MOSANBLOG



[pic]

1 Uma manhã de sábado na Catembe com Diogo e o sangue goês de Samora

TUDO que fica depois da travessia de um rio, mar ou oceano, tem os seus mitos. Catembe – a poucos minutos de ferry-boat partindo do lado de cá da baía de Maputo – também tem os seus. Este local já foi afamado – será que ainda merece essa fama? – de ser um  temível berço do feitiço. A sua população foi – ainda é – muito conhecida por falar uma variante de ronga a que chamam xindindindi.

Maputo, Quarta-Feira, 8 de Agosto de 2007:: Notícias

 

Outro mito da Catembe é Diogo, dono de um restaurante que leva o seu nome. É uma casa de pasto bastante conhecida pelos residentes da cidade de Maputo que frequentam aquele lado da baía e por aqueles que nunca lá foram, mas que já ouviram falar sobre as histórias da zona. Ali comem-se dos melhores camarões da capital do país e ouvem-se as histórias de um tempo que jamais será apagado, pelo porte que elas assumem.

Samora Machel passou por ali. Tomou a sua última refeição em Moçambique antes de partir rumo aos caminhos que levariam a si e aos seus compatriotas à liberdade. Catembe também é um retiro. No tempo de Verão toda a gente quer ir para lá. Descansar e sonhar. E, por tudo isso, por esse mito, decidimos, no último sábado, dar um salto para lá e revisitar a História.

DIOGO: O EIXO PRINCIPAL

Este homem tem 60 anos de idade. Nunca saiu da Catembe. É filho de um goês que apareceu por lá levado pelo mar e pela força da aventura. Era um pescador e, quando ali chegou, ficou deslumbrado pela generosidade do mar e das pessoas. Atirou a âncora à água e nunca mais abandonou a Catembe. “Pariu” um fedelho que até hoje está lá: Diogo, hoje com 60 anos.

Diogo está de tal maneira ligado àquela parte de Maputo e às suas gentes que não se pode falar da Catembe sem se evocar o seu nome. Mesmo enfiado na pele dos seus 60 anos mantém uma jovialidade de fazer inveja. Ainda ferve no sangue. Sonha muito. Tem uma força de búfalo. E memória de elefante. No tempo de maior juventude carregava dois sacos de cinquenta quilos ao mesmo tempo. Jogou muita porrada em “luta livre”. E, olhando-se para ele, vamos sentir facilmente a presença de um homem de exercício. Uma figura com marcha atlética.

É fácil falar com Diogo. Está sempre pronto a contar uma história, como aquela em que nos diz: “uma vez vínhamos de Machangulo. Chegámos a um ponto em que o nosso barco não podia passar. Era noite e, sem mais nem menos, não podíamos ir nem para trás, nem para frente. Fizemos consultas e ficamos a saber que devíamos ter oferecido algum peixe à população de Machangulo. Então a solução era vazarmos os tambores de água que trazíamos para o mar e atirarmos também o peixe. Só assim é que os donos do canal nos deixaram passar. Foi um momento bastante dramático acontecido em 1968”.

Mas a Catembe hoje tem outros motivos. Muitas casas de pasto que se estendem ao longo da orla marítima estão fechadas, excepto o restaurante de Diogo, que continua a receber clientes a todo o momento. “Esta casa não pode fechar, não precisamos de fazer reclames publicitários porque Diogo é um nome histórico. Quem quiser chegar ao Diogo fa-lo-á sempre sem qualquer problema. Nunca se vai perder”.

Catembe também está a ficar abandonada pelos jovens que, não encontrando emprego por lá, procuram outras terras e outros mares. No seu lugar há outras pessoas que vão para lá, à procura da tranquilidade. Ouve-se muito pouco o ronga local (xindindindi). As crianças que nascem hoje  não falam essa língua, os jovens que abandonam Catembe também já não falam. E isso quer dizer que as poucas pessoas que ainda articulam em xindindindi amanhã terão desaparecido com a sua língua.

Aquilo que não acontecia ontem, acontece hoje: você encontra na Catembe todas as línguas e todas as nações do mundo. É como em todo o lado. A Catembe está globalizada. Quem chega àquela terra não mais quer sair. A tranquilidade vai ser o primeiro feiticeiro. O camarão vai ser o segundo. O mar e outros mariscos o terceiro. Depois não haverá mais vontade de abandonar a Catembe.

Quem abandona a Catembe é quem lá nasceu, porque está cansado das mesmas coisas. Os jovens querem estar em permanente voo. Querem descobrir coisas e aquele vilarejo não tem nada para descobrir na óptica de quem lá nasceu, pois a tranquilidade, por si, só não “enche barriga”.

[pic]

Diogo e o Repórter

2 UMA VOLTA PELA TERRA BATIDA

Maputo, Quarta-Feira, 8 de Agosto de 2007:: Notícias

 

Já não há farmácia na Catembe, já não há banco. As principais bombas de combustível que lá existiam arderam. Se você tem um carro só pode atravessar de uma em uma hora para a cidade de Maputo. Ou fazer uma tremenda volta até à cidade da Matola e essa não é obra para todos. Se tiver pressa, então a sua vida pode atrasar ou pode ficar com alguns planos inviabilizados.

Mas a Catembe não pode continuar assim, diz-nos Diogo. “Precisamos de melhores estradas. De uma pescaria mais disciplinada. Porque há pessoas que têm licença de rede para magumba e acabam pescando camarão. Outros deixam as redes dormirem no mar, com todos os inconvenientes que isso acarreta”.

Diogo considera que a Catembe devia merecer outra atenção porque tem história: “Samora Machel passou por aqui. Comeu no restaurante do meu pai, que agora passou para mim. Samora tinha boas relações com meu pai, com a minha família. Samora tinha ‘sangue goês’ e a Catembe deve-lhe uma homenagem. A ele e a Aquino de Bragança, outro moçambicano de origem goesa que, como Samora Machel, morreu em Mbuzini”.

Entretanto, há um aspecto interessante que se passa no percurso da família Diogo: do Bilhete de Identidade não consta este nome, nem a nível de sangue, nem a nível de registo.

“De repente a população da Catembe passou a chamar Diogo ao meu pai não sei porquê. Esse nome passou para mim por via do meu progenitor. Mas não sabemos de onde vem este nome”.

Muitos dizem que Diogo é dono da Catembe. Talvez possam ter razão. No tempo da guerra dos 16 anos Diogo não saiu dali. Nunca foi a Goa. Não conhece essa terra longínqua da Ásia. E está se marimbando para isso.

“Sou moçambicano, sou mandindindi, ponto final. Se você quer conhecer-me venha à Catembe. Não vá a Goa. Eu sou daqui e tenho o orgulho de manter uma relação muito forte com os tubarões. Falo com eles, comunico-me com eles e quando vou ao mar, vou em paz e em tranquilidade”.

Diogo tem o último sonho da sua vida: ter uma lagoa de camarão. “Já tinha construído as comportas, os diques, a grua, o barco e a rede, mas quando vieram as cheias levaram tudo e fiquei assim. Porém, ainda existe alguma coisa que sobrou das infra-estruturas, e estou à espera de alguém que me possa ajudar a reerguer o meu sonho”.

[pic]

Os intervenientes

3 MATEUS CUNA

Maputo, Quarta-Feira, 8 de Agosto de 2007:: Notícias

 

Este senhor é o responsável pelo policiamento comunitário. Fomos à sua casa, onde disse-nos que a questão da criminalidade na Catembe é reduzida. O problema que ainda apoquenta os catembeiros é o ferry-boat, que ainda não atingiu a plena regularidade. “A pesca também caiu um pouco, mas mesmo assim esperam-se melhores tempos”.

Mateus Cuna é filho de pais zambezianos, mas ele é da Catembe. A sua vida é a Catembe, terra que ele considera abençoada.

ALEXANDRE CHAÚQUE

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download

To fulfill the demand for quickly locating and searching documents.

It is intelligent file search solution for home and business.

Literature Lottery

Related searches