UNIVERSIDADE PARANAENSE



UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR

QUESTÕES QUE PODEM SER SUSCITADAS NA DEFESA PRÉVIA

FABIO PRANDINE MOLEIRO

UMUARAMA – PARANÁ

2001

FABIO PRANDINE MOLEIRO

QUESTÕES QUE PODEM SER SUSCITADAS NA DEFESA PRÉVIA

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Jurídicas na Disciplina de Direito Processual Penal, com requisito para avaliação final, sob orientação do Professor Doutor Miguel Bruno.

UMUARAMA - PARANÁ

2001

COMISSÃO EXAMINADORA

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UMUARAMA, ______de_______________de___________

DEDICATÓRIA

Ao meu pai (In memoriam), por ter sempre me incentivado no ingresso da vida acadêmica, e à minha mãe, que da mesma forma me deu força para que minha graduação acontecesse.

AGRADECIMENTOS

Registro meu agradecimento a todas as pessoas que, de alguma forma, colaboraram para a realização deste trabalho, em especial ao Doutor Mazini, que sempre nos demonstrou um enorme carinho e zelo no decorrer deste curso, e acima de tudo a DEUS, nosso Pai.

RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade demonstrará aos operadores do direito, a devida importância do instituto da defesa prévia dentro do Direito Processual Penal. Será buscado de uma maneira ampla, o modo de apresentação da defesa prévia, que na maioria das vezes, o defensor, a expõe de uma maneira muito sucinta, que se expendida através de métodos diferentes, poderia resultar na absolvição do defendido. Demonstrar-se-á, que a defesa prévia, não é simplesmente um momento para a inquirição de testemunhas, mas também a fase processual onde poderão ser argüidas exceções, prejudiciais, inépcia da denúncia, que sem dúvida nenhuma mudaria a essência da ação penal, evitando assim um constrangimento ilegal do réu, que se absteria de usar o remédio denominado habeas corpus, numa eventual condenação. Resta pois, concluir, que a defesa prévia quando certamente articulada, resultaria na economia processual e na contribuição da extinção da morosidade do judiciário, pois, desta forma, os juizes conseguiriam ser mais dinâmicos no desenrolar dos processos, não se sobrecarregando com os mesmos, passível até mesmo de um julgamento mais justo. Assim, deve o defensor agir de uma maneira ética e extremamente técnica, pois, somente assim, poderá garantir ao defendido o sucesso no trâmite da ação penal.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................08

2. O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA.......................................................10

3. CONCEITO DE DEFESA PRÉVIA..........................................................14

4. FUNDAMENTO LEGAL..........................................................................16

5. A FORMA DE APRESENTAÇÃO...........................................................19

6. QUESTÕES QUE PODEM SUSCITADAS NA DEFESA PRÉVIA.......21

7. DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS...........................................................23

1. Conceito e Espécies....................................................................................23

2. Efeitos das Questões Prejudiciais...............................................................24

1. Questão Prejudicial Obrigatória............................................................24

2. Questão Prejudicial Facultativa.............................................................26

3. Conseqüência das Questões Prejudiciais....................................................28

8. AS EXCEÇÕES.........................................................................................30

1. Conceito e Espécie.....................................................................................30

2. Exceção de Suspeição................................................................................32

1. Processamento e Efeitos da Exceção de Suspeição..............................34

3. Exceção de Incompetência.........................................................................37

1. Processamento e Efeitos da Exceção de Incompetência.......................38

4. Exceção de Litispendência.........................................................................40

1. Procedimentos e Efeitos da Exceção de Litispendência.......................41

5. Exceção de Ilegitimidade de Parte.............................................................42

1. Procedimentos e Efeitos da Exceção de Ilegitimidade da Parte...........44

6. Exceção de Coisa Julgada..........................................................................45

1. Procedimentos e Efeitos da Exceção de Coisa Julgada........................46

9. DENÚNCIA...............................................................................................49

1. Conceito.....................................................................................................49

2. Conteúdo da Denúncia...............................................................................50

3. Inépcia da Denúncia...................................................................................55

10. CONCLUSÃO...........................................................................................60

11. BIBLIOGRAFIA........................................................................................62

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por finalidade apresentar alguns aspectos sobre a defesa prévia, mostrando e ao mesmo tempo esclarecendo algumas peculiaridades deste Instituto do Direito Processual Penal.

Procurar-se-á definir os Institutos que podem ser suscitados na defesa prévia, tais como as questões prejudiciais, exceções, inépcia da denúncia, conceituando e esclarecendo os seus efeitos, que corretamente usados podem favorecer em demasia o acusado, tornando sua defesa mais eficiente, facilitando desta forma alcançar o objetivo almejado, que nada mais é do que livra-lo de um processo criminal ou mesmo da aplicação da pena pelo Estado-Juiz.

É costume da maioria dos advogados utilizarem a defesa prévia para, somente, negarem os fatos que são imputados ao acusado e alegarem que no momento oportuno provarão a sua inocência, bem como apresentar o rol de testemunhas, isso, quem sabe, em virtude da falta de tempo ou até mesmo por desconhecimento do instituto da defesa prévia.

A bem da verdade, não é dada a devida importância à defesa prévia, pois a sua formulação poderá variar em seu conteúdo jurídico de acordo com a estratégia de defesa escolhida pelo defensor, bem como em virtude das possíveis falhas processuais, tais como ilegitimidade da parte, a litispendência, a coisa julgada, gerando efeitos que afetam o processo e influenciam diretamente no sucesso ou não da defesa.

A pretensão ao realizar este estudo, não é a de subsidiar meios para se procrastinar o processo, mas sim, a de oferecer uma visão geral sobre o tema proposto, para os profissionais e acadêmicos que lerem este trabalho, possam utilizar o instituto da defesa prévia da melhor maneira possível, para que, conseqüentemente, ofereçam aos seus clientes uma melhor qualidade na prestação de seus serviços, exercendo com eficiência e ética a operacionalização do Direito.

Para a realização deste trabalho será utilizada a investigação bibliográfica como metodologia de pesquisa.

Será destinado um tópico para cada uma das questões que podem ser suscitadas na defesa prévia, quais sejam as questões prejudiciais, as exceções e a denúncia. Buscar-se-á da melhor forma possível conceitua-las e analisar os seus efeitos no processo.

2. O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

As regras que norteiam o processo, entre elas os preceitos atinentes ao método da oralidade, só operam com eficácia no mundo jurídico quando atendem de maneira imperiosa aos mandamentos da lei maior.

No processo penal acusatório avulta, em toda sua plenitude e essência, o direito de defesa, que, na definição de Faustin Hélie[1], “não é um privilégio e tampauco uma simples conquista da humanidade, mas um autêntico direito originário e, por isso mesmo, inalienável”.

Nesse diapasão a Constituição Federal de 1.988 é bem clara ao afirmar em seu Art. 5º, inciso LV, que, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, assegurando expressamente o direito à ampla defesa.

O direito de defesa deve ser visto em seu duplo aspecto: subjetivo, conseqüente na faculdade de, em abstrato, infirmar a imputação deduzida em juízo; e o objetivo, que conduz à defesa concretamente exercida, consubstanciada na autodefesa , por meio do interrogatório, participação da audiência, defesa técnica que consiste no direito de ser defendido por profissional habilitado e o direito de produzir provas lícitas, direito de ver estas provas apreciadas e, em suma, influir no convencimento do julgador.

Como observa Fernando de Almeida Pedroso[2], “em vista do princípio da isonomia ou igualdade de todos perante a lei, ao réu confere-se o direito de atuar probatoriamente em face do que alega, em igualdade de condições com o órgão estatal acusatório. Não fosse assim, o direito de defesa assumir-se-ia como simples quimera ou fantasia legal, cuidando-se de mera formalidade e não de efetivo direito”.

Por outro lado, na lúcida visão de Ada Pelegrini Grinover[3], o direito de defesa, fator legitimante da própria jurisdição, garantido constitucionalmente, apresenta-se sob duas facetas: defesa técnica e autodefesa “a primeira é, sem dúvida, indisponível, na medida em que, mais do que garantia do acusado, é garantia da paridade de armas indispensáveis à concreta atuação do contraditório e, conseqüentemente, a própria imparcialidade do Juiz”.

Na mesma oportunidade, pondera a ilustre professora das “Arcadas” que, “a autodefesa, não podendo ser imposta ao acusado, é renunciável por este, muito embora não se deixe de salientar seu aspecto de garantia constitucional”.

E nesse mesmo sentido a lição de Rogério Lauria Tucci[4] , quando assevera que, “para ser assegurada a liberdade e, sobretudo a igualdade das partes, faz-se imprescindível que, durante todo o decorrer do processo, sejam assistidas e/ou representadas por um defensor, dotado de conhecimento técnico especializado, e que, com sua inteligência e domínio dos mecanismos procedimentais, lhe propicie a tutela de seu interesse e determine o estabelecimento ou o restabelecimento do equilíbrio do contraditório”.

Tal entendimento é corroborado pelo Art. 261 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

E recentemente, com o advento da Lei nº 9.071/96, que veda o processo e julgamento à revelia do acusado citado por edital, fica ressaltada a efetividade desse direito de defesa, que não mais se satisfaz com a presunção de ciência quanto ao teor da imputação, decorrente de uma citação ficta e presumida. Essa alteração no Estatuto Processual Penal, conquanto tenha merecido em nosso País algumas críticas contundentes, constitui uma proposta consistente de política criminal, que elimina em determinadas hipóteses, o julgamento in absentia.[5]

A regra aliás, já vem sendo adotada no direito estrangeiro, em países como Portugal, França, Bélgica e Luxemburgo, e já há muito tempo vinha sendo reclamada pela doutrina Pátria.

É certo ainda, que não basta a simples presença do acusado aos atos do processo e seu acompanhamento por defensor habilitado. É essencial que se lhe assegure, com tempo razoável, o conhecimento pleno e prévio da acusação e, principalmente, o direito de entrevistar-se com aquele que o representará. Só dessa maneira é que se poderá assegurar, em sua amplitude, o efetivo direito de defesa.

Não se pode conceber, nessa ordem de idéias, a nomeação de defensores de última hora para a prática de atos tão importantes dentro do processo, como a produção de prova testemunhal, o que por sinal, já se tornou rotineiro no dia-a-dia forense.

Esse deletério costume na prática Processual Penal está intimamente ligado ao sistema eminentemente escrito, neste, como se sabe, dá-se especial ênfase aos protocolos lavrados na audiência de instrução, na certeza de que, a posteriori, as partes terão tempo suficiente para analisar o conteúdo desta ou daquela declaração e formular brilhantes arrazoados.

Se, por um lado esse raciocínio é verdadeiro, por outro lado a impugnação de determinada assertiva com a audiência encerrada, é impossível. A valoração dos elementos de convicção introduzidos no processo resume-se à análise de termos escriturados, com todas as ambigüidades e defeitos que possam conter.

Assim, a busca da verdade real, que deve decorrer de uma participação dinâmica e ativa das partes dentro do processo, fica resumida a uma pesquisa fria, estática e formalista da escrita, num simulacro de julgamento.

3. CONCEITO DE DEFESA PRÉVIA

José Náufel[6] define defesa prévia como sendo “o conjunto de alegações escritas que o réu, ou seu patrono, apresenta, no prazo de três dias após o interrogatório, com o fim de demonstrar sua inculpabilidade, ou justificar o ato delituoso, excluindo ou atenuando a pena a ele cominada. Na defesa prévia podem ser arroladas testemunhas. A defesa prévia assinala o fim da fase ordenatória do processo e o início da probatória”.

A defesa prévia se situa como o ato processual, através do qual o defensor do réu , no Juízo Criminal, trata de refutar as imputações contra este feitas, procurando mostrar, ou mesmo demonstrar, a não culpabilidade do fato tido como delituoso, ou, de outra maneira, procurando justificar, através de procedimentos preliminares, o seu comportamento nos acontecimentos, com o objetivo de eliminar ou atenuar a pena cominada ao delito atribuído na denúncia ofertada pelo Ministério Público. A finalidade da defesa prévia é apenas a de dizer o réu o que pretende provar, qual sua tese de defesa.

Julio Fabbrini Mirabete[7] afirma que “é na defesa prévia, entretanto, que deve ser argüida, sob pena de preclusão, a nulidade por incompetência do Juízo, e ofertada as exceções, conforme dispõe os artigos 108 e 109 do Código de Processo Penal. É também a oportunidade para a defesa requerer as diligências que julgar conveniente (Art. 399) e a juntada de documentos, o que aliás, também pode ocorrer em qualquer fase do processo (Art. 400). Por fim, no mesmo prazo da defesa prévia, nela ou em separado, pode a defesa oferecer o rol de testemunhas que deseja ouvir”.

4. FUNDAMENTO LEGAL

O fundamento legal da defesa prévia está inserido no Art. 395 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART 395. O réu ou o seu defensor poderá, logo após o interrogatório ou no prazo de 3 (três) dias, oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas.

Trata-se, pois, da primeira intervenção do denunciado ou querelado num processo penal de pleno e correto desenvolvimento, constituindo-se em importante peça de todo o seu processado, essência do início do desenrolar da ação judicial, podendo em tal intervenção resultar no sucesso ou não do defensor e do seu defendido.

Mas, todavia, a apresentação da defesa prévia é facultativa, podendo o defensor abrir mão deste ato processual. O que vicia o processo é o não oferecimento por parte do Juiz, do prazo descrito no artigo em tela, que conseqüentemente gerará a nulidade do processo conforme disposto na alínea “e”, inciso III, do Art. 564 do Código de Processo Penal, que determina que a nulidade ocorrerá no caso de não concessão dos prazos concedidos à acusação e à defesa.

ART. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

...Omissis

III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

...Omissis

e) A citação do réu para ver-se processar, seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;

...Omissis

Tais prazos não poderão ser suprimidos nem diminuídos, já que ficam cerceadas, a acusação e a defesa, por lhes faltarem as oportunidades de manifestação ou pela redução do prazo a elas concedidas.

O Supremo Tribunal Federal[8] já decidiu ser “nulo o Processo Criminal se o defensor do réu não fora notificado para oferecer defesa prévia, para a audiência de testemunhas e nem intimado para os demais atos processuais”.

No mesmo entendimento o Superior Tribunal de Justiça corroborou tal decisão ao afirmar que, “inobstante constituir defesa prévia, peça facultativa, o Juiz deve, sob pena de nulidade, notificar o advogado constituído ou dativo para apresentá-la (Arts. 395, 396 e 546 do Código de Processo Penal)[9] .

Deve-se salientar a efetiva importância da defesa prévia no Processo Criminal, tanto que a lei estabelece a nomeação de um defensor para apresentá-la, abrindo e assegurando-lhe prazo, após a sua presença nos autos, como se pode observar através do estatuído no artigo 396 e seu parágrafo único, do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 396. Apresentada ou não a defesa, proceder-se-á à inquirição das testemunhas, devendo as da acusação ser ouvidas em primeiro lugar.

Parágrafo único. Se o réu não comparecer, sem motivo justificado, no dia e à hora designados, o prazo para a defesa será concedido ao defensor nomeado pelo Juiz.

5. A FORMA DE APRESENTAÇÃO

Evidentemente, a defesa prévia, como um ato formal do Processo Criminal, sendo a primeira intervenção do denunciado em toda sistemática processual, deverá ser escrita, onde serão formulados os itens aos quais se reportará o réu, alegando as suas razões fundamentais, onde exporá, detidamente ou não, os motivos efetivos que o levaram a praticar o ato pelo qual foi denunciado.

Constará também, desse ato formal, o arrolamento de testemunhas que, quando da oportuna data designada pelo Juiz do feito, falarão a favor do denunciado sobre os acontecimentos, atos, omissões, comportamento, conhecimento e outras informações que tiverem, no sentido de beneficiarem o réu em todas as direções positivas que objetivem efetivamente a contraposição à queixa ou denúncia formuladas.

Torna-se extremamente necessário, que o denunciado forneça ao seu defensor, no momento da defesa prévia, todos os meios de que tenha conhecimento e que poderão se tornar úteis para a condução do processo daí por diante, eis que, essa primeira intervenção é essencial sob todos os aspectos e pontos de vista, uma vez que fornecerão o suporte jurídico e probatório sobre o qual repousarão exatamente os atos subseqüentes para a sustentação das teses ou meios que serão usados pelo defensor, para o bom termo processual, isto é, uma sentença final negativa e absolutória.

É de grande importância ressaltar, que os meios fornecidos pelo réu devem ser idôneos e que sintonizem processualmente, no sentido de refutarem firmemente a peça acusatória. Devem ser arroladas testemunhas seguras e que tenham conhecimento dos fatos ocorridos, sendo convincentes em seus depoimentos, agindo com segurança e sem entrave de qualquer espécie, colaborando desta forma, decisivamente para a construção da pirâmide que indicará em seu ápice o sucesso real do defensor e do defendido.

6. QUESTÕES QUE PODEM SER SUSCITADAS NA DEFESA

PREVIA

É bastante comum o advogado, na defesa prévia, simplesmente refutar os fatos que são imputados ao denunciado, sob a alegação de que no momento processual adequado provará a inocência do denunciado, bem como apresentará o rol de testemunhas.

Na verdade, a formulação da defesa prévia poderá variar em seu conteúdo jurídico, de acordo com a estratégia escolhida pelo defensor, no caso que lhe for apresentado.

Sob o ponto de vista jurídico, a defesa prévia poderá ser elaborada contendo, dentre outros, os seguintes fundamentos:

I) a negação da autoria ou do fato de que trata a denúncia, pura e simplesmente, com o rol de testemunhas, naturalmente se estas existirem e puderem ser usadas de maneira benéfica para o réu;

II) a negação da autoria ou do fato, com o relato de causas que objetivem a exclusão e a consistência jurídica do mesmo, tornando-o insubsistente e frágil, minando, assim, a denúncia, enfraquecendo-a mesmo na sua essência primeira;

III) a apresentação dos elementos que possam invalidar ou contribuir de forma decisiva para a diminuição dos efeitos da responsabilidade do réu perante o fato delituoso em si, ou seja, o abrandamento, efetivo e seletivo, judicial das alegações denunciadas;

IV) a relação concisa dos fatores excludentes da responsabilidade criminal, objetivando a formação de meios probatórios que possam, no decorrer da instrução, contribuir para o alcance final da absolvição;

V) também poderão ser suscitadas questões prejudiciais, oferecidas as exceções, alegar a inépcia da denúncia, a extinção da punibilidade.

7. DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS

1. CONCEITOS E ESPÉCIES

A palavra prejudicial, derivada do termo praeiudicium, formada pelo prefixo prae e da palavra judicari, significa, etimologicamente, julgamento antecipado, aquilo que deve ser julgado antes, ou aquele processo que deve ser decidido antes de outro processo.

A questão prejudicial é um impedimento ao desempenho normal e regular do processo, eis que, ela deve ser decidida antes do julgamento da questão principal, de forma definitiva, no mesmo ou em outro processo com ela relacionado.

Desta forma, por questão prejudicial deve-se entender ser ela toda questão de valoração jurídica, seja em sede de Direito Penal ou de outro ramo do Direito, que deve ser decidida antes da questão principal, denominada prejudicada.

As questões prejudiciais dividem-se em homogênea, quando esta pertencer ao mesmo ramo do Direito que a principal, e heterogênea, quando pertencer a ramo do Direito distinto ao da prejudicada. Exemplo clássico desta última situação é o da anulação de casamento e crime de bigamia, onde, caso seja anulado o casamento no cível não ocorrerá o fato típico do crime de bigamia.

Os efeitos jurídicos das questões prejudiciais dividem-se em obrigatórias, prejudiciais stricto sensu, e facultativas, prejudiciais lato sensu, as quais passaremos a estudar.

2. EFEITOS DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS

1. QUESTÃO PREJUDICIAL OBRIGATÓRIA

São questões que, necessariamente, dependem de solução do Órgão Jurisdicional Cível.

Nesses casos o Juiz do Órgão Jurisdicional Penal deverá, obrigatoriamente, remeter a prejudicial à jurisdição cível e, somente após a questão ser resolvida em caráter definitivo, através de sentença transitado em julgado, dará prosseguimento à Ação Penal.

As questões obrigatórias versam sobre o estado civil das pessoas, e possui fundamento legal no artigo 92 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART 92. Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição de testemunhas e de outras provas de natureza urgente.

Parágrafo único. Se for crime de ação pública, o Ministério Público, quando necessário, promoverá a ação civil ou prosseguirá na que tiver sido iniciada, com a citação dos interessados.

É necessário que a prejudicial verse sobre a existência da infração penal, tornando-a dependente daquela, devendo a dúvida ser séria e fundada, como prevê a lei, e não apenas um meio de procrastinar o processo ou provocar tumulto processual, cabendo ao juiz criminal analisar a questão, decidindo se há ou não motivo para a controvérsia.

Aceita a prejudicial, o juiz determinará, ex officio, ou a requerimento das partes, a suspensão do processo, nos termos do artigo 94 do Código de Processo Penal, sendo que, neste período de suspensão não ocorrerá a prescrição, como dispõe o Art. 116, inciso I, do Código Penal, in verbis:

ART 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:

I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;

...Omissis

Em seguida remeterá as peças do processo ao juízo cível para que possa ser solucionada a questão controversa.

É importante ressaltar que, à luz do Art. 92 do Código de Processo Penal, não basta que a questão seja solucionada no cível, mas sim, que esta transite em julgado.

Após o trânsito em julgado da prejudicial, a parte interessada requererá a juntada ao processo crime da certidão da sentença do juízo cível, dando-lhe andamento. Todavia, tal atitude não é privativa das partes, podendo o próprio juiz requisitar tal certidão ex officio.

Da decisão que não acolher a prejudicial não caberá recurso, ao passo que, da decisão que determinar a suspensão do processo caberá recurso em sentido estrito.

2. QUESTÃO PREJUDICIAL FACULTATIVA

Ao contrário da prejudicial absoluta, a facultativa relaciona-se ao próprio Direito Penal ou ao Direito Civil, contudo, se faz necessário que a matéria se refira à existência de infração penal, ou seja, que afete a qualificação jurídico-penal do fato abjeto do processo, sem a qual não será caracterizada a prejudicial.

A matéria é regulada pelo artigo 93 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente.

§ 1º. O juiz marcará o prazo da suspensão, que poderá ser razoavelmente prorrogado, se a demora não for imputável à parte. Expirado o prazo, sem que o juiz cível tenha proferido decisão, o juiz criminal fará prosseguir o processo, retomando sua competência para resolver, de fato e de direito, toda a matéria da acusação ou da defesa.

§ 2º. Do despacho que denegar a suspensão não caberá recurso.

§ 3º. Suspenso o processo, e tratando-se de crime de ação pública, incumbirá ao Ministério Público intervir imediatamente na causa cível, para o fim de promover-lhe o rápido andamento.

Nos termos do artigo em tela, o juiz, caso verifique a necessidade de se suspender o processo para solucionar a prejudicial, marcará o prazo da suspensão, que pode ser razoavelmente prorrogado, se a demora não for imputada à parte.

Expirando o prazo, sem que o juiz do cível tenha proferido decisão, o juiz criminal deverá prosseguir o processo, retomando a sua competência para resolver, de fato e de direito, toda matéria da acusação e defesa.

Na hipótese de suspensão do processo, como ocorre na prejudicial obrigatória, não se opera a prescrição. Ao contrário do que ocorre com a prejudicial obrigatória, não há necessidade de que a sentença transite em julgado para que cesse a suspensão o processo crime, bastando apenas que o juiz profira a decisão.

3. CONSEQUÊNCIA DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS

A responsabilidade penal, em regra, independe da civil, possibilitando-se maior liberdade ao juiz criminal na busca da verdade real.

Contudo, a lei estabelece regras para que se possa evitar decisões desarmônicas sobre o mesmo fato, o que enfraqueceria a Justiça na sua dignidade e no seu prestígio, criando para as partes um estado de insegurança e contradição.

Ocorrendo a prejudicial obrigatória ou relativa, quando o juiz extrapenal soluciona a questão em definitivo, com autoridade de coisa julgada, esta decisão impõe-se à Justiça Penal, devendo o juiz penal acatar o decidido pelo juízo cível, em razão da competência ratione materiae.

Caso, na hipótese da prejudicial relativa, o juiz penal chamar para si a solução da prejudicial e vier a proferir sentença condenatória e, vindo futuramente a mesma questão ter solução diversa em sede própria civil, desaparecerá um dos requisitos constitutivos do crime pelo qual se acha condenado o réu.

Argüida a prejudicial na defesa prévia há que se ressaltar seus efeitos.

Em relação às questões prejudiciais obrigatórias, deverá o juiz determinar a suspensão do processo até que a controvérsia seja solucionada em sede civil, devendo, obrigatoriamente, a decisão estar dirimida por sentença passada em julgado. Ocorre também a suspensão da prescrição, bem como da pretensão punitiva do Estado.

A questão da obrigatoriedade de suspensão do processo até que seja solucionada a prejudicial, se dá em virtude de caso o juiz não suspenda o processo ou não aguarde a sua decisão definitiva, nula será a decisão proferida no processo criminal, cabendo nesta situação, habeas corpus por ausência de justa causa, como também o recurso de revisão, por surgirem fatos novos que indiquem a inocência do condenado.

Já em relação à prejudicial facultativa, também há a suspensão do processo, só que neste caso a suspensão terá um prazo determinado pelo juiz, que poderá prorrogá-lo .

Expirado o prazo, sem que haja sido proferido uma decisão no juízo cível, o juiz criminal possui o poder de retomar o andamento do processo, assumindo a solução de toda a matéria.

8. AS EXCEÇÕES

1. CONCEITO E ESPÉCIE

A palavra exceção, do latim exceptio, adquiriu durante a evolução do direito processual, três conceitos diversos. No direito romano, em um sentido mais amplo, era através da exceção que o réu se defendia: “reus in excepione actor est”, o réu, com a exceção, torna-se autor. Em um sentido stricto sensu, a exceção é a alegação da defesa, que se funda tanto no direito como em fatos capazes de paralisar a pretensão punitiva, isto é, ela é a própria pretensão do réu, pois, é através das exceções que o réu deseja livrar-se da pretensão do autor. Por fim, num sentido ainda mais stricto sensu, a exceção é o meio pelo qual se manifesta pela ausência de uma das condições da ação ou de pressupostos processuais.

As exceções são defesas indiretas contra a ação, e principalmente contra o processo, que atacam sua validade e seu desenvolvimento regular, antecipando-se ao julgamento do mérito, onde se apurarão as questões de direito material.

São indiretas porque o réu sem negar o fato ou a autoria, evoca em seu prol, uma circunstância que neutraliza a pretensão punitiva. No mesmo sentido, José Frederico Marques[10] recorda que o Código de Processo Penal conceitua exceções como sendo “defesas prévias de ordem processual que o réu pode alegar logo após o interrogatório com impeditivas da constituição da relação processual”.

Na verdade, as exceções no processo penal não são exceções propriamente ditas, mas simples objeções, à medida que podem ser de ofício conhecidas pelo juiz, independente de provocação da parte, ou mesmo por meio de procedimento em apartado.

Vicente Greco Filho[11] define o instituto das exceções como sendo “procedimentos rituais em que se invocam essas matérias, as quais, porém, podem ser apresentadas como simples objeções, ou seja, independentemente de procedimento próprio, por simples alegação nos autos, mesmo porque podem ser conhecidas de ofício. O Código de Processo Civil distinguiu bem as exceções de objeções, devendo estas ser apresentadas em preliminar de contestação. No Processo Civil, exceções propriamente ditas, são apenas de incompetência relativa, suspeição e impedimento...”

Quanto aos efeitos das exceções, estes podem ser: a) dilatórios (Art 95, incs. I, II e IV do Código de Processo Penal) quando a defesa visa procrastinar, prorrogar o curso do processo ou atacando diretamente às partes, visam transferir o seu exercício; b) peremptórios (Art. 95, incs. III e V do mesmo Codex) quando põe termo à ação.

De maneira geral, a argüição das exceções constitui incidente processual próprio da defesa. As exceções vêm previstas no Art. 95, incisos I a V, do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 95. Poderão ser opostas as exceções de:

I - suspeição;

II - incompetência de juízo;

III - litispendência;

IV - ilegitimidade de parte;

V - coisa julgada.

2. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO

A exceção de suspeição, prevista no inciso I, do Art. 95 do Código de Processo Penal, assenta na falta de imparcialidade do juiz. O juiz deve ser imparcial, pois, como órgão que proclama o direito, não se poderia aceitar como justa a decisão proferida por juiz não imparcial. Diz o Art. 254, do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;

V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

A suspeição que pode ser reconhecida pelo juiz a qualquer tempo, decorre do princípio de que a lei deve colocar à frente da causa juiz imparcial, de ânimo isento e sem interesse no desate da questão.

As exceções de suspeição constituem matéria de direito estrito, põem dúvida a capacidade de isenção e serenidade no julgamento. “As causas de suspeição do juiz são taxativamente estabelecidas na lei, não estando ao capricho das partes nem comportando interpretação extensiva e analógica”[12].

A suspeição não deve decorrer de simples receio da parte ou antipatia pelo juiz. Deve sim, necessariamente, se fundar em motivos lógicos, as razões hão de ser claras, precisas e induvidosas. Nesse sentido já se pronunciou a 1ª Câmara Criminal do TACrim/SP[13], em acórdão unânime, que “as causas de argüição de suspeição devem ser nitidamente indicadas, para que o magistrado possa sobre elas se manifestar”.

Dessa forma, a exceção de suspeição é argüida com o escopo de se recusar o juiz sempre que as partes entendam haver motivo que o impeça de realizar um julgamento justo e imparcial ou, por outro lado, quando existam motivos relevantes para suspeitarem de sua isenção em decorrência de interesses ou sentimentos pessoais, sendo que a suspeição poderá ser levantada em qualquer fase do processo, aliás, diz Eduardo Espínola Filho[14] que “...nem sempre o impedimento ou a suspeição existe, ou é conhecido da própria pessoa, quando se instaura a ação penal, ou se requer uma medida preventiva ou assecuratória. Há casos em que o impedimento ou a suspeição só se apresenta ou vem à ciência das pessoas afetadas ou interessadas quando já em curso o processo. Então, deve o impedido ou suspeito declarar-se tal, de ofício, logo que saiba de sua situação e, se não o fizer, cumpre à parte interessada levantar a exceção, imediatamente”.

8.2.1 PROCESSAMENTO E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO

A exceção de suspeição poderá ser afirmada espontaneamente pelo juiz, sem que, contudo, haja provocação das partes. Se existir motivo legal que leve o juiz a perder sua imparcialidade, é natural que ele próprio se abstenha de praticar qualquer ato no processo, antes que qualquer das partes invoque a exceção.

Com base no artigo 97 do Código de Processo Penal, o juiz, caso se abstenha, deverá faze-lo por escrito, fundamentando a decisão que o motivou, in verbis:

ART. 97. O juiz que espontaneamente afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito, declarando o motivo legal, e remeterá imediatamente o processo ao seu substituto, intimadas as partes.

Logo em seguida os autos serão remetidos ao seu substituto legal, atendidas as normas de organização judiciária.

Da decisão em que o juiz se declara suspeito não cabe recurso, contudo, caso o substituto legal do juiz perceba a inexistência de motivos que impeçam o juiz suspeito de exercer a atividade jurisdicional sob a alegação de suspeição ou não havendo motivo legal que justifique a abstenção, nada impede que o juiz substituto comunique os fatos aos órgãos censórios da Magistratura. De todos os atos serão as partes intimadas, pois, nada impede que o novo juiz seja considerado suspeito.

Na hipótese do juiz não se julgar espontaneamente suspeito, poderão as partes argüir a suspeição nos termos do Art. 254 do Código de Processo Penal.

A argüição de suspeição, caso não venha a surgir futuramente, deverá ser feita na primeira oportunidade de manifestação no processo.

É oportunidade ideal para tal, na defesa prévia, ademais, caso não seja argüida nesta fase processual corre-se o risco de que a mesma se torne intempestiva.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná[15] já se manifestou no sentido de que a suspeição deve ser argüida “no processo penal logo em seguida ao interrogatório, sob pena de se tornar intempestiva”.

Ocorre que, como visto anteriormente, após o interrogatório inicial do acusado lhe é concedido o prazo para a defesa prévia.

A argüição de suspeição deverá ser feita através de petição, assinada pela própria parte ou pelo procurador, desde que tenha poderes especiais para a argüição, que deverá acompanhar a petição.

A petição deverá mencionar como excepto o juiz, na sua pessoa, e não o Juízo ou a Vara Criminal, sob pena de ser tornar inepta.

Constará, necessariamente, na inicial, as razões em que se funda o pedido de reconhecimento da suspeição, bem como os meios através dos quais o excipiente pretende prová-la, não se admitindo a juntada posterior de documentos.

O juiz recebendo o pedido de suspeição poderá ter duas atitudes. A primeira, pode ele reconhecer de imediato a suspeição e declarar-se suspeito, sustando a marcha do processo, e após a juntada da inicial ao processo, determinará sua remessa ao seu substituto.

A segunda hipótese se dá quando o juiz não aceita a suspeição, ocorrendo a situação prevista no artigo 100 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 100. Não aceitando a suspeição, o juiz mandará autuar em apartado a petição, dará sua resposta dentro em 3 (três) dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida, determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em 24 (vinte e quatro) horas, ao juiz ou tribunal a quem competir o julgamento.

§ 1º. Reconhecida, preliminarmente, a relevância da argüição, o juiz ou tribunal, com citação das partes, marcará dia e hora para a inquirição das testemunhas, seguindo-se o julgamento, independentemente de mais alegações.

§ 2º. Se a suspeição for de manifesta improcedência, o juiz ou relator a rejeitará liminarmente.

Julgada procedente a suspeição, tornam-se nulos os atos do processo a partir do momento em que o juiz se tornou suspeito, devendo seus atos ser refeitos pelo novo juiz.

3. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA

Trata-se de exceção prevista no inciso III, do artigo 95 do Código de Processo Penal.

Todo juiz tem jurisdição, isto é, pode dizer o direito no caso concreto. Nem todo juiz, contudo, tem competência para processar e julgar determinado caso.

Desta forma, incompetente é o juiz quando, de acordo com as disposições legais, não lhe couber conhecer do processo, no todo ou em parte, ainda que se tratem de medidas preparatórias ou preventivas.

A competência pressupõe a jurisdição, mas a jurisdição nem sempre traduz competência. A competência processual é um dos requisitos para a validade da decisão, daí por que deverá caber a declinatória fori em qualquer espécie do processo em que esta possa ocorrer.

Todas as vezes que não forem observados os preceitos que determinam a competência, ou seja, quando o juiz não tem jurisdição delimitada para o caso que lhe é submetido, não é permitido ao juiz conhecer a ação, no todo ou em parte.

Incumbe ao juiz julgar de acordo com a sua competência, conhecendo o feito quando entende que é competente, e, na hipótese de não a tê-la, declinar, remetendo os autos ao juiz competente.

A exceptio incompetentiae opera quando o juiz recebe a denúncia, por ser através desta que se dá início à ação penal.

Ao receber a denúncia, supõe-se que o juiz já procedeu a análise atenta dos elementos que a compõe, conseqüentemente, a nulidade do recebimento da denúncia ou queixa torna nulo todo o processo, porque este ato está colocado no liminar da ação penal.

8.3.1 PROCESSAMENTO E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA

O procedimento da argüição de exceção de incompetência de juízo, declinatoria fori, é regido pelos artigos 108 e 109 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 108. A exceção de incompetência do juízo poderá ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa.

§ 1º. Se, ouvido o Ministério Público, for aceita a declinatória, o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo prosseguirá.

§ 2º. Recusada a incompetência, o juiz continuará no feito, fazendo tomar por termo a declinatória, se formulada verbalmente.

ART. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior.

O legislador ao instituir o termo “no prazo de defesa” faz alusão ao prazo para oferecimento da defesa prévia, pois, não sendo suscitada nesta fase processual ocorre a preclusão, ou seja, a incapacidade de alegá-la em outro momento do processo, operando a prorrogação da competência, que tornará o juiz exceptio competente para conhecer o processo, convalidando todos os atos por ele praticados.

Vale ressaltar que, a preclusão, em relação à competência, só se opera quando se tratar de competência relativa, como por exemplo a ratione loci, em função do lugar da infração, já que a competência absoluta, como as referentes à prerrogativa de função, à prevalência das justiças especiais entre outras, poderá ser alegada em qualquer fase do processo.

A exceptio incompetentiae poderá ser oposta por escrito, por petição, ou verbalmente, geralmente no interrogatório do acusado.

Sendo a exceptio incompetentiae alegada, como deve ser, na defesa prévia, tirar-se-á cópia autenticada, tendo em vista a determinação legal de que a exceptio deva ser processada em autos separados, formando-se assim, um processo em separado somente para aquele incidente, conforme determina o artigo 111 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 111. As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal.

Todavia, mesmo sendo a exceptio alegada em tempo oportuno, a nulidade não abrange todo o processo, anulando-se somente os atos decisórios do juiz incompetente.

Ao juiz caberá acatar a declinatória, que, após ouvido o Ministério Público, que neste caso funciona como custus legis, remeterá os autos ao juiz competente, onde o processo seguirá normalmente. Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito.

Caso haja recusa da exceptio pelo juiz, este continuará no feito, podendo a parte somente se opor em sede de habeas corpus ou recurso de apelação. Mas nada impede que o juiz se declare incompetente ex officio no curso do processo, conforme estabelecido no artigo 109 do Código de Processo Penal.

4. EXCEÇÃO DE LITISPENDÊNCIA

Instaurada a ação penal, com o oferecimento da denúncia e seu conseqüente recebimento, a pretensão deduzida em juízo deverá ser julgada. A pretensão torna-se pendente de julgamento.

Nesse contexto, a exceção de litispendência é a que o acusado opõe no processo, evitando desta forma a ocorrência do non bis in idem, princípio ao qual determina que ninguém poderá ser julgado duas vezes pelo mesmo fato. Assim sendo, a exceptio visa coibir que corram paralelamente, dois processos idênticos.

Os elementos que caracterizam a litispendência de ações podem ser identificados quanto ao pedido, ou seja, a pretensão do autor, a res petita, que na ação penal é, via de regra, a aplicação de sanção penal.

Também ocorrerá a litispendência quando a causa de pedir for idêntica, isso é, a mesma razão de fato pela qual o autor pede a condenação. E, por fim, em razão das partes serem as mesmas.

8.4.1 PROCEDIMENTOS E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE LITISPENDÊNCIA

Ao contrário das exceções de suspeição e incompetência, na exceção de litispendência não opera a preclusão, podendo o réu argúi-la a qualquer tempo, perante o juiz que preside o processo instaurado em segundo lugar.

O procedimento para argüição da exceptio é regulado pelo artigo 110 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 110. Nas exceções de litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, será observado, no que lhes for aplicável, o disposto sobre a exceção de incompetência do juízo.

§ 1º. Se a parte houver de opor mais de uma dessas exceções, deverá fazê-lo numa só petição ou articulado.

§ 2º. A exceção de coisa julgada somente poderá ser oposta em relação ao fato principal, que tiver sido objeto da sentença.

Acolhida a exceção, da decisão caberá recurso em sentido estrito.

Se o juiz não acolher a argüição, não há recurso específico, mas a litispendência configura constrangimento ilegal, sanável pela via do habeas corpus.

Caso não haja argüição e a litispendência for afirmada de ofício pelo juiz, o recurso cabível é a apelação, isto porque, reconhecida a litispendência há trancamento da segunda ação penal, em sentença definitiva de natureza processual.

5. EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE

A ilegitimidade de parte, prevista no inciso IV, do artigo 95 do Código de Processo Penal, é a condição de estar em juízo, a capacidade ad causam, onde só o titular do direito poderá pleiteá-lo, sendo vedada a postulação de ação com fundamento em direito alheio.

Existem autores que entendem que a parte ao qual o legislador faz menção é quanto a capacidade de estar em juízo, ad processum, para Hélio Tornaghi[16] “as exceções de que fala o artigo 95, sem qualquer sombra de dúvida são pressupostos processuais”. Contudo, a doutrina e jurisprudência possuem opiniões pacíficas de que a exceção inclui a ilegitimidade ad causam e ad processum.

Desta forma, tanto a denúncia quanto a queixa deverão ser rejeitadas em caso de ilegitimidade de parte e falta de condição exigida pela lei para o exercício da ação penal de forma idêntica, tendo em vista não haver diferença em não ser o autor titular da ação ou lhe faltar capacidade processual, pois, a carência de tais requisitos produzirão o mesmo efeito, qual seja, a nulidade da ação.

A parte há de ser legítima, ter condições legais para estar em juízo, não bastando a capacidade de exercício de direito ou a qualidade para figurar como autor. Observa Vicente Greco Filho[17] “no caso de exceção de ilegitimidade de parte, a exceção é peremptória, ou seja, se procedente a alegação, o processo é totalmente nulo, o qual em nada pode ser aproveitado”.

Ter-se-á, de igual modo, a ilegitimidade de parte, quando o procurador do autor ou do réu não tiver os poderes exigidos pela lei ou se os recebeu de quem não tinha capacidade para conferi-los ou se o procurador for falso, isto é, se apresentar uma procuração falsa ou revogada, ou que não tem os requisitos legais ou ainda se o procurador não estiver legalmente habilitado.

8.5.1 PROCEDIMENTOS E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE

A exceptio illegitimitatis partis é processada nos termos do artigo 110 do Código de Processo Penal, utilizando-se, no que couber, o procedimento da exceção de incompetência de juízo.

Pode ser proposta verbalmente ou por escrito, é processada em autos apartados e não possui efeito suspensivo.

Não há prazo para a sua argüição, já que a ilegitimidade de parte pode ser reconhecida a qualquer tempo, inclusive ex officio pelo juiz.

Reconhecida a ilegitimidade ad causam, após ouvido o Ministério Público, que como ocorre na exceção de incompetência funciona como fiscal da lei, o processo é anulado ab initio, ou seja, desde o princípio, por falta de uma das condições da ação, tratando-se, neste caso, de nulidade absoluta.

A vantagem de se argüir a exceptio illegitimitatis partis na defesa prévia, é que esta, se constatada, provocará a nulidade do processo por se tratar de vício que não se convalida.

Caso a ilegitimidade reconhecida seja a ad processum, ou seja, a capacidade de postular em juízo, inerente aos advogados, configurar-se-á nulidade relativa, podendo ser sanada a qualquer tempo, mediante ratificação dos atos processuais.

Da exceção que reconhecer a exceptio, cabe recurso em sentido estrito, ao passo que da decisão que reconhecer improcedente a exceptio não caberá recurso. Mas, todavia, a matéria poderá ser revista em sede de recurso de apelação ou habeas corpus para o reconhecimento de constrangimento ilegal decorrente de ilegitimidade de parte.

Sendo a exceptio reconhecida de ofício pelo juiz, caberá recurso em sentido estrito, tendo em vista que tal despacho equivale ao de não recebimento da denúncia ou queixa, embora proferido em ocasião posterior à fase própria.

6. EXCEÇÃO DE COISA JULGADA

A exceptio rei judicatae, prevista no inciso V, do artigo 95 do Código de Processo Penal, se funda no mesmo princípio da exceção de litispendência de que ninguém poderá ser julgado pelo mesmo fato duas vezes, non bis in idem.

A coisa julgada penal constitui matéria que foi controvérsia no juízo penal e se tornou indiscutível pela sentença que a dirimiu.

A diferença entre a litispendência e a coisa julgada, consiste no fato de que na primeira há um processo em curso aguardando uma decisão do órgão jurisdicional, enquanto que na segunda essa decisão já existe, já transitou em julgado, ou seja, existe uma sentença irrecorrível.

O respeito à coisa julgada se faz necessário em virtude da necessidade de se preservar as decisões dos órgãos jurisdicionais, pois, se fosse possível reabrir discussões já definitivamente encerradas com o selo da coisa julgada, haveria um verdadeiro caos, perturbação da ordem social, com o conseqüente desassossego geral.

Há a necessidade de se distinguir a coisa julgada formal da material. A primeira traduz a imutabilidade da sentença no processo em que foi proferida, é o efeito preclusivo que impede nova discussão sobre o fato na mesma ação, enquanto que na coisa julgada material há imutabilidade da sentença que se projeta para fora do processo, ou seja, o juiz de outro processo está obrigado a respeitar a decisão na medida em que isto lhe é imposto pela lei.

8.6.1 PROCEDIMENTOS E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE COISA JULGADA

O procedimento para a argüição da exceptio é o disposto no parágrafo segundo, do artigo 110, do Código de Processo Penal.

Isso significa que não há procedência na exceção fundada nas questões secundárias, como as prejudiciais, os motivos de fundamento da sentença, que não integram a questão do fato principal decidido.

Para Frederico Marques[18] esse fato principal “não é outro que o fato material imputado ao réu, independentemente de sua qualificação jurídico-penal”. Não é a diversa classificação jurídica suficiente para afastar a coisa julgada, pois, no direito pátrio, está consagrado o princípio narra mihi factum, dabo tibi jus, “narra-me o fato, dar-te-ei o direito”. É imprescindível, porém, assinalar que o fato principal é constituído da conduta, ação ou omissão, que foi imputada ao acusado e não apenas o seu resultado. Já se decidiu que a absolvição pelo Tribunal do Júri, da imputação de autoria material do crime de homicídio não faz coisa julgada impeditiva de o paciente responder em nova ação penal como participante, por autoria intelectual, do mesmo crime do qual a autoria material é imputada a outrem.

O legislador não determinou prazo fatal para a argüição da exceptio, assim sendo, poderá a exceção, em qualquer fase do procedimento, ser suscitada ex officio pelo juiz ou a requerimento das partes através de petição ou verbalmente, dependendo a fase processual em que se encontra o processo, pois, se este se encontrar na instância superior, não se admite que tal formulação seja verbal.

A vantagem de se argüir a exceptio rei judicatae na defesa prévia, é que mesmo a exceção sendo processada em autos apartados, caso seja constada a exceção de coisa julgada, o processo principal será declarado nulo, extinto sem julgamento do mérito.

Oposta a exceção, deverá ser ouvida a parte contrária, e, mesmo que se trate de ação penal privada, deverá ser colhida a manifestação do Ministério Público, como custos legis.

A exceptio processar-se-á em autos apartados e não terá efeito suspensivo.

Da decisão que reconhecer a existência da res judicata caberá recurso em sentido estrito, contudo, não há recurso específico do indeferimento, caso em que pode ser novamente argüida como preliminar de apelação ou em outro recurso, inclusive pedido de habeas corpus. Caso se trate de decisão ex officio do juiz, caberá recurso de apelação, haja vista se tratar de sentença com força definitiva que põe termo ao processo.

9. DENÚNCIA

9.1 CONCEITO

A denúncia é o meio pelo qual se inicia a ação penal, em seu significado técnico processual a denúncia é a peça inaugural da ação penal, quando promovida pelo Ministério Público, pouco importando ser a ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima. Se o Ministério Público inicia a ação penal, este ato vestibular, em que se formaliza o direito de ação, recebe em nosso direito pátrio o nomem juris de denúncia.

É a petição inicial, quando se tratar de crime de ação penal pública, a petição que corresponde àquela do Processo Civil. Nas hipóteses em que se permite ao ofendido dar início à ação, a sua peça inaugural toma a denominação de queixa.

Tanto a denúncia quanto a queixa, são peças indispensáveis, tendo em vista não só promoverem o nascimento da relação jurídica processual, mas por se tratarem dos meios pelos quais é formulada a acusação, imputando-se a alguém a prática de uma possível infração penal e pedindo-se a sua condenação. Devem assim existir, como realidade fática ou jurídica.

O instituto da denúncia vem expresso no Art. 24 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1º. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (Antigo parágrafo único renumerado pela Lei nº 8.699, de 27.08.1993)

§ 2º. Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.699, de 27.08.1993).

Em virtude do princípio non procedat judex ex officio ( o juiz não pode dar início ao processo), é natural que o interessado deva dirigir-se ao Estado-Juiz, invocando-lhe a garantia jurisdicional. Em se tratando de crime de ação pública, o Estado-Administração, que é parte interessada, através da denúncia, provoca a atividade jurisdicional.

Desta forma, a denúncia é o ato processual por meio do qual o Estado-Administração, através do órgão competente, o Ministério Público, se dirige ao juiz, dando-lhe o conhecimento de um fato que reveste os caracteres de infração penal e manifestando a sanctio juris ao culpado.

9.2 CONTEÚDO DA DENÚNCIA

A denúncia formalmente em ordem deverá conter:

I) A exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, que deverá limitar-se ao necessário à configuração do crime e às circunstâncias que descrevem o fato e que possam influir na sua caracterização, deverá conter, sempre que possível, a hora, dia, mês, ano e local em que o crime foi cometido, bem como o modo como foi cometido e os instrumentos usados. Tais exigências se fazem necessárias, não só para facilitar a tarefa do magistrado, como também para que o acusado possa ficar habilitado a defender-se, conhecendo o fato que lhe é imputado

Na denúncia, o órgão do Ministério Público pede a condenação do acusado. E, para pedi-la, obviamente lhe deve imputar a prática de um crime. O fato criminoso é a razão do pedido da condenação, a causa petendi.

Não se concebe, por absurdo, uma peça acusatória, sem que haja a causa petendi. Para que exista a ação, é preciso que se deduza uma pretensão, e, ao mesmo tempo, se aponte o seu fundamento, a sua razão de ser.

Observa-se, contudo, que simples omissão de qualquer circunstância acidental não tem o condão de invalidar o requisitório, mesmo porque o Ministério Público, a todo tempo, antes da sentença final, poderá supri-la, nos termos do artigo 569 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 569. As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Ministro Edmundo Linz[19], afirmou que “a data e o lugar do crime são requisitos acidentais ... meras circunstâncias do fato ... os quais podem ser preenchidos depois ...”. Cumpre ainda advertir, na palavra do Ministro Francisco Campos, que o Código de Processo Penal é infenso ao excessivo rigorismo formal que dava margem, no Direito anterior, a uma infindável série de nulidades processuais.

É bem verdade que, sem tais circunstâncias, a peça inicial da ação penal não está, a rigor, perfeita. Mas, como explica Eduardo Espínola Filho[20] “o que não se justifica é levar o formalismo a ponto de rejeitar a ação penal, sob o fundamento de inexistência, na queixa ou na denúncia, daquela ou daquelas circunstâncias”.

Embora a denúncia deva fazer uma perfeita descrição da conduta do imputado, em se tratando de delito de autoria coletiva, mormente se nos autos do inquérito não está especificado o modo de participação de cada um, a jurisprudência tem entendido possa o Ministério Público fazer uma narração genérica do fato, sem especificar a conduta dos partícipes, usando no corpo da peça acusatória a expressão “atuando de comum acordo e identidade de propósito...”.

Tem-se admitido também, a denúncia alternativa. Assim, quando o Promotor de Justiça, em face das provas colhidas no inquérito, tem dúvida entre duas condutas sobre o qual deva ser imputada, diz-se, pode ele atribuir ambas ao réu. Assim, por exemplo, na dúvida quanto a ter havido receptação dolosa ou culposa.

Há por outro lado, entendimento contrário. Nas Mesas de Processo Penal, realizadas na Faculdade do Largo de São Francisco, sob a coordenação da Professora Ada Pellegrini Grinover, Juízes do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, deixaram assentado na Súmula 1 que “a acusação deve ser determinada, pois a proposta a ser demonstrada há de ser concreta. Não se deve admitir denúncia alternativa, principalmente quando haja incompatibilidade lógica entre os fatos imputados”.

II) A qualificação do acusado, que consiste na sua individualização, podendo esta ser pelo prenome, nome, apelido, pseudônimo, idade, estado civil, profissão, filiação. A qualificação do acusado é de suma importância, haja vista se tratar de qualidade personalíssima, não podendo ser atribuída a outra pessoa que não a verdadeira culpada. As circunstâncias qualificadoras devem coincidir com a pessoa do verdadeiro culpado, ao passo que não sendo possível qualificar o acusado pela forma já indicada, o Ministério Público poderá apontar os esclarecimentos pelos quais se possa identificar o acusado.

Tais traços característicos devem ser suficientes para distinguir o verdadeiro culpado. Se não forem bastante para distingui-lo das demais pessoas, nenhuma valia terá o requisitório.

Contudo, se o crime for cometido por várias pessoas, não se podendo de maneira alguma identificar ou apontar os sinais característicos de alguma delas, nada impede seja a denúncia apresentada contra os conhecidos, e, posteriormente, se forem aquelas identificadas, poderá o Ministério Público apresentar outra denúncia contra aqueles que, a princípio, não eram conhecidos, ou, dependendo da fase em que se encontrar o processo, fazer um aditamento ao requisitório.

III) Classificação do crime, que nada mais é do que a indicação do dispositivo legal que descreve o fato criminoso, não bastando a simples identificação do nomem juris, pois, sob a mesma denominação podem aparecer crimes diferentes. Configurando tal hipótese, o juiz, ao tomar conhecimento da peça acusatória, não poderá rejeitá-la sob a alegação de erro na classificação do crime, tendo em vista não ser este o momento propício para a apreciação do verdadeiro dispositivo violado, mesmo porque o juiz não fica vinculado à classificação do crime feito na denúncia. E isto por uma razão muito simples, o momento oportuno para o juiz apreciar a classificação do crime e lhe dar a correta qualificação é fixada pelo artigo 383 do Código de Processo Penal, quando da prolação da sentença, in verbis:

ART. 383. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.

IV) Rol de testemunhas, pois, cumpre ao Ministério Público provar o fato alegado por quaisquer meios de provas permitidos em Direito. Contudo, o artigo 399 do Código de Processo Penal, permite ao órgão do Ministério Público e ao querelante, quando do oferecimento da denúncia ou queixa, requerer as diligências que julgarem necessárias, in verbis:

ART. 399. O Ministério Público ou o querelante, ao ser oferecida a denúncia ou a queixa, e a defesa, no prazo do artigo 395, poderão requerer as diligências que julgarem convenientes.

O citado artigo também faz menção ao prazo para a defesa requerer diligências, que será o da defesa prévia.

A denúncia deverá preencher certos aspectos formais. Deve a peça inaugural da ação penal indicar o juiz a quem é dirigida, ser escrita em vernáculo, conter o pedido de citação do réu, bem como estar assinada pelo órgão do Ministério Público que tiver atribuições para funcionar no juízo do qual se invoca a prestação jurisdicional.

Atendidos todos estes requisitos, a denúncia estará formalmente regular.

9.3 INÉPCIA DA DENÚNCIA

Cabe ao juiz exercer o juízo de admissibilidade da denúncia, verificando se estão presentes as condições da ação, ou seja, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade “ad causam”, bem como o estabelecido no artigo 41 do Código de Processo Penal, in verbis:

ART. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Estabelece o artigo 43 do Código de Processo Penal, as circunstâncias em que a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada, in verbis:

ART. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - o fato narrado evidentemente não constituir crime;

II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;

III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

Parágrafo único. Nos casos do nº III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

Ocorre, que em algumas ocasiões faltam alguns destes requisitos à denúncia, e, infelizmente passam desapercebidos pelos juízes.

Caberá, então, ao defensor do acusado suscitar a inépcia da denúncia, e, se for o caso, pedir o arquivamento da mesma ou a extinção da ação penal sem o julgamento do mérito.

Por outro lado, em se tratando de ações de procedimentos especiais, podem estar presentes as condições de admissibilidade da denúncia, mas estar faltando alguns requisitos que não são indispensáveis no procedimento ordinário, mas o são no especial.

Caso típico é o do estabelecido na Lei nº 9.430, de 27.12.1996, em seu artigo 83, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social e sobre o processo administrativo, in verbis:

ART. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de Dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Parágrafo único. As disposições contidas no caput do art. 34 a Lei nº 9.249, de 26 de Dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.

Esclarece o citado dispositivo, a necessidade de se instruir a denúncia dos crimes contra a ordem tributária, com a decisão final apurada em sede administrativa, haja vista nestes tipos de crimes não se admitir a produção futura de provas.

A decisão em procedimento administrativo, se faz necessária em virtude de através desta decisão que se materializará o crime, ou seja, a supressão ou redução de tributo ou contribuição social, que é o fato típico dos crimes contra a ordem tributária.

Edmar Oliveira Andrade Filho[21] esclarece o tema dispondo que: “o lançamento tributário é que caracteriza o resultado nos crimes contra a ordem tributária, porquanto a exigência da exação pode sofrer diversas vicissitudes até que venha a ser declarada dívida líquida e certa” ... “Por tais razões, é livre de dúvidas que a consumação dos crimes contra a ordem tributária só pode ser afirmada depois de esgotadas todas as instâncias administrativas de que dispõe o sujeito passivo para discutir a exação. Isto porque o lançamento tributário, como vimos, pode perfeitamente ser desconstituído, hipótese em que desapareceria o núcleo do tipo penal, a supressão ou redução ilegal do tributo ou contribuição”.

Isto posto, caberá ao defensor do acusado levantar a inépcia da denúncia na defesa prévia, pleiteando ao juiz que a rejeite, nos termos do artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, por inexistência de justa causa para a instauração da ação penal.

Outra circunstância em que a denúncia poderá ser rejeitada é a prevista na Lei nº 5.250, de 09.02.1967 (Lei de Imprensa), tendo em vista a referida lei, em seu artigo 43, determinar que a denúncia seja instruída com prova inequívoca da materialidade do delito, que in casu deverá ser recorte de jornal ou periódico, fita de vídeo ou k7, in verbis:

ART. 43. A denúncia ou queixa será instruída com exemplar do jornal ou periódico e obedecerá ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal, contendo a indicação das provas que o autor pretendia produzir. Se a infração penal tiver sido praticada através de radiodifusão, a denúncia ou queixa será instruída com a modificação de que trata o artigo 57.

§ 1º. Ao despachar a denúncia ou queixa, o juiz determinará a citação do réu para que apresente defesa prévia no prazo de cinco dias.

Omissis ...

§ 3º. Na defesa prévia, devem ser argüidas as preliminares cabíveis, bem como a exceção da verdade, apresentando-se, igualmente, a indicação das provas a serem produzidas.

Omissis ...

Ausente a prova exigida pelo artigo supra, é a defesa prévia o momento ideal para ser argüida a inépcia da denúncia, extinguindo-se a ação sem o julgamento do mérito.

É de grande importância ressaltar, que o prazo para a apresentação da defesa prévia é de cinco dias e não três como ocorre no procedimento ordinário, isto vem a provar que se deve ficar atento aos procedimentos dos processos com rito especial, pois, como visto, cada um possui a sua peculiaridade que poderá causar os mais variados efeitos entre as partes da relação processual.

10. CONCLUSÃO

Como se pôde observar no decorrer do presente trabalho, a correta utilização do instituto da defesa prévia proporciona ao advogado meios para subsidiar a defesa técnica de seu cliente, que nada mais é do que sua obrigação como operador do direito.

Entendemos, que o motivo da não utilização do instituto da defesa prévia em sua totalidade, se dá em virtude do fato de que na maioria das vezes o advogado é procurado poucos dias antes da audiência de interrogatório do acusado, o que não lhe proporciona tempo suficiente para se aprofundar no caso, motivo pelo qual leva o advogado a protelar a argüição das exceções, das questões prejudiciais ou da inépcia da denúncia para outra fase do processo, desde que assim a legislação o permita fazer, pois, caso contrário, estas se tornarão preclusas, não podendo ser suscitadas em outra fase do processo, o que certamente prejudicará seu cliente.

Noutros casos, a própria falta de conhecimento da legislação impede o bom desempenho do defensor, como ocorre nas situações em que o legislador prevê procedimento especial, em especial nos crimes de imprensa, regulamentado pela Lei nº 5.250 de 09.02.1967, e na Lei 9.430 de 27.12.1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social e sobre o processo administrativo, que foram os dois exemplos estudados, onde o próprio corpo da lei indica os requisitos da denúncia, que como disposto anteriormente, é a peça que dá início à ação penal.

Desta forma, desatendidas as exigências legais para o oferecimento da denúncia, esta se tornará inepta, devendo o advogado atacá-la na defesa prévia, evitando maiores transtornos para o cliente.

Ademais, o bom uso da defesa prévia ocasionaria, quando fosse o caso, no término do processo, logo após a primeira intervenção do acusado, atendendo desta forma o princípio da economia processual, que ajudaria a desabarrotar os juízes de processos que, bem administrados, já poderiam estar encerrados, o que certamente também irá favorecer os operadores do direito.

Não é a defesa prévia instituto processual dispensável, muito menos de pouca importância, haja vista o próprio legislador estabelecer que caso o juiz não abra prazo para sua apresentação, ocorrerá a nulidade do processo. Não é justo para com o cliente, muito menos ético, que a defesa prévia esteja limitada a um simples texto, que certamente está gravado na memória do computador, onde só é mudado o seu endereçamento e o nome das partes e de suas testemunhas.

É obrigação do operador do direito se empenhar na defesa dos interesses do seu cliente, não o sujeitando ao transtorno de ter contra si uma ação penal por inabilidade processual de seu defensor.

11. BIBLIOGRAFIA

DELMANTO, Celso, 1937 - DELMANTO, Roberto, 1943 – DELMANTO JUNIOR, 1968 – DELMANTO, Fabio Machado de Almeida, 1973, Código Penal Comentado – 5ª ed – Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

DEMERCIAN, Pedro, Curso de Processo Penal/ Pedro Henrique Demercian, Jorge Assaf Maluly, São Paulo: Atlas, 1999.

GRINOVER, Ada Pellegrini, As nulidades no Processo Penal / Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes Filho, 6ª ed, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998.

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[1] AZEVEDO, Vicente de Paula. Curso de Direito Judiciário Penal. São Paulo, 1.958, v.1, p. 72-73.

[2]PEDROSO, Fernando de Almeida, Processual Penal, O Direito de Defesa: repercussão, amplitude, limites. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 18-19

[3]GRINOVER, Ada Pellegrini, As Garantias Constitucionais do Processo. In: Novas tendências do Direito Processual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

[4]TUCCI, Rogério Lauria, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 110-111

[5] ALMEIDA JUNIOR , João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1.959, v.1, p. 47. A vedação do julgamento à revelia não é uma conquista ou criação moderna Processualística Penal. No último período do Processo Penal Romano, firmou-se o princípio de que o acusado não poderia ser julgado à revelia, salvo tratando-se de crimes punidos com penas leves, até o degredo inclusive, e provada a contumácia, assegurando-se, no entanto, a conservação das provas, sinais e vestígios do crime.

[6] NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. José Konfino Editor, 1.963.

[7] MIRABETE, Julio Fabbrini, ProcessoPenal, 8ª ed, rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1998, p. 478

[8] RT 564/405

[9] RT 709/382

[10] MARQUES, José Frederico,Elementos de Direito Processual Penal, Campinas, Bookseller, 1997, v. 2, p.194.

[11]GRECO FILHO, Vicente, Manual de Direito Processual Penal. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 156

[12] TJMG, Jurisprudência Mineira 44/607

[13] Jurisprudência Penal e Processual Penal, v.10, p. 321, n. 12879

[14]ESPÍNOLA FILHO, Eduardo , Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. II, p. 254, ed. Rio de Janeiro

[15] RT 564/365

[16] TORNAGHI, Hélio, Instituições de Processo Penal, 1959, v.1, p. 174, ed. Del Rey

[17] GRECO FILHO, Vicente, Manual de Processo Penal, 1991, p. 158, ed. Atlas

[18] MARQUES, Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Rio-São Paulo, Forense, 1961, v.3, p.96/97

[19] LINZ, Edmundo, Arquivo Judiciário, 14/127

[20] ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Rio de Janeiro:Borsoi, 1954, p.420

[21] ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira, RT 740/498

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