornou seu centro principal durante séculos.Quais foram os factores que determinaram a ocupa??o e constru??o da Fortaleza de S. Sebasti?o da ilha de Mo?ambique? Tudo leva a crer que o desejo ardente de Portugal pelas pepitas de ouro do Império de Monomotapa (também grafado Mwenemutapa, Muenemutapa, ou ainda Monomatapa, que era o título do seu chefe) influenciara a Coroa portuguesa a uma série de manobras, entre as quais, o fortalecimento para a constru??o de um entreposto comercial apetrechado (baluarte) para fazer face a eventuais instabilidades decorrente desse comércio, sem dúvida rentável para Portugal. E em caso de ataque ou de instabilidade vindo dos territórios do Império de Monomotapa, o chamado “pulm?o da defensiva portuguesa” passava, inevitavelmente, pela ilha de Mo?ambique. Foi assim que, segundo o autor em referência, Portugal construiu a Fortaleza de Mo?ambique. Para este autor a ocupa??o da ilha de Mo?ambique ficou a dever-se a dois factores fundamentais: por um lado, a ilha servia de ponto de apoio para a carreira da ?ndia; por outro, era sentida a necessidade de uma base para a explora??o do ouro do Monomotapa, tendo sido já construída, para esse fim, uma fortaleza em Sofala. Foi também assim que, em 1507, o feitor Duarte de Melo come?ava a levantar a Fortaleza de S. Gabriel ou “Torre Velha”. Para defender a parte norte da ilha foram colocados canh?es, onde mais tarde ficou a Capela de Nossa Senhora do Baluarte. Com o incremento oriental foi nomeado um capit?o, que se ocupava, ao mesmo tempo, de Sofala e Mo?ambique. Em 1545, D. Jo?o de Castro prop?e a constru??o da Fortaleza de S. Sebasti?o. Edificam-se igrejas, casas religiosas e um hospital. Uma organiza??o administrativa de certa import?ncia fixava-se na ilha, mas subordinada a Goa. No século XVII, é alvo de vários ataques holandeses, na tentativa de a conquistar, para se apoderarem do comércio da ?ndia. Neste século chegam os Jesuítas, sendo este o grande período de constru??o de igrejas. Entretanto, na parte continental dá-se um grande incremento de comércio de escravos para o Brasil, sendo a ilha habitada por numerosos negreiros. Quando o negócio do ouro do Monomotapa come?a a perder import?ncia, a ilha deixa de ter valor estratégico. Perdendo o seu valor estratégico, em parte instigado pela concorrência de outras potências europeias, a ilha de Mo?ambique deixou de ser n?o só o “pulm?o” da Coroa portuguesa, como também deixou de estar “geminada” a ?ndia. A Holanda, a Fran?a e a Inglaterra n?o davam tréguas a Portugal, nem a Fortaleza de S. Sebasti?o por si foi capaz de impedir a quebra do monopólio português nas rotas das especiarias da ?ndia. Este facto é sustentado por Noronha, (s/ano, p.10) que diz que “a administra??o de Mo?ambique separou-se definitivamente do Estado da ?ndia em 1752. O primeiro governador que geriu a colónia com uma relativa independência foi o capit?o-general Francisco de Melo e Castro, que ali se demorou desde aquele ano até 1758, cinco anos e tal, o que contrastava com as continuas interinidades.”Brito (1997, p.30) em concord?ncia com Noronha, conclui que a partir de 1508, a ilha passou a ser a capital dos territórios de Mo?ambique a Sofala, directamente subordinada, de 1509 a 1752, à jurisdi??o do vice-rei da ?ndia. Lan?avam-se, assim, as bases que fariam da ilha um cadinho de povos, característica que ainda hoje se mantém. Durante o fim do século XVI e principio do século XVII, a import?ncia da ilha vai-se avolumando, quer pelo valor estratégico quer pelo início do comércio de escravos. Com o declínio do poder militar no Oriente dá-se a separa??o jurídica da ilha em rela??o à ?ndia (1752). Logo em 1761 a povoa??o foi elevada à categoria de vila – embora esse privilégio só viesse a ser concretizado em 1763 -, e a 17 de Setembro de 1818 recebeu o estatuto de cidade, mantendo-se como capital da colónia. Mas em 1898 Mouzinho de Albuquerque transfere a capital da Ilha de Mo?ambique para Louren?o Marques, devido às manifestas insuficiências da ilha para continuar desempenhar eficazmente o papel de capital.I.4 - Fortaleza de S?o Sebasti?o Antes de me debru?ar sobre o polissémico e errático processo de constru??o da Fortaleza de S. Sebasti?o na ilha de Mo?ambique - “útero” da domina??o colonial portuguesa em Mo?ambique -, talvez tentássemos compreender, aqui e ali, as linhas mestres que nortearam a aventura portuguesa pelo mundo. N?o obstante à procura de especiarias para sustentar o saturadíssimo mercado europeu, como corolário da gigantesca crise dos século XIV, os países europeus como s?o os casos de Portugal, Fran?a, Holanda, Inglaterra, quer sob batuta da igreja católica, principal fonte de financiamento dessas aventuras, quer também por orienta??o política destes estados, instigados principalmente pelo Renascimento, “rasgaram” oceanos, “fundos e mundos”, pura e simplesmente, para acomodar os seus interesses, económicos e sociais, e a partir daí fazer face à crise. Uma das medidas estratégicas que a Coroa portuguesa encontrou para apaziguar eventuais casos de revolta dos povos autóctones face a política de ocupa??o e domina??o colonial tinha, no meu entender, duplo efeito: por um lado, visava a cria??o de fortes que mais n?o serviam de suporte militar para a salvaguarda dessas políticas, como visava a intimida??o e submiss?o desses povos. Moreira (1980,p.9) in Maria Varela Gomes refere que a necessidade dos portugueses construírem sistemas artificiais de defesa (fortalezas, fortes, etc.) está intrinsecamente ligada ao próprio instinto de conserva??o. Este abrange n?o apenas as vidas humanas, mas também os bens que a comunidade, ou cada um dos seus membros possui, e dos quais, por vezes, depende a sua sobrevivência. Contudo, o complexo fenómeno social que gera a guerra, como realidade cultural e política, conduziu o homem n?o só a verdadeiras crises e calamidades, como ao desenvolvimento de cada vez mais sofisticados mecanismos de defesa e ataque, de tácticas e de estratégias diferentes, constituindo efectivo factor de evolu??o, onde se manifestam importantes aspectos das suas potencialidades criadoras. A estratégia militar de Portugal, no reinado de D. Manuel I, consistia em: primeiro, transformar o ?ndico num mar português, criando numa armada poderosa; segundo, construir pontos de apoio em lugares estratégicos, que permitissem n?o só dominar o mar e impedir as movimenta??es navais e comerciais do Oriente para o Ocidente, mas também canalizar o comércio no interior das terras para as linhas comerciais portuguesas, e ainda transformá-los em entrepostos comerciais marítimas de grande zonas geográficas, como Malaca, por exemplo. Em segundo lugar, de acordo com o mesmo autor, a fortaleza constituía um núcleo de defesa e de ataque. E curiosamente muito mais de defesa do que de ataque. O ataque processava-se no mar; em terra defendia-se as pessoas e os haveres de todos os que por aquelas parte trabalhavam e comercializavam. Quer o forte como a fortaleza, eram símbolos desta defesa, transformando-a numa arte a guerra e luta especialíssima e unindo três factores – a própria fortaleza, o terrorismo e a guerrilha – como pólo de ac??es iniciadoras, que muitas vezes tomavam a forma de guerra total, pois n?o se poderá esquecer que a luta que se travou entre os portugueses e os ?rabes, Persas, Turcos, Malaios, Chineses, Indonésios, etc., se n?o único, verificar que no século XVI, enquadramento a maioria dos países n?o ultrapassava as suas fronteiras, no máximo, em um milhar de quilómetros, Portugal radicava-se e lutava contra dezenas de inimigos e dezenas de milhares de quilómetros de dist?ncia.A fortaleza era, pois, o pólo de irradia??o do “castigo” do inimigo. Dela partiram guerrilheiros, ora por mar, ora por terá, ora em patrulha anfíbias, castigando quem merecia castigos e voltando de novo ao local da partida, a mesma fortaleza. Esta táctica militar foi a única em toda a história militar de qualquer povo, pois reunia numa só opera??o militar todas as tácticas e todas as dimens?es da guerra. Usa-se o forte como um chamariz para o inimigo, passando-se da defesa ao ataque por terra e por mar e, sempre que possível, transformando a batalha terrestre em naval.Nesse sentido, tal como observou Noronha (s/ano,p.4) a ocupa??o da ilha de Mo?ambique e dos territórios fronteiros fez-se depois de, ou simultaneamente, serem erectas as fortalezas, fortes, fortins, redutos; seguiu-se-lhes a funda??o dos conventos que, segundo as ideias da quadra, de austero e místico missionarismo, integravam a ocupa??o. Assim surgiram ali os dois conventos da ordem de S. Domingos, visto o primeiro ter sido arrasado pelos holandeses num dos cercos; o de S. Jo?o de Deus; o colégio de S. Francisco Xavier ; os templos da Misericórdia, da Sé Matriz; da capela da Senhora da Saúde, além das já citadas; das duas residências do bispo; da C?mara Municipal; do Hospital; das diversas cisternas, indispensáveis numa terra onde n?o brota água de nascente; do padr?o de S. Francisco Xavier; do cemitério; e, no continente fronteiro, o forte de S. José de Mossuril; a igreja da Senhora da Concei??o e palácio do governador; e ainda o templo da Senhora dos Remédios, na Cabaceira Grande. E foi assim que na Idade Média, particularmente nas duas últimas centúrias, muitos eram os portugueses que viajaram por terra e por mar, que “faziam caminhos de dias, de alguns meses e até de anos, para se entregarem a actividades diversas, como à resolu??o de negócios ou apenas para se deleitarem com a observa??o de novas terras e gentes. Surge assim, em 1558, a constru??o da Fortaleza de Mo?ambique, como resultado do avan?o técnico no ?ndico. Está rigorosamente provado e documentado em (Santos, 1980, p.9) que: “a base portuguesa era, em primeiro lugar, um local de irradia??o da fé. Nunca nos podemos esquecer de que todo o Império português até ao século XVIII fora um império de cruzados, em que às ideologias, incluindo a monarquia na sua máxima ac??o de luta e de descoberta. A Igreja era a pedra que simbolizava a sublima??o desse império.”Tal como afirmou Lima, Duarte de Melo dirigiu a constru??o em Mo?ambique de uma fortaleza (1507), uma igreja e um hospital, dando início ao estabelecimento do domínio português nestas paragens e possibilitando a penetra??o para o interior, conseguida através da coloniza??o e da missiona??o. De acordo com Noronha (s/ano,p.6) a Fortaleza de S. Sebasti?o, a mais importante de todas as fortifica??es antigas da província de Mo?ambique, assenta na ponta nordeste da ilha do mesmo nome, outrora capital. Erecta sobre rochas, de natureza coralífera, trabalhadas pelo oceano como o mais fino e delicado ponto de renda de fama pela subtileza desenvolve-se em 4 cortinas flanqueadas por outros tantos baluartes e abrangendo um perímetro de setecentos e oitenta metros. Escolheu o local para afirma??o do poder de Portugal, D. Jo?o de Castro, em 1545, quando invernou na ilha, em viagem para Goa para o desempenho do cargo de vice-rei da ?ndia. A constru??o só principiou em 1558, no governo de Sebasti?o de Sá , e o seu aproveitamento, na parte exterior data de 1607 a 1614, segundo opini?o do tenente-coronel Joaquim José Lapa. Os trabalhos de aperfei?oamento e depois de conserva??o nunca cessaram. Ainda sobre a constru??o da fortaleza, Cid (1992, p.11) escreveu o seguinte: “A Fortaleza de Mo?ambique, situada numa ilha na costa oriental de ?frica, na regi?o dos Cafres, em altura de quinze gr?os da banda sul, está cita na ponta da dita ilha da banda do mar, que he a de leste, feita em quadro n?o perfeito, hum pouco mais comprida que larga.”Lobato (1967, s/p) in Melo de Azevedo, afirma que: “esta fortaleza é uma das maiores fortes que há na ?ndia: foi tra?ada assim ela como a e Dam?o, por um arquitecto de Braga D. Frei Bartolomeu dos Mártires, da Ordem dos Pregadores; o qual arquitecto sendo mancebo se foi a Flandres, donde tornou grande oficial de arquitectura, e depois diso foi mandado à ?ndia pela rainha D. Catarina, quando governava erste reino, para fazer estas fortalezas; o que foi no ano do Senhor de 1558, quando D. Constantino foi por vice-rei da ?ndia. E tornando este arquitecto da ?ndia, foi-se para Castela, onde tomou o hábito da ordem de S. Jerónimo e foi mui aceito a El-Rei Filipe II e por sua tra?a se fizeram muitas obras no Escurial.” Referindo-se a Miguel de Arruda.Tal como na localiza??o da ilha de Mo?ambique por si, polissémica e errática, a Fortaleza de S. Sebasti?o n?o foge à regra. As duas grandes quest?es que urge colocar neste estudo (capítulo) tem a ver, primeiro, com a problemática das fontes em rela??o a data da constru??o fortaleza e, por fim, quem teria sido o seu verdadeiro construtor? Quem teria sido na verdade o construtor da dita fortaleza? ? uma quest?o que as fontes, na sua maioria, divergem; as respostas apresentadas s?o de toda a estirpe!Comecemos por Lobato (1967, s/p) que afirma o seguinte: “n?o se sabe se foi ou n?o o projecto primitivo desenhado na ?ndia em 1546 ou por Miguel Arruda, segundo um documento que existe. Sabe-se que os planos vieram de Goa trazidos pelo Capit?o-Mor de Sofala, Fern?o de Sousa de Távora, em 1548, mas por falta dum engenheiro n?o se iniciaram as obras que só tiveram principio em 1558, governando Sebasti?o de Sá. O nome da pra?a homenageia o Rei D. Sebasti?o.” N?o se pode, todavia, esquecer, que foi o próprio D. Jo?o de Castro, na viagem para a índia, que escolheu sítio conveniente, determinou materiais e mestres para a obra, meteu m?os a ela, todos à porfia acarretavam pedras, e a obra luziu tanto, que na vinda para a Europa foi saudado pela artilharia que já estava colocada em cima da muralha. Segundo a página monumentos.pt, visitada a (02/11/09) levanta uma série de dados cronológicos importantíssimos, com os quais estou inteiramente de acordo, sob ponto de vista das datas, principalmente. Remota a constru??o da fortaleza a partir do ano de 1544/1545 durante o vice-reinado de D. Jo?o de Castro, verificou-se da necessidade de se fazer uma fortifica??o na ilha de Mo?ambique; 1548 – Miguel Arruda foi nomeado mestre de obras; 1561 – dado o atraso que se registava nas obras, o vice rei D. Constantino de Bragan?a mandava que n?o se edificasse casa alguma na ilha antes dos muros da fortifica??o estarem concluídos; 1583/1589 – Linschotten, no relato da sua viagem, regista que a pra?a estava por construir e que tinha pouca artilharia e reduzida guarni??o: fortaleza foi guarnecida por Nuno Velho Pereira que mandou fazer armazém e quartéis.Em 1595 – durante o governo de Nuno da Cunha ter-se-ia registado um avan?o nas obras; principalmente das muralhas: 1597 – constru??o do fortim de Santo António; 1607 / 1608 – cerco à fortaleza e à cidade pelos holandeses; 1613 – obras estariam perto de estar concluídas; fortaleza anterior seria destruída, ainda que tenha sido dada à Companhia de Jesus para ai se estabelecer; 1614/1618 – Rui de Melo Sampaio deu início às obras de constru??o da cisterna; 1626 – cisterna estava concluída; 1635 – obras de altera??o nos baluartes de S?o Gabriel e no de Sena Bárbara; 1672 – s?o enviados pedreiros e carpinteiros para socorrer a fortaleza; 1694 – fortim de S?o Louren?o foi mandado fazer pelo vice-rei na ilhota do mesmo nome na ponta oposta da fortaleza; 1707 – fortim de S?o Louren?o foi alvo de obras de beneficência; 1712 – foi erguido o actual portal da Porta de armas.Em 1744/1745 – obras de altera??o no baluarte de S?o Gabriel; 1752 / 1758 – o primeiro capit?o-geral mandou construir as baterias rasantes de Nossa Senhora do Baluarte e de S?o Jo?o e a coura?a da Porta de armas; 1793/1797 – último ataque sofrido pela fortifica??o perpetrado pelos franceses; 1820 – obras no fortim de Santo António, que lhe conferiram a sua forma actual; 1830 – foram feitas as ultimas obras arqueológicas realizadas no chamado Jardim do Comandante revelaram os antigos tra?ados do baluarte.Viterbo (1988, p.299) analisou também o problema, deixando claro que foi Miguel de Arruda quem forneceu a aludida planta para a constru??o da fortaleza, adquirida que fora a experiência alcan?ada com Benedetto de Revena nas fortifica??es do Norte de ?frica e acrescenta: “Foi elle que deu a tra?a para a fortaleza de Mo?ambique, cuja constru??o D. Jo?o III recomenda a D. Jo?o de Castro.” Esta tese é também sustentada por Lobato (1967, s/p) que diz que “a planta para a constru??o da Fortaleza de Mo?ambique foi fornecida por Miguel de Arruda, se bem que n?o se saiba se esta foi a adoptada ao come?arem as obras em 1558.”Nos anos 80, Lima (1983, p.37), naquela que seria a mais objectiva análise do problema, explicava a quest?o com base numa carta datada de Almeirim a 8 de Mar?o de 1546, lê-se a este propósito o seguinte paragrafo: “Folguey de ver o debuxo que me enuiastes da fortaleza de Mo?ambique, e vinha muy bem declarado como era necessário pêra se poder emtemder: e do sytio ter t?o boa deposi??o pêra se fortificar recebo comtemtamento; e porque he cousa t?o importante deueis loguo de ordenar como se fa?a pela maneira do debuxo que vos aquy emuyo, que caa mamdey fazer a Mygel da Arruda, por ser t?o pratico nestas cousas como sabeis: e quamto mais breuemente esta obra for feita, tamto mais meu serui?o será; porque estamdo asy estaa a muy grande perigo e na? se pode descamsar niso.” Pela referência de D. Jo?o III se vê que D. Jo?o de Castro conhecia de perto Miguel de Arruda. Este conhecimento foi sem dúvida travado em Ceuta, como se prova do come?o de uma carta do humanista André de Resende dirigida a 16 de Mar?o de 1547 a D. Jo?o de Castro: “Mighel da Arruda, stando V. S. em Cepta, me deu os primeiros motiuos de deseiar seruir V. S. ..” Viterbo (1988, p.299) afirma que em 1548 foi nomeado mestre das obras dos muros e fortalezas, tanto do continente (referindo-se do forte de Seinal) como do ultramar, em aten??o à sua habilidade e experiência, e pela maneira como se continha no Regimento, que ent?o lhe foi mandado passar. O ordenado, que principiaria a vencer de Janeiro de 1549 em diante, era de 80$5000 reais anualmente, segundo documenta a carta da chancelaria com este teor:“Dom Joham & a quantos esta minha carta virem fa?o saber que vendo eu como lhe necessário os muros e fortaleza que até agora s?o feitos nos lugares de meus reinos e senorios serem repairados em maneira que estem sempre como conuem a meu serui?o e a bem delles, E como pêra as obras que se ouuirem de fazer nos ditos muros e fortaleza e asy pêra quaes quer outros muros e fortalezas que de nouo cumprir que se fa??o he necessário hauer mestre das ditas obras, por confiar de Miguel Darruda, caualro figalguo da minha casa, que polla abelidade e esperiencia que tem das ditas obras me seruirá no dito carreguo de mestre dellas com todo o cuidado e deligencia que cumpre, me apraz e ey por bem de lhe fazer mercê do dito carguo de mestre das ditas obras, o qual carguo elle seruia na maneira contheuda no Regimento que lhe pêra isso mandey dar, e averá de ordenado em cada hu ano, de Janeiro que vem de bc Rix em diante (…)”O Vice-rei do Estado Português da ?ndia, D. Jo?o de Castro, em carta ao rei D. Jo?o III (1521-1557), datada de Agosto de 1545, ao partir da ilha em direc??o a Goa, onde ia assumir as suas fun??es, sobre o assunto referiu:"(…) desta fortaleza [de S?o Gabriel] n?o deue V. A. de fazer nenhum fumdamento que se pode guardar como aguara esta, nem pêra a mamdar forteficar, asy por ser muyto pequena como por estar no majs roym sytyo de toda a Ilha, e a despesa que se nela fizer per estes dous respeitos será botada a lomje, porque he em sy tam pequena que com mais verdade se poderá chamar basti?o ou baluarte que castelo e fortaleza."Parece n?o haver qualquer dúvida que no lugar da actual fortaleza existia uma outra, que estava mal posicionada estrategicamente para aquilo que eram os anseios (“vis?o”) de D. Jo?o de Castro, facto que, aliás, o motivou a solicitar verbas ao rei, neste caso, D. Jo?o III, para a constru??o de uma nova fortaleza, a actual por sinal! E para sustentar esta tese, Lima (1983, p.40) escreveu o seguinte: “D. Jo?o de Castro registara, no seu - Roteiro de Lisboa a Goa – (1538), a reconstitui??o da Torre Velha, em rela??o à qual, achando que essa primeira obra de defesa mandada levantar por Afonso de Albuquerque n?o reunia boas condi??es e seguran?a, predisp?s-se, aquando da sua ida para a ?ndia como Vice-Rei (1544-45), a iniciar novas obras de fortifica??o.”Na mesma carta ao soberano, D. Jo?o de Castro preconizava uma nova fortaleza capaz de enfrentar a amea?a da ent?o moderna artilharia turca (com forte presen?a em Nampula), juntando um projecto de sua autoria, elaborado na ocasi?o. No ano seguinte, por carta de 8 de Mar?o de 1546, o soberano respondia-lhe, agradecendo as informa??es e "o debuxo (...) da fortaleza de Mo?ambique", e informando-o de que encarregara o arquitecto Miguel de Arruda de a desenhar.As directrizes apontadas por D. Jo?o de Castro para a sua constru??o condizem, em linhas gerais, com a actual Fortaleza de S?o Sebasti?o, em uma extremidade da ilha, dominando o canal de acesso ao porto interior, com dois baluartes sobre a praia pelo lado virado à ilha permitindo o fogo cruzado. Aparentemente Miguel de Arruda limitou-se a fixar o projecto que D. Jo?o de Castro remetera ao soberano. Ainda de acordo com este plano, o canal de Sancul deveria ser obstruído, o que nunca ocorreu. Francisco Pires, mestre de pedraria encarregado das obras da Fortaleza de Diu, levou consigo para a ?ndia, naquele ano de 1546, este risco para a nova fortifica??o de Mo?ambique.E para sustentar a tese de que a actual fortaleza foi construída sobre os escombros de uma antiga ora destruída devido a sua localiza??o, Lobato (1967, s/p) citando o capit?o-general Xavier Botelho (1825-1829) enfatiza que o sitio aonde existe a actual fortaleza foi obra de D. Jo?o de Castro que, desembarcando em Mo?ambique quando ia tomar posse do Governo da ?ndia, notou que era obra mal entendida a que a fundara Afonso de Albuquerque por ficar em dist?ncia da praia, difícil nos provimentos, e socorro de nossas frotas, situada em lugar baixo aonde podia ser batida de muitas eminências que a senhoreavam, impendendo-lhe juntamente a pureza dos ares em danos da saúde. Escolheu sitio conveniente, determinou materiais e mestres para a obra, meteu m?os a ela, todos à porfia acarretavam pedras, e a obra luziu tanto, que na vinda para a Europa foi saudado pela artilharia que já estava colocada em cima das muralhas.O mesmo autor acrescenta que n?o há hoje nem vislumbres daquela primeira fortaleza, e alguns vestígios de alicerce que ainda se conservem no sitio onde dizem que fora, mais parecem relíquias do primeiro hospício que ali houveram os religiosos de S. Domingos, que fundamentos de obra de fortifica??o. Quem também se debru?ou sobre a fortaleza foi Exner (1985, p. 80) afirmando o seguinte: “a decis?o de construir a Fortaleza de S?o Sebasti?o foi dada de 1545 e ela foi iniciada em 1558. E, acrescenta, que a mesma se encontrava ainda terminada quando, em 1607, foi atacada pelos holandeses, mas foi concluída logo a seguir, em 1620. O edifício necessita de manuten??o e a Casa dos Oficiais encontrava-se seriamente danificada.” Historiografias há que levantam a hipótese de ser Francisco Pires o provável construtor da fortaleza. As fontes consultadas s?o peremptórias num facto: n?o pode Francisco Pires ter sido o construtor da aludida fortaleza, porquanto Fern?o de Sousa em carta a El-Rei de 24 de Novembro de 1547, este que ia incumbido pelo Governador da ?ndia de fazer a dita fortaleza, pediu a Fern?o Pires, mas respondeu-lhe que n?o lho podia ceder, por mandar a Ormuz. Esta informa??o é fundamentada por Viterbo (1988) com o seguinte teor:“Senhor – ho ano passado, quando vim de Maluquo, receby hua carta de V. A. em que me mamda que tenha muito cuidado e ponha muita delygemcia em se acabar com breuidade a fortaleza que V. A. mada fazer em Momsabique, se no trabalho do corpo e do espírito esta acabala, eu mais, eu mais breumente do que V.A. manda, ella será mui azinha feita e V. A. seruido de mim nesta obra ho tempo e o que nella fizer mostrar?o e praza a noso senhor que neste serui?o que me V. A. tamto ecomenda que lhe fa?a, me deyxe seruilo como eu sempre deseyey de fazer em todalas cousas. Quamdo foy tempo, eu requeri ao governaudor que mamdase Francisco Pirez, ho n?o pedreyro, comigo para loguo compesarmola obra, elle me repomdeo que ho n?o podia madar este ano porque ho mamdaua a orumuz.” (p. 302). Esta carta é complementada por Lima (1983, p.38) com o seguinte teor: “As raz?es por que, elle as escreveu V. A.: madoume que compesase ajuntar todalas acheguas necesarias e por lá n?o aver cauouqueyro nenhu e pela eformorma??o que tem da pedra ser ma de tirar me madou dar desaseis cauoqueyros hos quases eu leuo comminguo no nauio em que vou com todalas feramentas necessárias pêra loguo compensar a fazer pedra e call, e parese que estes cauoqueyros que leuo abastar?o pêra emtanto que Francisco Pirez n?o vay com hos mais pedreyros e cauqueyros por que em Ma?abique (sic) na há nenhum destes hoficios. Também me mada ho gouernador que va de caminho pela costa de Melide ate mo?abique vemdo se acho hoficiaes e cousas de que me posa ajudar pêra se a obra fazer com muita breuidade: crea V. A. que, alem dos deseyos que eu tenho de ho seruir, que averey por gramde ofem?a vir ninguém acabar ho que eu compesar pelo que V. A. pode crer que por mim nem por meu trabalho sen?o deixara a fortaleza de fazer com muita deligencia.”Quem também questiona o construtor, quando e como foi erguida a Fortaleza de S. Sebasti?o é Lima (1983, p. 41). Diz a fonte que várias datas indicam hipóteses de início das obras (1544-45; 1547 – 1548). O que nos atesta uma lápide encontrada na fortaleza, porém, é que ela se terá acabado de construir em 1583: “Nuno Velho Pereira que foi o primeiro capit?o que povoou esta fortaleza mandou fazer estes armazéns e aposentos no primeiro ano que tomou posse dela em 1583. Foi empreiteiro desta obra ?lvaro Fernandes aqui morador.”O que atesta esta afirma??o é o Cód. de Bocarro e Resende, extrai-se que, à data da sua elabora??o (1635), a fortaleza se encontrava em funcionamento pleno, apresentado um aspecto construtivo e formal sensivelmente coincidente com o Monumento hoje existente: “tem esta fortaleza quatro baluartes nos quatro cantos feitos em figura e forma de triangulo, só o de S. Gabriel em espig?o como da planta se vê, nomeados cada um com os nomes que neles est?o escritos, e posto que cada baluarte fica defendendo o lan?o de muro que corre até ao outro como é costume, contudo n?o se pode defender um baluarte ao outro como se costuma na perfeita forma de fortifica??o.” (Ibid., p.41).N?o há dúvida que a fortaleza funcionava em pleno em 1635, e foi decisiva na tentativa de invas?o holandesa em 1607 e 1608. Voltando a problemática do construtor inicial da fortaleza, Lobato (1967, s/p) afirma que o autor do projecto foi Miguel de Arruda. O mesmo autor acrescenta que Miguel de Arruda - que em 1548 foi nomeado mestre das obras da fortifica??o do Reino, Lugares de Além (Marrocos) e ?ndia -, foi quem projectou a fortaleza, em 1546, sobre um plano de D. Jo?o de Castro para a defesa da ilha, em que se preconizava o entupimento do canal entre a Ponta da Ilha e o Sancul, obra que na mesma carta o Rei mandou executar. Lobato in Gaspar Correia afirma que D. Jo?o II n?o se limitou a enviar o projecto e as ordens, pois fez seguir para o executar, pela Armada daquele ano, de Louren?o Pires de Távora, “hum Francisco Pires grande mestre de obras”, isto é, arquitecto e engenheiro, para no caso de invernar em Mo?ambique com sua gente ai fizesse uma fortaleza que trazia já pintada e ordenada por El-Rei, em que havia de deixar gente e artilharia quanta cumprisse, em que havia de estar sempre o capit?o de Sofala para que estivesse o porto seguro de nele estarem rumes, que ai podiam vir quando aí estivessem as naus do Reino; e que n?o invernando todavia aí deixasse o mestre e tudo o necessário, e que o capit?o de Sofala viesse aí fazer a fortaleza.Mas a Armada n?o invernou em Mo?ambique, e foi por fora de Madagáscar ter à ?ndia, donde o arquitecto prestou imediatamente o urgente e magnífico servi?o de reconstruir a Fortaleza de Diu que ficara em ruínas depois de aguentar um poderoso cerco. O que fica esclarecido é que a envergadura dada à Fortaleza de Mo?ambique obedecida a necessidade de defender de uma surpresa turca as naus chegadas da Metrópole e à espera de mon??o para a ?ndia. Era preciso n?o perder a posse do porto, nem correr esse risco.Mais recentemente, Lima (1983) abordou também a quest?o, afirmando o seguinte: “Passandose estas cousas, o Gouvernador estaua com muyto cuidado do principal que era o fazimento da fortaleza. Sobre o que ouve conselho com os fidalgos, e com todos os officiaes do mester, que ally auya, que mandara lá ir quantos auia em Goa: onde tambem estaua hum Francisco Pires, grande mestre dobras, que fora já com Louren?o Pires de Tauora, que ElRey o mandara com elle pêra se caso fosse que enuermase em Mo?ambique com sua gente ahy fizesse huma fortaleza, que hauia de deixar gente e artelharia quanta comprisse, em que estiuesse o porto seguro ahy estiuessem as n?os do Reyno ; e que nom enuermando todauia ahy deitasse o mestre e todo o necessário, e que o capit?o de ?afala viesse ahy fazer fortaleza (...)”(p.39).A interpreta??o que se pode fazer das cartas acima, é de que Francisco Pires n?o foi quem construiu a Fortaleza de S. Sebasti?o, apesar de ter havido uma pretens?o sua e da realeza nesse sentido. Os vários mestres que intervieram no acabamento da fortaleza est?o devidamente identificados neste trabalho. O mesmo autor afirma com base em factos por si descritos, que provam que Francisco Pires n?o está ligado à constru??o da Fortaleza de S. Sebasti?o, a saber:Francisco Pires, embora n?o se lhe reconhe?a interven??o na feitura da Fortaleza de Mo?ambique (S. Sebasti?o), terá levado consigo para a ?ndia, Louren?o Pires de Távora, com a expressa miss?o de levantar a edifica??o, “invernasse” aquele (no decorrer da viagem) na ilha de Mo?ambique, ou n?o; O projecto da Fortaleza de Mo?ambique estava realizado, segundo planta “já pintada e ordenada por El-Rei”; Das liga??es de apre?o de D. Jo?o de Castro por Francisco Pires n?o restam duvidas, inferindo-se que terá o Vice-Rei da ?ndia sido o medianeiro na entrega do risco da constru??o executada por Miguel de Arruda e mandado fazer por D. Jo?o III (“se fa?a pela maneira do debuxo que vos aqui envio, que cá mandei fazer a Miguel de Arruda, por ser prático nestas coisas como sabeis.”); O Capit?o-Mor de Sofala (Fern?o de Sousa de Távora) fez o transporte dos planos, de Goa para Mo?ambique, em 1548, e tentará cumprir a ordem real de que “viesse aí fazer fortaleza”, deparando-se-lhe dificuldades técnicas. N?o se sabe, contudo, se no número de “pedreiros ou cabouqueiros” que levou da ?ndia, seguiu o referenciado Louren?o Pires de Távora, parecendo todavia certo, segundo a carta de 1547, que Fern?o de Sousa se terá equipado capazmente no Oriente e na costa de Melinde, de “ferramentas necessárias” (…) “oficiais e cousas de que me possa ajudar para a obra se fazer com muita brevidade” (…) “bastando enquanto Francisco Pires n?o vai com os mais pedreiros e cabouqueiros, porque em Mo?ambique n?o há nenhum destes ofícios”. N?o se pode, todavia, esquecer que foi o próprio D. Jo?o de Castro, na viagem para a ?ndia, que “escolheu sitio conveniente, determino materiais e mestres para a obra, meteu m?os a ela, todos à porfia acarretavam pedras, e a obra luziu tanto, que na vinda para a Europa foi saudado pela artilharia que já estava colocada em cima da muralha”. (Idem, p. 40).E, em paralelo com Lima, Viterbo (1988, p. 299) remete-nos para a seguinte análise: “E quis Deos que tendo isto se nom fez, porque Louren?o Pires, nom achando tempo, correo per fora da ilha de S?o Louren?o, que chegando a Cochyum, que partio a buscar o Gouvernador, nom foy esquecido de embarcar este mestre consigo com que o Gouvernador muyto folgou, porque era homem de muyto saber onde no Conselho com ele, e todos, foy assentado que per o tempo ser pouquo, e o trabalho seria grande se a fortaleza se ouvesse d?alimpar da terra e entulhos que tinha, por menos trabalho, e mais aviamento, a fortaleza se fizesse toda fundada per fora de toda a outra velha, porque assy ficava maior, e a obra se faria ais azinha e com menos trabalho.”Escreveu Lobato (1967, s/p) acrescentando que este arquitecto - Francisco Pires - retornando da ?ndia, foi-se para Castela, onde tomou o hábito da Ordem de S. Jerónimo e foi mui aceito a EL-Rei Filipe II e por sua tra?a se fizeram muitas obras no Escurial. Mas em 1561 a fortaleza estava consideravelmente atrasada e o Vice-Rei Conde de Redondo, D. Francisco Coutinho, ao escalar Mo?ambique a caminho da ?ndia, teve que tomar providências, afirmando que: “Como chegou de Sofala Pantale?o de Sá, disse-lhe algumas cousas que havia de fazer e outras que n?o havia de fazer; nestas entrou a fortaleza, porque n?o houve por servi?o de Vossa Alteza fazer-se daquela maneira. N?o digo acrescentando nem diminuindo na tra?a, sen?o no modo. Mandei somente que ajuntasse muita pedra e cal, e até se n?o acabar a fortaleza ninguém fizesse casa de perda e cal, porque com este achanque havia alguma falta nas obras de Vossa Alteza, e como tivesse as achegas juntas, que mo fizesse saber, pera ent?o mandar entender na obra com mais brevidade e menos custo: porque é gra?a dizer-se a fortaleza que fez D. Diogo (de Sousa), e depois dele gastou três anos de Basti?o de Sá, e três de Pantele?o de Sá, e daqui a seis n?o pode ser acabada na ordem que leva; porque s?o perto de vinte bra?as, que se punham em catorze, n?o s?o feitas mais de seis. Cada bra?a destas custa a Vossa Alteza dous mil e quatrocentos réis. Lá lhe mando a tra?a do feito e por fazer.” Segundo a mesma fonte, em 1564 as obras da fortaleza continuavam atrasadas havia oito anos (a ser assim, a data da constru??o da Fortaleza de S. Sebasti?o é de 1556 e n?o 1558, como advoga a maioria das fontes), e o Vice-Rei D. Ant?o de Noronha, ao passar por Mo?ambique, a caminho de Goa, tomou também as suas providências, de que escreveu ao Rei: “…deixei dada a obra da fortaleza de Mo?ambique de empreitada a dous homens, os mais abastados da terra, por pre?o a bra?a de seis cruzados e um quarto; tenho custado a que até agora é feita, per conta da Fortaleza e oficiais de Vossa Alteza, a mais de dez, e pola ordem e vagar que levava n?o se acabara em vinte anos; pola que eu lhe deixei espero que se acabe em quatro, porque lhe mando agora de cá ropas e dar lá tudo o mais necessário pera a obra ir sempre correndo e se n?o deixar nunca de trabalhar nela. Ainda passariam vinte anos até ser guarnecida, mesmo por acabar.” . Foi D. Jo?o de Castro quem escolheu o local para a fortaleza, em 1545, mas a constru??o, por dificuldades várias, só principiou em 1558. Em rela??o a proveniência do material de constru??o da fortaleza lê-se o seguinte:“n?o tem o mais pequeno fundamento a afirma??o de que fosse a fortaleza construída com pedra da Metrópole. Poderiam ter vindo arma??es de portas e janelas em pedras aparelhadas, como sucedeu para Sofala. E se vieram como me parece, foi certamente da ?ndia, para a antiga porta de armas, por ser de má qualidade a pedra tirada do coral da ilha. Mas isso n?o autoriza afirmar-se que a fortaleza foi feita com pedra desvanece completamente as dúvidas, e há textos categóricos quanto ao arranque de perda local para se fazer a obra.”(Idem).Seria, pois, interessante saber donde veio o material para a constru??o da Fortaleza de S. Sebasti?o. Se é verdade que da metrópole n?o veio as pedras e outros materiais convencionais adjacentes abundantes em Mo?ambique, é quase certo que da metrópole teria vindo homens (incluindo militares) e material de guerra. Da ?ndia, muito provavelmente alguns objectos de madeira e ferro, uma vez que em Mo?ambique (ilha) n?o havia especialista nessa área. S?o hipóteses! “Em matéria de Antiguidade histórica, disse Fern?o Lopes, precis?o haver n?o pode.”A fortaleza foi guarnecida em 1583 por Nuno Velho Pereira, que mandou fazer os armazéns e quartéis que serviram nos cercos dos holandeses em 1607 e 1608. Rui de Melo de Sampaio (1614-1618) come?ou a cisterna grande que se concluiu em 1626, e foi depois renovada nos séculos seguintes. As obras na fortaleza foram por assim dizer permanentes, como aliás era de uso para constante adapta??o às necessidades de servi?o, mas delas só existe uma inscri??o, de novo armazém construído em 1666. Em 1712 foi feito o actual portal da porta de armas que, todavia, logo após os cercos holandeses, fora transferida da muralha que dá para o Campo de S. Gabriel para a que deita para a praia que servia o ancoradouro das naus, ficando pois protegida pelo saliente do baluarte de S. Gabriel. ? o que parece poder deduzir-se de antigas plantas. Desta forma, as obras de 1712 na porta de armas ser?o apenas um arranjo estético. (Idem).I.4.1- Característica e import?nciaA Fortaleza de S. Sebasti?o é uma impressionante obra pela sua imposi??o arquitectónica, pelo porte altivo e pela admirável adapta??o ao terreno, além da sua apreciável dimens?o. Ela constitui, sem dúvida, o mais representativo monumento da ilha e qui?á do Estado de Mo?ambique, colocando-se pelas suas características, a par das grandes obras de arquitectónicas militar e a sua época. Exner (1985, p. 80).? semelhan?a da pra?a-forte de Mazag?o, a Fortaleza de S. Sebasti?o apresenta planta no formato rectangular com a extens?o de cento e dez metros pelos lados maiores, com quatro baluarte nos vértices, três de formato triangular e um em forma de espig?o, sob a invoca??o de S?o Jo?o, de Nossa Senhora, de S?o Gabriel e de Santa Bárbara. Deles, a tra?a do de S?o Gabriel, o de maiores dimens?es, com vinte e quatro canhoneiras, foi consideravelmente alterada, tendo sido demolidos dois dos espig?es que davam à fortaleza o aspecto de um polígono estrelado, que se observa em gravuras Neerlandesas do início do século XVII, nomeadamente em 1635. Lobato (1967, s/p) enfatiza que: “a fortaleza foi poderoso baluarte lusíada nesta ?frica toda, e daqui sustentou todos os postos avan?ados da Costa e do “Mato”, para que a vasta província pudesse um dia vir a ser totalmente Portugal. A fortaleza possui alongamento, dependência, anexos, casernas, pris?es para uma guarni??o de mil homens e respectiva oficialidade; depósito de degredados que ali esteve durante séculos, armazéns, paióis e três cisternas para água da chuva, captada em larga superfície e com um volume de liquido para o abastecimento de dois anos.”Cid (1992, p.11) naquela que considero ser uma descri??o geral da fortaleza, descreve da seguinte forma: “que a porta ordinária da fortaleza esta no meyo do lan?o do muro que esta entre o baluarte Sam Jo?o eo Sam Gabriel, e en sima da porta saye hum rebelim que a defende. E afora esta tem outra porta fal?a, que vai a Nossa Senhora do Baluarte, que cham?o o postigo. Pella bamda de fora da fortaleza, no lan?o de muro que corre do baluarte Sam Gabriel até o de Sancto António, tem hua cava de mar a mar com lugar de sua entrada cuberta, a qual nem esta ainda fundeada como cobem nem aberta nas pontas, por onde lhe ha-de enfrentar o mar, porque nesta n?o trabalh?o mais que os mo?os dos cazados, n?o ha quem se atreva a abrir a porta por onde entrar o mar, por n?o saberem em que modo se-a-de fazer, nem também a obra vai por diante conforme a import?ncia della, porque se tem esta da cova pella mais necessária que se conhece de prexente para a fortifica??o desta fortaleza.”Com esta descri??o conclui-se que a Fortaleza de S. Sebasti?o foi, sem dúvida, ao longo do processo de domina??o colonial portuguesa, um elemento determinante de conquista, mas também de defesa. N?o é, pois, de se admirar que o comércio marítimo com a ?ndia estivesse durante muitas décadas nas m?os dos portugueses, apesar de mais tarde, como iremos ver, este comércio haveria de sofrer alguma instabilidade profunda devido à tentativa de invas?o da fortaleza pelos holandeses, principalmente.? semelhan?a de Lobato, Noronha (s/ano, p.7) também dedicou o tema a sua aten??o. Afirma que a fortaleza integra uma pra?a de guerra com duas baterias rasantes. Dentro da parada existia a igreja de S. Sebasti?o, devorada por um incêndio. As paredes aproveitaram-se para outras arruma??es. Em baixo, numa das baterias à flor da água, alveja a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, anterior à militariza??o do recinto.A mesma fonte acrescenta que a fortaleza vigiava, protegia e defendia à entrada do porto da ilha de Mo?ambique. As fortifica??es ampliavam-se mais com o forte de S. Louren?o, na extremidade oposta da ilha, a sudeste, erecto num pequeno ilhote. Diz a fonte que: “as primeiras obras fizeram-se na administra??o de D. Estevam José da Costa em 1695. Continuaram-nas alguns dos seus sucessores, Luiz Melo de Sampaio, de 1696 a 1698 e Luiz de Brito Freire, de 1706 a 1707. Batia a navega??o do canal ali cavado, entre a ilha e as terras de Sancul, e cruzava os fogos com os da Fortaleza de S. Sebasti?o, opondo-se a qualquer tentativa de desembarque na costa leste da ilha. O forte aquartelava cem homens, dispunha de um paiol e ampla cisterna para colher as águas pluviais. N?o apresentava lápide, nem inscri??o, apenas se via o escudo do tempo, por cima da porta principal. Tudo isto ia resistindo o mais galhardamente possível à destrui??o ocasionada pelas intempéries, único inimigo de há séculos.”Os quatro baluartes da Fortaleza de S. Sebasti?o: S. Jo?o, Nossa Senhora, Santo António e S. Gabriel, e as suas duas baterias rasantes, construídas posteriormente, “uma delas em redor da pequena capela, que durante séculos desempenhou fun??es de catedral, gozaram de relativa tranquilidade, desde 1608 ou 1609 até 1669, ano em que o imane de Mascate atacou a fortaleza com poderosa esquadra.” O ataque n?o teve consequências de maior, pois a frota árabe teve de retirar com avarias importantes. Governava ent?o a capitania Inácio Sarmento de Carvalho e comandava a pra?a, na qualidade de feitor, Gaspar de Sousa de Lacerda. Desde ent?o estiveram à testa dos destinos da capitania de Mo?ambique, entre outros: Rui de Melo Sampaio, Diogo de Sousa Meneses, D. Nuno ?lvaro Pereira, de 1627 a 1631; e António de Melo e Castro. Nova quadra de repouso. Surgem depois os nomes de António de Melo e Castro e Jo?o Fernandes de Almeida. (Idem).Ainda em torno de baluartes (estas “muralhas de ferro”), Lima (1983,p.41) dedicou ao tema toda a sua aten??o. Fez, na minha opini?o, uma descri??o cabal dos baluartes existentes no interior da fortaleza. Creio que vale a pena debitar uma parte dessa descri??o, o que muito ajudará a compreender a sua composi??o e utilidade. Diz a fonte que os la?os do muro que correm de baluarte a baluarte, os mais compridos que s?o do baluarte S. Jo?o até Nossa Senhora do Baluarte e do de S. Gabriel até de St° António, s?o de 50 bra?as, afora os mesmos baluartes que cada um por si é uma pra?a assim na dita forma de tri?ngulo, onde poder?o caber mais de 100 homens descobertos por cima e em parte só se tem coberta alguma artilharia mas n?o toda (…), os outros dois la?os de muro do baluarte de S. Jo?o até o de S. Gabriel e do Baluarte de Nossa Senhora até o de St° António, têm de comprimento 33 bra?as afora os ditos baluartes.Assim fica dentro da fortaleza uma pra?a conforme esta capacidade, estes muros ter?o altura três bra?as em altura e todos acham ser muito pouca para semelhante pra?a, e todos os quatro lan?os s?o terraplanados dentro que ficam em mais de duas bra?as de largura e o de S. Gabriel dobrado de largo. Impressionante pela sua composi??o arquitectónica, pelo porte altivo e pela admirável adapta??o ao terreno, além da sua apreciável dimens?o, a Fortaleza de S. Sebasti?o foi, sem dúvida, o mais representativo monumento da ilha e qui?á do Estado de Mo?ambique, colocando-se, pelas suas características, a par das grandes obras de arquitectura militar da sua época. Os princípios arquitectónicos que s?o inerentes à obra militar filiam a fortaleza no contexto do Renascimento, tanto quanto a esta época se associam todos os novos factores civilizacionais do humanismo já afirmado historicamente nos séculos XVI e XVII. Carlos de Azevedo em “A Arte de Goa, Dam?o e Diu”, afirma que “a adop??o das novas concep??es renascentistas quanto à arquitectura militar se deve à grande influencia que ent?o exerceram em toda a Europa os arquitectos e a tratadistas italianos (sic), e n?o devemos esquecer que muitos vieram para Portugal, onde exerceram cargos de responsabilidade, indo mesmo para o Ultramar. Lima (1bid., p. 35).Em concord?ncia com Lima, está Cid (1992, p. 11) que afirma o seguinte: “tem esta fortaleza coatro baluarte nos quatro cantos, feitos em figura e forma de triangulo, nomeados cada hum com os seus nomes que nelles est?o escritos. E posto que cada baluarte fica defendendo o la?o de muro que coree até o outro, como he costume, contundo n?o se pode defender hum baluarte ao outro como se costuma na perfeita forma e fortifica??o.”Há que observar o facto desta fortaleza ter sido construída com grande subtileza, ou seja, no esplendor do conjunto das grandes obras de arquitectura portuguesa, obra esta ímpar em todo o “Oriente português”. Da visita efectuada à fortaleza, em Junho de 2009, pude observar que de facto nos quatro cantos da fortaleza há um baluarte em posi??o de fogo, claro, hoje relíquias do passado. Tal estratégia de constru??o visava, entre outros objectivos, defender o canal que dá acesso ao porto e a ilha em geral. Para Noronha (s/ano, p.7) as suas muralhas assentam na rocha, defrontando-se com o mar pelas faces Norte, Leste e Oeste. Apenas a face Sul, voltada para o lado de terra, permite um assalto. Em seu auge, a fortaleza disponibilizava quartéis para tropas, capela, hospital e armazéns. As habita??es dos oficiais eram assobradadas, sendo o ch?o dos quartéis e dos armazéns coberto de colmo. No seu interior destaca-se a cisterna, com capacidade para cerca de duas mil pipas de água. Aberta na década de 1580, foi restaurada em 1605 pelo capit?o Sebasti?o de Macedo e, posteriormente, em outras épocas.1.4.2 – Descri??o: Cisterna e organiza??o militarNem sempre uma guerra pode ser ganha por quem tiver mais armas (seja ela de que especificidade e quantidade for) nem por quem tiver mais homens. No caso que se segue, como iremos ver, por incrível que pare?a, nem as armas nem os homens podiam ter sido t?o determinantes como foi a água. Devido a fraca precipita??o (meses e às vezes anos passavam, sem que a chuva caísse sobre os solos secos da ilha), associado a fraca salubridade, o que levou o governo colonial português, vencido pela for?a da natureza, a construir cisternas para fazer face ao crónico problema da falta de água. Para o período cronológico em referencia, a natureza pode ter sido o grande vencedor naquela que seria a maior tragédia para os anais da história dos dois países, Portugal e Mo?ambique e n?o só, massacre seria hoje lembrado e chorado, quando os holandeses virara-me vencidos por falta da água nas suas naus para sustentar o cerco que mantiveram durante dias sobre a ilha. A água foi um, de tantos factores, que teria abortado o avan?o mortífero dos holandeses numa das várias tentativas de invas?o à ilha, em 1607. Nos dois lados que formam um dos ?ngulos est?o os quartéis, que d?o alojamento a dois mil homens, junto deles as casas de arrecada??o, armamento, apetrechos, muni??es e mais trem de guerra, no ?ngulo fronteiro ficam de um lado os armazéns de viveres, casa dos conselhos de guerra, e pris?o, e do outro o quartel do comandante, e casa em que moram os oficiais da guarni??o. Além da cisterna do centro, tem outras duas um pouco mais elevadas, s?o quase de igual tamanho, e bem construídas, comunicam-se entre si, e cada uma tem um cano de boas cantarias, e todos vêm despejar em um geral, que trás a água fora das muralhas, repartindo-se em três bocas, de onde é conduzida por mangueiras à beira mar, fazendo aguda as lanches com as proas em terra, e sem desalojarem o vasilhame. Ao lado, ocupado pela antiga Igreja de S. Sebasti?o (a que se encostava a da Misericórdia) contém ainda, à espera, o arco de conduta de água para a “Cisterna Pequena”, esgotando das a?oteias das constru??es que ado?am à parte interior da muralha. N?o se pode deixar de mencionar a existência de outras duas cisternas, além da que se situa na parada: uma conhecida por “Cisterna Grande”, constitui um dos atractivos que neste momento a fortaleza oferece. A Cisterna Grande foi iniciada em 1605, e teve obras nos anos de 1609, 1692 e 1776, comportando uma capacidade de 19.523 pipas. Esta obra foi concebida e acabada no ano de 1828, terminando desta arte a fadiga que dantes havia de virem as vasilhas, rolando à for?a de bra?os desde a praia até à boca de bra?os das cisternas, voltando depois a ela ainda com maior trabalho. Esta obra foi sobremaneira lucrosa à Fazenda Pública, assim pela aguada dos navios da Coroa, como porque ali acertam de a fazer os navios de guerra das na??es aliadas, ao mesmo tempo que n?o se traqueia o interior da fortaleza, que convém estar sempre recatados. (Lima, 1983, p. 43).Sobre a import?ncia da cisterna e a organiza??o militar da Fortaleza de S. Sebasti?o, CID (1992, p. 12) escreveu o seguinte: “Junto da porta ordinária da fortaleza, pegado com o muro, est?o as casas dos capit?es, de sobrado, com gazalhos bastantes. E assy ha muitas outras cazas pello meyo da fortaleza, em que os soldados vivem, porem de palha, que convem muito n?o o serem pello risco que corre a fortaleza assy em qualquer dezastre como serco. O prezidio de soldados que Sua Magestade manda assistam sempre nesta fortaleza he de trezentos, onde entr?o hum capit?o de infantaria, hum alferes e hum ajudante, que os adestr?o e govern?o e juntamente os condestables. Porem raro ou nunca esta este numero de soldados, assy porque se tir?o delles pêra a guerras que ordinariamente ha nos rios e pêra as embarca??es dos capit?es, como porque a terra muy doentia, que os con?ome e fas estarem os mais muito doentes. E as vezes ha mus poucos que poss?o tomar armas, que pêra t?o importante pra?a he notável risco, o que se pode evitar com se mandarem todos os annos trazer os doentes que n?o saracem no hospitital, levando outros em seu lugar, com que n?o avera receo em quererem hir, pella liberdade de tornarem a vir e assy n?o ha nesta fortaleza mais que hum condestable, que lhe mandou o Conde de Linhares Vizo-Rey e sinco artilheiros, sem pe?oa mais que saiba carregar hua pessa”.O trecho mostra claramente qu?o fraca eram as condi??es de salubridade da ilha. De um total de 300 soldados alocados pela Coroa portuguesa para defender a Fortaleza de S. Sebasti?o (recorde-se que a fortaleza tinha a capacidade para mais de mil homens), apenas 100 é que garantia a guarni??o da ilha, devido a dois factores: por um lado, a enfermidade dos soldados resultante da fraca salubridade do território (a malária); por outro, para ganhar as guerras que se impunham nos rios / ribeirinhas com os povos autóctones, com os árabes ou com os inimigos europeus pelo controlo de alguns postos comerciais, era imperioso a presen?a de mais homens. A fortaleza tinha a obriga??o de defender os interesses dos portugueses na regi?o. Como também eram precisos soldados para acompanhar os capit?es nas suas ofensivas. A mesma fonte acrescenta:“est?o dentro na fortaleza dous almazens, hum de muni??es outro de mantimentos, que ordinariamente est?o providos conforme o zelo dos Vizos-Reys e do Capit?o da fortaleza porque, como as duas couzas que se metem nelles lhe ao-de ser mandadas e procuradas de fora da terra, ora tem muito, ora pouca dellas. Porque no tocante a moni??es, como esta pra?a he t?o pretendida dos inimigos da Europa, sempre no prezente governo esta provida dellas bastantemente, assy pêra qualquer serco como pêra prover a todas as guerras que trazemos nos de Cuama e fortes e povoa??es nossas, que daqui se provem. Tem a fortaleza dos muros adentro duas cisternas de aguoas: grande, cada palmo tem cento e vinte pipas, a pequena, cada palmo oitenta pipas e terá a mesma altura.” De acordo com Lobato (1967, s/p) há, nas vastas constru??es interiores arrumadas às muralhas, pedras que est?o ali desde o século XVI, casas, quartéis e serventias que abrigaram o punhado de soldados, moradores e mulheres que no século seguinte recha?aram os holandeses com os seus bra?os, as suas vigílias, as lutas, gente que fez o milagre de vencer para que possamos hoje menosprezar o seu sacrifício, e as relíquias que dessa luta suicida de gigantes nos deixaram.Segundo nos conta Frei Jo?o dos Santos: “na ponta desta ilha, à entrada da barra está a fortaleza, na qual sempre reside o capit?o, com soldados portugueses de guarni??o, que toda a noite e dia vigiam aos quartos; de dia postos à porta da fortaleza com suas armas, e de noite por cima dos panos do muro e dos baluartes; dos quais tem quatro fortíssimos, dois para a banda do mar e dois para a ilha, donde também se descobre o mar de uma parte e da outra, e neles est?o muitas pe?as de artilharia grossa e famosa, em que entram esperas, camelos e colubrinas. Dentro da fortaleza está uma cisterna que leva duas mil pipas de água, que se toma da que chove nos telhados e anexos, por canos que a ela v?o ter. Aqui dentro est?o os armazéns assim da pólvora e coisas necessárias para defensas da fortaleza, como de mantimentos de arroz e milho, de que sempre está bem provida. No meio desta fortaleza está mais uma igreja nova, ainda por acabar, que há-de servir de Sé, e junto dela outra da Misericórdia.” (Idem).As fontes d?o revelo a existência de cisternas na ilha de Mo?ambique por estas terem sido, dentro do período cronológico em estudo, uma espécie de “botija de oxigénio” para a administra??o colonial portuguesa. A água passou também a ser comercializa para as naus estrangeiras e/ou aliadas que escalavam à ilha, como nos adiantou Lobato (1967, s/p). Há existência de poucos soldados na ilha – cuja capacidade é cerca de dois mil homens -, explica-se pela sua condi??o geo-estratégica, isto é, uma vez conquistada a ilha em 1507, os portugueses construíram mecanismos sofisticados de defesa (baluartes) que lhes permitiu, além de mais, controlar a circula??o das naus inimigas e de todo o território da ilha, mas também à submiss?o levada a cabo por missionários das companhias religiosas, foram sem dúvida, uma mais-valia para a Coroa portuguesa. ? claro que a sofistica??o do armamento, desproporcional comparativamente com a dos seus adversários, foi de resto um outro factor de relevo que teve efeitos negativos para os povos autóctones. Isto até certo ponto, porque mais tarde, como iremos ver, Portugal viu-se na contingência de aumentar o seu dispositivo militar e “bélico” para fazer face as várias tentativas de invas?o holandesa e francesa. Entretanto, Cid (1992) naquela que considero a mais profunda análise sobre a organiza??o militar portuguesa, afirma o seguinte: “os soldados se paga cada mes, a cada hum, quatro cruzados de mantimentos (cada cruzado hua pataca de quatrocentos rese cada três mezes dez de quartel, e o mes que lhe pag?o quartel lhe n?o pag?o mantimentos. Ao Capit?o de infantaria, alferes e ajudante lhes pag?o isto dobrado. O Capit?o da fortaleza de Mo?ambique tem de ordenado coatrocentos e dezoito mil res cada anno e ao Castel?o seiscentos mil e pello estanque do Capit?o de Mo?ambique e Sofala de Sua Magestade todos os annos trinta mil cruzados de ouro, que import?o em dinheiro da índia Correnta mil Xerafins. A artilharia que tem esta fortaleza de Mo?ambique s?o trinta e duas pe?as, entre a qual ha alguas quatro ou sinco de ferro, de pouco porte, que n?o servem mais que pêra os revezes dos baluartes pêra defender os panos do muro, as mais s?o de doze ate trinta libras de calibre.” (p.13).A remunera??o dos soldados portugueses e a existência de camelos como meio de transporte leva-nos a duas ila??es: por um lado, a forma como a fortaleza estava estruturada militarmente - para o período cronológico em estudo -, há que reconhecer, sem dúvida, a excelente organiza??o militar colonial portuguesa; por outro, o uso de camelos como meio de transporte reflecte o desenvolvimento urbanístico da ilha de Mo?ambique. O camelo significava uma mais-valia para a administra??o colonial portuguesa, pois é mais resistente do que o boi, o burro, o cavalo ou a mula, e é um animal propenso ao clima seco (baixa precipita??o) da ilha, já referido ao longo deste trabalho. Sobre a precipita??o, Lima (1983, p. 43), única fonte consultada que apresenta dados concretos sobre o clima da ilha (aten??o que os dados s?o de 1980) afirma: “O clima é bastante ameno, sendo a temperatura média anual de 26, 1°. Os ventos dominam de NE, de Outubro a Fevereiro, e do quadrante Sul, de Mar?o a Setembro. A humidade regista o seu máximo no mês de Dezembro a Abril os de maior precipita??o (valor máximo 180, 1 mm em Mar?o), e os restantes de fraca precipita??o”.Ainda sobre a estrutura militar da fortaleza, a mesma fonte acrescenta que à tra?a original da fortaleza sofreu algumas altera??es, tendo possivelmente a primeira tido lugar entre 1608 e 1635, respeitante aos baluartes de S. Gabriel e de Santa Barbara (St? António), a qual se encontra já na descri??o do Cód. (1635). Outra altera??o posterior, incidindo especialmente no baluarte de S. Gabriel, ocorreu em 1744-1745, mas as transforma??es operadas n?o desvirtuaram os princípios da edifica??o inicial. A forma que hoje subsiste revela-se de grande pureza, inscrevendo-se a fortifica??o num quadrilátero irregular protegido por um baluarte em cada canto. Os baluartes, de “orelh?es”, s?o muito característicos, sendo o de S. Gabriel o mais interessante da Fortaleza, inconfundível pelo seu desenho rigoroso.A meio da costa sueste da ilha, o capit?o-general Pedro de Saldanha de Albuquerque mandou construir de 1758 a 1763 uma bateria, que contrariava a invas?o da praia por aquele lado. O governador Jo?o da Costa de Brito e Sanches, como se lê numa inscri??o por cima da porta “reconstruiu a bateria, edificou um pequeno quartel e erigiu uma quási microscópica capela no recinto da fortifica??o, em 1820, já dedicada a Santo António. Em 1892, o governador, capit?o de fragata Rafael Jacinto Lopes de Andrade, mandou consertar o forte, bastante arruinado, o quartel e a capela, e entregou esta á prelazia, afim de se tornar a sede da antiga freguesia de S. Sebasti?o, primitiva paróquia da cidade.” Noronha (s/ano, p.10).A existência de igrejas no interior da fortaleza e da ilha em geral mostra qu?o importante era o papel da religi?o na submiss?o dos povos autóctones. Desconhece-se no entanto a existência de conflitos religiosos entre os portugueses e os povos autóctones e/ou arabizados, visto que antes da chegada de Vasco da Gama à ilha, em 1498, a religi?o dominante era o islamismo. A submiss?o religiosa foi um, no meio de vários factores, que a Coroa portuguesa encontrou para lograr as suas fa?anhas. Os árabes (como se sabe) perderam o “domínio” da ilha, logo após a fixa??o colonial portuguesa em 1507. 1.4.3 - O cultoJá aqui falamos da import?ncia da religi?o (católica) no processo de domina??o dos povos da ilha. E mais adiante, quando estivermos a falar da Capela de Nossa Senhora do Baluarte, falaremos ainda com pormenor como é que esse processo ocorreu e a sua vitalidade. Nem sempre o “poder da igreja” acompanhou os passos do “poder do Estado”, porquanto Marques de Pombal numa das suas reformas decidiu expulsar os jesuítas de Portugal, medida que abrangeu todas as colónias portuguesas. Nessa altura, a religi?o já implantada e aparentemente enfraquecida, mas nunca abandonada, teve de se adaptar as circunst?ncias. O culto jamais foi ignorado ou abandonado.Lobato (1967, s/p) explica que por mais ruínas que houvesse em redor a capelinha de Santo António mantinha-se garrida e florida. No interior só se venerava uma imagem: a de Santo António. Os católicos europeus n?o eram em grande número e também n?o eram demasiado devotos. O culto apostólico romano exercia-se quase exclusivamente para edifica??o dos religiosos portugueses naturais da índia. Nessa quadra, e n?o deve ter variado muito, o templo protestante enchia-se de prosélitos, a mesquita dos maometanos regozijava de crentes, e “baneanes”, “bateás”, “cojás”, “budistas”, confucionistas, todas as inúmeras seitas da ?sia, desde o Eufrates até ao rio Amur, contavam ali adeptos que praticavam os seus ritos com a maior toler?ncia e liberdade. No ano novo de cada uma dessas classes, festejado com o maior luzimento possível, no momento das suas festas mais solenes, nos actos de import?ncia da sua vida social, quando alguma funda dor os oprimia, na conjuntura angustiosa de perigar a existência de algum ente querido, em qualquer das múltiplas consequências em que a fraca criatura humana, por mais ateísmo que apregoe, necessita amparar-se à for?a superior de uma entidade suprema, todos esses adoradores de “Buda”, de “Meneio”, de “Confúcio”, de “Vichnu”, de “Sivá”, de “Ganes”, de “Mafoma”, todos eles se dirigiam e se encomendavam àquela exígua imagem de Santo António, quase oculta nos escombros do derruído baluarte, pobre, sem o deslumbramento do túmulo de S. Francisco Xavier, em Goa. Tanto Lobato como Noronha (s/ano, p.10) afirmam que na copiosa romagem o observador, ainda o de espírito mais leve, sentia-se avassalado, ao contemplar as genuflex?es, o prosternar, a evoca??o, o orar de tantos pag?os, de religi?es t?o diversas, de credos t?o antagónicos e, acima de tudo, a sinceridade, a un??o, o fervor, a confian?a, a esperan?a, o inefável consolo que se reflectia e irradiava dessas fisionomias de “mongóis”, de “párias”, de “chatrias”, de “budas”, de “brahmanes”, de “tártaros”, de “malaios”, de “dezenas” de “castas” e de “ra?as”, t?o radicalmente divergentes nas suas origens, aspira??es, direitos e modos de existir.E insensivelmente, por mais frívolo e irreverente que fosse o nosso pensar, lembramo-nos de quanto foi sólida e eficaz a obra dos nossos antigos missionários, que assim através dos séculos, das paix?es, das revoltas, dos martírios, da profícua e infatigável catequese alheia realizaram t?o perdurável conquista. Na denomina??o dos edifícios militares, civis ou religiosos, houve sempre o predomínio dos nomes de Deus, da Virgem, dos Santos, depois os dos soberanos ou pessoas da família real e só, a seguir, com certa raridade, o de governadores. ? assim que uns cronistas pretendem que a Fortaleza de S. Sebasti?o recebesse essa designa??o do rei D. Sebasti?o, embora crian?a ao tempo da sua edifica??o e fosse regente a avó, rainha D. Catarina; e outros que o baptismo proviesse do nome do governador da capitania, Sebasti?o de Sá, iniciador da constru??o, em 1558, o que é pouco provável. N?o é inoportuno acentuar mais uma vez que, ainda em 1663, o continente expedia para ali um engenheiro, acompanhado de artífices e levando consigo farta cópia de materiais e entre os quais ia alvenaria aparelhada, para terminar as obras da fortaleza, pois receava-se que os ingleses a atacassem. (Idem).I. 5 – As invas?es e a problemática das fontesA fortaleza foi a primeira vez atacada em 1607, a segunda em 1608, pelos holandeses, e esteve para sê-lo de novo por uma forte esquadra alcan?asse o porto. Foi também objecto de uma tentativa dos árabes de Moscate em 1669, e de nova tentativa, também árabe, em 1704, após a perda de Momba?a. O último ligeiro ataque que sofreu foi dos franceses, durante as Guerras da Revolu??o (1793-1797), período em que a província se viu aflita para se defender por falta de recursos, tendo-se inventado até granada de m?o com invólucros de cocos carregados de metralha. De todos os cercos e ataques se defendeu sempre a fortaleza. Porém, os de 1607 e 1608 foram angustiosos.Os relatos revelam que os portugueses tentaram incendiar a povoa??o (sic) assim que se recolheram à fortaleza, mas uma chuvada forte apagou o fogo que já lavrava nos telhados que eram todos de macuti – pormenor curioso sobre a natureza das constru??es urbanas, que eram portanto pobres e frágeis, excepto as igrejas e fortalezas (casas com coberturas de palha). O convento de S. Domingos devia ficar a meio caminho entre o actual e a fortaleza, e era fronteiro. Nele se instalou o quartel-general holandês. A sua constru??o havia sido proibida várias vezes de prosseguir por ser padrasto à fortaleza e facilitar o ataque, como aconteceu. Entre ele e a fortaleza ficava a ermida de S. Gabriel, chegada bastante ao baluarte deste nome, e que era sólida constru??o de paredes grossas. (Lobato, 1967, s/p).A mesma fonte acrescenta que os holandeses chegaram a Mo?ambique em 28 de Julho, e, compreendendo que a fortaleza n?o estava rendida, entraram apenas com quatro navios, debaixo de fogo da fortaleza e desembarcaram quinhentos homens, também na mesma praia do Celeiro que est?o se chamaria Mogincate. A armada de 1607 demora-se um dia no porto antes do desembarque, mas a de 1608 actuou imediatamente. Os moradores perderam logo todas as fazendas que entretanto tinham chegado do Reino e da ?ndia, e uma preciosa carga de vinhos e licores de seu negócio do mato, regalos que os holandeses foram bebendo à medida que avan?avam pela povoa??o deserta. Alguns portugueses que atravessaram depois pelo meio deles n?o foram reconhecidos; estavam os holandeses todos bêbados. Os seus próprios comandos tiveram que mandar rebentar à marreta as pipas de vinho e barris de aguardente que ainda sobraram da bebedeira geral, e o comando português hesitou, n?o quis correr o risco de aceitar a sugest?o para nessa noite a guarni??o dar um assalto geral ao campo holandês e acabar com o cerco que ia come?ar.Este cerco, diz a fonte, correu-nos pior. Primeiro, um rapaz holandês que tinha ficado de 1607, como refugiado, e se tornara colaborador diligente do Alcaide-Mor da Pra?a, fugiu imediatamente para os holandeses com todas as informa??es; era afinal um espi?o. Em segundo lugar, houve logo no primeiro dia um princípio de incêndio na casa da pólvora, e em que morreram dezanove homens. Podia ter ido tudo pelo ar e perder-se a fortaleza por falta de muni??es. Foi o próprio D. Estêv?o de Ataíde quem com mais alguns homens entrou arrojadamente na casa da pólvora, apagou todo o fogo, e salvou nesse dia Mo?ambique e os séculos de história que se viveram até hoje. A artilharia, que foi montada pelos holandeses nas ruínas de S. Domingos, era muito mais poderosa. A muralha chegou a receber trezentos tiros por dia e arruinou-se em grande parte entre Santa Bárbara e S. Gabriel, - e ainda há vestígios da reconstru??o deficiente – abrindo uma ampla entrada cujo assalto, porém, os holandeses n?o tentaram, tal como descreveu António Dur?o: “Como n?o pelejavam sen?o com artilharia n?o ousaram subir pela quebrada do muro, vendo ele os seus valorosos defensores preparados, ou a defende-los ou a morrer ali” Os holandeses rasgaram-lhe na capela-mor uma canhoeira e nela montaram grossa pe?a de bronze, a melhor que tinham, que ficou assim protegida em reduto blindado. Há um desenho da época que indica, no segundo cerco, um desembarque em lanchas na praia de Santo António. Dur?o afirma que o desembarque em lanche também se fez no Mogincate. As duas armadas for?aram a entrar debaixo de fogo, mas o desembarque n?o podia, evidentemente, fazer-se na praia do porto junto à fortaleza. Como consta que atravessaram a povoa??o em som de guerra, foi o desembarque na altura da praia do Celeiro, ponto que aliás foi mais tarde defendido com o chamado forte demolido, desmantelado e vendida a pedra no fim do século XVIII. (Ibidem).Uma tese defendida por Noronha (s/ano, p.7) contas-nos a história de outra maneira. Afirma que: “a pra?a de facto sofreu vários ataques e cercos. Assediaram-na os holandeses, por duas vezes, em 1607 e 1608. Ficaram memoráveis os dois assédios. Defendeu D. Estevam de Ataíde com cento e cinquenta homens. Um estrangeiro, creio que francês, Francisco Pyrard, trazido por Cunha Rivara, deixou-nos testemunho comprovativo do que foram esses cercos.” Os holandeses em guerra com Portugal, e sabendo quando a ilha de Mo?ambique “nos convinha”, tentaram apoderar-se dela. Também outras na??es tinham a mesma pretens?o. Varias expedi??es foram cruzadas nesse sentido. E em obediência a um plano preconcebido, os holandeses enviaram ali uma primeira esquadra em 1607, composta por oito grandes naus. A fortaleza resistiu ao bombardeamento e a guarni??o repetiu todas as investidas, com perdas de considera??o para os assaltantes. Desesperados estes com a resistência, e por se terem assenhoreado da ilha e da cidade, aberta, queimaram-na e saquearam em duas manifesta??es de represálias. Da segunda vez, escreve Pyrard que em 1609, mas parece que foi em 1608, a frota de investimentos subia a treze alterosas naus. N?o as bafejou a sorte com resultados mais favoráveis. Nesse tempo a Fortaleza de S. Sebasti?o n?o dispunha dos meios que contou depois. Só mais tarde o seu poder militar aumentou, como o das suas congénere da ?ndia quando o governo de Lisboa se certificou da cobi?a que os holandeses, franceses e ingleses assaltou. Nesse último assédio o inimigo perdeu uma pe?a de grosso calibre e um dos seus navios naufragou quando velejava a sair do porto. Aconteceu-lhes ainda outro percal?o. Durante o cerco três dos seus, soldados ou marinheiros, fugiram-lhes para terra, descontentes, e apresentaram-se ao governador da fortaleza. Os sitiantes irritaram-se ao máximo com esta fuga. Sem essa deser??o talvez a fortaleza tivesse sucumbido. Porquê? Os cercados passavam as maiores priva??es e discutia-se já no seu intimo o angustioso assunto da captura. Os três tr?nsfugas trouxeram-lhes um vislumbre de esperan?a. Informaram-nas que os holandeses se encontravam na carência absoluta de muni??es, tanto de guerra como de boca, e por isso na precis?o inadiável de levantarem o cerco. Ao passo que faziam estas declara??es, de todo o ponto verdadeiras, afirmaram hipócrita e falsamente que o motivo principal da sua deser??o se baseava no desejo de terem acolhida no grémio católico, e ainda que os tinham obrigado a embarcar, num acto de tir?nica for?a. Tudo aquilo era fantasia de três aventureiros, da pior espécie. Conta a mesma fonte que os “nossos” receberam-nos com aparente agrado. Enganados? Talvez n?o. Os jesuítas apregoaram aos quatro ventos a convers?o, o que lhes convinha para fins políticos e religiosos. Os três meliantes imaginavam melhorar de situa??o e dar lugar à índole gananciosa. N?o queriam trabalhar e os holandeses constrangiam-nos a um labor extenuante. Os do assedio calcularam que esses seus indesejáveis, compatriotas ou n?o, denunciariam quanto ocorria no seu arraial e que as deficiências seriam arma muitos gumes para os portugueses. Resolveram vingar-se antes de retirarem da ilha, o que se tornava urgente. Sobreviera a mon??o e, com ela, a aproxima??o da for?a portuguesa da ?ndia, e isto seria o aniquilamento da esquadra holandesa.Esta na sua rota, para a ?frica Oriental, apresara, próximo da ilha de Mo?ambique, uma embarca??o portuguesa, como depois tomou outra fundeada em frente da fortaleza. A ambas saquearam e, por inúteis, incendiaram. Aprisionaram, é claro, as suas tripula??es e passageiros, entre os quais havia oficiais dos barcos, pilotos, mestres, negociantes, alguns ricos e, a maior parte, casados. “Os sitiantes com o intuito de receber os três desertores enviaram um parlamentário ao governo da pra?a, D. Estevam de Ataíde, bravo e galhardo fidalgo. Ofereciam-lhes trocar todos os portugueses, seis, que tinham em seu puder, pelos três fugitivos”. O governador respondeu mais ou menos nestes termos: - “Os regimentos e usos da guerra proíbem entregar homens nas condi??es daqueles. Apresentaram-se para adoptar a minha religi?o e servir o meu rei. N?o me ficaria bem reinstituí-los ao vosso bra?o que os mataria. Significava o mesmo que ser eu o algoz dela. Sacrificareis desse modo os nossos” – argumentou o comissário.- “Os meus compatriotas em consignada, s?o prisioneiros de guerra e portanto compreendidos na lei que permite resgatá-los pela forma ajustada. Ser?o mortos à vossa vista, insistiu o mensageiro”. - Retorquiu o governador, para depois rematar o seguinte:- Se os matardes a sangue frio n?o será por isso ac??o digna de leais cavaleiros. Um dia inteiro andou o parlamentário holandês para cá e para lá com estes recados. Sem que se chegasse a acordo.” Ao cabo de certo tempo – infinda tortura moral – os holandeses excitados, dominados pela cólera frio dos homens do norte, fuzilaram a tiro de arcabuz os seis infelizes portugueses, n?o sem que da fortaleza caíssem sobre eles densa saraivada de balas de artilharia e metralhas dos bacamartes e espingard?es. Neste mesmo dia principiaram os trabalhos de levantamento do cerco. Pouco depois o inimigo tomava o rumo de sonda. Decorridos sete ou oito dias avistaram de terra a espada portuguesa da ?ndia. Por diferen?a de uma semana, deixaram os desditosos prisioneiros massacrados de serem condignamente vingados. Os três desertores holandeses foram levados nessa mesma mon??o para Goa. (Ibid, p.9).Quem também escreveu sobre o ataque holandês à Fortaleza de S. Sebasti?o foi Bethencourt et Chaudhuri (1998,p.73) argumentando que em 1608 os holandeses assaltaram e incendiaram a ilha. Teriam queimado as casas – que seriam umas 200 -, pelo que aos holandeses restou o recurso a construírem palhotas de palma.Voltemos aos ataques.Quando foi dos cercos, a fortaleza tinha o feitio de uma estrela. Está expresso em Dur?o que o baluarte de S. Gabriel, o mais exposto, tinha dois espig?es. Todavia, quando o primeiro cerco come?ou, a artilharia estava mal montada, muitos rodados das pe?as estavam podres, os baluartes incompletos, faltavam (como ainda faltam) parapeitos para a protec??o dos defensores, que se cobriram com sacos de terra. Numa noite as mulheres dos moradores fizeram dois mil sacos, eu as filhas, os filhos e os velhos encheram e carregaram para os adarves, e com que os combatentes – quinze apenas em cada baluarte! – formaram os parapeitos. Noronha (s/ano, p.10). As muralhas, paredes duplas, estavam mal cheias e mal calcadas, e por lajear, e havia buracos perigosos para a artilharia, porque as pe?as quando disparavam saltavam em vez de deslizar com o recuo, permitindo-se portanto os cavalos e as rodas. Porém, tudo se remediou e improvisou, e a artilharia acabou por ser eficaz. Faltava também a pólvora, mas era abundante o armamento individual, porque todos os moradores estavam em suas casas bem providos, e levaram-no todo para a fortaleza. Uma das tarefas importantes cometida às mulheres e n?o-combatentes foi atulhar de terra e pedras os três vazios da porta de armas, que est?o agora postos a descoberto. Pode ser que as fendas que se notam hoje nas paredes interiores transversais destes v?os datem dos impactos da artilharia holandesa em 1607 e 1608.Acto corajoso foi também saírem uma noite pelo postigo da praia dez homens que levantaram a ponte levadi?a que havia sobre a cava, a encostaram escondida no revés do baluarte S. Gabriel, e entupiram a porta de armas por fora com pedra e terra que ali estava. Havia víveres para sete meses, especialmente água e milho, e um bom sortido de fazendas da ?ndia que os portugueses cercados utilizaram quando negociaram com os cafres das Cabaceiras o fornecimento diário à fortaleza de frescos que vinham pela maré vazia em pequenas almadias que as lanchas holandesas de maior calado n?o podiam atingir, mas viam passar.Lobato (1967,s/p) afirma que sobre o forte de S. Domingos foram construídas três trincheiras protegidas, e em ziguezagues, até à ermida de S. Gabriel, e daqui outras três até à Ramada, perto da porta de armas. Os holandeses protegiam-se muito bem com cobertos, pali?adas, mantas de madeira e cest?es, e mascaravam as posi??es da artilharia com que tentaram abrir brechas na muralha, o que só conseguiram com artilharia mais pesada no segundo cerco. A fonte acrescenta: “nossos” n?o deixavam aproximar ninguém, e por meio de paus salientes com fogos de alcatr?o iluminavam de noite as muralhas. Penosamente conseguiram os holandeses fazer chegar à muralha mantas de madeira grossa cobertas de terra molhada, para se protegerem e conseguirem picar e minar a muralha. Foi um momento crítico, mas os portugueses, numa manh?, prepararam uma contra-mina, e conseguiram, numa sortida perigosa e confusa, numa noite, desbaratar os holandeses, e seguidamente destruir e incendiar as mantas. As sortidas faziam-se pelo chamado postigo da praia que deveria ficar por certo onde é hoje a porta de armas. ? este o único lado em que a fortaleza é servida por uma praia.”De referir que: o auxílio das Cabaceiras foi importante, talvez decisivo. Deve-se ao prejuízo que estavam a sofrer a paralisa??o do comércio. Por isso, a troco de missangas e tecidos, os negros e mouros deixaram de fornecer frescos aos holandeses, repeliram-nos à m?o armada, e passaram a fazer diariamente a viagem da fortaleza, trazendo frescos e levando evacuados, pessoas n?o combatentes. Atribui-se a isto, e ao insucesso militar, o levantamento do cerco ao fim de dois meses. Os holandeses propuseram o resgate da povoa??o, o que n?o foi aceite, e ent?o incendiaram-na toda, destruíram os palmares, cortaram as árvores. Foi em 7 de Maio de 1608. Na manh? seguinte os holandeses reembarcam, mas só deixaram o porto, debaixo de fogo, em 16.Os prejuízos foram considerados totais. As mais queixosas foram naturalmente as mulheres “que viram queimadas e destruídas as casas em que nasceram, as fortalezas de que viviam e tinham granjeado para dotes de suas filhas. Foram todavia os moradores cobrindo logo algumas paredes que escaparam, com madeiras e outros materiais da Terra Firme, que lhes fez boa vizinhan?a, tanto na paz como na guerra.”Os holandeses haviam, porém, ido apenas buscar mantimentos às ilhas do ?ndico e voltaram. Entretanto chegaram as naus do Reino que socorreram Mo?ambique, arrasaram o Convento de S. Domingos e a Ermida de S. Gabriel, taparam as cicatrizes da guerra no campo fronteiro à pra?a. Presentes as naus portuguesas, os holandeses já n?o entraram, e partiram para a ?ndia. A conquista de Mo?ambique fazia parte de um plano. No ano seguinte viria outra armada para guarnecer convenientemente a fortaleza conquistada. E veio. Eram 13 naus com 1840 homens, 377 canh?es, 2.800.00 ducados gastos. A espionagem portuguesa que tinha sabido na Holanda dos preparativos de 1607, e disso avisara por terra o Vice-Rei da ?ndia, quer por sua vez aviou Mo?ambique soube também dos preparativos da armada de 1608, e deu igual aviso à ?ndia. Por isso a “nossa frota” que vinha da ?ndia n?o foi fazer aguada à ilha de Santa Helena, e n?o foi apanhada.Diz a mesma fonte que “valeu-nos” a pouca combatibilidade holandesa, o que logo constou por algumas deser??es dos seus, que aliás lhes deram azo a algumas barbaridades, como foi a de arcabuzarem prisioneiros portugueses que tinham tomado nas naus apresadas, porque D. Estevam se recusou a entregar os holandeses foragidos que diziam tê-lo feito por serem católicos.”Entretanto apareceu o gale?o português Bom Jesus vindo do Reino, cento e sessenta pessoas a bordo, guarnecido por galegos, que n?o combateram e se renderam. Os holandeses tentaram trocá-los pelos seus desertores, sob a amea?a de os matarem. D. Estêv?o de Ataíde voltou a n?o transigir, com grande esc?ndalo da guarni??o sitiada. O almirante holandês resolveu, porém, poupar-lhes as vidas e levantar o cerco. Estava-se a 19 de Agosto de 1608. Nesse dia ardeu novamente a povoa??o, isto é, “tudo o que a ilha escapou no incêndio passado, n?o aparecendo em toda ela mais que pó e cinza”. Pela calada da noite reembarcaram os holandeses que adiante deixaram os prisioneiros na ilha de S. Jorge. “Com a partida dos inimigos voltaram os cansados moradores a reedificar a povoa??o, pobre e mal agasalhados”.Uma terceira e última história da invas?o holandesa é-nos contada por Santos (1608) e é, no meu franco entender, aquela que está mais próxima da verdade (se bem que em passado histórico t?o distante, n?o há verdades absolutas). Diz a fonte o seguinte: “Aos 29 de Mar?o do anno do Senhor de 1607 chegar?o ao porto de Mo?ambique oito naus de Holandeses (estando nella por capit?o Dom Estêv?o de Ataíde fidalgo muy nobre) com cuja vista os moradores da ilha se acabar?o de recolher na fortaleza, porque já se come?au?o a recolher, por terem auizo da ?ndia da ida destas naos: & por essa cauza tinh?o já metido nela a principal fazenda, dinheyro, pe?as & mouel de suas cazas, os Holandes ao chegarem à porta da ilha lan?ar?o bandeira de guerra, juntamente lan?ar?o muytas lanches ao mar, que trazi?o dentro nas n?os.”(p. 99).N?o se compreende como é que a ?ndia sabendo do plano holandês para invadir à fortaleza n?o tomou, ela mesma, ou o Governo Central, em Lisboa, medidas adequadas, e permitir que a frota holandesa invadisse aquele espa?o português, que é a ilha de Mo?ambique. A mesma fonte acrescenta o seguinte :“No dia seguinte, que foy sabbado, tanto que a maré come?ou a encher se leuou a nao capitaina, & as mais apoz ella, & todas infiadas hua detrás da outra, forao entrando polla barra da ilha de Mo?ambique, com tanta ousadia, como se n?o ouuesse alli fortaleza, sendo ella hua das mais fortes da ?ndia, & jugando ella nestes tempo com muyta, & grossa artelharia, que tem, de que os inimigos receber?o muyto danno. Domingo seguinte pella manha, deitar?o em terra quinhentos molqueteiros, & for?o senhores della, por causa, por causa da gente da fortaleza ser ent?o pouca em comparacao dos inimigos, que n?o era bastante pêra lhe defender que n?o desembarcasse porque nesse tempo n?o auia na fortaleza mais que 145 homes etre velhos, & mo?os ”Parece haver unanimidade entre as fontes num ponto: a guarni??o da fortaleza estava muito longe do número real para o qual ela podia albergar (cerca de mil a mil e picos homens). As raz?es já aqui as enumerei. Precisava-se de homens (soldados), para fazer face as constantes instabilidades e contendas com os povos vizinhos, para quem a presen?a portuguesa na regi?o era um alvo a abater. Alguns povos autóctones, sob influência árabe, impuseram durante décadas resistência à coloniza??o. Mas também, a enfermidade que apregoava os povos da ilha, incluindo, claro, os portugueses, obrigava a que os soldados portugueses regressassem rapidamente a Portugal enfermos.Mais a história continua. Ocupada à fortaleza os holandeses fizeram do Convento de S. Domingos seu “quartel general”. A estratégia portuguesa consistia no seguinte: “vendo que lhe ficaua dalli a bateria longe, come?ar?o a fazer valles, & trincheiras, do convento até a hermida de S. Gabriel, & dahi outras até junto à fortaleza: onde armar?o três balluartes co fac?as, & pipas, cheos de terra, t?o fortes, como de pedra & cal; & nellas puzeram noue pe?as d?artelharia com tanta pressa, que cada dia lhe tirau?o de oitenta que as para cima; entre as quais hum Canh?o muy grande, & dous arrataes, com o qual fizerao muyto danno na fortaleza. Nestes cobates foram continuando por espa?o de dous meses, que a tiuer?o do cerco. E a defesa dos portugueses foi de fazer grandes luminárias de alcatr?o ardendo em caldeyras postas em hasteas compridas sobre o muro, de modo que alluminau?o o campo circustante à fortaleza: por onde os holandeses n?o onzau?o chegar perto della, por n?o sere visto dos nossos, que vigiauao por cima dos muros, & mortos a espingardas. De maneyra, que os 145 homes que auia dentro da forteleza, sempre leuarao a melhor dos inimigos, que era dous mil homes, pouco mais ou menos, & sempre lhe fizerao suas machinas, & vierao a tellos em t?o pouca conta, que sair?o hua noyte de fortzleza vinte homes, & derao sobre rellas, & matar?o muytos, sem algum dos nossos perigar: & pollo discurso do tempo, que durou este cerco for?o mortos dos inimigos trezentos, & dos nossos somente dous portugueses .” (Ibid., p.100).A pretens?o dos holandeses (invasores) era, acima de tudo, ocupar a Fortaleza de S. Sebasti?o. Uma vez ocupada a fortaleza, os holandeses teriam, digamos, o controle de toda a ilha e, qui?á, a “Carreira da ?ndia”. Em termos práticos, os holandeses tomariam de assalto todo o monopólio português nas rotas de especiarias indianas. O que seria, obviamente, um atentado económico de propor??es muito drásticas para Portugal.Santos (1608) diz que: “vendo os inimigos o pouco fruyto que tinh?o feito em t?o continua guerra, & a muyta gente, que os da fortaleza lhe tinh?o morto: & também por se temerem, que poderiao ir nossas n?os deste Reyno aquelle porto (como tem de custume) sem poderem fugir, tornar?o a embarcar toda a sua artilharia, & querendo se partir, fizerao hua carta ao capit?o da fortaleza em que lhe diao, se queria resgatar as igrejas, cazas, & plamares da ilha, & quintas da terra, que fossem dous homes da fortaleza tratar disso por terra, & abrazar com fogo.” A isto foy respondido, que nenhum concerto, ne resgate queria co elles, mais que guerra. O que visto pellos holandeses como desafio e puseram logo fogo a toda a cidade, co t?o grande incêndio de alcatr?o, que n?o ficu cafa, nem igraja em pé. Allém disso cortaram todos palmare, que auia na ilha, que erao muytos. E leuarao hu galeoto do capit?oda fortaleza, que tinha vindo do Cabo das correntes. De maneyra que todos foy geral a perda, estimada em mais de cem mil cruzados. (p. 100).E a mesma fonte conclui o seguinte:“Daqui se forao os Holandeses às ilhas do Comoro, que estao setenta legoas desta de Mo?ambique, buscar mantimentos, cmo depois se soube. Os Holandeses voltaram a ilha de Mo?ambique a cinco de Agosto, e lancarao anchora no forgidouro, que está da ilha de S. Jorge pêra dentro, em cuja chegada se tornou a recolher a gente da ilha de Mo?ambique dentro na fortaleza: & D. Hieronimo com a sua se foy pêra as n?os, & assim hus, como os outros se fizerao em orde de pellejar com os Holandeses, se quisessem entrar no canal de Mo?ambique; o que elles n?o ouzarao fazer, ante se deixar?o estar no mesmo posto, & dahi fizerao algumas saídas em suas lanches, & de hua se encontrauao com os nossos bateis, & pellejarao às moiquetadas, até fugirem pêra as suas n?os. Outra vez sair?o, & desebarcando na terra firme, tomar?o hum Mouro da ilha, & souberao delle como Dom Hieronimo tinha douis mil homes de pellejo, pella qual raz?o logo se resolver?o em ir pêra a ?ndia, como fizerao, & sair?o do porto de Mo?ambique aos 26 de Agosto. (p. 101).Portanto, como se pode observar, a vers?o de Santos é totalmente diferente a de Lobato e de Noronha, embora comunguem todos num aspecto fulcral: a vitoria portuguesa foi ganha com poucos e valentes soldados, contra um verdadeiro exército holandês. De todas as tentativas de ocupa??o holandesa à Fortaleza de S. Sebasti?o, Portugal levou sempre vantagem no campo militar. Enquanto que Lobato e Noronha falam de um tr?nsfuga, de bebedeiras das tropas holandesas, do resgate e dos incêndio (um primeiro incêndio posto sobre a povoa??o e outro na dita fortaleza); Santos pormenoriza a guerra, a artilharia, as perdas humanas e materiais, a táctica e técnica usada pelas duas for?as, do avan?o e recuo das duas tropas, da logística, dos números, enfim, faz uma narra??o mais coesa, objectiva, relativamente independente e menos sensacionalista, mas sobretudo é o factor da data??o que vai merecer no autor uma aten??o especial. Enfim, s?o no fundo, três histórias diferentes, cada uma com a sua import?ncia e contexto, mas absolutamente indispensáveis no processo de ensino e aprendizagem. Finalmente, Lobato (1967, s/p) afirma que a última descri??o da fortaleza como estabelecimento militar (a penúltima fora em 1810, quando os franceses pensaram tomar Mo?ambique), por sinal do ano exacto em que pela última vez esteve em pé de guerra com vigias dobradas e as muni??es à boca das pe?as, a todo o momento à espera que os ?rabes de Mascate viessem tentar conquistar a pra?a, diz o seguinte: “Guarda boca deste canal uma Fortaleza de boa cantaria feita à antiga na ponta do nordeste da Ilha, defendendo e protegendo as duas barras grande e pequena, cobrindo e dominando toda a Cidade. ? edificada em pedra viva, com muralhas dobradas da fei??o de um quadrado regular com quatro baluartes olhando dois para o mar, sendo vigia, e defesa dos inimigos por aquela parte, e os outros dominando a terra até o cabo da Ilha; os do mar, é um deles chamado de Nossa Senhora, tem cada um deles uma bateria que joga ao lume de água e quase se n?o perde tiro porque os navios havendo de entrar por uma garganta que ali faz o mar entre elas e o banco da Cabeceira, ou h?o-de passar cosidos com as muralhas, dando costado às balas, ou naufragar no barco. Toda esta fortaleza está provida de muita e mui boa artilharia, e guarni??o de soldados competentes.” (idem).A leitura do trecho permite concluir que os franceses também estavam dispostos a atacar e conquistar a ilha, mas o poderio militar da Fortaleza de S. Sebasti?o, duma ou doutra maneira, teria desencorajado a materializa??o deste plano.Capítulo IIII.1 - Capela de Nossa Senhora do BaluarteA Capela de Nossa Senhora do Baluarte foi construído logo a seguir ao baluarte de S. Gabriel ou “Torre Velha”, como alguns estudiosos lhe chamam, e até percebe-se perfeitamente porquê. Porque uma vez construído o baluarte de S. Gabriel (1507), com intuito de defesa, o passo a seguir seria, na minha opini?o, a constru??o de um centro religioso para fins de culto, mobiliza??o e submiss?o, se necessário fosse, dos povos autóctones da ilha. Foi o que se sucedeu com a constru??o da Cap. de Nossa Senhora do Baluarte em 1522, sob pretexto de defesa à entrada de nau inimiga ao canal da ilha. Nas linhas que se seguem, falarei da constru??o e da import?ncia da Cap. de Nossa Senhora do Baluarte ao longo do período cronológico em referência, mais tarde viria a ser renegada ao segundo plano pelas autoridades coloniais portuguesas, n?o só em consequência da expuls?o dos jesuítas, mas também porque a Fortaleza de S. Sebasti?o “roubo-lhe” espa?o.A funda??o da Cap. de Nossa Senhora do Baluarte data de 1522 é tida como o único exemplar de arquitectura manuelina existente no Estado de Mo?ambique. Foi construída num espor?o da ilha, e só tem acesso pelo interior da Fortaleza de S. Sebasti?o. Seria, aliás, já essa, a disposi??o da capela. A mesma fonte afirma que “a capela, edificada sobre o baluarte mais antigo na ponte exterior da Fortaleza de S. Sebasti?o, foi construída em 1522. Em estilo medieval clássico português, o Manuelino, com abobada cruzadas, é provavelmente o edifício mais antigo preservado em Mo?ambique”. E acrescenta: “A capela - Manuelina – vale como um símbolo, e foi durante séculos a romagem de todos que chegavam, desde os grumetes e os soldados aos Capit?es-Generais e Vice Reis. Tem a Capela pequenas dimens?es, paredes de grande espessura, cobertura abobadada, rematando um dos fechos com a cruz de Cristo ladeada de quatro esferas.” Lobato (1967, s/p) concorda com Lima e enfatiza que a Cap. de Nossa Senhora do Baluarte é o mais poderoso monumento de toda a província por ser o mais antigo, e além disso o único exemplar de arquitectura manuelina abobadada que nela existe. Data de 1522 e foi construído num espor?o da ilha que ficou depois inacessível pela constru??o da fortaleza. Só por dentro desta se atinge a capela. O construtor foi D. Pedro de Castro, e pode-se ler o seguinte: “outros que ali invernavam fazendo uma casa de Nossa Senhora que se chama do Baluarte. Ela é de pequena dimens?es, paredes grossas, uma pequenina sacristia de abóbada rom?nica, um pesado alpendre, t?o grande como toda a capela, e possivelmente, algo posterior, por ser a capela demasiado pequena, e para se conseguir espa?o para novas sepulturas.” Contrariamente a Fortaleza de S. Sebasti?o, n?o restam dúvidas que foi D. Pedro de Castro quem construiu a Cap. de Nossa Senhora do Baluarte, em 1522. Os fins para as quais foi construído também encontra unanimidade entre as fontes, por um lado, há os que remetem para a defesa do canal que dá acesso ao porto, ou seja, a barra antes que se fizesse à fortaleza; por outro lado, a sua constru??o tinha a ver com fins religiosos de que Lobato (1967, s/p) faz quest?o de real?ar o seguinte: “fora da Fortaleza de Mo?ambique na ponta da Ilha, está uma ermida da invoca??o de Nossa Senhora do Baluarte, o qual nome lhe puseram respeito de ser a mesma igreja antigamente um baluarte onde estava a artilharia para defender a barra, antes que se fizesse a fortaleza; a qual igreja é de muita romagem, n?o somente dos moradores da terra, mas também dos mareantes, que navegam por estas costas, assim de Portugal como da índia.” Finalmente, a página monumentos.pt (04/102/10) concorda com Lobato quando diz que a ermida é de estilo manuelino, com uma abóbada imperfeita de dois fechos, creditada possivelmente à inexperiência dos construtores. Na sua constru??o foram empregadas cantaria e elementos decorativos trazidos do Reino, certamente destinados à ?ndia. Foi erguida sobre uma estrutura já existente no local, uma bateria de artilharia, o que conferiu características pouco comuns ao edifício. Recebeu posteriormente, acredita-se que durante o século XVII, um alpendre como o das igrejas portuguesas da ?ndia. Actualmente encontra-se dentro do perímetro da Fortaleza de S?o Sebasti?o.II.2 - Descri??oA Capela de Nossa Senhora do Baluarte tem na parte da frente uma porta e duas janelas com os precisos ornatos e emblemas manuelinos, que pela pedra foram lavrados no Reino. A pia baptismal é fora, sob o alpendre. Tem um único altar e algumas curiosas frestas baixas, como seteiras, há uns vinte anos respostas a descoberto. O fundo s?o três faces de um octógono. O tecto é de abobada de dois fechos com oito nervuras que assentam em mísulas nas paredes e rematam nos fechos, um deles uma Cruz de Cristo ladeada de quatro esferas e envolvidas em anel de cordame, o outro, mais simples, apenas um anel encordoado. A abobada é irregular, e rudimentar. Pela pequenez do tempo poderia a abóbada ter um fecho único e o tecto uma configura??o mais regular. A explica??o que tecnicamente possa ter o enigma da abobada determinará se as nervuras foram lavradas no local por carpinteiros que fizessem parte do grupo de mareantes construtores, ou vierem já lavradas da Metrópoles, em fragmentos destinados à eventual constru??o de capelas, e em virtude de n?o corresponder a constru??o a qualquer projecto tiveram de ser estruturadas com dois fechos no assentamento. Nas paredes est?o duas sepulturas, uma de cada lado do altar, ambas do século XVI. No ch?o est?o mais algumas inscri??es do mesmo século e outra do século XVIII. No adro há sepulturas dos séculos XVII, XVIII e XIX. ? tudo gente notável, como Senhoras, um Bispo, um Vice-Rei, Capit?es e Governadores, e Governadores-Gerais mais modernos. Excepto as das paredes, e as do século XIX, nenhuma das outras inscri??es está nos locais primitivos e algumas vieram de outros templos. Na sacristia minúscula est?o provisoriamente avulsas algumas lajes encontradas em obras diversas, pela cidade. Possui ainda a cimalha de folhas estilizadas com um alistamento de bolas, o arco, os canh?es e carneiros dos algerozes, as escadas, as abobadas. Lobato (1967, s/p).A descri??o de Cid (1992, p. 11) é perfeita e n?o deixa margem para dúvida que estamos perante uma obra-prima de requinte. Descreve da seguinte maneira o baluarte:“Os lan?os de muro que corem de baluarte a baluarte, os mais compridos, que s?o do baluarte Sam Jo?o até Nossa Senhora do Baluarte e do de Gabriel até o de Sancto António, s?o de sincroenta bra?os afora os mesmos baluartes, que cada hum por ssy he hua pra?a, assy na dita forma de triangulo, onde poder?o caber mais de cem homens descubertos por sima, em parte so se tem cuberta algua artelharia mas n?o toda, com que apodrecem os repairos das artilharia que nelles esta. Os outros dous lan?os de muro, do baluarte Sam Jo?o até o de S?o Gabriel e do baluarte da Nossa Senhora até o de Sancto António, tem de cumprimento trinta e três bra?os, afora os ditos baluartes. O interior da fortaleza é igualmente bem distribuído, faz na entrada um recinto ou pra?a de figura quadrada com uma grande cisterna ao centro, e a um lado havia a igreja de S. Sebasti?o, há pouco demolida, que é paróquia de todos os militares, e que convém reedificar em outro sitio, que há aí mui asado para este efeito, ficando a pra?a mais formosa e desembara?ada.”O extenso baluarte raso de Nossa Senhora montava ultimamente 14 pe?as, e apenas 5 em 1758. O municionamento era feito pelo paiol do baluarte a cavaleiro, que explodiu em 1903, ficando completamente destruído. A capela, porém, nada sofreu. As paredes do baluarte foram depois simplesmente levantadas, n?o se tendo completado o interior nem feito a cobertura para nele instalar de novo a casa da pólvora, ficando sempre vazio. Foram tapadas a pedra e cimento algumas cavernas profundas abertas pelo mar no coral que forma todo este espor?o da ilha, de modo a preservar a capela. Lobato (1967, s/p)II.3 – Import?ncia religiosaOs trabalhos, perigos e angustias das desconfortáveis e muitas vezes tormentosas viagens da época, levaram os viajantes chegados a Mo?ambique a ir à Capela do Baluarte e agradecer o salvamento à Virgem. Organizavam-se prociss?es de louvor, cumpriam-se promessas feitas com a morte diante dos olhos. O Padre Gon?alo da Silveira, escreveu, por exemplo, vindo de Goa a caminho de Inhambane o seguinte: “Estamos em Mo?ambique me ocupei em algumas confiss?es de homens grossos que morriam, deles da arribada, deles de cá. Negoceei por nossa empresa uma prociss?o com as relíquias das Onze Mil Virgens que aqui dei e umas vesporas calmas, frios e sedes, nas serras, vales e barrancos, e finalmente, por tudo aquilo que se pode imaginar contrário, medonho, pesado, triste, perigosos, grande, mau, desditoso, imagem da morte cruel, onde tantos homens, mancebos, rijos e robustos, acabaram seus dias, deixando os ossos insepultos pelos campos e as carnes sepultadas em alimárias e aves peregrinas, e com suas mortes a tantos pais e irm?os, a tantos parentes, a tantas mulheres e filhos, cobertos de luto neste reino.” E há um outro documento histórico da mesma origem que diz o seguinte:“Chegámos primeiro que todas as naus. Surgimos uma légua de Mo?ambique por ser assim necessário e aqui dormimos esta noite. Ao dia seguinte pola manh? me pediram todos os da nau fosse a terra no esquife da nau e que pêra isso nos dariam gente e marinheiros que nos levassem seguramente, pêra que, em come?ando a nau a dar à vela, come?asse a dizer missa em Nossa Senhora do Baluarte, por ela, a qual estava defronte da nau. Criou-se uma tradi??o, e os que chegavam, com boa ou má viagem, iam todos em romagem com os da terra render gra?as na pequena capela. Iam da praia todos juntos, logo dali, com a mais gente da nau e da terra, em prociss?o a Nossa Senhora do Baluarte, a dar-lhe gra?as da chegada, alegando-se todos com hinos e cantos de louvor divino. ”Estamos perante dois trechos do mesmo documento. O primeiro é o relato do padre Gon?alo da Silveira que durante o seu sacerdócio afirma ter ouvido confiss?es de homens grossos (da ilha) enfermos de cuja doen?a os condizia à morte. Diz ter visto uma situa??o avessa ao bem-estar social, ou seja, medonha, em que os corpos dos homens mortos jaziam sobre os campos para a “delicia” dos abutres. Vendo isso, negociou a prociss?o de relíquias das Onze Mil Virgens, provavelmente para quem quisesse e pudesse (os escravos n?o tinham qualquer direito) encontrasse nelas a salva??o. Era também, no fundo, a salva??o do tecido social. O segundo trecho retrata louvores que os homens faziam, depois ou quando quisessem viajar, correndo bem ou mal a viagem, o ritual religioso foi sempre uma tradi??o constante a ter em conta. E Cap. de Nossa Senhora do Baluarte foi durante largos anos, tal como se lê, palco de muitos desses louvores e gra?as de Deus. E a pergunta que se coloca é: teriam os escravos acesso à Cap. de Nossa Senhora do Baluarte? A resposta já foi dada acima – N?o! N?o há nenhum registo documental de que os escravos teriam acesso ao culto na capela. Porém, a “instru??o” religiosa aos povos da ilha era feita em miss?es apropriadas para o efeito. O “estatuto de escravo” n?o outorgava quem a tivesse (negro) a nenhum direito igual ou superior a dos brancos, como é óbvio, muito menos para a ocupa??o de cargos religiosos!Também n?o está documentado em nenhuma fonte consultada, mas é provável que com a evolu??o do tempo, as outras infra-estruturas religiosas, nomeadamente as Capelas de S. Paulo, St° António e S. Francisco; as Igrejas da Saúde, Misericórdia e de S. Sebasti?o; e o Convento de S. Domingos, poder?o ter recebido negros no seu interior para ora??o. ? uma hipótese! Esta hipótese é baseada num relato de António Boccaro, com o seguinte teor: “Além destas Igrejas há na dita povoa??o outra chamada a Misericórdia que os casados sustentam com um capel?o e toda a mais fábrica onde exercitam as obras de misericórdia com muita caridade; nestas casa se ajuntam os moradores e casados desta povoa??o para tratarem algum particular do bem comum, porque como n?o têm casa de Verea??o (porque em t?o pequeno povo parece-lhes n?o é necessário) na dita casa se ajuntam, ou pêra avisarem ao Viso-Rei se a matéria o pede, e ali se fazem os almotacés.”A fonte n?o especifica, porém, se esses moradores e casados da povoa??o s?o indígenas ou simplesmente pessoas da mesma cor (branca ou negra) ou ainda, se havia uma miscigena??o de pessoas de ra?as e cores diferentes! Está documentado a existência dum alpendre, desde 1560 pelo menos, na seguinte passagem duma carta do Pe. D. Gon?alo da Silveira, escrita de Mo?ambique em 12 de Fevereiro de 1560: “...me desembarquei num pangaio com dois crist?o de Pantali?o de Sá e me fui a Nossa Senhora do Baluarte. E porque por certa ocasi?o se nos molharam as botas e ao homem que ia comigo, descal?ámos e estávamos fora, depois de fazer ora??o a Nossa Senhora, no alpendre tomando f?lego, descal?os e os pés tais quejandos. Nisto chega Francisco Barreto que me vinha ver...”.Num outro documento, ainda em torno da import?ncia religiosa da capela, (Lobato, 1967, s/p) in Xavier Botelho escreveu o seguinte:“... há no baluarte chamado de Nossa Senhora uma Ermida com uma devota imagem cujo culto é mantido pela piedade de uma confraria de que costumam ser juízes os oficiais superiores da guarni??o, e de que todos os outros s?o irm?os. A esta Ermida se encaminham os Capit?es-Generais logo que na Sé Matriz acaba a C?mara de lhes dar posse do Governo, e ali recebem o bast?o de General que está depositado nas m?os da Senhora, donde o transfere o Bispo Diocesano, ou quem faz as suas vezes, para as do General, repondo-o outra vez no mesmo santo depósito. Este acto confira a posse do General no Governo da Fortaleza, pela qual prestara juramento de preito, e homenagem nas m?os d El-Rei...” Diz o texto acima que a capela era um lugar sagrado em que conferia posse aos membros do Governo (administra??o local). Isto atesta que o poder político estava intrinsecamente ligado à religi?o. Sen?o vejamos um outro texto do mesmo autor com o seguinte teor: “Disse que a pequena capela da Nossa Senhora do Baluarte desempenhou papel de considera??o durante séculos. Provam-no as lousas que ali cobrem os restos mortais de pessoas ilustres. Era ali que os capit?es-mores e governadores iam completar o investimento do seu alto cargo. Depois da cerimonia no palácio de S. Paulo e na anexa capela, dirigia-se a numerosa e luzida comitiva para a fortaleza e entravam os que lá cabiam.” Completamente esquecida, foi outrora a Capela de Nossa Senhora do Baluarte o melhor que há em toda a ?frica portuguesa: “Visitámos primeiro a Nossa Senhora do Baluarte, a qual se vês de mui longe; é a melhor casa e igreja na terra tem”. e o mais importante e visitado templo da ilha, romagem obrigatória de todos que chegavam ou passavam, os que tinham acabado o pesadelo da viagem para come?ar ali o das febres, e os que iam continuá-la pelos escolhos do ?ndico à mercê de Deus. As longas prociss?es lentas e cantadas, crucifixos, imagens e pend?es ao alto, o sol de chapa, as litanias no ar ao som de sacabuxos, trombetas e charamelas, estendiam-se da praia à capela guiadas pelos sacerdotes que levavam consigo aos sermos os fidalgos vistosos de seda e veludos, os mareantes garridos, e os pálidos burgueses da terra, enriquecidos no trato, consoante os fatos das vistas nos dias solenes. Perderam-se cento e cinquenta vidas ao despeda?ar-se a nau naufragada no Cabo, e salvarem-se em Louren?o Marques, trocados por contas ao cafres, pelo capit?o de um navio que ali fora ao resgate anual do marfim, vinte portugueses e três escravos somente, de trezentas e vinte e duas almas que partimos donde a nau deu à costa. A mesma fonte acrescenta que: “Todos ficaram pelo caminho e nos lugares em que estivemos, deles mortos de diversas mortes e desastres e deles cansados, deles no povoado e delas no deserto, segundo Nosso Senhor era servido”.Os sobreviventes chegaram a Mo?ambique a 2 de Abril de 1555, quase um ano depois do naufrágio. Por isso, “tantos que desembarcamos, fomos assim juntos fazer ora??o à igreja de Santo Espírito, onde a nosso rogo veio ter o vigário com os sacerdotes, e gente toda da fortaleza, e dali fomos com solene prociss?o e romaria a Nossa Senhora do Baluarte. E dormindo ali aquela noite, mandamos ao outro cantar a missa que tínhamos prometida, fazendo juntamente celebrar outros santos sacrifícios em louvor e gra?as de Nosso Senhor.”A venera??o de Nossa Senhora do Baluarte pelos mareantes e passageiros da ?ndia deve-se ao facto de ser a capela o único templo da invoca??o de Nossa Senhora que podia visitar-se durante a viagem na única escala que a naus faziam normalmente de Lisboa à ?ndia. As vidas no mar corriam tanto risco que o culto mariano era fervoroso. (Lobato, 1967, s/p). Conclus?oA elabora??o deste trabalho permitiu-me aprofundar os conhecimentos até ent?o microscópica sobre a História de Mo?ambique: da ilha de Mo?ambique, mais concretamente a Fortaleza de S?o Sebasti?o e a Capela de Nossa Senhora do Baluarte. Um tema vasto, perplexo sob ponto de vista das fontes, interessante pela conjuntura e antiguidade histórica. A primeira conclus?o que se pode tirar deste trabalho, antes de tudo, antes mesmo de se fazer uma “autopsia” geral das fontes, é que tanto Portugal como Mo?ambique (ent?o colónia portuguesa) fizeram a história do Mundo durante cerca de 5 séculos, uma história, dita em bom da verdade, teve como rebento o chamado “processo dos descobrimentos”. E é por isso irreversível falar da história do Mundo, sem falar da história destes dois países, que mais n?o tem, em minha franca opini?o, uma história comum.A crise europeia do século XIV, instigada por vários factores, entre eles destaco a redu??o da área da parcela de terra cultivada por cada família camponesa, o abandono das terras limítrofes conquistadas com novos desbravamentos, sucess?o de intempéries e, consequentemente, a baixa produ??o, as fomes, as guerras, o aumento das tributa??es, a crise monetária, a falta de m?o-de-obra provocada pela quebra demográfica e, finalmente, a peste negra, aceleraram o surgimento de novas ideias (sociedade) baseada no Renascimento e dos “tempos modernos”, durante o qual, e para colmatar as imposi??es da crise, os europeus realizaram intensas explora??es oce?nicas do globo terrestre em busca de novas rotas de comércio, para fazer face aos prejuízos da crise. Foi assim que Portugal estabeleceu rela??es com ?frica e ?sia, em busca de uma rota alternativa para o Oriente, movidos pelo comércio de ouro, prata e especiarias. Estas explora??es no Atl?ntico e índico foram seguidas pelos países do norte da Europa, Fran?a, Inglaterra e Holanda, que exploraram as rotas comerciais portuguesas. Foi também assim, na esteira da viagem exploratória de Vasco da Gama à ?ndia, em 1498, que os portugueses atraídos fundamentalmente pelo ouro do reino de Monomotapa, iniciaram o longo processo de ocupa??o e domina??o colonial portuguesa em Mo?ambique, tendo como ponto de partida a ilha de Mo?ambique, devido a sua localiza??o geo-estratégica. Foi fundamentalmente o ouro que atraiu os portugueses a Mo?ambique, pois com ele poderiam comprar as especiarias asiáticas (canela, cravo, tecidos da ?ndia, etc.), t?o apreciados na Europa.No século XVI os portugueses estabelecem-se nesta regi?o (ilha de Mo?ambique), que foi sempre considerada estratégica na rota do caminho marítimo para a ?ndia, e por ter sido um porto seguro à navega??o que se realizou no índico, mas também se deve a atrac??o de diferentes mercadores que ali se fixaram, visando o comércio do ouro, do marfim, das especiarias e, muito provavelmente, de escravos, objectos de cobi?a e ponto estratégico, ela foi por várias vezes sitiada, invadida, pilhada e arrasada. Basta lembrar que por lá passaram os árabes, os chineses, os turcos, os indianos e outras nacionalidades. A reac??o dos árabes, indianos e das tribos locais face à intromiss?o pelos portugueses nos seus negócios, no índico, tornam cada vez mais imperiosa a fortifica??o. Come?a ent?o, em 1558, a constru??o da Fortaleza de S?o Sebasti?o. A conclus?o que chego é de que esta fortaleza, construída por Miguel de Arruda, n?o só defenderia a ilha dos invasores, mas sobretudo os interesses dos portugueses na rota das especiarias indianas. Rapidamente, o governo colonial português percebeu que a conquista dos povos autóctones passava por via da religi?o. O monoteísmo de algumas tribos, a fragilidade económica e militar desse povos, permitiu a uma rápida instala??o e implementa??o da religi?o católica. Tal só foi possível com ajuda dos jesuítas, “encapu?ados” de ideias religiosas fácil foi penetrar e convencer o tecido social indígena. Surge assim, a constru??o da Capela de Nossa Senhora do Baluarte, construída por D. Pedro de Castro, um autêntico baluarte religioso. Daí a necessidade premente dos portugueses estripar os cultos e costumes árabes. Por fim, conclui-se que a ilha de Mo?ambique teve durante o período cronológico em estudo quatros grandes utilidades: militar, ber?o da religi?o católica em Mo?ambique, comercial e residencial. Ilha de Mo?ambique: é, foi e será para sempre um dos ber?os da história mundial dos séculos XVI a XIX. BibliografiaALBURQUERQUE, Luís de (dir.), “Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses”, Lisboa, Caminho, 1994. Vol. II, pp. 751-753.BETHENCOURT, Francisco et CHAUDHURI, Kirti (dir),“História da Expans?o Portuguesa”, vol. 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