Tribunal de Contas da União



Grupo II – Classe I – Primeira Câmara

TC-020.492/2007-9

Natureza: Recurso de Reconsideração

Òrgão: Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG

Recorrente: Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, na pessoa de seu Presidente, Desembargador Kildare Carvalho

Advogado constituído nos autos: não há

Sumário: RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. TOMADA DE CONTAS ANUAL. CONHECIMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE MENSAGEIROS MIRINS MEDIANTE DISPENSA DE LICITAÇÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTRATOS DE APRENDIZAGEM. AQUISIÇÃO DIRETA DE BENS PARA PADRONIZAÇÃO DE MOBILIÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL. RECOMENDAÇÃO AO PODER EXECUTIVO FEDERAL.

RELATÓRIO

Em exame recurso de reconsideração interposto pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG, na pessoa de seu Presidente, Desembargador Kildare Carvalho, objetivando desconstituir algumas das ressalvas objeto do Acórdão nº 4871/2010-TCU-1ª Câmara (fls. 1068/1069, v. 4).

2. Naquela assentada, o Tribunal deliberou por julgar regulares com ressalva as contas de alguns responsáveis e regulares as de outros, expedindo as seguintes determinações corretivas ao TRE-MG (item 9.3 do Acórdão):

“9.3. determinar ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais - TRE/MG que:

9.3.1. providencie, com fundamento no art. 45 da Lei n. 8.443/1992, no prazo de 15 (quinze) dias a partir da ciência deste Acórdão, a anulação do contrato celebrado com a Inspetoria São João Bosco - Centro Salesiano do Menor, para a prestação de serviços de office-boy, por mensageiros mirins, haja vista este ter-se amparado, indevidamente, em dispensa de licitação abrigada no art. 24, inciso XIII, da Lei n. 8.666/1993, informando a este Tribunal acerca das providências adotadas, no prazo de 30 (trinta) dias;

9.3.2. informe, nas próximas contas, sobre:

9.3.2.1. os bens permanentes não localizados no inventário realizado no final do exercício de 2006, conforme relatado no item 13 do Relatório de Auditoria de Gestão relativo às contas de 2006;

9.3.2.2. a conclusão do pregão eletrônico para contratação de empresa de telefonia e de eventuais processos licitatórios posteriores para o mesmo fim;

9.3.3. abstenha-se de contratar, por inexigibilidade de licitação, a aquisição de bens tendo por justificativa padronização definida pelo órgão, visto que este fato não descarta a possibilidade de outros fornecedores atenderem os padrões exigidos;”

3. No despacho de fls. 15 do Anexo IV, em conformidade com a análise de admissibilidade produzida pela Secretaria de Recursos – Serur, manifestei-me pelo conhecimento da peça recursal e determinei a restituição dos autos à unidade especializada para instrução.

4. O auditor da Serur, mediante instrução de fls. 16/20 do Anexo IV, referendada pelo escalão dirigente da unidade, sintetizou as alegações do recorrente e as analisou nos seguintes termos:

“III - DA ANÁLISE DE MÉRITO

8. O TRE-MG, na pessoa de seu Presidente, depois de formular breve relato dos fatos e tratar da admissibilidade, fundamentou seu recurso por meio do Capítulo III (fls. 3/10, Anexo 4), dividido entre as razões de recorrer em face do item 9.3.1 (fl. 3/6, Anexo 4) e 9.3.3 (fl. 6/10, Anexo 4), que passam a ser analisadas no mérito.

ALEGAÇÕES

9. Em face do item 9.3.1 do multicitado Acórdão, o recorrente defende a subsunção do CESAM à hipótese prevista no art. 24, XIII, da Lei 8.666/1993, motivo por que colaciona excerto da instrução sob a responsabilidade da Unidade Técnica:

“No que tange à qualificação do Centro Salesiano do Menor, verificamos que este atende a todos os requisitos formais previstos em Eli conforme bem demonstrou o responsável.”

10. Acrescenta também que “neste contexto, constata-se que o prazo assinalado não é suficiente para o desfecho do procedimento licitatório”, uma vez encontrar-se em ano eleitoral e por serem imprescindíveis os “serviços dos mensageiros mirins, sob pena de comprometer o bom andamento dos trabalhos.”

ANÁLISE

11. O recorrente colacionou excerto estanque, isolado de uma instrução que analisou com pertinência essa contratação e que não socorre o TRE-MG. Nesse contexto, impõe-se juntar o excerto completo da análise realizada pela Unidade Técnica (fl. 1031, v. 4):

“No que tange à qualificação do Centro Salesiano do Menor, verificamos que a mesma atende a todos os requisitos formais previstos em lei, conforme bem demonstrou o responsável.

Entretanto, o que motivou a audiência foi a falta de nexo entre o objeto da avença, a natureza da instituição e o citado dispositivo legal. Não se questiona a qualificação do Centro Salesiano do Menor, mas sim a forma de sua contratação, para um objeto que não guarda correlação com a natureza do CESAM, entendimento este pacificado no âmbito do Tribunal, conforme Súmula de Jurisprudência 250, abaixo transcrito:

‘SÚMULA 250

A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.’

Pelo que consta no Contrato 21/2003 (fls. 881/890), o objeto da contratação é o fornecimento, pelo Centro Salesiano do Menor, de mensageiros mirins, para a prestação de serviços de “office-boys” na sede e cartórios do TRE/MG, o que caracteriza, por si só, mero fornecimento de mão de obra, não guardando correlação com pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional para o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.”

12. Verifica-se, portanto, que o fundamento da impugnação da mencionada contratação não é a natureza jurídica do CESAM, “mas sim a forma de sua contratação, para um objeto que não guarda correlação com a natureza do CESAM, entendimento este pacificado no âmbito do Tribunal, conforme Súmula de Jurisprudência 250”, conforme consignou a Unidade Técnica.

13. Subsiste, portanto, a determinação contida no item 9.3.1 do Acórdão 4871/2010-TCU-1ª Câmara.

ALEGAÇÕES

14. O segundo ponto atacado pelo recorrente diz respeito ao item 9.3.3 do multicitado Acórdão, transcrito no item 3 desta instrução.

15. Consignou o recorrente que:

“É indene de dúvidas que a instituição da padronização não significa, isoladamente, a inviabilidade de realização de procedimento licitatório. Ao revés, caso haja os pressupostos para tal fim, impinge-se ao administrador público o encargo de levar a público a disputa pelo objeto pretendido”.

16. Em seguida o recorrente descreve o objeto, menciona a existência de levantamento de preço de mercado, a fundamentação da aquisição com suporte em pareceres do Controle Interno e da Assessoria Jurídica, dentre outros argumentos.

ANÁLISE

17. Não há confundir a busca de padronização dos objetos a serem adquiridos pela Administração com a contratação direta por meio de dispensa ou inexigibilidade de licitação.

18. As contratações por meio de dispensa ou inexigibilidade de licitação devem subsumir-se às hipóteses restritas dos arts. 24 e 25, da Lei 8.666/1993, respectivamente, sob pena de irregularidade no processo licitatório.

19. Observe-se que a dispensa de licitação implica a possibilidade de se lançar o certame, porém há superveniência de fato que autoriza a contratação direta.

20. Já nas hipóteses de inexigibilidade de licitação, não há falar em possibilidade de se lançar o certame, ou seja, embora seja percorrido todo o itinerário interno do processo licitatório, não se inaugura a fase externa, motivo por que se contrata a empresa que se amolda às hipóteses previstas no art. 25 da Lei 8.666/1993. Esse rol é taxativo e não se pode dele desviar o gestor público, sob pena da prática de ato com infração à norma legal.

21. Deve-se enfatizar que o Relator a quo, Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costas, sopesou todos os elementos subjetivos na conduta dos agentes responsáveis por esse ato e entendeu tão somente determinar a abstenção, a partir daí, de contratar diretamente os produtos que se sujeitam à padronização, sem que propusesse apenação a estes responsáveis.

22. Dessa forma, a padronização incentivada pela Administração não implica, no caso concreto, autorização para contratação direta, motivo por que remanesce injustificada a contratação direta em razão dessa padronização.

ALEGAÇÕES

23. O requerente registrou que (fl. 5, Anexo 4):

“Na hipótese de essa Corte permanecer com o entendimento esposado no Acórdão multicitado, pela anulação do Contrato 45/06, não se mostra razoável o prazo concedido para tal procedimento. É que o período eleitoral está em pleno curso e não é possível prescindir dos serviços dos mensageiros mirins, sob pena de comprometer o bom andamento dos trabalhos”.

ANÁLISE

24. Esse argumento perdeu o objeto em razão de o processo eleitoral haver-se encerrado no dia 31.10.2010, motivo por que não haveria mais a possibilidade do comprometimento do bom andamento dos excelentes trabalhos realizados pela Justiça Eleitoral.

V - DA PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO

25. Ante o exposto, propõe-se:

25.1. conhecer do Recurso de Reconsideração interposto pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, por meio de seu Presidente, Desembargador Kildare Carvalho, nos termos dos arts. 32, I, 33, da Lei 8.443/1992, para, no mérito, negar a ele provimento, mantendo-se inalterados os termos do Acórdão recorrido;

25.2. dar ciência às partes, aos órgãos/entidades interessados da deliberação a ser proferida pelo Tribunal.”

5. O Ministério Público, representado pelo Procurador Júlio Marcelo de Oliveira, manifestou concordância com a proposta oferecida pela Unidade Técnica (fls. 22, Anexo 4).

É o Relatório.

VOTO

Trago à apreciação deste Colegiado recurso de reconsideração interposto pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG, pelo qual pretende rediscutir duas das ressalvas objeto do Acórdão nº 4.871/2010-TCU-Primeira Câmara.

2. Inicialmente registro que o recurso deve ser conhecido, por satisfeitos os requisitos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

3. Constato que as ocorrências ressalvadas foram de baixa gravidade, razão pela qual este Colegiado, ao proferir a deliberação guerreada, considerou-as insuficientes para macular a gestão do TRE-MG no exercício de 2006.

4. Por essa razão, o Tribunal deliberou por julgar regulares com ressalva as contas de alguns responsáveis e regulares as de outros, expedindo determinações corretivas ao TRE-MG.

5. A peça recursal que ora se analisa limita-se a questionar duas das determinações expedidas. São elas:

9.3.1. providencie, com fundamento no art. 45 da Lei n. 8.443/1992, no prazo de 15 (quinze) dias a partir da ciência deste Acórdão, a anulação do contrato celebrado com a Inspetoria São João Bosco - Centro Salesiano do Menor, para a prestação de serviços de office-boy, por mensageiros mirins, haja vista este ter-se amparado, indevidamente, em dispensa de licitação abrigada no art. 24, inciso XIII, da Lei n. 8.666/1993, informando a este Tribunal acerca das providências adotadas, no prazo de 30 (trinta) dias;

(...)

9.3.3. abstenha-se de contratar, por inexigibilidade de licitação, a aquisição de bens tendo por justificativa padronização definida pelo órgão, visto que este fato não descarta a possibilidade de outros fornecedores atenderem os padrões exigidos;”

5. No que tange ao processo de aquisição irregular de bens por inexigibilidade de licitação, tendo em vista a necessidade de padronização de mobiliário, noto que o TRE-MG – embora defenda a razoabilidade do procedimento adotado na instituição ante as circunstâncias específicas que nortearam a contratação – não pretende rediscutir a deliberação do TCU.

6. Abstém-se, assim, o recorrente de formular pedido de reconsideração do subitem 9.3.3 do Acórdão nº 4871/2010-TCU-Primeira Câmara, manifestando, desde já, que envidará todos os esforços para o fiel cumprimento da deliberação.

7. Nada obstante, perfilho, no mérito, o entendimento sobre a matéria apresentado pela Serur, o qual desde já incorporo às minhas razões de decidir, restando, pois, prejudicado o recurso no ponto.

II

8. Outro, porém, é o ânimo do TRE-MG no que concerne ao subitem 9.3.3 do Acórdão vergastado, mediante o qual o TCU determinou a anulação do Contrato nº 45/2006, celebrado com a Inspetoria São João Bosco - Centro Salesiano do Menor, cujo objeto é a prestação de serviços de mensageiros mirins.

9. No ponto, com os fundamentos que expõe, especialmente quanto à adequabilidade do enquadramento da contratação no inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93, o TRE-MG requer a reconsideração da determinação, para que se mantenha o Contrato nº 45/2006.

10. Como visto no relatório precedente, o fundamento último do ponto ressalvado foi a ausência de correlação entre o objeto da avença – serviços de mensageiros mirins – e a natureza da instituição contratada, o CESAM, na forma exposta pela Secex-MG, com a qual se alinhou o relator da deliberação questionada.

11. Entendeu a Secex-MG que, embora o CESAM atendesse “a todos os requisitos formais previstos em lei”(instituição brasileira, sem fins lucrativos, incumbida regimentalmente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional e com inquestionável reputação ético-profissional), o objeto da contratação caracterizaria “mero fornecimento de mão de obra”, estranho à natureza estatutária da instituição contratada, restando, em consequência, violada a Súmula 250 da jurisprudência do TCU, por ausência de nexo efetivo entre os dispositivos do art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93, a natureza da instituição e o objeto contratado.

12. Em linha de concordância com a unidade técnica, concluiu o relator a quo que a irregularidade estava devidamente caracterizada, “porquanto se deixou de observar o competente processo licitatório em situação em que isso era obrigatório”, assentindo à proposta de anulação do Contrato nº 45/2006.

13. Desta feita, analisando a peça recursal, a Serur entende insuficientes os argumentos esgrimidos pelo TRE-MG, concluindo pela subsistência da determinação exarada no subitem 9.3.1 do Acórdão nº 4871/2010-TCU-Primeira Câmara.

14. O desate da controvérsia reside em precisar se, de fato, o objeto da contratação resume-se a “mero fornecimento de mão de obra” e, em caso negativo, se guarda relação com a natureza estatutária da instituição contratada.

15. Na peça recursal, o TRE-MG assegura que “as atividades desempenhadas pelo CESAM visam, dentre outras finalidades, o fomento do ensino e a formação de jovens carentes, na faixa etária de 16 a 18 anos, inserindo-os, ao mesmo tempo, no mercado de trabalho.”.

16. E complementa:

“O CESAM, em sua atuação social, celebra parceria sócio-educativa com entidades diversas, visando a participar do processo de formação acadêmica, humana e profissional dos menores. Este papel não é somente formal, mas, antes, possui efetividade e é desempenhado por meio de uma participação concreta na vida estudantil dos menores que emprega, com a parceria de empresas diversas.

Pode-se extrair desse contexto, que a finalidade da norma restou atendida, ainda que de forma mediata, pois é da essência e do objetivo social do CESAM a formação acadêmica,humana e profissional de menores.

Ao contratá-la, este Tribunal, além de atender ao interesse público, com a prestação dos serviços de que necessita, propicia e fomenta o ensino e a formação desses menores, mensageiros-mirins.”

16. A argumentação apresentada pelo TRE/MG está suficientemente corroborada pela documentação carreada aos autos pelo CESAM, por ocasião da oitiva levada a efeito pela Secex/MG, em especial o estatuto social de sua mantenedora, a Inspetoria São João Bosco - ISJB (fls. 1006/1009).

17. Nos termos dos artigos 2º e 3º de seu estatuto social a ISJB tem por objetivos a educação e o amparo da juventude, especialmente a mais pobre, e a promoção humana, mantendo para a consecução desses objetivos estabelecimentos voltados, dentre outros aspectos, para a assistência, a reintegração social e a educação, incluindo a profissionalizante.

18. Para alcançar seus objetivos, o CESAM, conforme informações obtidas em seu sítio na internet (), privilegia a educação e evangelização de adolescentes carentes na faixa etária de 16 a 18 anos de idade, empregando-os e encaminhando-os, na forma da legislação específica que rege o trabalho do menor (CLT e Estatuto da Criança e do Adolescente), ao mercado formal de trabalho.

19. Nesse sentido, o CESAM privilegia a educação para o trabalho como principal estratégia para a promoção humana, fornecendo aos adolescentes carentes que o procuram as condições necessárias para a consecução do primeiro emprego, razão pela qual estabelece inúmeras parcerias sócio-educativas com entes públicos e privados.

20. De modo a firmar a convicção sobre o alcance das ações desenvolvidas pelo CESAM, estebeleci contato com a direção da entidade, resultando no encaminhamento do relatório de fls. 22/35, anexo 4, o qual, além de confirmar as premissas veiculadas em seu site e no recurso apresentado pelo TRE/MG, detalha o amplo rol de atividades (educação, saúde, assistência social e educacional, etc) realizadas para o alcance do objetivo institucional de “contribuir para o fortalecimento do vínculo e da convivência familiar e comunitária de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, por meio da qualificação sócio-profissional e inserção no mercado de trabalho” (grifei).

21. Não por acaso, o foco da atuação do CESAM recai sobre adolescentes em situação de risco social, na faixa etária de 16 a 18 anos de idade, que estejam cursando o ensino fundamental, requisitos, aliás, devidamente especificados no parágrafo único da Cláusula Primeira do Contrato nº 45/2006, firmado com o TRE/MG.

22. Pelo exposto, parece-me de todo equivocado tomar a natureza do objeto do contrato firmado com TRE/MG como “mero fornecimento de mão de obra”, despindo o ajuste que ora se analisa de seu inegável caráter sócio-educativo e igualando uma instituição de reconhecida folha de serviços prestados à sociedade brasileira na seara da assistência social a uma prestadora privada regular de serviços terceirizados.

23. Com efeito, quisesse a administração simplesmente alcançar o fornecimento de mão de obra de mensageiros, deveria, de fato, lançar mão de certame licitatório específico para a contratação de fornecedores usuais do serviço no mercado. Contudo, opta por alcançar esse objetivo sob uma forma específica: a parceria sócio-educativa, com todos os requisitos legais que a qualificam, com entidade sem fins lucrativos que detém a expertise necessária à educação profissional e inserção no mercado de trabalho de menores em situação de risco, conforme detalhei nos itens precedentes.

24. Note-se que, embora a relação seja redefinida e ganhe inegável conteúdo social no formato adotado, sua natureza contratual não pode ser afastada, perdurando-se o objetivo original da administração mediante a contraprestação de serviços de mensageiros pela entidade selecionada. Por essa via, alcançam-se três objetivos: o provimento do serviço requerido, a consumação da parceria sócio-educativa e a constituição de salvaguardas à administração contratante mediante a adoção do contrato administrativo, na forma da legislação incidente.

25. Redimensionado o entendimento sobre o escopo do objeto do contrato firmado entre o TRE/MG e o CESAM, tenho por superada a suposta violação da Súmula 250 da jurisprudência do TCU, por incontroverso o nexo entre os dispositivos da lei, a natureza estatutária da instituição contratada e o objeto do contrato, o que autoriza a consumação da dispensa de licitação com fundamento no art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93 e a firmatura do respectivo contrato.

26. Por essa razão, no mérito, deve o recurso de reconsideração apresentado pelo TRE/MG ser provido, de modo a tornar insubsistente a determinação constante do subitem 9.3.1 do Acórdão nº 4871/2010 – Primeira Câmara, possibilitando a fluência do ajuste com o CESAM, caso não tenha ainda expirado, até o final de sua vigência, incluindo eventuais prorrogações nos termos da lei federal de licitações.

III

27. Nos casos em que se debruçou sobre admissão de menores mediante parcerias sócio-educativas entre unidades da Administração Pública e entidades privadas sem fins lucrativos, este Tribunal vinha se manifestando majoritariamente pela regularidade da formalização dos procedimentos mediante termos de convênio, na forma da legislação federal incidente (Decisão 425/1992 - Plenário, Decisão 005/1995 - Segunda Câmara, Decisão 1.309/2002 – Plenário, Acórdão 1386/2003 - Primeira Câmara e Acórdão 962/2004 - Plenário).

28. Considerava esta Corte que, não obstante houvesse o efetivo interesse do órgão contratante na obtenção dos serviços de mensageiros (conferindo verniz contratual à relação estabelecida com o ente privado), os ajustes caracterizavam-se fundamentalmente como uma parceria para a promoção de medidas sócio-educativas destinadas à inserção dos menores assistidos ao mercado de trabalho, cuja formalização melhor se amoldava à figura administrativa do convênio.

29. Não por acaso, pelo que se extrai da documentação acostada, as parcerias realizadas pelo CESAM, com entes públicos e privados, são majoritariamente materializadas mediante “convênios sócio-educativos”.

30. O fato é que, em parcerias dessa natureza, é tênue a distância entre as interpretações que sustentam a formalização do ajuste por uma via (contrato) ou pela outra (convênio). Se se enfatiza o objetivo imediato da administração contratante (alcançar um determinado serviço), o contrato aparece como solução formal mais adequada. Se o aspecto enfatizado é a parceria na promoção de medidas sócio-educativas, inclina-se para a adoção da forma convênio.

31. Há, portanto, enorme razoabilidade na linha predominante da jurisprudência desta Corte sobre o assunto, ao chancelar a forma convênio como via juridicamente adequada para a formalização desse tipo de ajuste.

32. Nada obstante, permito-me repisar argumento já utilizado na primeira parte deste voto no sentido de que, embora nesse tipo de parceria a relação seja redefinida e ganhe inegável conteúdo social, sua natureza contratual não pode ser relevada, ante a clara persecução do objetivo primário da administração mediante a contraprestação de serviços de mensageiros pela entidade selecionada. Assim, com a formalização do contrato administrativo, a administração alcança, a um só tempo, o fornecimento do serviço requerido e a parceria sócio-educativa, resguardada pelas salvaguardas próprias deste instrumento legal, na forma da legislação incidente.

33. Recentemente, ao se debruçar sobre convênios realizados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região com o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia com objetos efetivamente executados por jovens aprendizes, a Primeira Câmara deste Tribunal, em processo da relatoria do Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa, entendeu que aqueles ajustes atendiam os requisitos constantes do art. 24, inciso XIII, da Lei n. 8.666/1993, considerando falha de menor gravidade o uso da expressão convênio para denominá-los, em vez de contrato (Acórdão nº 6.583/2010 – TCU – Primeira Câmara).

IV

34. Investigando a evolução das normas que disciplinam o trabalho do menor, encontra-se grande similaridade entre o mecanismo adotado no Contrato nº 45/2006, firmado pelo TRE/MG com o CESAM, e os requisitos incidentes sobre os “contratos de aprendizagem” (limitação de idade dos assistidos, inscrição em programa de orientação técnico-profissional, matrícula e frequência em escola, contratação por entidade sem fins lucrativos, etc) na forma estabelecida pela Lei do Aprendiz (Lei nº 10.097/2000), que, consolidando dispositivos da CLT e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), estabeleceu novo marco jurídico para a aprendizagem de menores voltada para o trabalho.

35. Não se trata de uma comparação alegórica. Ela se justifica tanto pela real possibilidade de normatização e adoção dos contratos de aprendizagem pelos órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional, reorientando as parcerias porventura em curso, quanto pela aplicabilidade imediata, ainda que por analogia, de alguns dos preceitos que regem os contratos de aprendizagem nas empresas públicas e sociedades de economia mista aos ajustes similares porventura existentes nos demais órgãos e entidades da administração.

36. Embora a Lei do Aprendiz tenha especificado os requisitos gerais aplicáveis aos contratos de aprendizagem – incluindo a possibilidade de que a contratação do aprendiz seja efetivada indiretamente por intermédio de entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente –, nada disse sobre a operacionalização e formalização de ajustes dessa natureza, em especial se presentes órgãos ou entidades da administração pública federal no polo contratante ou concedente.

37. Essa lacuna foi parcialmente suprida com a edição do Decreto nº 5.598/2005, que, ao regulamentar a contratação de aprendizes prevista na Lei nº 10.097/2000, estabeleceu que sua efetivação por intermédio de entidade sem fins lucrativos somente deverá ser formalizada após a celebração de contrato entre o estabelecimento e a entidade selecionada (art. 15, § 2º). Oportuno destacar que o Decreto nº 5.598/2005 é posterior a toda a jurisprudência do TCU a que anteriormente me referi.

38. Embora esse mecanismo de contratação tenha sido estendido às empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 16, caput), o decreto excepcionou os órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional que, na forma do parágrafo único de seu art. 16, deverá observar regulamento específico para a contratação de aprendizes, ainda não editado pelo executivo federal.

39. O recorte revela que, já na edição do Decreto nº 5.598/2005, o poder público tinha dúvidas jurídicas relevantes sobre a aplicabilidade da Lei do Aprendiz aos órgãos e entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional, em especial sobre a legalidade de se estender a esses entes, ainda que por analogia, dispositivos próprios do regime celetista.

40. Essa posição foi melhor explicitada quando em 2009 o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE abriu consulta pública para colher sugestões a um anteprojeto de lei dispondo sobre a aprendizagem na Administração Pública direta, autárquica e fundacional.

41. Não obstante a limitação em sua incidência, o Decreto nº 5.598/2005, explicitou a intenção do poder público de que, na contratação de aprendizes, os ajustes eventualmente realizados com entidades sem fins lucrativos sejam formalizados mediante contratos, leitura, como vimos, juridicamente adequada em ajustes dessa natureza, tendo em vista a impossibilidade de se afastar sua natureza contratual.

42. Tal opção permite inferir que, no que respeita às empresas públicas e sociedades de economia mista, os contratos possam ser precedidos de licitação entre entidades que preencham os requisitos do regulamento, facultadas à administração as hipóteses aplicáveis de dispensa previstas na Lei de Licitações, especialmente a de que trata o inciso XIII do art. 24.

43. A propósito, o anteprojeto de lei dispondo sobre a aprendizagem na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, colocado em consulta pública pelo MTE, comporta dispositivo similar, estabelecendo que a contratação pela administração de entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica observará os termos da legislação que rege as licitações e contratos administrativos ().

44. Delineadas essas premissas, não vejo razoabilidade em se adotar para órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional, ante a inexistência de regulamento ou de lei específica, regramento distinto daquele preconizado pelo Decreto nº 5.598/2005 para as empresas públicas e sociedades de economia mista, seja na formalização de contratos de aprendizagem, seja, por analogia, na formalização de contratos similares, como o que ora se analisa, com entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a inserção de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social ao mercado de trabalho.

45. Não obstante essa possibilidade interpretativa – para que não perdure o hiato na edição de legislação incidente sobre a contratação de aprendizes pelos órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional, constituindo fonte de insegurança jurídica e óbice significativo para a implantação eficiente de uma política pública de inquestionável relevância e urgência –, reputo fundamental a expedição de recomendação ao Poder Executivo Federal para que adote medidas destinadas a agilizar o encaminhamento ao Congresso Nacional do anteprojeto de lei dispondo sobre a implementação de contratos de aprendizagem na Administração Pública direta, autárquica e fundacional.

46. Atualiza-se, por essa via, a sugestão encaminhada por esse Tribunal à Casa Civil da Presidência da República quando da prolação do Acórdão nº 962/2004 – TCU – Plenário, no sentido de que estudasse “...a regulamentação de um programa de contratação de menores aprendizes no âmbito da Administração Federal, tendo em vista que a iniciativa de difusão da Lei do Aprendiz atualmente ainda está restrita às empresas privadas e que a Administração Pública pode desempenhar um papel social relevante nessa área, com potenciais benefícios como a geração de empregos, formação profissional concomitante aos estudos do adolescente, aumento da empregabilidade dos jovens que completarem os 18 anos, melhoria da imagem da Administração Pública e diminuição da violência urbana”.

V

47. Pelas razões expostas, que predicam a regularidade do contrato firmado pelo TRE/MG com o CESAM, reafirmo minha convicção de que, no ponto, o recurso de reconsideração apresentado pelo TRE/MG deva ser provido, deixando de acolhê-lo, todavia, no tocante à aquisição de bens mediante inexigibilidade de licitação, sob a justificativa de padronização.

Ante o exposto, VOTO no sentido de que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à deliberação deste Colegiado.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 10 de maio de 2011.

VALMIR CAMPELO

Ministro-Relator

ACÓRDÃO Nº 2967/2011 – TCU – 1ª Câmara

1. Processo nº TC-020.492/2007-9

2. Grupo II, Classe de Assunto: I – Recurso de Reconsideração

3. Órgão: Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG

4. Recorrente: Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, na pessoa de seu Presidente, Desembargador Kildare Carvalho

5. Relator: Ministro Valmir Campelo

5.1. Relator da deliberação recorrida: Ministro-substituto Marcos Bemquerer Costa

6. Representante do Ministério Público: Procurador Júlio Marcelo de Oliveira

7. Unidades Técnicas: Secretaria de Recursos – Serur e Secex/MG

8. Advogado constituído nos autos: não há

9. Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de recurso de reconsideração interposto pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG, pelo qual pretende rediscutir as ressalvas objeto do Acórdão nº 4.871/2010-TCU-Primeira Câmara.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da Primeira Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, com fundamento nos arts. 32, I, e 33 da Lei Orgânica do TCU, c/c o art. 277, I, do Regimento Interno do TCU, em:

9.1. conhecer do recurso de reconsideração interposto pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG para, no mérito, dar-lhe provimento parcial, tornando insubsistente a determinação constante do subitem 9.3.1 do Acórdão nº 4.871/2010 – Primeira Câmara;

9.2. recomendar à Casa Civil da Presidência da República, ao Ministério do Planejamento e ao Ministério do Trabalho e Emprego que adotem medidas destinadas a agilizar o encaminhamento ao Congresso Nacional do anteprojeto de lei que dispõe sobre a implementação de contratos de aprendizagem na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, levado a consulta pública pelo Ministério do Trabalho e Emprego;

9.3. dar ciência desta deliberação, acompanhada do Relatório e do Voto que a sustentam, ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG e à Inspetoria São João Bosco - Centro Salesiano do Menor.

10. Ata n° 15/2011 – 1ª Câmara.

11. Data da Sessão: 10/5/2011 – Ordinária.

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-2967-15/11-1.

13. Especificação do quorum:

13.1. Ministros presentes: Walton Alencar Rodrigues (na Presidência), Valmir Campelo (Relator), Ubiratan Aguiar e José Múcio Monteiro.

13.2. Ministros-Substitutos presentes: Marcos Bemquerer Costa e Weder de Oliveira.

|(Assinado Eletronicamente) |(Assinado Eletronicamente) |

|WALTON ALENCAR RODRIGUES |VALMIR CAMPELO |

|na Presidência |Relator |

Fui presente:

(Assinado Eletronicamente)

PAULO SOARES BUGARIN

Subprocurador-Geral

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