Por enquanto é tratado como um grande nacionalista



Por enquanto é tratado como um grande nacionalista

Adeus Arouca, herói que o tempo vai definir

Por Emídio Beúla

A morte do primeiro advogado negro moçambicano, político e denodado nacionalista deixa um vazio na história recente do território que hoje havemos por Moçambique. Este é o sentimento manifestado por algumas personalidades ouvidas pelo SAVANA esta terça-feira à saída do Salão Nobre do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. Foi neste local onde o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), órgão de que Domingos Arouca era membro, organizou a sua última homenagem.

Domingos António Mascarenhas Arouca, de seu nome completo, foi esta quarta-feira a enterrar na cidade de Inhambane, sua terra natal, quatro dias depois de perder a vida na sua residência em Maputo.

Foi na madrugada de 03 de Janeiro que o conhecido causídico morreu, volvidos aproximadamente cinco meses após a homenagem por ocasião do seu 80º aniversário natalício organizada por um grupo de cidadãos na cidade de Maputo. Arouca deixa viúva e quatro filhos, dois adoptivos e dois do matrimónio com a Dra. Regina Arouca, docente universitária.

Nas mensagens apresentadas, à família, a Associação dos Naturais e Residentes de Inhambane, o CSMJ e o Presidente da República (representado pela ministra da Justiça, Benvinda Levi), louvaram os grandes feitos de Domingos Arouca.

Nunca sonhou ser herói

Simeão Cuamba

“O Doutor Arouca nunca teve qualquer pretensão de ser exaltado como herói. Se calhar, se tivesse essas pretensões, estivesse no Mausoleu”, disse Simeão Cuamba, causídico e ex-colega do finado na Frente Unida de Moçambique (FUMO). Acrescentou que nem todos devem ser considerados heróis por decreto, tanto mais que “os heróis se fazem a si próprios e as pessoas dão-lhes esse estatuto de acordo com a sua dedicação à pátria”. Cuamba proferiu estas declarações quando o SAVANA lhe perguntou se comungava com a corrente que estranha o facto de Arouca não ter sido decretado herói nacional. Defende esta corrente que os fragmentos da vida de Arouca não se diferem do percurso político da maioria que hoje jaz na cripta dos Heróis Moçambicanos. Esta corrente chama ainda a seu favor o facto de Arouca ter sido o preso político que mais tempo (oito anos) passou nas cadeias portuguesas do regime colonial, acusado de desenvolver actividades “subversivas”. Lembre-se que durante o regime colonial, defender ideais de um Moçambique independente era conotado como um exercício subversivo e punível nos termos e para o efeito dispostos na lei.

Ainda que afirme que em Arouca nunca habitou o desejo de ser exaltado em epopeias, Simeão Cuamba olha para o malogrado como “grande herói”, chegando mesmo a classificá-lo como um homem da craveira de Eduardo Mondlane e de tantos outros que deram as suas vidas por um Moçambique independente. “Os moçambicanos, talvez ficaram ofuscados ultimamente, não puderam tirar proveito dos grandes feitos desse homem que Moçambique perde”, observou.

Um pedaço de História que se apaga

Rui Baltazar

“É a morte de um grande nacionalista, de um combatente pelos ideais do nosso país, do nosso povo, portanto, deixa-nos um vazio muito grande”, disse ao SAVANA o jurista Rui Baltazar. Aos olhos do presidente do Conselho Constitucional (CC), Domingos Arouca é um pedaço da História que se apaga e deixa todo o povo entristecido. Questionado se o malogrado merecia ou não ser decretado herói nacional, Rui Baltazar começou por confessar que era difícil para ele opinar sobre isso. Mas, mais adiante, disse polidamente que os heróis da História é o tempo que os há-de definir. “Eu não posso comentar sobre isso porque na minha opinião é de facto o tempo que há-de decantar quem é que deve ser preservado, que memória de quem deve ser preservada e de quem não deve ser”, precisou.

Rui Baltazar conheceu Domingos Arouca nos anos 60 como colega de profissão. Em Julho último, o presidente do CC apresentou uma comunicação por ocasião dos 80 anos do malogrado. Na mesma, Baltazar lamentava que na visão de muitas pessoas (não precisou quem), a história recente de Moçambique só se escreve em termos epopeicos, exaltando feitos e figuras, criando estereótipos, mistificando factos, e deixando na penumbra ou no esquecimento largas zonas do combate libertador ou protagonistas que também participaram na conquista da independência da pátria.

Decorrente dessa hermenêutica segregacionista, oficializava-se, escreveu Baltazar, uma deformada visão necessariamente empobrecedora e redutora da história de Moçambique. “Mas tenhamos consciência que tudo isto é episódico e acidental. A História desnuda-se e revela-se em toda a sua complexidade a longuíssimo prazo, e mitos de hoje podem amanhã reduzir-se às suas verdadeiras dimensões, se não mesmo desaparecer, recuperando-se do olvido factos e personagens que ficaram envoltos em denso nevoeiro”, alertou o jurista.

Adiante, a fonte indicou que a homenagem a Domingos Arouca era uma oportunidade para resgatar a parte penumbrosa da História.

Foi um patriota convencido

Pascoal Mocumbi

Para o ex-primeiro-ministro de Moçambique durante o reinado de Joaquim Chissano, a morte de Arouca deixa uma grande inspiração de todo o percurso que teve em vida para gente da sua geração. Pascoal Mocumbi disse que teve o primeiro contacto com o malogrado na Europa. “Era um patriota convencido que nos encorajou a avançar na luta de libertação nacional”, recordou com nostalgia. Mocumbi, médico de profissão, foi militante da luta de libertação nacional integrado na Frente de Libertação de Moçambique.

Não sabia recuar

Afonso Dhlakama

Afonso Dhlakama também lamentou a morte de Arouca. O presidente da Renamo classifica o desaparecimento físico do decano da advocacia moçambicana como uma grande perda, não só para a família, mas para todo o país. Dhlakama disse, sem precisar o ano, que conhecia o advogado há bastante tempo, mas privou com Arouca quando este era presidente da FUMO. Isso após a assinatura do Acordo Geral de Paz, em 1992. “A dedicação, coragem e determinação fizeram do Doutor Arouca um homem de carácter, um homem que não sabia recuar”, indicou o dirigente do segundo maior partido político de Moçambique.

Arouca, o escriba

O finado causídico era homem de prosa vasta e durante anos escreveu vários artigos de opinião reproduzidos nas páginas do SAVANA. Publicamos aqui, em jeito de homenagem, um excerto produzido no rescaldo das eleições gerais de 1999, o maior “susto” eleitoral sofrido pela Frelimo na fase do multipartidarismo. Oito anos depois, as suas reflexões continuam a manter pertinente actualidade.

“ ... No acto de posse do actual elenco governamental (nr: depois das eleições de 1999), o Presidente da República afirmou que utilizaria um critério meramente político na selecção dos actuais governantes, já que a técnica podia ser objecto de aluguer ou de compra, ponto de vista que respeito, mas do qual discordo totalmente, porque não acautela adequadamente os interesses futuros da pátria e ainda porque vai contra as tendências actuais da boa governação terceiro-mundista e não só.

Apesar da sua sofreguidão insaciável pelo poder, a Frelimo deveria compreender, a bem da pátria, que não permanecerá perpetuamente no poder e que deve começar a dar sinais de aceitação do princípio da alternância democrática e do rotativismo no poder.

Pregar a democracia multipartidária e continuar a praticar o sistema de partido único não é salutar e acaba por já não iludir ninguém, como está à vista. Os partidos políticos têm um ciclo de vida semelhante ao das pessoas, porque são constituídos por pessoas, dependendo a sua longevidade da revitalização dos seus membros e da sua adaptação aos desígnios fundamentais do País.

Em 1975, ascenderam à independência política as cinco colónias africanas portuguesas: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, todas elas lideradas por governos marxistas-leninistas, então na moda, apesar da sua esterilidade absoluta, e que alguns anos depois viriam a entrar, aceleradamente, em colapso político, económico e social, arrastando consigo para a miséria as nações em que se haviam instalado.

E porque a roda da História não pára e tão pouco anda para trás, em Cabo Verde, o PAICV já foi democraticamente vencido em eleições por um partido defensor da alternância democrática; na Guiné-Bissau, o PAIG, do senhor “Nino” Vieira, foi vencido em eleições autênticas pelo partido do Dr. Kumba Yalá. E foi bonito ver aí o candidato vencido a felicitar e abraçar o vencedor.

A serena transição democrática entre verdadeiros irmãos.

Em S. Tomé e Príncipe, passou-se o mesmo: o MLSTP, partido que conduziu o país à independência, já não está no poder por imposição do voto democrático. Quer isto dizer que das cinco ex-colónias africanas portuguesas, só em Angola e Moçambique é que os partidos da independência, a Frelimo e o MPLA, ainda se mantêm no poder, ao qual continuam avidamente agarrados como lapa à rocha, à custa de guerras civis forçadamente apaziguadas ou nunca apaziguadas. Mas o poder corrompe e desgasta e o poder absoluto corrompe e desgasta absolutamente. O tempo é inexorável e não perdoa, daí que os governos de Moçambique e Angola, tal como hoje são, estejam com os dias contados, por mais esforços e manigâncias que façam.

Convém referir que, com um rotundo não e uma vasta e impressionante abstenção, o povo do Zimbabwe puniu severamente as megalomanias políticas do estalinista Mugabe, por serem totalmente contrárias aos princípios da boa governação democrática que, paulatinamente, se vão instalando por todo o nosso atribulado continente. Que digam as escrituras que segredos são estes da natura, em que se “mudam os tempos e se mudam as vontades”, mas a práxis política permanece imutável.

Assim sendo, havemos de convir que constitui um imperativo nacional que a Frelimo comece a mostrar-se um partido mais aberto e preparado para a eventualidade de ser um dia substituído no poder, no todo ou em parte, por outro partido qualquer ou coligação de partidos, de modo a que a transferência do poder se opere com serenidade e em ambiente de festa e não de ressentimentos e perturbação da ordem pública e da paz social.

As verdadeiras relações actuais e os antecedentes históricos que militam a favor e contra os dois maiores partidos políticos moçambicanos, a Frelimo e a Renamo, permitem-nos presumir que a Renamo não será o partido a quem a Frelimo desejaria transmitir o poder, uma vez que a Frelimo não tem a certeza de não vir a sofrer represálias e vinganças de vária ordem, vindas do partido da “perdiz” e dos aproveitadores do período conturbado que se seguiria.

Muitas pessoas, sobretudo empresários estrangeiros perguntaram-me com frequência, algumas semanas antes do escrutínio(nr: de 1999), se eu acreditava que a Frelimo entregaria pacificamente o poder, caso perdesse as eleições, o que mostra que o cepticismo, a dúvida e a apreensão eram mais ou menos generalizadas, quanto ao desfecho e consequências directas e imediatas do sufrágio.

Creio, contudo, que a vingança é um sentimento baixo e não acredito que a sociedade civil nela viesse a consentir. O cidadão moçambicano não é, em si mesmo, vingativo.

A cedência do poder ao vencedor terá de ser feita, sem ódios nem rancores, devendo, pelo contrário, significar uma verdadeira vitória do povo moçambicano e, como já dizia Samora Machel, “a vitória prepara-se, a vitória organiza-se...” com serenidade e, sobretudo, por métodos legítimos.

A transferência do poder, quando chegar a altura de se efectuar, não deverá ser feita contra a Frelimo, nem contra qualquer outro partido, mas apenas no interesse da nossa Pátria.

Somos todos irmãos, todos da mesma família moçambicana, uma pátria una e indivisível e já é tempo de enterrarmos os machados de guerra e unirmos os nossos esforços no sentido do desenvolvimento do nosso belo País, cheio de potencialidades, proporcionando ao nosso povo o nível de vida que tanto merece e de que tanto tem andado afastado.”

Arouca nos anos conturbados de 1973

Por Fernando Amado Couto *

O velho leão foi repousar esta semana entre os embondeiros e os palmares da sua terra amada. Arouca, o advogado católico, preso político do nacionalismo, sempre controverso, passou ao lado da Frelimo marxista, recusou um cargo de secretário de Estado no Governo de Transição em 1974 e partiu para um longo exílio em Portugal com o desenvolvimento do monopartidarismo. Só regressou com o advento da nova Constituição de 1990, aberta aos partidos políticos e às liberdades individuais. Sempre um mal-amado e depois de enfrentar a Frelimo no pleito eleitoral de 1994, é acolhido no Conselho Superior da Magistratura Judicial, o cargo onde a morte o encontrou e permite ao poder um final mais ou menos feliz para um espinho permanente cravado na sua memória.

Durante a merecida homenagem fúnebre do dr. Domingos Arouca foram focalizadas as suas qualidades humanas bem assim brevemente enunciado o seu trajecto de vida e necessariamente o homem político que foi. Para além desse legado de qualidades e de exemplo, retive uma afirmação do sacerdote que fez a homília: o espólio de Arouca deveria ser aberto. E é nessa linha que decidi fazer esta homenagem a um homem que a muitos marcou.

Para as gerações mais novas pouco significará saber que o dossier da PIDE, existente em Lisboa, sobre a actividade política do dr. Domingos Arouca, são três grossas pastas, contendo mais de seiscentas folhas, cobrindo o tempo de 1962 a 1974. Tanta devassa sobre a sua vida, sobretudo quando durante esse período esteve preso quase oito anos, são um exemplo demonstrativo do papel que o dr. Arouca teve, como nacionalista moçambicano. De modo algum a polícia política do regime colonial gastaria tantas energias na perseguição de um homem não fosse ele crucial no seu tempo.

Escrevo esta homenagem com base em fontes documentais, mas sobretudo na recordação das palavras do ilustre advogado, que sabendo fazer da oratória um instrumento, sempre explica algum do seu passado, de forma emotiva.

O dr. Domingos Arouca foi o primeiro advogado negro na branca cidade de Lourenço Marques. Fez o curso de Direito, em Lisboa, não desejo do sistema, mas por simples acaso de ter tido a sorte de ganhar a lotaria, ao que parece, devia ser um dos únicos jogos democráticos abertos na sociedade colonial. De volta à capital começam os seus problemas com as autoridades. De modo algum se prestou ao papel fácil de ser um símbolo de uma lusitanidade multicolor, tão ao gosto do chamado luso tropicalismo defendido por ilustres autores brasileiros como Gilberto Freire. Não, o dr. Domingos Arouca, passa a contestar a injustiça do sistema.

Publicando livros, em que de forma distinta e subtil, denuncia a discriminação racial como a “Mãe Negra”, editado pela Associação dos Naturais de Moçambique. Ou defendendo o ensino superior em Moçambique, realidade que só vai acontecer em 1962, com a introdução dos “Estudos Gerais Universitários”. O dr. Arouca, fazendo coro com o primeiro Bispo da Beira, Sebastião Soares de Resende, defende “esse imperativo da natureza”, de educar os moçambicanos, mesmo na realidade colonial. Desligado do tempo, estes actos podem parecer quixotescos, mas quando contextualizados eram actos de coragem política.

E assim é preso em 1965, julgado por um tribunal especial e enviado para Lisboa para cumprir a pena. Uma espécie de degredo. Durante os anos de prisão, a Ordem de Advogados portuguesa, não deixava de fazer apelos à sua libertação. Movimentos internacionais apelavam ao regime no mesmo sentido. Só em 1973, precisamente a 3 de Julho é que o dr. Arouca regressa à sua pátria. Não como cidadão livre, mas sujeito a termo de residência e identidade. Mandaram-no para Inhambane. O sistema legal da época, relativo aos presos políticos, permitia que mesmo depois de cumprida a pena a que tivessem sido julgados, pudessem continuar detidos ou sujeitos a fiscalização bem apertada.

Em meados de 1973, existem forças moçambicanas, que não conotadas com a FRELIMO, que conspiram nos bastidores.

Entre elas está a dra. Joana Simeão que procurava a todo o custo reformular o sistema dentro do sistema, nas suas palavras “moçambicanizar Moçambique”. Num encontro que teve a 24/10/1973, no consulado norte-americano de Lourenço Marques, onde ia revelar os seus planos políticos, recusa qualquer aliança com Arouca porque “não queria ser manchada de acusação aos comunistas ou à oposição portuguesa”. Retenha-se que o dr. Arouca não teve tendências comunistas, bem pelo contrário, nem contactos com a dra. Simeão.

Outra das forças conspirativas era liderada pelo eng. Jorge Jardim. Que com o apoio do seu amigo presidente Kamuzu Banda e de Kenneth Kaunda, consegue em Setembro de 1973 obter um documento negociado com a Zâmbia, que continha algumas bases para as negociações da independência de Moçambique. No seu plano era necessário encontrar um moçambicano negro com credibilidade para ser a ponta de lança do projecto. A “libertação” do dr. Domingos Arouca caía como uma luva.

Depois de vários telefonemas para Inhambane, Jardim em Novembro de 1973, caminha com o dr. Pinto Fernandes, comissário nacional da Mocidade Portuguesa, por mera conveniência, cunhado de Arouca, para a bela cidade de Inhambane para sondar o dr. Arouca e tentar, através dele, uma aproximação à FRELIMO. Aproveita para o convidar a visitar o Malawi.

Estas movimentações não podiam deixar de não transparecer junto à PIDE, sempre ciosa e vigilante. Só que a polícia política do regime colonial não consegue perceber o puzzle que se monta. Sempre se tinham oposto ao regresso de Arouca e queixam-se para Lisboa que, para além de todos os problemas, ainda lhes “aparece a figura do dr. Domingos Arouca”.

Só que Domingos Arouca, saturado da prisão e sabendo da situação em que se encontrava, não estava disposto a acompanhar os planos do eng.Jardim que teve que continuar a apostar no seu cavalo de batalha, o dr. Miguel Murrupa, que desertou da FRELIMO em 1970.

Neste contexto de conspiração e de agitação social próprio do estertor do sistema colonial, a que o golpe de Estado do 25 de Abril, em Lisboa pôs cobro, derrubando o governo do professor Marcelo Caetano, substituindo-o por uma junta militar e apanhando Arouca em Inhambane. Entrevistado, pouco depois do golpe, pela revista “Tempo” o dr. Arouca mostra-se reservado afirmando não possuir dados suficientes. Na verdade a agenda política dos novos governantes relativamente às colónias era muito pouco clara. Pretendem continuar a manter a PIDE, com um novo nome.

À medida que a contestação se dava nas ruas da capital, e que o poder político português se vê confrontado pela impossibilidade de continuar a guerra nas suas colónias, perdem-se as reservas e o medo da PIDE. Instala-se então o terror, naqueles que durante anos impiedosamente andaram a promover e a praticar a tortura e o terror. O célebre agente Chico Feio é morto pouco depois do golpe de Estado. Muitos dos agentes da PIDE fogem para a Rodésia do Sul ou para a África do Sul do apartheid.

Em princípios de Maio de 1974, o general Costa Gomes, membro da Junta e chefe do Estado-Maior visita Moçambique. Convence uma delegação de ex-presos políticos a voarem para Dar-es-Salam e avistarem-se com a FRELIMO. A comitiva era formada por José Craveirinha, Rui Nogar, Josefate Machel, Matias Mboa, Malangatana Valente e Rogério Djwana. Faltou o dr. Domingos Arouca que aceitou o convite do presidente Banda para participar nas cerimónias comemorativas do décimo aniversário da independência do Malawi. Durante um comício, o presidente Banda apresentou o advogado moçambicano “como convidado pessoal vindo do povo irmão de Moçambique”. No banquete de Estado, no majestático palácio presidencial de Capitol Hill, de Lilongwe, Arouca e esposa estiveram sentados na mesa de honra. Presente esteve o dr. Murrupa que não gozou de nenhuma das luzes da ribalta.

Durante esse tempo e até às negociações finais de Lusaka, em 7 de Setembro de 1974, o dr. Domingos Arouca, manteve a mesma postura. Era tido como da FRELIMO, realidade que nunca desmentia, mas também se diga que nunca a FRELIMO o assumiu. Ele foi abertamente contra as tentativas de realização de um referendo, a que se seguiriam eleições para uma Assembleia constituinte, como modelo preconizado pelo presidente português general Spínola. Liderou a reabertura do Centro Associativo dos Negros, uma das razões que o levou à cadeia. Poderia, com o prestígio que gozava, ter tomado uma outra opção que não a das negociações directas entre o governo de Lisboa e a FRELIMO. Diga-se, com a distância do tempo, que outra solução em face da realidade era impossível. A corrida galopante e sem sucesso da dra. Simeão para a unificação de todos os grupos anti-FRELIMO é disso demonstrativa. Como político que o era, Arouca, soube aguardar que os dirigentes da FRELIMO o chamassem. E discutissem qual era o seu papel.

Neste contexto, para terminar, uma curta história, que o falecido dr.Domingos Arouca gostava de contar, com um humor muito próprio. Após a formação do Governo de Transição em 1974, foi convidado por Samora Machel a visitar a sede da FRELIMO em Dar-es-Salam. Durante o jantar, Machel pergunta a Arouca que whisky gostaria de beber. Este decide-lhe fazer uma partida e pede “Chivas”, convencido que tal marca não deveria existir na garrafeira. Machel pessoalmente foi buscar a garrafa e colocou-a frente a Arouca e disse-lhe categórico “aqui o tens”. Se quanto a bebidas ficaram de acordo, quanto a projectos políticos, tal acordo não se verificou. Mas isso são outras estórias que a abertura do espólio da história trará a lume.

* Introdução e edição do texto da inteira responsabilidade do SAVANA

SAVANA – 09.01.2009

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