Universidade NOVA de Lisboa



Rui Pinto Duarte

Outubro 2016

Tipicidade e Atipicidade dos Contratos

1. O art. 405 do Código Civil

- Reconhecimento da liberdade de contratar, designadamente da liberdade de estipulação;

- Referência à existência de contratos reconduzíveis a modelos ou tipos especialmente regulados (contratos típicos) e a contratos não reconduzíveis a tais tipos (contratos atípicos);

- Reconhecimento da liberdade de variação dentro dos tipos;

- Reconhecimento da liberdade de combinação de tipos (contratos mistos);

- Referência à existência de normas limitadoras.

2. As regras do art. 405 do Código Civil têm fortes afinidades com as vigentes nas demais ordens jurídicas, nomeadamente nas europeias: o exemplo do Draft Common Frame of Reference (DCFR) [1]

- Sobre a liberdade de contratar:

II. – 1:102: Party autonomy

(1) Parties are free to make a contract or other juridical act and to determine its contents, subject to any applicable mandatory rules.

(2) Parties may exclude the application of any of the following rules relating to contracts or other juridical acts, or the rights and obligations arising from them, or derogate from or vary their effects, except as otherwise provided.

(3) A provision to the effect that parties may not exclude the application of a rule or derogate from or vary its effects does not prevent a party from waiving a right which has already arisen and of which that party is aware.

- Em especial, desenvolvidamente, sobre contratos mistos:

II. – 1:107: Mixed contracts

(1) For the purposes of this Article a mixed contract is a contract which contains:

(a) parts falling within two or more of the categories of contracts regulated specifically in these rules; or

(b) a part falling within one such category and another part falling within the category of contracts governed only by the rules applicable to contracts generally.

(2) Where a contract is a mixed contract then, unless this is contrary to the nature and purpose of the contract, the rules applicable to each relevant category apply, with any appropriate adaptations, to the corresponding part of the contract and the rights and obligations arising from it.

(3) Paragraph (2) does not apply where:

(a) a rule provides that a mixed contract is to be regarded as falling primarily within one category; or

(b) in a case not covered by the preceding sub-paragraph, one part of a mixed contract is in fact so predominant that it would be unreasonable not to regard the contract as falling primarily within one category.

(4) In cases covered by paragraph (3) the rules applicable to the category into which the contract primarily falls (the primary category) apply to the contract and the rights and obligations arising from it. However, rules applicable to any elements of the contract falling within another category apply with any appropriate adaptations so far as is necessary to regulate those elements and provided that they do not conflict with the rules applicable to the primary category.

(5) Nothing in this Article prevents the application of any mandatory rules.

3. As noções de contrato típico e de contrato típico

- Típico, neste contexto, é sinónimo de correspondente a um modelo (de uma dada ordem jurídica);

- Os modelos tidos em vista são primacialmente modelos constantes da lei, mas por vezes são modelos da realidade social não constantes da lei (a chamada «tipicidade social» e a sua relevância - remissão);

- O nível mais vulgar (e talvez o ótimo) de tratamento dos problemas da tipicidade é o do contrato, mas também é possível tratá-lo noutros patamares de generalidade, nomeadamente no do negócio jurídico;

- «Tipicidade» e «tipo» têm outros significados na linguagem jurídica (v.g., taxatividade e previsão da norma - Tatbestand);

- Contrato-tipo é noção diferente da de contrato típico: designa um modelo contratual surgido na prática contratual.

4. Os vários níveis de regulação dos contratos

- Normas do Código Civil sobre o negócio jurídico;

- Normas do Código Civil sobre contratos enquanto fontes das obrigações;

- Outras normas do Código Civil sobre as obrigações em geral, v.g., sobre transmissão de créditos e de dívidas;

- Normas do Código Civil sobre os contratos em especial;

- Outras normas do Código Civil;

- Normas sobre cláusulas contratuais gerais e contratos de adesão;

- Normas sobre contratos de consumo;

- Normas sobre contratos constantes do Código Comercial;

- Normas sobre contratos comerciais constantes de outros diplomas;

- A cumulatividade dos vários níveis de regulação - exemplo: a transmissão de um crédito contra um preço é um negócio jurídico, um contrato gerador de obrigações e uma cessão de crédito, podendo ser feita por adesão e com recurso a cláusulas contratuais gerais e pode ser um ato de comércio.

5. Os tipos contratuais regulados no título II do livro II do Código Civil

- Caráter assistemático (não classificatório) da regulação dos tipos contratuais, designadamente da constante do título II do livro II do Código Civil

6. A relação entre a regulação constante do título II do livro II do Código Civil e a constante do livro II Código Comercial

- A regulação dos contratos constante do Código Comercial pressupõe frequentemente a do Código Civil – exemplos: arts. 394, 397, 403 463.

7. Exemplos de tipos de contratos regulados noutras leis

- O seguro;

- A agência;

- A locação financeira;

- O consórcio;

- A associação em participação;

- A mediação imobiliária;

- O contrato de transporte (em várias modalidades);

- O contrato de gestão de carteira;

- A conta corrente.

8. Diversidade (em amplitude e relevância social) dos contratos tipificados na lei

- Notas gerais;

- O macrotipo «prestação de serviços».

9. Diversidade dos modos de tipificação legal de contratos

- Quanto ao modo de delimitação do tipo: o recurso a definições e a receção implícita do tipo social;

- Os contratos previstos como reais quanto à constituição e a admissibilidade de contratos obrigacionais afins;

- Quanto à intensidade da regulação.

10. A regulação dos contratos em especial não cobre todos os contratos que surgem na realidade social

- A liberdade contratual e as necessidades sociais levam a que a realidade social ofereça contratos que fogem aos tipos legais.

11. Relação entre a tipicidade legal e a tipicidade social

- Casos em que a lei recebe a realidade e casos em que a lei promove a realidade.

12. Exemplos de contratos legalmente atípicos, mas socialmente típicos

- A concessão comercial;

- O franchising;

- A garantia bancária autónoma.

13. A força expansiva das regras sobre compra e venda e mandato

- Os arts. 939 e 1156 do Código Civil.

14. O caráter gradativo de tipicidade e da atipicidade ou o alcance do juízo de qualificação de um contrato

- A liberdade de estipulação acarreta que a recondução aos tipos seja gradativa: o mesmo é dizer que o juízo de qualificação de um contrato não é binário (um 1 ou um zero);

- A qualificação não pode assentar apenas na verificação da presença no caso dos «elementos essenciais» do tipo, mormente dos constantes da sua definição legal;

- O apelo à ideia de causa;

- Discutir o juízo de qualificação é discutir o processo intelectual de aplicação das normas;

- A recusa de recondução de um contrato a um tipo pode resultar de ao contrato faltarem elementos do tipo ou de o contrato conter outros elementos além dos do tipo (caso do contratos entre organizadores de centros comerciais e lojistas);

- Os chamados contratos típicos com prestações secundárias (ou acessórias) de outros tipos podem ser considerados como típicos;

- Os vários modos de manifestação da atipicidade: contratos atípicos em sentido estrito, contratos mistos, uniões de contratos.

15. Contratos típicos e atípicos versus contratos nominados e inominados

- Prioridade histórica das noções de contratos nominados e inominados;

- Noções próximas, mas não iguais: pode haver nominação sem tipicidade (factoring) e tipicidade sem nominação (936, n.º 2).

16. A (pretensa) taxatividade dos tipos contratuais no Direito Romano

- A taxatividade era das ações;

- A stipulatio era uma válvula de escape à taxatividade.

17. A regulação dos contratos atípicos em sentido estrito

- A fonte primária do conteúdo do programa contratual é o seu texto;

- Aplicação de normas legais imperativas e de normas legais supletivas sobre contratos típicos;

- Permanência da ideia tradicional de recurso às normas sobre contratos típicos com os quais o contrato a regular apresente analogia: «de Bartole à Dumoulin on répète inlassablement: "Contractus innominatus iudicatur secundum naturam contractus nominati cui assimilatur"» (Jean-Pierre Baud, «Contrats Només et Contrats Innomés en Droit Savant» in Studia Gratiana, XIX, 1976, p. 50);

- A aplicação de normas supletivas sobre contratos típicos e a chamada integração;

- O exemplo da aplicação a contratos de concessão da indemnização de clientela prevista para o contrato de agência.

18. Os contratos mistos

- O conceito de contrato misto: contrato que engloba elementos de dois ou mais tipos contratuais: englobamento (?) dos tipos legais formados a partir de tipos mais simples;

- Exemplos de contratos mistos: hospedagem, venda-doação, arrendamento-comodato;

- As doutrinas da absorção, da combinação e da aplicação analógica;

- A possibilidade de cumular as várias doutrinas;

- As regras do Draft Common Frame of Reference (DCFR).

19. As uniões (ou coligações) de contratos

- O conceito de união de contratos: situação em que dois ou mais contratos se situam em relação de dependência; englobamento (?) de contratos reconduzíveis ao mesmo tipo; englobamento (?) de contratos sem coincidência total de sujeitos; englobamento (?) de contratos sucessivos; englobamento (?) de subcontratos;

- Exemplos de união de contratos: compra e venda de imóvel e do seu recheio; arrendamento de fração autónoma para comércio e de fração autónoma para habitação;

- A classificação tripartida de Enneccerus: união meramente externa, união com dependência e união alternativa;

- A união de contratos coloca o problema do critério da unicidade do contrato (Unidade documental? Unidade de intenção das partes? Unidade da causa? Unidade da prestação pecuniária? Unidade da «prestação caraterística»?);

- O caráter meramente descritivo da união de contratos ou a falta da autonomia problemática da união de contratos: os problemas de regime surgidos a propósito das uniões de contratos resolvem-se em sede de outras figuras; como escreve Antunes Varela, não esgotando as possibilidades, «pode um dos contratos funcionar como condição, contraprestação ou motivo do outro» (Das Obrigações, vol. I, 9.ª ed., Almedina, 1996, p. 290, sublinhados no original).

20. A questão da tipicidade dos contratos e a ideia de conceito-tipo como diversa da de conceito classificatório (e alternativa à mesma)

- A origem da ideia de conceito-tipo e a sua importação pelo Direito;

- A ideia de conceito-tipo como diversa da de conceito classificatório;

- Possibilidade de tratar os tipos de legais de contratos como conceitos-tipos;

- Um entendimento adequado do alcance da qualificação dos contratos preclude o problema que a «doutrina tipológica» (Typuslehre) pretende resolver.

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[1] Principles, Definitions and Model Rules of European Private Law Draft Common Frame of Reference - DCFR, da iniciativa do Study Group on a European Civil Code e do Research Group on EC Private Law, cujos trabalhos, iniciados em 2005 foram publicados em 2009. O DCFR é acessível, por exemplo, em . Existe uma «full edition» impressa, editada pela Sellier (6 vols.).

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