O Negro em O Estado da Bahia – de 09 de maio de 1936 a 25 ...



O Negro em O Estado da Bahia

De 09 de maio de 1936 a 25 de janeiro de 1938

Universidade Federal da Bahia

Faculdade de Comunicação

Departamento de Jornalismo

Orientador / Docente: Professor Doutor Renato da Silveira

Autor / Discente: Vinícius Clay

Sumário

Introdução ................................................................................. 3

A controversa personalidade de Jubiabá ................................... 6

A sabedoria ancestral de Martiniano do Bonfim ...................... 16

O Jubiabá do romance e o da vida real ..................................... 22

Jorge Amado e a depreciação do verdadeiro Jubiabá ............... 25

Resistência com samba e capoeira ............................................ 29

Um cortejo à mãe d’água .......................................................... 34

Na Goméia de um jovem pai de santo ...................................... 37

Uma visita ao Estrela de Jerusalém ........................................... 43

Sobre o culto da natureza entre os bantos ................................. 48

Gilberto Freyre – críticas e receio de coisas improvisadas ....... 50

Um pai de santo na Rádio Comercial ........................................ 53

O 2º Congresso Afro-Brasileiro da Bahia ................................. 55

Tentando unir os candomblés ................................................... 64

Morte de Aninha – e a “pureza” dos ritos nagôs ...................... 69

Conclusão ................................................................................. 75

Bibliografia .............................................................................. 78

Caderno de fotos ...................................................................... 80

Estou ajudando o Estado da Bahia a fazer reportagens sobre os candomblés e, ao mesmo tempo, conseguindo a adesão de toda a turma. A coisa vai de vento em popa.

Edison Carneiro (em carta enviada a Arthur Ramos, no dia 06 de junho de 1936).

Introdução

O período que compreende os anos de 1936 e 1938 foi de intensa produtividade para o jornalista e etnógrafo Edison Carneiro. Durante este intervalo, o pesquisador baiano produziu obras de grande relevância para os estudos africanistas, leitura essencial até os dias atuais, como os ensaios organizados em Religiões Negras e Negros Bantos[1], que integram a Biblioteca Científica da Editora Civilização Brasileira. Foi também durante o referido período que Edison Carneiro organizou o 2º Congresso Afro-Brasileiro, um marco para a Bahia no caminho rumo à legitimação dos costumes de origem africana.

Ainda entre 1936 e 1938, o etnógrafo e jornalista Edison Carneiro se destacou como o principal articulador durante a criação da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia e também é considerado o idealizador de uma entidade que acolhesse os estudos africanistas no estado, hoje representada, embora com propostas diversas, pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO - UFBA), criado em 1959. Ao mesmo tempo em que desenvolvia tais atividades, Edison Carneiro atuava como jornalista, colaborando em Salvador para o jornal O Estado da Bahia, antes de se mudar para o Rio de Janeiro, em 1939, onde também atuou em alguns jornais, a exemplo do Última Hora e do Jornal do Brasil. Seu trabalho no periódico baiano entre os anos de 1936 e 1938 - como autor e organizador de uma série de reportagens, artigos e entrevistas envolvendo os costumes afro-brasileiros - se constitui em trabalho pioneiro na mídia impressa local.

Todo este período de intensa atividade foi registrado em suas cartas endereçadas ao amigo Arthur Ramos, outro importante precursor dos estudos africanistas no Brasil, que então residia no Rio de Janeiro e trabalhava como editor da Biblioteca Científica da Civilização Brasileira. O material foi encontrado pela viúva de Edison Carneiro, Madalena Carneiro (no Arquivo Público da Biblioteca Nacional) que o entregou aos estudiosos Vivaldo da Costa Lima e Waldir Freitas Oliveira, que posteriormente o editaram, publicando em seguida a obra Cartas de Edison Carneiro a Artur Ramos – de 4 de janeiro de 1936 a 6 de dezembro de 1938[2]. Em um artigo elaborado por Vivaldo Costa Lima, intitulado “O Candomblé na Bahia na década de 30”, o autor cita a série de reportagens organizadas por Edison Carneiro em O Estado da Bahia e a define como “o início de uma mudança, em alguns jornais de Salvador, com respeito ao tratamento dado à religião dos negros da Bahia”.[3] Até então, os jornais baianos reproduziam um discurso repressivo e orientado pelo catolicismo, que já havia sido denunciado anteriormente por Nina Rodrigues.

Os anos de 1920 e 1930 foram marcados pela intensificação da perseguição religiosa na Bahia. Não só por parte da polícia, que era responsável pelo controle dos terreiros - através da Delegacia de Jogos e Costumes -, mas também pela imprensa local, que desenvolvia acirrada campanha contra os candomblés e também não poupava críticas à capoeira, ao samba e a qualquer outra manifestação da cultura africana, consideradas nos editoriais como “coisa de gente ignorante”. A pesquisadora Ângela Luhning analisou um conjunto de reportagens publicadas nos principais jornais de circulação no estado neste período à procura de informações sobre o assunto. Seu trabalho resultou no artigo “Mito e realidade da perseguição policial aos candomblés da Bahia”[4], onde é possível constatar a intolerância da opinião pública em relação aos costumes trazidos da África.

E é nesse contexto histórico e social, que o jornal O Estado da Bahia publica a série de reportagens, artigos e entrevistas redigidas, organizadas ou orientadas por Edison Carneiro no período em que esteve a promover o 2º Congresso Afro-Brasileiro e a criar a União das Seitas Afro-Brasileiras. Seu esforço para a concretização deste trabalho se deveu a diversos fatores. A liberdade religiosa da população afrodescendente, a legitimação dos seus costumes e até mesmo a necessidade de ganhar dinheiro para manter seus estudos serviram como incentivo.

A seguir, observamos um resumo do conteúdo de todo esse material, em ordem cronológica, com o objetivo de elaborar uma reflexão sobre o trabalho de Edison Carneiro em O Estado da Bahia e, assim, contribuir para a realização de estudos sistemáticos que traduzam a luta pela legitimação dos costumes de origem africana, desde o seu princípio até a sua franca expansão, que se deu justamente a partir dos anos 30. Para facilitar a leitura do material, a ortografia das palavras foi atualizada. Até a presente data (15 de abril de 2004), as importantes edições de O Estado da Bahia se encontram no acervo de periódicos raros da Biblioteca do Estado da Bahia, em franco processo de deterioração e ainda sem registros em microfilmes.

A controversa personalidade de Jubiabá

O primeiro texto da série de notas, artigos e reportagens sobre a cultura afro-baiana foi publicado em O Estado da Bahia no dia 09 de maio de 1936 com o título “As ‘macumbas’ através de interessantes reportagens do Estado da Bahia” e o subtítulo “Jubiabá, o célebre ‘pai de santo’, ouvido por nós, faz sensacionais revelações”. Trata-se de uma nota criada para anunciar a série de reportagens que viria a ser publicada nos meses seguintes. Para a primeira delas, foi escolhido o nome do pai de santo Jubiabá, um dos mais famosos de seu tempo, líder religioso de um candomblé de caboclo no Morro da Cruz do Cosme. Jubiabá, também, era o título do mais recente romance publicado por Jorge Amado, o que despertava ainda mais a curiosidade em torno de sua imagem. Como veremos mais tarde, numa seqüência de três reportagens, Jubiabá e Jorge Amado travam uma deselegante discussão através das páginas do jornal por causa do romance.

Logo no primeiro parágrafo, o texto fala da realização e da participação de Edison Carneiro no 1ºCongresso Afro-Brasileiro, ocorrido em Recife, em novembro de 1934. De lá, o jornalista e etnógrafo saiu com um objetivo claro: promover, em Salvador, o 2º Congresso Afro-Brasileiro. Mas o fato é que não existia na Bahia, àquele tempo, uma figura de renome como o pernambucano Gilberto Freyre, já consagrado com o seu Casa-Grande & Senzala. Ainda assim, com muito esforço e alguns adiamentos, o congresso aconteceria em janeiro do ano seguinte. Com a série de reportagens, Edison pretendia informar e preparar o terreno para a instalação do congresso, além de conquistar o apoio da comunidade negra e de outros intelectuais.

Este primeiro texto ainda reflete um momento em que o interesse, ou ao menos a curiosidade, de pesquisadores e da população em geral sobre a cultura afrodescendente aumentava, ainda que timidamente. O texto cita, como exemplo, além da realização do Congresso Afro-Brasileiro do Recife, a transmissão de um ritual africano pela Rádio Tupy.

Dois dias depois, 11 de maio de 1936, O Estado da Bahia publica a entrevista com Severiano Manoel de Abreu, com o título “No mundo cheio de mistérios dos espíritos e ‘pais de santos’”, acompanhado por dois subtítulos. O primeiro: “Iniciando uma larga reportagem sobre espiritismo e candomblés o Estado da Bahia viu e ouviu o famoso Jubiabá, herói do último romance de Jorge Amado”. E mais abaixo: “De incrédulo a médium curador – Cruz do Cosme e seu reduto – Até entre os espíritos há melindres e vaidades – Pai de 22 filhos vivos e influência política”.

Jubiabá novamente é apontado como o personagem do romance homônimo de Jorge Amado, dito vaidoso e detentor de influência política. As ligações políticas do capitão Severiano Manoel de Abreu com membros e assessores do governo, a exemplo de Martinelli Braga, oficial de gabinete do governador Juracy Magalhães, são destacadas nas entrevistas, inclusive por ele mesmo. Elas conferiam prestígio ao pai de santo, possibilitavam a troca de favores, atraíam benfeitorias para a comunidade e contribuíam para preservar sua casa de culto da violência policial.

O preconceito explícito nas páginas dos jornais da época praticamente se restringia às religiões de origens africanas e indígenas, enquanto o espiritismo e o ocultismo, de raízes européias, eram mais aceitos socialmente, consideradas doutrinas mais “civilizadas”, como denota este trecho da entrevista:

Mesmer e Flamarion, Cagliostro e muitos outros fizeram admiradores e fervorosos prosélitos, com os seus passes, livros ou trues [sic] hábeis e impressionantes.

Ao lado destas e outras crenças em que a grande família humana se divide, o fetichismo tem também o seu grande número de fiéis entre os africanos e indígenas de outras raças até mais ou menos civilizadas.

Por sua vez a legião de espíritos é numerosíssima, congregando em torno dos centros e associações mediúnicas milhares de crentes em curas e milagres, melhoria de condições financeiras ou de afeto que se afasta.

Não raro registra a imprensa casos de envenenamentos ou de loucura devido aos meios empregados para a “cura” do paciente

As sessões de “cura” de fato eram noticiadas com freqüência pelos jornais da época. No caso dos candomblés, geralmente as denúncias eram realizadas por familiares de pessoas que desejavam seguir a religião. Denúncias de envenenamento, loucura e cárcere privado eram as mais comuns. Os ebós também eram denunciados com freqüência pela imprensa, muitas vezes, ela mesma era alvo de “despachos”, por conta das abordagens preconceituosas e das notícias de prisão de líderes religiosos que publicavam. O então vespertino A Tarde se afirmava ele próprio como sendo um alvo recorrente e dava o troco através de seus editoriais, que qualificavam as oferendas como algo “porco” e “degradante”. Neste trecho da entrevista com Jubiabá, o jornalista se refere às oferendas de maneira pejorativa, observando o crescimento da prática na capital baiana dos anos 30.

Os “despachos” com a infalível farofa de azeite e a “pipoca” de milho torrado, a boneca preta, crivada de alfinetes e enovelada de linha “para atrasar a vida”[5]; um chinelo velho ou um corte de fazenda para “atrapalhar a sorte” e tantos outros despachos ou “ebós” encontram-se pela cidade, diariamente, até nos pontos mais centrais.

Mas entre todos os “motivos” apresentados pelos jornais e pela polícia para justificar a violência contra os candomblés da cidade, o som dos tambores - considerados “perturbadores do silêncio público” - era o principal, como aponta o jornalista, mais adiante:

Pulcheria, Nana e Nicácio tiveram as suas roças freqüentadas por destacadas figuras sociais da cidade, políticos eminentes, secretários de governos passados, etc., durante os dias de festa, rodeando as camarinhas onde as filhas de “Xangô”, “Oxalá” e “Oxóssi” faziam o seu noviciado com filhas de santo, trajando de branco e de cabeça rapada[6].

“Pagar a cabeça” é ainda uma gentileza praticada generosa e gostosamente por muitos senhores brancos amigos do pêji, que pagam uma certa espórtula pela tonsura da sua preferida.

Com a mesma celebridade restam poucos, salientando-se o de Bernardino – no “Bate-Folha”, na estrada de rodagem. Existem, porém, por toda a parte, nos subúrbios da cidade, batedores de atabaques e tamborins, perturbadores do silêncio público, e aos quais a polícia faz às vezes visitas nada cordiais, conduzindo-os à delegacia mais próxima[7].

Este trecho demonstra uma certa aceitação social que alguns candomblés já desfrutavam nesse período. No entanto, o jornal A Tarde de 02 de março de 1925 publicou uma nota reclamando do barulho provocado pelos atabaques do Bate Folha, que então “incomodava” a vizinhança da Mata Escura do Retiro[8].

Jubiabá é descrito na reportagem como um “tipo forte de caboclo, estatura um pouco acima da mediana, fala mansa e de boas maneiras, 50 anos de idade há dias feitos”, que tem na Cruz do Cosme um verdadeiro feudo, onde os seus “trabalhos” e conselhos são seguidos cegamente, onde vivem mais de uma centena de pessoas, que lhe são devotas e ligadas por gratidão ou laços de parentesco. Já em Jorge Amado, Jubiabá é dito um negro velho, mas de idade indefinida, e com as pernas tortas. Seu corpo é curvo e seco e, apoiado num bastão, andando devagarinho, passava abençoando os negros da Bahia com seu ramo de folhas, enquanto “resmungava” palavras em nagô.

Outra discussão levantada pelo jornalista coloca em questão se Jubiabá é “macumbeiro ou espírita”, como destaca o intertítulo. Jubiabá não queria ser chamado de candomblezeiro ou macumbeiro, termos utilizados pejorativamente pelos jornais[9]. Preferia ser nomeado espírita e, nesse caso, seguidor de uma doutrina de origem européia, mais aceita socialmente. Sua fama crescente como pai de santo já havia rendido algumas prisões, seguidas da apreensão dos objetos utilizados nos seus rituais. Uma das razões apontadas por Jubiabá para ter raiva de Jorge Amado resulta do fato de o escritor ter usado seu nome como título do seu último livro. O romancista o descreveu como um negro candomblezeiro pobre e de pernas tortas. Vaidoso, o verdadeiro Jubiabá detestou. Dias depois, em entrevista a O Estado da Bahia, Jorge Amado negaria ter se inspirado no famoso pai de santo para o personagem do seu livro.

Adiante, o jornalista chama a atenção para o fato de Jubiabá ser desconfiado, “como todo caboclo”. Em outras reportagens da série publicada em O Estado da Bahia, também é destacado o fato de negros e caboclos serem “desconfiados” ou arredios. Até então, motivos lhe sobravam para desconfiar das boas intenções dos jornalistas. Nesta passagem, o jornalista destaca a “desconfiança” de Jubiabá com o intertítulo “Só tiro o meu retrato com ordem do Dr. Martinelli Braga!”:

- Minha casa, diz ele, é freqüentada por muitas pessoas de importância. Médicos, bacharéis, negociantes e autoridades vêm aqui. Dentre os meus amigos eu conto o dr. Martinelli Braga. Eu sou amigo do governo! Nas eleições municipais dei mil e tantos votos ao dr. Americano da Costa a pedido do dr. Martinelli.

Aquele é um velhinho bom e amigo dos pobres. Para estas casinhas daí do fundo, ele dispensou as plantas e vai mandar botar um chafariz.

O trecho acima reflete, além da desconfiança de Jubiabá, sua estreita relação com políticos influentes. E depois de conseguir a autorização do oficial de gabinete do governador Juracy Magalhães, Jubiabá permite que façam as fotografias e procura se defender da acusação de feitiçaria, atitude, aliás, recorrente em suas entrevistas:

- Não sou feiticeiro! Exclamou aborrecido. Pedem-me às vezes consentimento para “bater”, a fim de agradar aos caboclos. Minha casa é de sessão. Curo e faço caridade com o poder que Deus me deu, com as minhas forças ocultas.

Depois desta afirmativa mostra-nos todas as dependências da casa para que constatássemos a inexistência de santos e objetos de candomblé.

Nas passagens que se seguem, Capitão Severiano, célebre como Jubiabá, revela a origem do seu próprio codinome, como passou a cultuar o espiritismo e ainda cita curas que diz ter feito com o auxílio dos poderes mágicos dos espíritos, que teria recebido após ter descoberto seu dom mediúnico:

A origem do nome de “Jubiabá”

- O nome de “Jubiabá” desperta sempre curiosidade. Seria interessante saber a sua origem.

- Eu lhe explico. É o nome do espírito meu obcessor. Vou contar ao sr. o começo da minha vida de espírita. Há 36 anos, eu ainda rapaz, fui procurado por um parente de um rapaz chamado Sydronio para fazer uma consulta numa sessão espírita na Cidade de Palha em benefício de sua saúde. Até então eu não acreditava nestas coisas, mas fui. Manifestou-se então um espírito mau e atrasado.

Este espírito declarou que do corpo do homem só sairia daí a 15 dias no Cemitério.

Quinze dias depois o homem morria. Esse fato me decidiu a acreditar nos espíritos.

“Reforçada a minha fé, tornei-me médium” – o 1º espírito obcessor

- Passei a freqüentar daí em diante aquela sessão, com bastante fé e me tornei médium sem saber.

Nesta sessão manifestou-se em mim um espírito que leva o nome de Cândido Ribeiro.

A uma pergunta nossa sobre o que teria sido em vida o espírito de Cândido Ribeiro, respondeu “Jubiabá” que nunca o investigava.

Médium influente e curador

Sua capacidade psíquica porém, foi-se elevando gradativamente.

Na zona das Docas do Wilson, nos Coqueiros do Pilar, existia, naquele tempo uma sessão espírita de nomeada, na residência do dr. Valério, presidida pelo prof. Firmo.

De uma feita surgiu no grupo um rapaz chamado João Miranda para tratar-se. Foi ele entregue aos cuidados de Severiano.

Surge “Jubiabá”

O espírito de um caboclo baixou sobre um dos médiuns. Era o assistente Severiano.

Caído em transe, manifestou-se, então, o espírito que declarou se chamar “Jubiabá”.

Começou então, a cura do paciente João Miranda, que já apresentava consideráveis melhoras, quando sobreveio um acidente.

A seguir, o jornalista narra, em tom de escárnio, o que teria levado Jubiabá a criar seu próprio centro religioso – uma briga entre espíritos:

O incidente a que aludimos veio demonstrar que nem mesmo os espíritos estão isentos de melindres e de vaidade.

No decorrer da cura de João Miranda, por intermédio de Severiano, manifestou-se num filho do dono da casa de nome Nelson, um atrasado que deu o nome de “Rei de Minas”.

Este entrou logo a demolir a influência de “Jubiabá”, qualificando-o de impostor e perturbado. Houve, por isso, desinteligência no ambiente astral e o espírito de “Jubiabá”, melindrado com o seu irmão mediúnico, abandonou a cura do doente, que veio a falecer vítima da vaidade dos espíritos.

Firmado o seu conceito, Severiano ou “Jubiabá” passou a trabalhar por conta própria, em sua casa, abrindo uma sessão na Rua Nova do Queimado, a seguir, na caixa D’água, n. 10 e depois na Cruz do Cosme, 205, hoje Avenida Saldanha Marinho, cuja nova denominação ele fez questão de ser citada.

Floresceu, então, aí o “Centro Espírita Paz Esperança e Caridade”.

Talvez para se esquivar da polícia e da imprensa, Jubiabá anuncia sua aposentadoria como pai de santo e reforça sua imagem de médium, ao mesmo tempo em que nega a cura com auxílio de medicamentos e a realização de festas ao som de atabaques. Ou seja, nega tudo aquilo considerado contravenção naqueles anos de repressão aos terreiros. A afirmação de Jubiabá em relação à cura com remédios tem o intuito de defendê-lo de uma acusação comum da polícia e da imprensa contra pais e mães de santo - o da prática ilegal da medicina:

- Atualmente, concluiu “Jubiabá”, eu não faço “trabalhos”. Dou apenas sessões doutrinárias e preces.

Posso garantir ao senhor, que nunca fiz curas com remédios. Troco idéias com os médicos e estes aconselham o remédio de que o doente necessita. Há pouco tempo deixei de fazer estas curas, atendendo a uma determinação do meu amigo tenente Hannequim, ordem esta que estou cumprindo.

Quanto a esta história de bater, uns estudantes vieram aqui e me pediram isso. Eu não tinha material e mandei pedir uns courinhos emprestados (atabaques). Perguntei se eles queriam ver de caboclo ou de africano. Fiz a festa, eles ficaram satisfeitos e no meio destes um achou que eu era feiticeiro.

Mesmo em um período de perseguição policial intensificada aos candomblés, era comum o fato de policiais freqüentarem e às vezes até se confirmarem nos terreiros. Ou até mesmo o movimento contrário: gente de candomblé entrar para a polícia com o intuito de protegê-lo[10]. Em muitas notícias publicadas em jornais da época, integrantes da corporação eram acusados de proteger os candomblés, uma das funções dos ogãs[11]. Em algumas oportunidades, os policiais intervinham contra seus próprios colegas. Em outras, avisavam pais e mães de santo sobre uma possível diligência policial, a tempo de seus governantes se protegerem.

A passagem final da reportagem, destacada abaixo, relata o rompimento da amizade entre Jubiabá e o ex-subdelegado Antônio Coelho. A discussão é apontada pelo pai de santo como o estopim para as batidas policiais que se sucederam em sua casa:

Dentre outras coisas interessantes que ouvimos durante a nossa palestra com “Jubiabá” veio a balha sua inimizade com o ex-sub-delegado local, até então o seu amigo íntimo.

Antônio Coelho, conhecido na zona por “Tonico”, era seu amigo e comensal inseparável. Havia reciprocidade de favores e gentilezas. Mas já um dia tudo mudou.

É que o ex-sub-delegado lhe pedira para fazer da sua conventilho[12].

Repelindo o seu ex-amigo mandou-lhe uma “mensagem” escrita com a letra do escrivão de policia do distrito, ameaçando-o e cobrindo-o de injúrias.

Na “mensagem” policial vinha uma coisa interessante: - uma cabeça de urubu.

Era o primeiro aviso para um cerco que se realizou depois na sua casa, de onde levaram uma cadeira confortável, onde Severiano presidia as sessões.

“Jubiabá” prosseguiria a narrativa de fatos e episódios da sua vida, se o imperativo das horas não nos chamasse à bancada do jornal.

Ainda assim quis mostrar-nos uma faceta importante da sua vida: - 22 filhos vivos dos quais o mais velho cursa o 2º ano ginasial. E terminou ao despedir-se dizendo: - eu não faço as misérias de que me acusam. Só se esta terra não tivesse governo e não tivesse jornais.

Descemos o morro por entre os olhares curiosos fixados nos apetrechos do fotógrafo, tropeçando na ladeira com um pombo enfeitado e cheio de pipocas e azeite e mais adiante com uma galinha preta um “ebó” perfeito, completíssimo, que, com certeza, não era destinado a trazer felicidade.

Foram encontrados três registros jornalísticos sobre as diligências policiais à casa de Jubiabá no jornal A Tarde dos dias 4 e 7 de outubro de 1921 e 12 de maio de 1931. A última, portanto, cinco anos antes da concessão da entrevista para O Estado da Bahia. A cadeira do pai de santo a qual se refere o trecho acima foi uma das peças apreendidas durante uma das batidas. Ela se encontra no acervo do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia e se constitui em uma das poucas entre as muitas peças apreendidas durante a repressão policial aos candomblés da Bahia, junto a um par de máscaras da Sociedade das Gueledés e outros objetos mais comuns. Até hoje não foi identificado o paradeiro dessas percas que teriam sido “descartadas” durante a reforma da instituição, em 1992. Para ver as peças apreendidas e encaminhadas ao Instituto Histórico e Geográfico da Bahia ver o catálogo produzido por Raul Lody, Um documento do candomblé na Cidade do Salvador[13].

Embora o jornalista utilize, por vezes, uma linguagem em tom irônico ou jocoso, a entrevista com Jubiabá representa um marco na imprensa local. Pela primeira vez, uma reportagem sobre a cultura africana é publicada fora das páginas policiais, anunciada previamente, com chamadas na capa da edição e diagramada com destaque gráfico em página inteira. Acompanhando o texto, cinco fotos foram publicadas. Ao centro, a maior delas, um retrato de Jubiabá sentado em sua famosa cadeira com a legenda: “Severiano Manoel de Abreu (Jubiabá) capitão do Exército de 2ª linha e curador espírita, posando para Estado da Bahia para mostrar-se como ele verdadeiramente é”. Acima e à esquerda, vê-se uma imagem de santo, com a legenda: “S. Thomé, o guia da seção espírita de Jubiabá fotografado na capela grande da casa da Cruz do Cosme e ante a qual anualmente se prosternam centenas de crentes”. Acima e à direita, a foto mostra “A capela de Santo Antonio, na sala principal do palacete de Jubiabá”. Abaixo, outras duas fotografias. À esquerda, “A casa de ‘Jubiabá’ onde funciona o Centro Espírita Paz, Fé, Esperança e Caridade”. À direita, “O altar de S. Thomé, objeto de especial devoção de Jubiabá”.

Sem a pretensão de defender a liberdade religiosa, depois de já ter sido preso, Jubiabá prefere se valer da influência junto a políticos e pessoas da alta sociedade. Também por conveniência, chamava sua casa de culto de centro espírita, assim como fizeram outros pais de santo da sua época, já que os terreiros de candomblé eram noticiados como “templos de bruxaria” ou “antros de feitiçaria”. Como se sabe, a casa de culto de Severiano Manoel de Abreu expressava sua crença através de uma forma abrasileirada dos candomblés, que reunia espiritismo kardecista, a elementos da espiritualidade indígena e outros de origem africana, reproduzindo aquilo que hoje é reconhecido como candomblé de caboclo[14].

Não obstante, ao revelar publicamente sua influência política e sua representatividade como líder religioso, que reúne centenas de fiéis em torno de si, a entrevista com Jubiabá anuncia a chegada de um novo momento para a legitimação das religiões afrodescendentes. Um momento em que aquilo que era considerado como “coisa de gente ignorante e primitiva”, passa a atrair a curiosidade intelectual, despertar o interesse de pessoas influentes, além de reunir mais e mais devotos.

A sabedoria ancestral de Martiniano do Bonfim

A entrevista com Jubiabá provavelmente teve boa aceitação, pois, no dia 14 de maio de 1936, uma semana após a sua publicação, O Estado da Bahia enviou o jornalista Corypheu de Azevedo Marques para uma missão importante: entrevistar o babalaô Martiniano do Bonfim, figura essencial para a afirmação e expansão do candomblé na Bahia, como veremos na própria reportagem, assim anunciada um dia antes, na capa da edição do dia 13 de maio:

Amanhã daremos aos nossos leitores as revelações do velho Professor Martiniano, o amigo e colaborador de Nina Rodrigues. O clichê acima mostra-nos o velho ‘babalaô’ falando ao Estado da Bahia estando presentes os acadêmicos Aydano Couto Ferraz e Reginaldo Guimarães, estudiosos dos problemas afro-brasileiros.

Na primeira página da edição do dia 14, foi publicada uma chamada para a entrevista com o título “Martiniano, o famoso ‘babalaô’ fez revelações interessantes”. Abaixo do título, uma gravura com a seguinte legenda: “Martiniano, o velho babalaô, que tanto cooperou com Nina Rodrigues nas suas pesquisas, fez ao Estado da Bahia interessantes revelações que damos a público hoje, na 5ª pagina desta edição. Forneceu-nos também Martiniano o desenho acima de sua autoria, no qual se vê reproduzido pela lembrança do velho negro um quadro da época triste para os de sua raça e não menos triste para os de raça branca que os exploravam: o da escravidão. É a Filarmônica dos Chapadistas, tradicional banda composta de negros e africanos escravos”.

Já na entrevista, que ocupou toda uma página da edição, Martiniano foi exaltado como um negro sábio, respeitado pela sua cultura, amigo de Nina Rodrigues e professor de inglês, que morou em Lagos e não se misturava com o “baixo espiritismo” ou “feitiçaria”. Respondendo às perguntas do repórter, Martiniano foi levado a falar sobre o Congresso Afro-Brasileiro e talvez tenha sido o primeiro negro a defender publicamente a liberdade religiosa na Bahia. A comparação com o pai de santo Jubiabá foi o primeiro passo dado pelo jornalista:

Martiniano é muito diferente de Jubiabá. Não é e nunca foi “pai de santo”. Quando muito será um “babalaô”, isto é, um adivinho, um “deitador” de cartas. Filho de pais africanos, muito criança foi para Lagos, na Nigéria (Costa dos Escravos, África) onde além de estudar inglês, que fala perfeitamente, conheceu todos os aspectos da vida africana, inclusive o seu ritual.

Fala também o idioma iorubá, ou nagô. Ao contrário de Jubiabá, Martiniano é pobre.

Viveu durante muito tempo da profissão de pintor. Refere-se com profundo desprezo à prática do “candomblé”, que executa atualmente todo deturpado e onde “entra branco”. Por isso não os freqüenta.

Em seguida, é citada, pela primeira vez, a participação de Edison Carneiro na publicação da série de reportagens. Aqui, ele serve de interlocutor entre Corypheu de Azevedo Marques e Martiniano do Bonfim, o que faz supor, como veremos mais tarde, que este, sem a presença de Edison Carneiro, não falaria publicamente sobre sua vida e sobre religião:

Fomos ouvi-lo. Como todo negro africano, é desconfiado. Vê no branco um inimigo tradicional, não acreditando jamais em suas boas intenções. As experiências têm sido muitas. As traições incontáveis.

Conquistada, porém, a sua confiança, tudo se consegue. Sabedor disso, nos fizemos acompanhar de Edison Carneiro, um antigo amigo do velho professor. Uma hora antes de chegarmos, Edison Carneiro partiu para preparar o espírito do “nosso homem”.

E depois de descrever com detalhes o local e a casa onde morou Martiniano, no Centro Histórico de Salvador, o jornalista tratou de defini-lo fisicamente:

Martiniano é um preto alto, de rosto largo e simpático, olhos cheios de esperteza. Fala pausada e dolente, porém, doce. Tem 77 anos de idade, aparentando muito menos, mantendo ainda, sem curvatura, a coluna vertebral. É aparentemente forte e de espírito sagaz. Vendo-nos penetrar em sua casa, com um sorriso astuto, exclamou:

- Fui traído! Você, Edison, está me vendendo...

Após fazer alguns rodeios, o jornalista, enfim, entra no assunto para o qual foi designado: abordar os mistérios da religiosidade trazida da África. E Martiniano aproveita a oportunidade para defender a liberdade religiosa, com a sabedoria e a coragem de quem estava próximo de completar 80 anos:

A conversa se desviava do assunto que desejávamos. Percebendo o nosso intuito real, Martiniano, sagazmente procurava contornar o assunto. Numa das paredes vimos pregado um capacete de búzios. Artístico, verdadeira obra de arte.

- É seu? – perguntamos.

O velho negro, colhido de surpresa, se perturba e responde, querendo fugir do assunto:

- Não. Fiz por encomenda de um amigo. Velho e doente, preciso arranjar dessas coisas para ganhar um dinheirinho...

- E seu amigo tem “terreiro”?

- Também não sei. Não freqüento essas coisas. Vocês, enfim, estão chegando aonde querem – acrescentou sorrindo. Religião de negro é igual a de branco. Eu não pratico, porque respeito as leis, o “rejumen” [regime]. Branco não faz santo, não pinta, não faz promessa para ser feliz e também para fazer mal aos outro, não leva braço de cera, para não ficar bom de reumatismo? O negro também faz isso: constrói seus santos e tem seu culto. Uns vão para as igrejas, outros para os “terreiros”. Uns têm seus órgãos, outros batem os “atabaques”. Religião de negro é boa como a dos brancos. Branco tem as festas da Penha, de Juazeiro e do Bonfim. Negro tem, também, seus dias: S. Cosme e S. Damião, Dia da Hora, etc. Festa de branco tem suas comidas. Nas de negro se come “acarajé”, “abará”, “vatapá”, “caruru”, comidas da África, de nossos pais.

E Martiniano acrescenta, em seguida, intencionalmente:

- Eu, porém, respeito as “constituições” e sendo proibido pelas autoridades não faço. Mesmo agora não há “terreiro”. Existem uns candomblezeiros que não sabem nada, onde entra branco. Eu não sirvo porque não visto saia de mulher.

Ao mesmo tempo em que desconversa, procurando disfarçar seu envolvimento com os candomblés, Martiniano não admite sua participação que, no entanto, era intensa, sobretudo na reconstituição de rituais e simbologias africanas nos candomblés mais tradicionais da Bahia. Martiniano defendia um retorno às origens, trabalhava para manter um candomblé o mais semelhante possível com os de tradição nagô, para ele uma forma de resistência da cultura trazida pelos negros do seu continente. Contestava a incorporação de elementos externos, bem como a presença de brancos nos terreiros, como se pode observar na passagem acima. Até mesmo o trabalho desenvolvido por pesquisadores estudiosos do assunto era visto com cautela por Martiniano, como veremos a seguir.

Depois de criticar o escritor Jorge Amado, por ter se referido a ele como pai de santo, o entrevistado é levado a comentar o Congresso Afro-Brasileiro do Recife, do qual participara, ao lado de pai Adão, famoso governante de um terreiro de Xangô na capital pernambucana. Martiniano contou ter desconfiado, de início, da boa intenção dos pesquisadores, mas depois disse ter percebido a seriedade do evento. E justifica:

Já é tempo de se olhar a raça negra com simpatia e nos fazer justiça. Tenho lido alguns livros sobre os negros que me trazem aqui, como os de Artur Ramos, Renato Mendonça, Gilberto Freyre e do meu amigo Edison Carneiro. Sinto em todos uma grande vontade de acertar, uma grande honestidade intelectual. Alguns erros de detalhe, o que é natural sabendo-se a dificuldade que há em se reunir material para estudar assim.

Esta foi a deixa para que o jornalista questionasse Martiniano sobre a realização do 2º Congresso Afro-Brasileiro, provavelmente a pedido de Edison Carneiro, que muito se empenhou para que o evento viesse a se concretizar. Questionado sobre qual seria o tema mais importante a ser discutido em Salvador, Martiniano defende novamente a liberdade de culto no estado, num momento em que muitos candomblés ainda viviam o medo da repressão policial:

- Talvez o tema nº 1 seja a liberdade religiosa, pois é no culto que se revela toda a expressão social de um povo. Principalmente nos africanos. Prometi a Edison ajudar no Congresso.

E, de fato, Martiniano colaboraria muito para que o 2º Congresso Afro Brasileiro se tornasse realidade. Com seu prestígio perante a comunidade negra, Martiniano conseguiu reunir os principais nomes das religiões afro-brasileiras, concedendo o apoio popular e, por conseqüência, a legitimidade necessária ao evento. Reconhecido como o principal informante de Nina Rodrigues em seus estudos pioneiros, Martiniano do Bonfim, com sua sabedoria ancestral, pode ser considerado personagem fundamental na luta pela liberdade religiosa na Bahia. E sua atitude, ao defendê-la publicamente, merece ser destacada.

A entrevista com Martiniano ocupou toda uma página de jornal e veio acompanhada de três fotografias. Ao centro, um retrato: “O professor Martiniano numa magnífica pose para o Estado da Bahia”. Abaixo e à esquerda vê-se um “Santo do culto de Oxum, pertencente ao professor Martiniano e que serviu para ilustrar os estudos de Nina Rodrigues. Como esta peça, o velho ‘babalaô’ possui outras, conservando-as como relíquias dos seus pais”. Abaixo e à direita há “Um capacete feito de búzios para uma dança de Omolu”.

O Jubiabá do romance e o da vida real

Tamanha havia sido a repercussão do último romance de Jorge Amado, que o interesse pela personalidade de Jubiabá se estendeu para todo o Brasil. Além da entrevista publicada em O Estado da Bahia, no dia 11 de maio de 1936, Jubiabá também concedeu entrevista a outros jornais, sempre criticando o romance homônimo. No dia 21 de maio de 1936, o jornalista carioca João Duarte Filho, dos Diários Associados, publicava uma nova entrevista com Jubiabá, com o título “Personagem de Romance e da vida”, desta vez acentuando ainda mais a comparação entre o religioso e o herói amadiano. O Estado da Bahia, como veículo integrante dos Diários Associados, também publicou a reportagem, que trazia ainda o subtítulo: “Jubiabá não gostou do livro de Jorge Amado – Como vive, no Morro da Cruz do Cosme, o famoso pai de santo – Capitão de 2ª linha e macumbeiro – A vida é prosaica, a arte é bela”.

João Duarte Filho estava em Salvador para acompanhar a comitiva do governador de Pernambuco na Bahia. E, na despedida, teria conhecido Martinelli Braga, oficial de Gabinete de Juracy Magalhães que, como já vimos anteriormente, era amigo pessoal de Jubiabá:

E tão grande era nossa certeza de que Jubiabá existia mesmo que, enquanto compúnhamos a comitiva do governador pernambucano em visitas e recepções, nós estávamos procurando intimidade com o “pai de santo” formidável. Foi quando, já no embarque do chefe pernambucano, perguntamos a Martinelli se conhecia a figura insinuante do preto baiano. E Martinelli, Martinelli Braga, oficial de gabinete do governador Juracy, se ofereceu a levar-nos lá, no dia seguinte, que era domingo. Conhecia tanto Jubiabá que até o tinha como um dos seus mais prestigiosos chefes políticos dominando uma leva de mil e quinhentos eleitores.

A aliança de Jubiabá com políticos ligados ao governo baiano poderia contribuir para mantê-lo longe de confusões com a polícia, mas, por outro lado, fazia com que intelectuais da época ligados ao comunismo – como o caso do próprio Edison Carneiro e de Jorge Amado – desdenhassem de sua imagem. O jornalista João Duarte Filho, que elogia os discursos comunistas do personagem de Jorge Amado em seu romance, não esconde sua decepção com o pai de santo baiano ao saber de suas relações político-partidárias:

Desencanto! Jubiabá começou logo aqui a perder um pouco do prestígio que tinha para mim. Queria eu lá saber de “pai de santo” que fosse chefe político, comandando uma legião de votantes onde se misturassem espíritos e homens para disputar, nas urnas, a supremacia de um deputado ou de um vereador...

O jornalista também demonstra uma certa decepção ao perceber que Jubiabá era um homem rico, proprietário de casas, terrenos e fazendas. No seu imaginário, um pai de santo obrigatoriamente deveria ser pobre, sem apego a bens materiais, morar em um casebre com móveis rústicos, sem nenhum sinal de sofisticação. No trecho a seguir, João Duarte Filho não esconde sua surpresa ao perceber que Jubiabá morava em uma bela casa, número 205, no Morro da Cruz do Cosme.

O novo desencanto que o bruxo me reservava era a sua morada. Grande casa de pedra, bem pintada, com um largo terraço preguiçoso ao lado, um enorme quintal atrás, substituía aquela toca de feiticeiro que Jorge Amado pusera no seu livro.

Mais adiante, a dita personificação de São Tomé pelo próprio Jubiabá é ressaltada na reportagem, assim como o seu altar, onde se misturam as imagens de santos e caboclos, uma marca do “centro espírita” de Jubiabá, onde os homens mais influentes da Bahia iam pedir conselhos e receitas para problemas do corpo ou do espírito:

As primeiras informações foram tomadas ali, diante do grande altar de São Thomé que tinha, como figura de frente, a imagem deitada de um caboclo também invocado naquela casa de espírito e profecias. Era o “Averequeto Marco de Marco”, um dos mais prestigiosos caboclos de toda aquela corte de espíritos que Jubiabá domina. Outros caboclozinhos menos destacados povoavam, também, o altar cuidado e alvo, como se aquilo fosse um céu familiar com uma corte de santos camaradas vivendo e brincando inocentemente, familiarmente. Era a caverna onde o respeitado e querido “pai de santo” fazia as suas invocações, as suas preces, o seu receituário de água fluídica e passes mágicos para toda essa população baiana que ia se receitar e pedir conselho, desde os governadores antigos, como Seabra, parando muitas vezes o automóvel de palácio na porta de Jubiabá, até qualquer crédula negra velha dos candomblés da Bahia.

Em seguida, demonstrando certa má vontade, o jornalista pela primeira vez descreve Jubiabá fisicamente:

Mulato forte, alto, grosso, de cara larga e chamboqueira. O bigode sem pontas, aparado rente, cobre-lhe todo o beiço de descendente de africano. Quando ri a boca é uma fenda larga que deixa ver pedaços cuidados de mármore branco.

No trecho seguinte, João Duarte Filho resume em poucas linhas a conversa que manteve com o religioso. E assim como fez na reportagem anterior concedida a O Estado da Bahia, Jubiabá relembrou as perseguições que sofreu da polícia:

Depois conversamos e Jubiabá contou a sua vida desde a iniciação em um centro espírita qualquer até a sua posição atual, de chefe temido e incontestado, que recebe e compreende o espírito de São Thomé, transformado em Jubiabá. Suas lutas contra a polícia, as perseguições que sofreu, tudo ele nos contou, então, com uma fala mansa e um gesto polido.

Em tom irônico, o jornalista encerra seu texto, concluindo que o Jubiabá da vida real em pouco ou nada se parece com o Jubiabá que ganhou vida através do romance de Jorge Amado. João Duarte Filho ainda critica, novamente, o fato de o Capitão de 2ª linha Severiano Manoel de Abreu ser um homem “abastado” e levar uma vida confortável para os padrões de um mulato ligado ao candomblé.

Só não disse, talvez porque eu não tinha perguntado também, como conseguiu comprar fazenda, construir casas, dispor de terrenos que fazem dele, naqueles magníficos arrabaldes de São Salvador um homem abastado, rico mesmo, dispondo de muitas dezenas de contos de réis, que administra com a meticulosidade de um proprietário consciente.

A reportagem publicada por O Estado da Bahia destaca uma gravura de “Jubiabá, tal como o concebeu Jorge Amado em seu romance; um negro velho africano, cheio de berloques, de idade indefinida”. O fim de Severiano Manoel de Abreu, após sua vida como líder espiritual em Salvador, onde ganhou fama, dinheiro e muitos devotos, se deu na cidade de Ilhéus, no Sul da Bahia, onde viveu seus últimos dias, como agricultor.

Jorge Amado e a depreciação do verdadeiro Jubiabá

Irritado com as declarações de Jubiabá, após a repercussão de suas entrevistas publicadas em O Estado da Bahia, Jorge Amado, então no Rio de Janeiro, decidiu se encontrar com um jornalista dos Diários Associados para responder às acusações do pai de santo. A entrevista foi publicada em O Estado da Bahia no dia 28 de maio de 1936, com o título “O Jubiabá do romance e o da vida real” e o subtítulo “Não pensei no mulato Severiano, um só momento, enquanto escrevia o meu livro – declara o romancista Jorge Amado – Macumbeiro e baixo espiritismo – Como o homem se meteu na pele de um personagem de romance”. A entrevista mostra ainda uma gravura representando “Jorge Amado, o autor de Jubiabá, num desenho de Alvarus”. Sua introdução foi elaborada assim:

No domingo passado os “Diários Associados” publicaram uma entrevista feita pelo nosso colaborador, sr. João Duarte, filho, com o pai-de-santo Severiano Manuel de Abreu, conhecido e célebre na Bahia, com o apelido de “Jubiabá”, sobre o romance com o mesmo nome, de Jorge Amado, no qual este escritor retrata a vida dos negros baianos.

Dias antes os “Diários Associados” haviam publicado outra entrevista do mesmo “Jubiabá”.

Em ambas o pai-de-santo se declarava furioso com o romancista “que o fizera negro e de pernas tortas” e dizia que era capaz de fazê-lo engolir o livro. Diante da repercussão que tiveram essas entrevistas procuramos ouvir o romancista Jorge Amado sobre o caso. Fomos encontrá-lo na Livraria José Olympio Editora[15]. À nossa primeira pergunta Jorge Amado declarou:

- Meu personagem está humilhadíssimo...

Seguindo a entrevista, o escritor procurou desmoralizar seu desafeto, afirmando que pretendia criar um personagem que fosse um verdadeiro sacerdote da sua religião, um homem bom, um tipo nobre e sereno, verdadeira figura de pai espiritual, de mentor de uma multidão de homens. E acrescenta, intencionalmente:

Se você reconhecesse a história do mulato Severiano, haverá de compreender porque o meu personagem está tão humilhado...

Jorge Amado, após atacar novamente Jubiabá, revelou que escreveu seu romance em dois meses, nos quais não teria pensado, um só momento, em Severiano Manoel de Abreu. O romancista alega ter se inspirado em vários outros pais de santo que, com suas características mescladas, teriam originado o personagem Jubiabá. Mais tarde, Jorge Amado admitiria ter pensado principalmente no babalaô Martiniano do Bonfim para constituir seu herói física e psicologicamente. Na reportagem ele já dá a entender tal idéia:

É claro que estão mesclados no meu Jubiabá vários pais de santo que deram aquele tipo. O físico de um, a moral do outro, assim por diante. Não lhe nego que pensei muito numa figura de pai de santo da Bahia ao levantar o Jubiabá. Mas aquele em que pensei é uma grande figura, um homem que merece todo o respeito e já mereceu de Gilberto Freyre palavras do maior elogio.

E esse pai-de-santo foi uma das primeiras pessoas a receber o meu romance. Foi ele quem me deu a tradução daqueles cânticos nagôs de macumba, daquele conceito, etc.

Para convencer de que seu personagem nada tem a ver com o Jubiabá da vida real, Jorge Amado cita dois depoimentos:

...um artigo do poeta Aydano do Couto Ferraz (“Jubiabá e a poesia do mar”, publicado no “Diário de Notícias”, do Rio), onde o escritor baiano esclarece bem a diferença entre os “xarás” e uma nota no livro de Edison Carneiro, o grande estudioso das questões do negro brasileiro, que se acha no prelo: “Religiões Negras”. Edison também faz notar que muito diferem os dois sujeitos do mesmo nome, o do romance e o da vida.

O escritor baiano, em seguida, acusa Severiano de tentar se aproveitar da homonímia para obter fama:

Como você vê, estão criando um romance em torno do meu romance. Boa publicidade, aliás. O pior é esse negócio do mulato Severiano estar a fazer a publicidade dele às minhas custas...

É possível observar, nesta e em outras passagens da entrevista, que Jorge Amado utiliza insistentemente um tom pejorativo no termo “mulato” que sempre acompanha o nome Severiano. Assim, repercute na ideologia do escritor baiano a depreciação do mestiço como degenerado, mentalidade herdada do racismo científico. A depreciação freqüente do mestiço, por aqueles que pregavam a idéia de hierarquia racial, chegou a atribuir-lhe um certo grau de esterilidade. Ver, por exemplo, a opinião de Gobineau sobre o Brasil[16].

Jorge Amado ainda encontra argumentos para julgar Severiano moralmente por suas ligações políticas e por seus rituais, que se afastam da tradição dos candomblés de “pureza nagô”. De quebra, também critica o jornalista João Duarte Filho, por ter se referido ao escritor como sergipano e ainda por ter qualificado Jubiabá como pai de santo prestigiado.

Nasci mesmo foi em Ilhéus, no sul da Bahia. Ele errou também ao classificar o mulato Severiano entre os pais-de-santo prestigiosos da Bahia. Nesse ponto, o DIÁRIO DA NOITE acertou porque disse que ele era muito mal visto.Severiano não é um pai-de-santo se tomarmos a palavra no sentido de um sacerdote das religiões negras. Ele é um cultor do baixo espiritismo.Os pais-de-santo são, geralmente, sujeitos sérios, honestíssimos, acreditando na sua religião. Severiano é um explorador da credulidade dos pobres e dos ricos na Bahia.

E depois de desqualificar completamente a personalidade do Capitão Severiano Manoel de Abreu, Jorge Amado finaliza sua entrevista anunciando seu próximo romance, Mar Morto. Em uma única entrevista, aliás, o romancista faz publicidade de duas de suas obras. Mas omite o fato de ter se apropriado do nome do caboclo Jubiabá, que Severiano Manoel de Abreu dizia incorporar:

- Severiano parece que está gozando essa história toda. Meteu-se na pele do meu personagem e assim vestido de sujeito decente e digno está se lastimando perante o país todo.

Entrevistas para os jornais do Rio, da Bahia, de Recife. Lamenta-se, ameaça, aparece, finalmente. Ora, meu personagem é que não fica nada satisfeito ao se ver confundido com Severiano Manuel de Abreu. Ao contrário, sente-se desmoralizadíssimo.

Agora eu quero ver quem é que vai se meter na pele do mestre de saveiro Guma que é o herói do meu novo romance de prelo: “Mar Morto”. De antemão lhe afirmo que não pensei em ninguém particularmente

E assim termina a polêmica entre Severiano Manoel de Abreu e Jorge Amado nas páginas de O Estado da Bahia. E o fato é que toda essa divulgação serviu para aumentar ainda mais a fama dos dois Jubiabás – o do romance e o da vida real.

Resistência com samba e capoeira

Nos dias 9 de junho e 2 de julho de 1936, Edison Carneiro publicava dois artigos em O Estado da Bahia, acompanhados de excelentes fotografias e ilustrações, que ocuparam páginas inteiras em cada edição. Os artigos sobre a “Capoeira de Angola” e o “Samba”, respectivamente, foram concebidos originalmente para integrar o livro Negros Bantos[17], que o folclorista organizava no momento. E, de fato, tais artigos vieram, mais tarde, a compor a obra. Mas certas dificuldades financeiras levaram Edison Carneiro a se antecipar à publicação do livro, como revela uma de suas cartas endereçadas ao amigo Arthur Ramos, então no Rio de Janeiro: “Eu ia lhe mandar umas notas sobre a capoeira, mas a miséria... ela me fez, para ganhar uns cobres, cometer um artigo sobre a Capoeira de Angola, que O Estado da Bahia publicará brevemente. Mandarei o troço para você. Espero que a mesma coisa não aconteça com o samba”. Como veremos, Edison também publicaria seu artigo sobre o samba nas páginas de O Estado da Bahia. Arthur Ramos, na condição de editor da Biblioteca Científica da Civilização Brasileira, cuidava da publicação dos livros de Edison Carneiro.

Não cabe aqui fazer uma análise minuciosa do conteúdo desses artigos, que se constituem em clássicos dos estudos africanistas e, portanto, já bastante conhecidos. Vale apenas o registro de sua publicação no periódico local, considerada de grande valia para a legitimação social dos costumes afro-brasileiros. Com o título “Capoeira de Angola”, o primeiro dos artigos foi publicado no dia 9 de junho de 1936, trazendo no subtítulo um resumo de sua abordagem: “Origem da Capoeira – A capoeira na Bahia e no Rio de Janeiro, através de documentos históricos – Desenvolvimento da luta – Golpes e cânticos – Pontos preferidos para a capoeiragem na Bahia – Futuro da Capoeira”.

Edison Carneiro inicia seu artigo ressaltando a antiguidade da prática da capoeira na Bahia, embora esta ocorresse sempre de maneira semi-clandestina, ou seja, de modo em que ao negro era permitido jogar, mas sempre com certo controle sobre sua expansão.. Certamente temida pela polícia, a capoeira era restringida a alguns largos e praças de Salvador, por ocasião das festas populares:

Os pontos preferidos pelos capoeiristas, na Bahia, para a vadiação, estão limitados aos bairros proletários da Cidade. No dia do Ano-Bom, na Boa Viagem, na segunda-feira do Bonfim, na ribeira, durante o Carnaval, no Terreiro, e durante as festas de Santa Bárbara, no Mercado do mesmo nome, na Baixa dos Sapateiros, e da Senhora da Conceição da Praia, nas imediações do Mercado Modelo, - as “rodas” de capoeira são infalíveis.

Mais adiante, Carneiro transcreve vários cânticos usados na capoeira, se arrisca em alguns comentários sobre os mesmos e, antes de concluir, observa o aumento do interesse da sociedade baiana pela capoeira naquele período. E também destaca a importância de alguns dos mestres de seu tempo:

Há alguns anos já que o jogo da capoeira tem começado a interessar as classes médias da população da Bahia. O capoeirista bimba abriu mesmo uma escola de capoeira. Este negro, de rara agilidade, me afirmou que a sua capoeira já não é mais a de Angola, mas um prolongamento dela, já que ele se aproveita de vários golpes de outras lutas, desde a luta romana até o boxe e o jiu-jitsu. Tanto que Bimba apelida de luta regional baiana a sua capoeira especial.

O maior capoeiristas da Bahia afirmam-me os negros ser Samuel “Querido de Deus”, um pescador de notável ligeireza de corpo. Muito falados são os capoeiristas Maré (estivadores), Siri do Mangue, de Santo Amaro, e um tal Oséias, que abriu uma escola de capoeira no Rio.

Mesmo assim, o processo de decomposição da capoeira está se acelerando...

O processo de decomposição da capoeira ao qual se refere Carneiro está relacionado com o fato de a mesma estar, já naquele período, recebendo elementos de outras artes marciais, resultando em outras formas de expressão, assim como ocorreu com a capoeira regional de Mestre Bimba, citada no trecho acima. Da mesma maneira em que prestigiava o purismo nagô nas religiões dos negros, o fazia também em relação à capoeira de angola. Tudo isso somado ao controle policial induziu Edison Carneiro a uma visão apocalíptica do futuro da capoeira na Bahia - embora reconhecesse a força de sua tradição - como podemos observar em sua conclusão:

Apesar de tudo, - apesar da maior aclimação do negro ao meio social do Brasil, apesar da reação policial, apesar do adiantado processo de decomposição e de simbiose da capoeira em face de outras formas de luta, - a capoeira, em especial a capoeira de Angola, revela uma enorme vitalidade. O progresso dar-lhe-á, porém, mais cedo ou mais tarde, o tiro de misericórdia. E a capoeira, junto aos demais elementos do folclore negro, recuará para os pequenos lugarejos do litoral...

O artigo “Capoeira de Angola” foi elaborado por Edison Carneiro com a colaboração de Manuel Querino, outro precursor dos estudos africanistas que se dedicou à pesquisa e ao registro das contribuições dos negros africanos à formação da sociedade brasileira. Também foi estudante autodidata e conseguiu se formar pela Escola de Belas Artes, preservando um considerável montante de informações sobre as artes, artistas e artesões da Velha Bahia. Mas foi na condição de mestre de capoeira que Manuel Querino contribuiria para o artigo, ilustrado em O Estado da Bahia com cinco fotografias, quatro delas demonstrando a roda de capoeira com seus tocadores de berimbau e lutadores exibindo passos característicos. A outra fotografia reproduz escritos que, até a presente data, não tiveram sua origem identificada.

No dia 2 de julho de 1936, O Estado da Bahia publicou o artigo sobre “Samba” elaborado por Edison Carneiro, o mesmo que seria publicado posteriormente no livro Negros Bantos[18]. Nesse artigo, o folclorista aborda os diversos ritmos percussivos trazidos pelos negros africanos e incorporados às manifestações populares locais. Ilustrado com duas belas gravuras, uma delas com a legenda “Samba” e a outra “O batuque no Quelimane (África Oriental)” o artigo de Edison Carneiro apresenta suas observações acumuladas desde a infância sobre as tradições musicais, descritas em detalhes. E ainda se arrisca a fazer algumas críticas sobre as canções, considerando a riqueza rítmica, mas ressaltando sua pobreza melódica, para ele resultante de “um mundo cultural limitadíssimo” dos negros bantos:

Estes sambas nos revelam aspectos interessantíssimos da vida do negro no Brasil.

Antes de tudo, o mundo cultural limitadíssimo, ainda com vestígios de adoração das árvores e dos animais (fitolatria, totemismo), como o coqueiro, a borboleta, a formiga, etc., e mesmo da natureza exterior, dos elementos (o mar), lado a lado com a adoração fetichista da Senhora das Candeias (identificada com a Oxum dos cultos afro-brasileiros) e o respeito pelo padre, que vem realizar os casamentos sem esquecer a parte da superstição (a “figa de Guiné”, contra o mau olhado...).

A visão do negro banto como detentor de um universo cultural limitado marca outras observações do autor e é objeto de sua análise em outro artigo publicado por ele em O Estado da Bahia, como veremos mais à frente. Dessa forma, aponta o antropólogo Renato da Silveira, Edison Carneiro redireciona para os bantos a discriminação característica aos negros em geral fundamentada pelo racismo científico herdado do século XIX[19]. Na verdade, Carneiro foi um dos primeiros estudiosos a estabelecer uma espécie de aliança com os candomblés de Ketu, também por considerar os negros bantos “muitíssimo mais atrasados do que os negros de acima do equador”.[20]

E depois de apresentar uma série de canções coletadas por ele em suas pesquisas de campo, Edison Carneiro finaliza seu texto condenando a repressão policial sobre as rodas de samba e batuque, registrando novamente nas páginas do jornal uma importante contribuição para a legitimação e legalização dos costumes afro-brasileiros:

O samba quase sempre se realiza ao ar livre. A não ser nas festas populares da Bahia, a polícia, a pretexto de “moralizar” os costumes, opõe barreiras ao divertimento do negro. O fato está glosado numa embolada do Mar Grande:

A gente qué sambá, mas a poliça contrareia...

Talvez esteja aqui a razão por que o samba se tem retraído tanto, atualmente. Os discos de vitrola e as batucadas começam, ao lado da ação repressiva da polícia, a apressar o processo de decomposição do samba, pelo menos na Cidade da Bahia. Afora o interior do estado, na Bahia há ‘rodas’ de samba na segunda-feira do Bonfim, na Ribeira, durante o carnaval, no Terreiro, e na Conceição da Praia, durante as festas da Senhora da Conceição, e esporadicamente, em vários pontos da cidade. A ação policial se tem feito sentir de tal maneira que o samba já se limita a quatro paredes de uma casa de sopapo...

Um cortejo à mãe d’água

No dia 19 de junho de 1936, Edison Carneiro publicou uma reportagem intitulada “O mito da mãe d’água”, ocupando toda uma página, com o subtítulo “Yemanjá, a Rainha do Mar, o poderoso orixá do fundo do Calunga, recebe as homenagens dos seus devotos, em Itapoan, no meio das mais vivas demonstrações de alegria”. Antes, uma chamada na capa destacava a importância da publicação, trazendo uma bela fotografia acompanhada da seguinte legenda: “Edison Carneiro escreveu para os ‘Diários Associados’ uma interessante reportagem sobre o culto da ‘mãe d’água’, um dos mais curiosos aspectos da religião afro-brasileira. Publicamo-la em nossa 5ª página, ilustrada com fotografias originais. No clichê vemos a saída do presente que foi ofertado, nas águas de Itapoan, a Yemanjá”.

Para fazer a reportagem, Edison Carneiro, acompanhado do professor Donald Pierson[21], participou de um cortejo dedicado à Iemanjá, com seus cânticos e sua festa no terreiro governado pelo pai de santo Manuel Paim[22]:

O candomblé começou pouco depois, na sala de barro batido da casa onde devíamos ficar. O pai de santo Manuel Paim e a feita Lindaura dirigiam e animavam a vadiação dos demais, dançando, puxando cânticos. Feito o despacho de Exu, todos os demais orixás tiveram suas três cantigas regulamentares. Principalmente os orixás das águas, Iemanjá, Oxum, Nanan (Anamborucu) e Oxumaré.

E após revelar alguns desses cânticos, Edison segue suas observações sobre a festa e sobre o mito da mãe d’água, identificando suas diversas denominações e os principais pontos da cidade que serviam e ainda servem de cenário para a realização dos rituais:

Não conheço orixá que possua maior número de denominações do que Yemanjá, a mãe d’água.

Arthur Ramos conseguiu registrar, na Bahia, os nomes de Janaína, Princesa do Mar, Sereia, Sereia do Mar, dona Maria Olôxu’n, etc. E eu mesmo conheço ainda os seguintes. – Rainha do Mar, Inaê, Dantes. E em quantos lugares ela é adorada!

Os filhos de Yemanjá, por exemplo, devem-lhe dar presentes em todas as águas, isto é, em todos os lugares onde Yemanjá mora, ou seja, no Dique, no Rio Vermelho, em Amaralina, No Monte Serrat, no Abaeté (Itapoan), em S. Bartolomeu e na Lagoa Vovó, perto de São Gonçalo. Só assim poderão conseguir os favores de sua excelsa senhora.

Durante o cortejo, Edison Carneiro observa os passos de Dona Germina do Espírito Santo, uma senhora devota de Iemanjá, responsável pelas oferendas ao orixá, que contariam com a colaboração financeira do próprio jornalista[23]. Para entrarem na igreja e fazer suas preces, os devotos necessitaram de uma autorização prévia do subdelegado local. Mas, ainda assim, não puderam levar seus instrumentos percussivos:

O presente era o presente comum para a mãe-d’água, pó-de-arroz, pentes, loção, espelho, etc., todo o material indispensável a uma toilete bem cuidada. O presente de D. Germina trazia ainda um pato, uma galinha branca e dois pombos. E mais dez tostões do pobre do repórter...

De manhã, talvez às sete horas, o presente saiu de casa, carregado pela d. Germina do Espírito Santo, e acompanhado por toda a população humilde do lugar. A procissão dos fiéis parou alguns momentos na igrejinha da Senhora da Conceição, pra esse fim mandada abrir pelo sub-delegado local, deixado na porta os tabaques e o agogô. Depois de algumas cantigas de ritmo dolente (ingôrôssi), a marcha continuou, rumo ao Abaeté, pelo areal. Na praia, uma enorme multidão esperava a chegada dos filhos das águas.

E, depois de transcrever alguns cânticos, Edison Carneiro reporta o momento da entrega das oferendas, antes de concluir o texto, com a transcrição de mais cânticos:

D. Germina do Espírito Santo entregou o presente ao seu filho, o qual, já em roupa de banho, junto com um rapaz do lugar, entrou na água, nadando para fora. No momento de deixar o presente submergir, todos se viraram de costas para o mar. O presente desceu. E, cá na praia, as mulheres receberam os seus santos, orixás africanos e “caboclos”, Nanan, Cosme e Damião, Tupinambuá [sic], Oxum...

Parece que Edison Carneiro não gostou muito do resultado desse trabalho, como atesta uma de suas cartas, enviadas ao amigo Arthur Ramos, no dia 23 de junho de 1936, em que diz: "Vai com esta uma reportagem vagabundérrima sobre a mãe d’água. Se lhe mando é porque há aí coisas que talvez lhe interessem”. Ainda na mesma correspondência, Edison revela que pôde acompanhar todo o cerimonial, indo e vindo com uma caravana, representando o jornal. “O prof. Donald Pierson ia comigo. Mandarei breve as fotografias”, acrescentou.

Embora se referisse com certo desprezo à sua reportagem, Edison Carneiro provavelmente sabia que “O mito da mãe d’água” contribuiria com algumas informações preciosas para futuros estudos sobre o tema. Além disso, ao destacar em seu texto a necessidade de liberação policial para que a cerimônia pudesse ser realizada e às restrições ao uso de instrumentos do candomblé, imprescindíveis em seus rituais, Edison Carneiro deixa mais uma importante contribuição para a discussão em torno da liberdade religiosa.

Na Goméia de um jovem pai de santo

Edison Carneiro esperava que o 2º Congresso Afro-Brasileiro estivesse pronto até setembro de 1936 e continuava a colaborar com a série de reportagens sobre a cultura africana para O Estado da Bahia. Assim, no dia 7 de agosto, publicava uma reportagem com suas impressões extraídas após uma visita que fez ao terreiro de João da Pedra Preta, que mais tarde ficaria conhecido como Joãozinho da Goméia. A matéria era apresentada com o título “O mundo religioso do negro da Bahia” e o subtítulo “Estado da Bahia nos domínios do pai-de-santo João da Pedra Preta – O candomblé da Goméia – Pai-de-santo aos 15 anos – o 2º Congresso Afro-brasileiro – “que diferença há entre a religião dos brancos e a religião dos negros?” – o candomblé domina...”

O carro da reportagem levaria o jornalista até a estrada de rodagem Bahia-Feira, na altura do Km 2, na Goméia. Era lá que vivia o pai de santo João Torres Filho, na época conhecido por João da Pedra Preta, então com apenas 22 anos de idade. Ainda na introdução do texto, o jornalista observa o aspecto comum da residência do religioso, com seu telhado decorado para saudar Iansã, Oxalá e Oxóssi. Ao lado da casa, repara o recém construído barracão e seus assentos de orixás. E após descrever o ambiente, destaca a simplicidade do pai de santo:

O “assento” do caboclo Pedra Preta, uma das modalidades sob que aparece nos candomblés o orixá Ogum, deus da guerra, merece especial menção. Sobre uma talha, o busto em barro do caboclo. A atitude séria, a fronte larga cortada por uma ruga de domínio, a estatueta do Ogum da Pedra Preta honra a escultura popular do Brasil.

Entramos. Nada, na casa toda, revela a função que o seu dono ali exerce. Isto é, o “pêji”, o “Járá-Ôluwá”, onde moram os orixás. Até mesmo o próprio pai-de-santo decepciona como tal. Ele não tem nada de difícil, de complicado, de feito para impressionar. É um rapaz comum, que se veste como todo mundo, fala a linguagem do povo da Bahia.

A seguir, Joãozinho da Goméia é constrangido a explicar como se tornara pai de santo, ainda na adolescência. Na época, sua pouca idade era alvo de críticas de outros adeptos do candomblé, religião baseada na tradição oral e que, portanto, valoriza a sabedoria dos seus membros mais velhos:

Passeando através do “terreiro”, vamos conversando com João da Pedra Preta:

- Pode nos dizer como se tornou pai-de-santo?

Ele pára, sorri um pouco:

- Eu nunca pensei nessas coisas. Acredite. Sou filho de Inhambupe, lá não tem candomblé...Veja. Eu estava empregado num armazém da Calçada. Tinha quinze anos. Aí eu tive uma dor de cabeça tão forte que alguns dias depois me saiam bichos pelo nariz. Sabe onde eu fui me curar? Numa casa de candomblé. Já tinha experimentado tudo quanto foi remédio. No candomblé foi que eu soube que estava sendo perseguido pelo meu santo. A mãe-de-santo de lá era minha madrinha, feita de Yansã. Ela me obrigou a “fazer” o santo. Aconteceu que, pouco depois, ela morreu e eu tive de substituí-la na chefia do candomblé. Sabe por que? Fui forçado pelo meu santo.

Com sua história fantástica, Joãozinho da Goméia tenta justificar o fato de ser pai de santo, num período em que era difícil assumir tal condição publicamente. Revela adiante, que sua nação é Angola, embora seu santo seja Oxóssi, rei de Ketu[24]. Mas também cultua caboclos, elementos da cultura indígena. Repete que foi forçado a seguir o candomblé e fala sobre a necessidade de cumprir à risca com suas obrigações religiosas:

A conversa se desviou um pouco, mas afinal voltamos ao mesmo ponto:

- quantos anos têm de pai-de-santo?

- Sete. Estou agora com 22 anos, logo, sou pai-de-santo desde os 15. Forçado. Se não fizesse isso, talvez eu endoidecesse. O meu santo não me permite fazer o que ele não quer. Por exemplo, apesar da vontade que tenho, ainda não pude ir ao Rio de janeiro...

Um dos da caravana se espantou:

- Ele não deixa? Puxa! Santo exigente!

- Isso mesmo – disse-nos João da Pedra Preta.

- O meu santo é Oxóssi, o deus da caça, o São Jorge do catolicismo. Agora a minha nação é Angola.

Em outro trecho da reportagem, o jornalista questiona João Torres Filho sobre suas obrigações referentes aos rituais em seu terreiro:

- Por quanto tempo, durante o ano, o seu candomblé bate obrigatoriamente?

João da Pedra Preta não teve dúvidas em responder:

- As minhas obrigações ocupam apenas vinte e um dias. Pouco, não é? São festas forçadas, que não posso deixar de fazer. Mas há outras obrigações da casa. No dia 31 de maio, por exemplo, iniciamos dois Yawô, Abêkê e Denandá. Nesse mesmo dia festejamos Oxóssi, meu santo e padroeiro do candomblé.

- Aquela charola do barracão é dele?

- É. Fizemos uma procissão por aqui mesmo, carregando Oxóssi. Eu espero ir brevemente a Jaguaripe, visitar o São Jorge de lá, que dizem que é muito milagroso... Eu tenho muita coisa com São Jorge.

- E por agora?

- No domingo teremos a festa da iniciação de várias Yawô. É o “dia de dar o nome”, quer dizer, o dia em que o santo desce nelas definitivamente. Elas iam entrar para a camarinha desde maio, mas o tempo não deixou. Calcule que elas tinham de tomar, de madrugada, dois banhos – e, com o frio...

- Seria um desastre – concordamos.

O pai de santo teceu alguns comentários sobre sua expectativa para o 2º Congresso Afro-Brasileiro. Como veremos mais adiante, Joãozinho da Goméia seria um grande colaborador do evento, contribuindo para as pesquisas e para a divulgação da cultura afro-brasileira:

- Soubemos de sua adesão no 2º Congresso Afro-Brasileiro – dissemos nós. – Pode nos dizer alguma coisa sobre ele?

João da Pedra Preta ficou um tanto embaraçado, passando a mão pela cabeça, descruzando as pernas:

- Acho que o Congresso dará bom resultado, e ainda mais se contar com o apoio dos outros pais-de-santo da Bahia. Por mim, farei o que puder pelo Congresso. Já prometi a Edison Carneiro, encarregado do Congresso, dar uma festa aqui aos intelectuais, mandar alguns orixás e alguns instrumentos para a exposição, aparecer nas sessões e levar gente para assistir os trabalhos. Já é coisa, hein? Tenho, por exemplo, uma imagem de Anamburucú muito velha. Essa vai para o Congresso.

Também merecem destaque seus argumentos em defesa da liberdade religiosa. Durante a entrevista, ele reclama do controle policial sobre os terreiros e principalmente da cobrança de taxas para a realização de rituais de candomblé, um procedimento que vigorou até 1976[25], ano em que foi abolido, durante os festejos em louvor ao Senhor do Bonfim, no governo de Roberto Santos:[26]

Então, batemos no ponto sensível dos pais-de-santo da Bahia:

- Os pais-de-santo não têm nada a reivindicar?

- Acho que o Congresso deverá solucionar, de uma vez, a questão da liberdade de religião. Para dar a festa no domingo, tive de pagar 100$000. Para outras, pago 60$000.A minha opinião pessoal é a de que não deve haver pagamento nenhum. O candomblé deve ter a liberdade de funcionar quando quiser. Reconheço que alguns pais-de-santo abusam da licença. Mas que se há de fazer? Agora, assim como está é que não está certo. Penso que o Congresso deve estudar direito um meio de resolver esta questão. Que diferença há entre a religião dos brancos e a religião dos negros?

E depois de questionar publicamente a supremacia do catolicismo, Joãozinho da Goméia leva o repórter para conhecer seu terreiro. Já na saída, o pai de santo ressalta a expansão do candomblé em Salvador, apontando o crescimento em número dos terreiros em sua região:

Já havíamos demorado muito. Fomos ainda ver o “pêji”, onde se alinhavam os altares dos orixás. Lá estava Xangô, com seu martelo, Yemanjá com sua espada de metal, Oxóssi com sua carabina e a sua agulhada, Yansã, Oxalá, Ogum, todos os detentores das forças sobrenaturais do mundo.

Estávamos satisfeitos na nossa curiosidade. E já no automóvel, despedindo-nos do pai-de-santo João da Pedra Preta, ele nos disse, fazendo um gesto que abarcava as redondezas:

- Veja como o candomblé está sempre vivo. Só aqui, em torno do meu “terreiro”, há perto de sessenta candomblés...[27]

A entrevista com Joãozinho da Goméia foi ilustrada com sete fotografias. Na parte superior da página, vê-se duas delas com as legendas: “Altar de N. S. da Conceição, no peji da Goméia. Nota-se, em cima do altar, Oxóssi (S. Jorge) e Iemanjá, a mãe-d’água, esta última a pentear os cabelos maravilhosos. Bom-nome, filha de santo de Cosme e Damião, mostra a um dos componentes da caravana do Estado da Bahia um galo preto para o sacrifício”.

Abaixo, no centro, outras duas com “A caravana do Estado da Bahia em frente ao novo barracão do candomblé da Goméia. O assento de Exu cercado pela caravana. O homem da rua fica preso a cadeado... para não fazer barulho”. À esquerda, vê-se mais duas fotos: “Em cima: O pai de santo João da Pedra Preta possuído pelo seu orixá, que é Oxóssi, dança no meio das feitas. Em Baixo: Quem disse que Jubiabá não freqüenta candomblés? O senhor de branco que vem para nós não é ele não...”. Ao pé da página, a imagem mostra “O pêji do candomblé da Goméia, em dia de festa. No primeiro plano, o altar de Oxalá”.

João da Pedra Preta ainda ficaria algum tempo em Salvador, antes de partir para o Rio de Janeiro, onde criaria fama e seria reconhecido nacionalmente como Joãozinho da Goméia. Faria ainda centenas de filhos e filhas de santo que fundariam outros candomblés espalhados pelo Sudeste do Brasil. Existem, na tradição oral, relatos de que teria sido iniciado no terreiro de Jubiabá, do qual faria parte sua mãe de santo e madrinha.

Joãozinho da Goméia foi muito criticado no período em que viveu em Salvador. Por sua ascensão meteórica, por ser pai de santo ainda tão jovem, por não seguir os preceitos dos candomblés mais tradicionais, assim como Jubiabá. Ruth Landes, em A cidade das Mulheres, dá uma boa idéia de como Joãozinho da Goméia era concebido à época: "Há um simpático e jovem pai Congo, chamado João, que quase nada sabe e que ninguém leva a sério, nem mesmo as suas filhas-de-santo - como se chamam em geral as sacerdotisas; mas é um excelente dançarino e tem um certo encanto”.[28]

Mas foi por sua irreverência, sua personalidade forte e presença marcante que Joãozinho da Goméia se destacou como uma das principais atrações do 2º Congresso Afro-Brasileiro. Desta forma, ganhou a mídia e, até a sua morte prematura, em 1971, virou referência para o culto afro no país. Em Duque de Caxias, no Rio de janeiro, ganhou o apelido de "o rei do candomblé" e reuniu uma clientela que incluía artistas, autoridades, pessoas da alta sociedade carioca. O verdadeiro candomblé da Goméia não existe mais. Depois da morte de Joãozinho, em 1971, tanto o terreiro baiano, no bairro de São Caetano, como o terreiro fluminense, de Duque de Caxias, foram extintos.

Uma visita ao Estrela de Jerusalém

No dia 29 de agosto, O Estado da Bahia publicou uma entrevista com Manuel Paim, -pai do terreiro Estrela de Jerusalém - seguindo a mesma estrutura da anterior, com Joãozinho da Goméia. Até o título da entrevista foi o mesmo, para preservar a idéia de que se trata de uma série: “O mundo religioso do negro da Bahia”. Já o subtítulo apresenta os principais assuntos abordados no corpo de texto: “Manuel Paim conversa com Estado da Bahia – As atribulações de um pai-de-santo por causa de Omolu – La Iraxé D’ôrixá Abá Toutou – Nações – O 2º Congresso Afro-Brasileiro – União dos pais-de-santo – A religião dos negros é uma religião como as outras – uma procissão de penitência no Cabula”.

O texto é introduzido pelo jornalista com suas primeiras impressões do local e da casa onde morava o entrevistado, no Alto do Abacaxi, número 50. A novidade é que, desta vez, o pesquisador e professor Donald Pierson é citado como acompanhante da equipe de reportagem em sua empreitada.

Alto do Abacaxi, 50. Aí morava o pai-de-santo Manoel Paim que vamos entrevistar.

A escalada foi difícil. A ladeira em pé, o barro escorregadio...

Somente o professor Donald Pierson, da Chicago University, de Nova York, que acompanhava o repórter, não dava sinais de cansaço, antes sorria largo aspirando a plenos pulmões o ar “desbandeirado” que se respira ali.

A casa nº 50 no Alto do Abacaxi não tinha nada a ver com a profissão do seu dono. Uma porta e duas janelas iguais a quaisquer outras. À sombra de uma mangueira pouco frondosa. Na frente, o barro vermelho comum a toda a rua com altos e baixos do capim.

Aos lados, cercas de paus a pique, cobertas de folhas. O aspecto mais honesto deste mundo.

Manoel Paim, não difere muito dos demais homens, não fica em contraste com a casa nº 50. Negro de pouco mais de trinta anos, delicado, serviçal, sempre pronto a atender aqueles que dele desejam alguma coisa.

Não foi difícil, portanto, que Paim nos respondesse à série de perguntas que lhe fizemos.

Assim como Joãozinho da Goméia, Manuel Paim também é levado a falar sobre sua condição de babalorixá, ainda tão jovem. E então revela publicamente a história de como e porquê se tornara pai de santo, na cidade de Cachoeira, onde teria recebido o “carrêgo” de Santa Bárbara, correspondente à Iansã no sincretismo com a religião católica:

- É uma história comprida...

- Respondeu Paim, como lhe perguntássemos como se tornara pai-de-santo.

- Não faz mal.

Ele então foi dizendo:

- Eu não fui criado nisso, nem gostava de candomblé. Até ia aos terreiros “anarquizar”... numa viagem que fiz até Cachoeira, o santo me pegou. O “zelador dos santos” me garantiu que era Santa Bárbara. Um outro camarada me convidou para fazer parte da casa dele. Foi aí que “senti” o santo. Minha avó tinha deixado pra mim, sem eu saber, o “carrêgo” de Santa Bárbara... .

Em seguida, Paim continua sua história dizendo que foi forçado a permanecer no candomblé, por exigência dos orixás. Como já foi visto anteriormente, Manuel Paim utiliza uma estratégia semelhante a de Joãozinho da Goméia para justificar o fato de ser pai de santo e suas obrigações religiosas:

- Mas eu me desleixei – continua Paim. – e paguei caro o atrevimento. Tropecei num “ebó” e tive de passar três meses e onze dias de cama, totalmente inutilizado. Fui a uma sessão, mas não valeu nada. O jeito foi voltar mesmo ao candomblé...

O professor Pierson atalhou:

- Mas o seu santo não é Omolu?

- Pois é, mas só em Cachoeira “rodei” com Omolu. Omolu é o meu santo predileto. Estou agora com trinta e dois anos e já sou pai-de-santo há quatro anos. De Omolu.

O terreiro de Manuel Paim pode ser considerado um bom exemplo do que acontecia naquele momento, reconhecido como de grande expansão do candomblé na Bahia. Novos pais de santos, feitos fora dos candomblés mais tradicionais, se sentiam à vontade para abrir seu próprio terreiro, muitas vezes incorporando elementos de várias raízes diferentes, a exemplo dos já citados Jubiabá e Joãozinho da Goméia. O mesmo, pois, acontecia com Manuel Paim, como mostra este trecho da entrevista:

A “nação” de Paim era Ijexá.

- Eu gosto mais do Angola, - disse ele, - mas minha “nação” é Ijexá.

O professor Pierson meteu-se no meio:

- Entretanto, o sr. tem aqui várias estatuetas de caboclos... Pode nos explicar isso?

Ele sorriu:

- É fácil. Meu avô era gêge, mas a minha avó era índia, foi pegada no mato a-dente-de-cachorro... .

E, mostrando-nos umas estatuetas, disse;

- Vejam este Oxóssi “caboclo”. Se eu o botar no “pêji” lá da “roça”, daí a pouco vem uma cobra e se enrola nele... E só sai quando entra no “pêji” uma filha-de-santo.

Assim como Joãozinho da Goméia e Martiniano do Bonfim, Paim também seria colaborador do 2º Congresso Afro-Brasileiro, ainda que em menor escala, contribuindo como informante para alguns pesquisadores e com suas posições em defesa da liberdade religiosa. Durante a entrevista, se refere ao evento com entusiasmo:

Sobre o 2º Congresso Afro-Brasileiro Paim se “espalhou” nas seguintes considerações:

- Acho que é a coisa melhor que se poderia imaginar. E ainda mais na Bahia, que é terra das mulatas, dos africanos e do “ebó”, como se diz por aí. Nesse Congresso os mais ignorantes poderão aprender, os mais instruídos poderão ensinar e, dessa maneira, todos os pais-de-santo aproveitarão.

É Manuel Paim o primeiro chefe de terreiro a defender publicamente a idéia de unir os candomblés da Bahia, como forma de resistência à opressão. Em seguida, o pai de santo também compara a religião trazida da África ao catolicismo praticado pelos baianos, a mesma estratégia utilizada por outros personagens entrevistados por O Estado da Bahia:

UNIÃO

- E pode ser ainda – continua Paim – que o Congresso consiga unir os pais-de-santo. O que a gente mais precisa é de união. “A união faz a força...”.

A RELIGIÃO DOS NEGROS É UMA RELIGIÃO COMO AS OUTRAS

- Na sua opinião, - perguntamos, - qual a medida que lhe parece mais urgente e que, mais do que outra qualquer, deve merecer a atenção do Congresso?

Paim respondeu imediatamente:

- A liberdade religiosa.

E, depois, um pouco triste:

- Para isso, porém, precisamos de união. E isso é o que falta... reconheço que há quem abuse (um tabaque faz uma barulheira infernal...), mas a religião dos negros não é uma religião como as outras? Eu espero que o Congresso possa resolver essa questão, de maneira satisfatória para todos.

Antes de abrir seu terreiro, Manuel Paim era tipógrafo e trabalhou na Imprensa Oficial. Em um trecho da entrevista fala com orgulho de sua colaboração para o livro de Manoel Querino - A raça africana e os seus costumes na Bahia. Foi Paim quem brochou o livro. Conta ainda que seu pai não gostou nem um pouco de vê-lo abandonar a profissão, de repente, para se tornar babalorixá. Mas Paim disse ter conseguido, “por intermédio dos nossos santos”, que seu pai não fosse demitido, o que teria pacificado a relação entre os dois. Mais tarde, o pai de santo abandonaria suas obrigações e passaria a se dedicar ao comércio de ervas, na Travessa das Flores. E mais tarde ainda se tornaria investigador de polícia.[29]

Após um tempo no Alto do Abacaxi, Manoel Paim mudou-se para a Rua da Lama, no caminho do Rio Vermelho, à altura da Vila América. Mas também possuía uma “roça” no Cabula, que era utilizada para as festas e alguns rituais, como procissões. Lá, foram feitas as fotografias publicadas na edição de O Estado da Bahia. Foram cinco no total. Ao centro, a maior delas, mostra o “Interior do assento de Exu, na roça de Paim, vendo-se as sete espadas do orixá, a quartinha ritual e uma boneca preta...”. Acima, duas fotografias; à esquerda, vê-se “O nosso companheiro e o professor Donald Pierson ladeiam o assento de Omolu, o orixá-patrono de Paim”. À direita, “Outro assento de orixá na roça de Paim, o clichê mostra o professor Donald Pierson e o nosso companheiro, à frente da pedra, tendo ao meio o caboclo José, que serviu de guia até os domínios do pai de santo”. No pé da página, a última fotografia mostra “Manuel Paim posa para a nossa objetiva, no quintal da sua casa, no Alto do Abacaxi”.

Sobre o culto da natureza entre os bantos

Revelando extrema má vontade com os negros bantos, Edison Carneiro publicaria, em O Estado da Bahia, em 26 de outubro de 1936, um artigo intitulado “Culto da natureza entre os negros bantos”, que seria editado no ano seguinte no livro Negros Bantos[30], com o título “O culto da natureza”. Logo no início do texto, Edison Carneiro demonstra sua opinião sobre a formação cultural dos negros bantos:

Os negros bantos eram, e são ainda, atrasadíssimos em cultura. Daí a sua dificuldade de generalizar.

E afirma ainda, em seguida:

Difíceis de imaginar a natureza como um todo à parte, esses negros são, porém, inexcedíveis no conhecimento das ”folhinhas” do mato, indispensáveis não só ao desenvolvimento dos cultos afro-brasileiros de influência banta (banhos de folhas, ofertas fetichistas, etc), mas ainda à própria profissão de curandeiros e de feiticeiros e, mesmo, em certos casos, à sua terapêutica pessoal.

Com o auxílio de informantes como os pais de santo Manuel Paim e Bernardino do Bate-Folha, Edison Carneiro faz uma reflexão sobre o tema, identificando o orixá ligado à natureza, na religiosidade de origem banto:

Ora, os negros bantos, principalmente os angolas, têm o seu culto da natureza dirigido a Katendê (Angola) ou Tempo, orixá mais ou menos identificado com o São Sebastião do Catolicismo. Mais ou menos, porque, a acreditar no pai-de-santo Paim, a nação ijexá o adora como São João, o Baptista.

Influenciado por uma ideologia que valorizava o culto jêje-nagô – considerado mais “puro” - em detrimento aos de origem banto, considerado por ele mais “atrasado”, Edison Carneiro faz uma comparação do culto a Tempo, pelos bantos, ao culto a Irôco, pelos jêjes-nagôs, sugerindo que este último é cronologicamente anterior ao primeiro:

Ainda mais, se os negros sudaneses, e em especial os nagôs, só no tempo de Nina Rodrigues chegavam à concepção de Irôco como orixá, por que teriam trazido da África os negros bantos esse orixá, ou mesmo desenvolvido, na Bahia, o temor em culto, independentemente dos sudaneses, se esses negros bantos eram muitíssimo mais atrasados do que os negros de acima do equador?

Tudo indica, assim, que a origem do orixá Tempo é jêje-nagô e que, portanto, esses negros do sul o que fizeram foi, apenas, seguir nas águas dos do norte...[31]

Mais adiante, o pesquisador destaca o que chama de “processo de decomposição” da concepção do orixá Tempo, associado a outros elementos que não a natureza:

Há, aqui, uma verdadeira confusão entre um orixá, que deveria representar a natureza, e o tempo-hora, o tempo-diferenças-atmosféricas. Identidade de nomes, talvez...

E depois usa de ironia ao analisar a observação anterior, sobre a “simbiose do orixá”:

Este processo de decomposição, - processo velocíssimo, se se considerar que Tempo não tem muitos anos de vida, - do orixá... vamos dizer, banto, prova que os negros sul-africanos, na Bahia, não estão identificados com ele, não o sentem seu, criação exclusivamente sua. Não são os bantos, portanto, aqueles a quem devemos a presença de Tempo na paisagem espiritual do Brasil e, por isso mesmo, não temos o direito de nos surpreendermos se, amanhã, os angolas e congos da Bahia o representarem com um velho seminu, de longas barbas brancas esvoaçantes, com um cajado e uma ampulheta na mão...

Concluindo seu pensamento, Edison Carneiro usa exemplos de candomblés com raízes banto, famosos em seu tempo, como o terreiro de Bernardino do Bate-Folha e o do Ciriáco, no Cabula. Para o pesquisador, o culto da natureza entre os negros bantos estava sendo influenciado pela cultura branca, da classe dominante, e que permanecia a dificuldade de generalizar por parte dos negros bantos. Vê-se ainda, nesta última passagem, que Edison Carneiro ainda faz uma grave acusação, de caráter político, ao afirmar que os negros bantos participavam de “adesão às ideologias da classe dominante” e “aceitação crescente da cultura branca”.

O terreiro de Bernardino, no Bate-Folha, candomblé congo, possui, além de Tempo, outras árvores divinizadas, pelos negros chamados Zacahy, Umpanzu etc, coisa que também acontece no Candomblé do Cyriaco, no Cabula.[32] Pouco a pouco, o culto da natureza, entre os negros bantos, vai tomando novas formas, ampliando as suas perspectivas, embora essas “novas formas” correspondam, na maioria dos casos à aceitação crescente da cultura “branca” pelos negros angolas e congos e a sua adesão às ideologias da classe dominante. A maioria dos negros bantos permanece, porém, firme – firme na sua dificuldade de generalizar...

Gilberto Freyre – críticas e receio de coisas improvisadas

No dia 13 de novembro de 1936, O Estado da Bahia publicou, provavelmente à revelia de Edison Carneiro, uma entrevista com Gilberto Freyre ao Diário de Pernambuco com o título “Em torno do Segundo Congresso Afro-brasileiro” e o subtítulo “Falando ao Diário de Pernambuco, o escritor Gilberto Freyre diz do seu receio que o certame se marque dos defeitos de coisas improvisadas”. Ao introduzir o texto, o jornalista informa que estava anunciada para novembro ou dezembro daquele ano a realização do 2º Congresso Afro-Brasileiro, na Bahia. E que, como havia sido organizador do primeiro congresso, que se realizou no Recife, Gilberto Freyre, foi procurado para falar a respeito do evento. O escritor teria dito:

- Pouco lhe posso adiantar sobre o assunto. Só há dois ou três dias soube, por uma carta do escritor Edison Carneiro, que ia realizar-se um segundo Congresso Afro-Brasileiro na Bahia. Receio muito que vá ter todos os defeitos das coisas improvisadas. Deveria ser muito maior o prazo para os estudos, para as contribuições dos verdadeiros estudiosos. Os verdadeiros estudiosos trabalham devagar. A não ser que os organizadores do atual Congresso só estejam preocupados com o lado mais pitoresco e mais artístico do assunto: as “rodas” de capoeira e de samba, os toques de “candomblé” etc. Este lado é interessantíssimo e na Bahia de certo terá um colorido único. Mas o programa traçado no primeiro Congresso foi um programa mais extenso e incluindo a parte árida, porém igualmente proveitosa para os estudos sociais, de pesquisas e trabalhos científicos.

Depois de reivindicar prazo maior para a elaboração dos estudos, dizendo temer possíveis equívocos da improvisação, Gilberto Freyre faz críticas severas ao fato de o congresso contar com apoio financeiro do Governo do Estado, o que, para ele, poderia representar indícios de demagogia e partidarismo:

Discordo, ainda, da orientação do 2º Congresso Afro-Brasileiro, que vai se realizar na Bahia, no tocante às relações com o Governo do Estado. Estou informado pelo escritor Edison Carneiro – que é, seja dito de passagem, um dos nossos africanologistas mais inteligentes – que se pleiteará uma subvenção do Governo do Estado da Bahia para o 2º Congresso Afro-Brasileiro. Discordo radicalmente. Creio que esses Congressos de estudiosos deviam ser como foi o 1º Congresso Afro-brasileiro reunido no Recife, inteiramente independente dos governos ou de qualquer organização política, com interesses partidários ou fins imediatos. Essa independência foi um dos traços característicos do 1º Congresso – o de Recife - e para afirmá-la, José Lins do Rego, Cícero Dias, Mário Lacerda de Mello, eu e alguns outros tivemos de opor resistência enérgica aos que pretenderam deformar aquela reunião de pesquisadores e de estudiosos, prestigiada pela colaboração de africanologistas como o professor Hersokovits, num ajuntamento demagógico e de cor partidária.

Para finalizar, Gilberto Freyre aponta que o caminho para os estudos africanistas seria indicar os efeitos sociais e políticos da opressão à população negra. Baseado nessa afirmação, ainda critica Nina Rodrigues, observando que a condição do negro deve ser vista como um problema de “desajustamento social” e não de “patologia biológica”, como previa o primeiro. Durante a conclusão, faz novas reservas ao fato de o congresso receber subvenção do Governo do Estado:

Creio que os problemas do negro e do mulato no Brasil devem ser discutidos e apresentados com a maior franqueza, com honestidade e com desassombro, indicando-se os efeitos sociais e mesmo os políticos da opressão da gente de cor, que ainda se observam entre nós.

Creio que o fato do Congresso Afro-Brasileiro do Recife ter encarado o negro e o mestiço de negro não como um problema de patologia biológica, a exemplo do que fez o próprio Nina Rodrigues – que era um convencido da absoluta inferioridade do negro e do mulato – mas como um problema principalmente de desajustamento social, representa uma conquista notável para os estudos sociais brasileiros e de profunda repercussão política. Mas não me parece que os Congressos Afro-Brasileiros devam resvalar para a apologia política ou demagógica da gente de cor. Seria sacrificar todo o seu interesse de esforço de pesquisa e de colheita e interpretação honesta de material que ainda está sendo reunido.

Estou certo, entretanto, que os organizadores do 2º Congresso – na Bahia – saberão lhe assegurar um ambiente de independência e de probidade científica.

Em uma de suas cartas enviadas ao companheiro Arthur Ramos, no dia 30 de novembro de 1936, 17 dias após a publicação da entrevista no jornal para o qual colaborava, Edison Carneiro afirma que “O Gilberto Freyre deu uma entrevista no Recife, escangalhando o Congresso, falando em coisa improvisada, não sei o quê mais”. Mais tarde, Edison Carneiro daria um depoimento que pode ser considerado uma resposta às críticas que sofreu do escritor pernambucano. Dentre os vários aspectos que abordou, vale transcrever o trecho em que o autor se refere à subvenção que recebeu do Governo do Estado para a realização do congresso, alvo da mais dura crítica de Gilberto Freyre. O texto foi publicado por Edison Carneiro mais de quarenta anos depois, no livro Ursa Maior.

Outra acusação de Gilberto Freyre foi a de que o congresso, tendo aceito a subvenção de 1500$000 do Governo do Estado, tinha, de uma maneira ou de outra, influências políticas. Acrescentamos que a Comissão Executiva do Congresso conseguiu, além desse dinheiro, hospedagem oficial para congressistas vindos de outras partes do país: Camargo Guarnieri, Jorge Amado e Frutuoso Viana. Reginaldo Guimarães assinou o memorial por nós enviado, não ao governador Juracy Magalhães, mas à Assembléia Estadual. Nestor Duarte, líder da oposição, foi quem conseguiu que nos fosse facilitado o auxílio pedido, sem que tivesse havido qualquer confabulação anterior. Nós não éramos, nem somos, ainda hoje, políticos no sentido que Gilberto Freyre quis dar à palavra. Nem o Congresso tratou de tão interessante assunto.

Um pai de santo na Rádio Comercial

Restando pouco menos de um mês para a realização do 2º Congresso Afro-Brasileiro, Edison Carneiro promoveu uma importante apresentação cultural para a divulgação do evento. No dia 15 de dezembro de 1936, Joãozinho da Goméia e seus filhos e filhas de santo fariam uma apresentação com músicas de candomblé. A apresentação foi transmitida ao vivo pela Rádio Comercial e divulgada três dias antes, 12 de dezembro, no jornal O Estado da Bahia, em uma nota intitulada “Uma noite africana na Rádio Comercial”; e com o subtítulo “O pai de santo João da Pedra Preta, com a sua orquestra de negros, executará músicas religiosas dos candomblés”. A nota foi ilustrada com uma fotografia onde se vê “O pai de santo João da Pedra Preta com uma fantasia de erê”. Aproveitando a oportunidade, Edison Carneiro falaria sobre as propostas do congresso. Eis a íntegra do texto:

No próximo dia 15, terça-feira, a 'Radio Comercial' oferecerá aos seus fãs um número sensacional.

Em colaboração com a comissão do 2º Congresso Afro-Brasileiro e com o Estado da Bahia, a 'Radio Comercial' vai organizar um programa tipicamente africano, regional.

O 'pai-de-santo' João da Pedra Preta levará ao 'estúdio' daquela rádio difusora uma legítima orquestra negra constituída por tabaques, agogô e cabaças, a cargo dos mais exímios tocadores do candomblé da Goméia.

As filhas de santo que o acompanharão, farão coro a belos cânticos religiosos nagôs, bantos e caboclos.

Antes da audição de canto e música dos aderentes do candomblé da Goméia, deverá falar, sobre as finalidades do 2º Congresso Afro-Brasileiro da Bahia, o escritor Edison Carneiro, da comissão encarregada do mesmo.

Assim, a 'noite africana' da 'Radio Comercial' está fadada a um sucesso sem precedentes na história das nossas 'broadcastings’.

Dois dias após a apresentação, em 17 de dezembro, O Estado da Bahia publicou outra nota, destacando o sucesso obtido por Joãozinho da Goméia e seus filhos e filhas de santo no programa da Rádio Comercial. A nota aparece com o título “A noite africana da Rádio Comercial da Bahia” e com o subtítulo “O sucesso inigualável alcançado pelos cânticos religiosos do pai de santo João da Pedra Preta”. Para ilustrar, foi publicada uma fotografia tirada no estúdio da rádio, onde se vê “João da Pedra Preta e três filhas de santo”:

Transcorreu, anteontem, com o maior sucesso possível, a noite africana da Rádio Comercial PRF-8 da Bahia.

Em colaboração com o Estado da Bahia e com a comissão do congresso Afro-Brasileiro da Bahia, a Rádio Comercial proporcionou aos rádio-ouvintes da cidade a audição de músicas e cânticos dos candomblés afro-baianos.

O pai de santo João da Pedra Preta, chefe do candomblé da Goméia, na Estrada de rodagem Bahia-Feira, levou para o estúdio da emissora a sua orquestra de negros, dando início, às 21h, à audição de cânticos religiosos africanos ou de origem africana da Bahia.

João da Pedra Preta cantou, anteontem, o despacho de Exu e várias canções de Ogum, Oxóssi, Xangô, de Oxalá, Omolu, Oxunmaco [sic] e de Iansã, todas em Ketu, língua norte africana, e canções de Oxóssi, de Nanã, de Oxum, de Tempo, de Katendê e de Iansã, em Kinbundu, língua de Angola. Os negros do candomblé da Goméia, sob a direção de João da Pedra Preta, cantaram ainda algumas canções na língua dos caboclos do Brasil.

Por motivo de força maior, deixou de falar sobre as finalidades do 2º Congresso Afro-Brasileiro, o escritor Edison Carneiro, da comissão encarregada da realização do congresso na Bahia.

Cercado e apoiado pelas suas filhas de santo, o chefe do candomblé da Goméia executou números interessantíssimos, ouvidos com entusiasmo, tanto pelos rádio-ouvintes nas suas casas particulares, como pelos populares que se aglomeravam à porta dos bares e dos cafés da cidade para escutar o velho lamento africano dos candomblés.

O 2º Congresso Afro-Brasileiro da Bahia

A três dias da abertura do congresso, Edison Carneiro iniciou, em O Estado da Bahia, uma série de notas e reportagens divulgando a programação e as principais atividades realizadas durante o evento, sempre com o título 2º Congresso Afro-Brasileiro. No dia 08 de janeiro de 1937 foi publicada a primeira delas com o subtítulo “O programa dos trabalhos desse importante certame científico”. Essa primeira nota foi ilustrada com uma fotografia feita no terreiro de Joãozinho da Goméia, com a legenda “A comissão executiva do 2º Congresso Afro-Brasileiro diante do barracão do candomblé da Goméia”. O texto anuncia a instalação das sessões no Instituto Histórico da Bahia e seu encerramento na antiga Faculdade de Medicina, com uma homenagem a Nina Rodrigues, que contaria com a presença de Arthur Ramos, mas que por motivos pessoais, como veremos mais tarde, não pôde comparecer ao evento.

Ao informar parte da programação, o texto também revela o apoio popular ao evento, que contou com visitas aos candomblés mais famosos da cidade, apresentações de samba e capoeira e alguma apresentações com músicas afro-brasileiras, uma delas transmitida ao vivo pela Rádio Comercial da Bahia, protagonizada por tocadores do terreiro do Gantois:

À tarde dos dias 13 e 14 no campo de Basquete do Clube de Regatas Itapagipe, cavalheirosamente cedido pelo presidente daquele clube, dr. Antonio Mattos, haverá respectivamente, demonstrações de samba e de capoeira, estas últimas sob a imediata direção de Samuel Querido de Deus, considerado pelos seus companheiros de “vadiação” como o melhor capoeirista da Bahia.

Durante a noite, nos dias 11-15 deste mês, os congressistas terão oportunidade de assistir a toques nos mais significativos candomblés da Bahia – entre os quais os centenários Engenho Velho e Gantois, e ainda os de Procópio no Matatú Grande, de João da Pedra Preta, na Goméia e de Aninha, em São Gonçalo do Retiro.

A comissão de festas do Congresso prepara, ainda, uma excursão a São Bartolomeu, centro fetichista de grande interesse para os estudos africanos.[33]

Durante o Congresso, estará aberto á visita pública o museu afro-brasileiro do Instituto Histórico da Bahia.

Anunciando o Congresso Afro-Brasileiro a orquestra negra do candomblé do Gantois, dará na noite de 10 do corrente, na Radio Comercial da Bahia, uma audição de musicas religiosas por todos os títulos interessantíssima.

Tal, em linhas gerais, o programa do Congresso Afro-Brasileiro da Bahia.

No dia seguinte, 9 de janeiro, O Estado da Bahia publicaria outras duas notas, uma na página 3 e outra na 7. A primeira delas anuncia resumidamente a abertura do congresso. A segunda reporta “A sessão preparatória de ontem e a colaboração de elementos populares ao Congresso da Bahia”:

Esteve concorridíssima a sessão preparatória, de ontem, do 2º Congresso Afro-Brasileiro.

Ficou unanimemente resolvido que os números de capoeira, no campo de basquete do Clube de Regatas Itapagipe, seriam realizados no dia 14, às 2 1/2 da tarde. No dia 13, à mesma hora, o pai-de-santo João da Pedra Preta levará o seu candomblé para São Bartolomeu, oferecendo, aí, um espetáculo aos congressistas. No dia 14, pela manhã, no Clube de Regatas Itapagipe, haverá demonstração de samba e de batuque, a começar desde às 9 horas da manhã.

A sessão preparatória de ontem teve, como resultado, a colaboração mais eficiente de elementos populares. Silvino Manoel da Silva, tocador de tabaque do candomblé do Gantois, vai apresentar ao Congresso um interessante trabalho sobre os toques nos terreiros. Aninha, chefe do Cruz Santa do Axé do Opô Afonjá, de São Gonçalo, no Retiro, escreverá sobre velhos costumes africanos da Bahia. Maria Badá, velha negra de mais de noventa anos, fará receitas de comidas afro-brasileiras. Menininha, mãe-de-santo do candomblé do Gantois, escreverá a história do seu “terreiro”, baseada nos arquivos dos seus avós.

A Rádio Comercial da Bahia, em colaboração com o Congresso Afro-Brasileiro, irradiará a festa que encerrará o Congresso, no candomblé do Gantois.

As informações mostram a importância do 2º Congresso Afro-Brasileiro como elemento de mobilização de vários representantes da cultura afro-brasileira. Especialmente para o congresso, Mãe Aninha, do Ilê Axé Opô Afonjá, escreveu um livro com as principais receitas da culinária afro-baiana, enquanto Mãe Menininha do Gantois narrou a história e os costumes do seu terreiro. Em se tratando de uma cultura baseada na tradição oral, estes trabalhos se constituíram no registro de informações preciosas para a preservação da tradição.[34]

No dia 11 de janeiro, enfim, seria inaugurado o 2º Congresso Afro-Brasileiro da Bahia. E O Estado da Bahia publicou “O programa dos trabalhos desse importante certame”, instalado sob a presidência do professor Martiniano do Bonfim. Na impossibilidade de enviar Mário de Andrade a Bahia, a prefeitura de São Paulo encarregou o famoso compositor Camargo Guarnieri, que aqui recolheu notações musicais africanas e populares, contribuindo, dessa maneira, para o reconhecimento dessas manifestações culturais, até então não estudadas por pesquisadores da música nacional.

Também no dia 11, O Estado da Bahia publicaria uma outra nota informando da abertura do evento com o título “Instala-se hoje o 2º Congresso Afro-Brasileiro” e ainda o subtítulo: “Nesta seção serão lidas as teses de Dante de Laytano, Alfredo Brandão e Edison Carneiro”. Na fotografia, vê-se “O prof. Arthur Ramos”.

No texto, o redator afirma que, assim como ocorrera em 1934 no Congresso do Recife, o evento na Bahia se propôs a estudar a “influência do negro sobre a população baiana, sob o ponto de vista político, social e religioso, procurando uma explicação para certos fatos cujos efeitos são sentidos sem conhecimento das causas”. Em seguida, cita alguns dos principais pesquisadores do evento, assim como seu propósito de restabelecer a “verdade sobre os negros”:

A merecer crédito serão as conclusões d’este Congresso que conta com a colaboração de africanista como Arthur Ramos, o seguidor dos estudos de Nina Rodrigues, Martiniano do Bonfim, o companheiro dedicado do grande criador da escola médico-legal brasileira, Estácio de Lima, prof. da faculdade de medicina, Nestor Duarte, prof. da Escola de Direito, Edison Carneiro, o cuidadoso esmiuçador das religiões dos negros da Bahia, Conceição Menezes, prof. do Ginásio da Bahia, para citar somente alguns dos muitos que contribuirão para este certamente não só de cultura e de estudo como também de restabelecimento da verdade sobre os negros.

No dia seguinte, 12 de janeiro de 1937, O Estado da Bahia publica uma matéria sobre o 2º Congresso Afro-Brasileiro, com o subtítulo “Como decorreu a sua sessão de instalação”. O texto informa sobre os trabalhos apresentados na abertura do evento, anuncia a chegada do “maestro Camargo Guarnieri, representante do Departamento de Cultura da Prefeitura de S. Paulo, que veio recolher músicas africanas e populares da Bahia e adquirir instrumentos musicais de candomblé, capoeira, samba e batuque; e o pianista e compositor Frutuoso Vianna, especialista em música negreira, que ajudará as pesquisas do maestro Guarnieri”.O texto ainda anuncia a programação para a tarde e à noite, que incluiu uma visita dos congressistas aos “terreiros de Procópio, no Matatú Grande e o Candomblé do Engenho Velho, um dos mais velhos do Brasil, na estrada do Rio Vermelho”.

No dia 13 de janeiro de 1937, O Estado da Bahia publicou outro texto, com o título “O dia de ontem do Congresso Afro-Brasileiro” e o subtítulo “As teses discutidas nas sessões – A visita aos terreiros de Procópio e de Engenho Velho – O programa para hoje”, que resume seu conteúdo. Depois de reportar os principais acontecimentos do dia anterior, com suas sessões presididas por Donald Pierson e pelo compositor Camargo Guarnieri, o texto informa a presença de outros intelectuais, como Jorge Amado e João Calazans, que vieram para prestigiar o congresso. Em seguida, relata a visita dos congressistas aos candomblés de Procópio do Ogunjá e do Engenho Velho da Federação. Ao descrever a receptividade nos candomblés a boa impressão transmitida aos pesquisadores, fica mais uma contribuição para a legitimação da cultura afro-baiana:

Dando cumprimento ao seu programa, o Congresso Afro-Brasileiro visitou, ontem, os “terreiros” de Procópio e do Engenho Velho. Regiamente tratados em ambos os candomblés, os congressistas trouxeram, d’ali, a melhor das impressões, erguendo, principalmente no Engenho Velho, vivas entusiásticos à raça negra, ao Congresso Afro-Brasileiro, ao prof. Martiniano do Bonfim e aos candomblés da Bahia.

No dia 14 de janeiro, a programação do evento reporta o sucesso da apresentação de samba africano comandada pelo pai de santo Joãozinho da Goméia na sede do Clube de Regatas Itapagipe. À noite, os congressistas ficaram encantados, segundo a nota, com o Centro Cruz Santa do Axé de Opô Afonjá, de Aninha, no São Gonçalo do Retiro, onde participaram de uma festa especial. Para os dias seguinte, foram anunciadas demonstrações de capoeira de Angola e uma excursão até São Bartolomeu, onde o candomblé da Goméia, novamente com João da Pedra Preta à frente, promoveu uma festa, na Cachoeira do Grande Santo.

Inicialmente previsto para terminar no dia 15 de janeiro, o 2º Congresso Afro-Brasileiro se estendeu até o dia 19 de janeiro de 1937. No dia 18, O Estado da Bahia publicou uma matéria com o título “As últimas reuniões do Congresso Afro-Brasileiro” e o subtítulo “As sessões de terça-feira, 19 – a homenagem dos congressistas a Nina Rodrigues – uma festa no candomblé do Bate-Folha”. O texto começa exaltando o sucesso alcançado pelo evento, informando em seguida os principais pesquisadores locais e visitantes que prestigiaram o encontro. Eles são citados neste trecho:

Por motivo da realização desse Congresso, e para nele tomarem parte, vieram à Bahia os intelectuais brasileiros Camargo Guarnieri, compositor, representando o Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, os romancistas Jorge Amado e Clóvis Amorim, o jornalista João Calazans, o compositor Fructuoso Vianna e a sra. Curvello de Mendonça. Tomaram, ainda, parte nos debates, os professores Nestor Duarte e Edgard Matta, os intelectuais Edison Carneiro, João Mendonça e Alves Ribeiro, Reginaldo Guimarães e o prof. Martiniano do Bonfim, antigo colaborador de Nina Rodrigues nos seus estudos sobre o negro brasileiro.

Depois de informar sobre os principais temas discutidos pelos pesquisadores e representantes da cultura popular, o texto destaca as festas oferecidas aos congressistas nos terreiros do Gantois, da Goméia, do Engenho Velho, de Procópio do Ogunjá e do Ilê Axé Opô Afonjá. E ainda afirma que foram muito aplaudidas as rodas de samba e capoeira de Angola, realizadas no Clube de Regatas Itapagipe. Logo adiante, é anunciada a festa de encerramento no terreiro de Bernardino do Bate Folha. No final, divulga as últimas atividades previstas para o evento:

Por várias razões, o Congresso não pôde, como estava anunciado, encerrar-se sexta-feira, 15, terça-feira, 19, haverá uma sessão as 2 e meia da tarde, no Instituto Histórico, a fim de serem lidas as últimas teses chegadas à secretaria do Congresso, uma de Reginaldo Guimarães sobre as “contribuições bantas para a obra de sincretismo”, outra de Melville Herskovits, professor do College of Liberal Arts da Northwestern University, dos Estados Unidos, sobre a presença de “deuses africanos a santos católicos nas crenças do negro do novo mundo”, e de Salvador Garcia Aguero, de Cuba, sobre a “presença negra na música”, da sua ilha.

Por fim, à noite, nessa mesma terça-feira, haverá a sessão de encerramento do Congresso, sessão essa em homenagem a Nina Rodrigues, devendo falar o prof.dr. Arthur Ramos, o escritor Edison Carneiro e o dr. Hosanah de Oliveira.

O encerramento do 2º Congresso Afro-Brasileiro foi noticiado com destaque por O Estado da Bahia. Como as festas e apresentações ocorreram na noite de 19 de janeiro, portanto depois do horário de fechamento dos jornais, a reportagem seria publicada somente no dia 21 de janeiro de 1937, com o titulo “2º Congresso Afro-Brasileiro” e o subtítulo “O encerramento do brilhante certame – as resoluções votadas – a festa de ontem no candomblé do Bate-Folha”. Nesta reportagem, são registradas as principais resoluções dos congressistas, que reivindicaram a liberdade religiosa e a criação do Instituto Afro-Brasileiro da Bahia. A idéia era passar para a entidade a responsabilidade de “fiscalizar” os candomblés, atribuição que até então, como já se sabe, era exercida pela polícia. Eis o trecho que trata do assunto:

O Congresso se decidiu pela liberdade religiosa dos negros da Bahia e do Brasil e resolveu a criação do Instituto Afro-Brasileiro da Bahia, que tratará da fundação de escolas de samba e de capoeira de Angola.

De fato, a plena liberdade religiosa demoraria ainda muito a chegar, mas precisamente 39 anos, já que, somente no dia 15 de janeiro de 1976, no governo de Roberto Santos, foi sancionada a Lei 25.095, que suprimia a necessidade de registro policial por parte dos candomblés. Mas é certo que, a semente que ainda levaria quase quatro décadas para germinar, foi plantada no fértil terreno do 2º Congresso Afro-Brasileiro, preparado por Edison Carneiro. A criação de uma entidade para congregar os principais representantes da cultura afro-brasileira também seria fundamental para a legitimação dos costumes trazidos da África. Mas, como veremos mais adiante, esta não seria uma tarefa fácil, por diversos fatores.

Repercutindo o sucesso do 2º Congresso Afro-Brasileiro, cinco meses após sua realização, O Estado da Bahia publicou, no dia 24 de maio de 1937, um pequeno texto com o Título “Homenagem ao Congresso Afro-Brasileiro” e o subtítulo “A festa de ontem, no terreiro do Alaketu, no Matatú Grande”. Durante a realização do evento, o terreiro do Alaketu estava em reformas e não pôde receber os congressistas, que visitaram alguns dos principais candomblés dos anos 30. Sobre o Alaketu e sua ialorixá, Dionísia, o jornalista afirma:

Este candomblé dos mais velhos e dos mais sérios da Bahia, chefiado por D. Dionísia Francisca Regis, na verdade se reanimou com a realização do Congresso, pois os “ogãs” e pessoas gradas do “terreiro” resolveram continuar a prestigiá-lo, levantando-lhe novamente o barracão e trazendo novas “iaôs” para o culto dos deuses africanos.

Não tendo podido homenagear no tempo o 2º Congresso Afro-Brasileiro, d. Dionísia Regis deu ontem, à Comissão Executiva, uma festa simples, mas cordial, no velho ‘terreiro” do Alakêtu.

A essa festa compareceu um grupo de interessados nos estudos afro-brasileiros, entre os quais o prof.dr. Nestor Duarte acompanhados pelo nosso companheiro de redação o escritor Edison Carneiro, da Comissão Executiva do Congresso.

No final, o jornalista ressalta a impressão trazida pelos congressistas e ainda destaca a presença do pai de santo Procópio Xavier de Souza na festa, se referindo a ele como “chefe de um terreiro nagô muito importante do Matatú Grande”.

E dois dias depois, em 26 de maio, O Estado da Bahia, informa sobre duas festas em dois dos terreiros mais tradicionais do candomblé de Ketu. A nota foi intitulada “As festas amanhã, nos terreiros do Gantois e do Engenho Velho” e o subtítulo foi “Amanhã, dia de Corpus-Christi, haverá duas grandes festas nos terreiros do Gantois e do Engenho Velho, dos mais puros candomblés da Bahia e dos mais antigos do Brasil”. Nesse mesmo dia, seria inaugurado o novo terreiro do Gantois, enquanto o candomblé do Engenho Velho faria uma das principais festas de seu calendário religioso, em louvor a Oxóssi:

Um novo “terreiro” no Gantois

Será lançada manhã, às cinco horas da tarde, a pedra fundamental do novo “terreiro” do Gantois, ampliando a construção antiga.

Fará essa festa, os “Ogãs” e as pessoas gradas do candomblé estão convidando todos os seus amigos.

Depois dessa cerimônia, começará a festa no velho “terreiro” da Pulcheria, pela noite à dentro.

As festas do candomblé do Engenho Velho

O candomblé do Engenho Velho, na linha do Rio Vermelho (de baixo), comemorará o dia de Corpus-Christi com uma grande festa em louvor de Oxóssi.

Para começar, haverá uma missa às 8 horas da manhã, na igreja do Paço.

À noite, a festa em louvor de Oxóssi trará alegria ao coração dos negros simples e bons das redondezas.

Os “Ogãs” do candomblé estão convidando todos os amigos para a grande festa de amanhã.

Tentando unir os candomblés

A partir de agosto, são intensificadas as atividades para a criação de uma entidade que represente a cultura afro-brasileira na Bahia, uma das decisões do congresso realizado em janeiro. Na ocasião, deu-se o nome provisório de Instituto Afro-Brasileiro da Bahia, que deveria, dentre outras atribuições, substituir a polícia na fiscalização dos candomblés. Em uma de suas cartas dirigidas ao amigo Arthur Ramos, no dia 15 de julho de 1937, Edison Carneiro fala de suas intenções:

Estou organizando um Conselho Africano da Bahia, que ficará encarregado de dirigir a religião negra, tirando à polícia essas atribuições. Vamos mandar um memorial ao governo, pedindo a liberdade de religião, não só esse conselho, onde haverá representantes de todos os candomblés, mas também o Instituto Afro-Brasileiro da Bahia, já em organização e a Comissão Executiva do Congresso.

Edison Carneiro seria, assim, um dos principais defensores da plena liberdade religiosa na Bahia. Mas, de acordo com Vivaldo Costa Lima, seu trabalho nesse campo não seria realizado sem conflitos ou ambigüidades: “por muito tempo, suas firmes atitudes em defesa dos valores e direitos dos negros da Bahia lhe trouxeram problemas de vária ordem a que não faltaram, paradoxalmente, a incompreensão e a desconfiança de alguns líderes do candomblé”.[35]

No dia 19 de julho de 1937, Edison Carneiro escreve outra carta para Arthur Ramos, informando que, no próximo dia 3, vários representantes de candomblé por ele convocados iriam se reunir para criar o Conselho Africano da Bahia e pede que seu amigo use da sua influência para reforçar, junto ao governador do estado, o pedido pela liberdade religiosa dos negros baianos. No dia 4 de agosto de 1937, O Estado da Bahia noticia a criação do Conselho Africano da Bahia no dia anterior, quando foi escolhida uma comissão para elaborar os estatutos e eleita uma diretoria provisória. Eis a íntegra do texto:

Realizou-se ontem, na sede da a. u. b., gentilmente cedida, uma assembléia com o comparecimento de vários elementos dos candomblés da Bahia e chefes de “terreiros”, para organização do Conselho Africano da Bahia. Depois de várias discussões a assembléia resolveu, por unanimidade, criar o dito conselho, escolhendo uma comissão para elaborar os estatutos da nova organização. A mesma assembléia indicou ainda os srs. Martiniano do Bonfim, Silvino Manoel da Silva e Edison Carneiro para constituírem a diretoria provisória até a próxima reunião que realizar-se-á no mesmo local, no dia 25 do corrente, para aprovação dos estatutos e eleição do Conselho diretor.

A nota publicada no jornal não informa, porém, que os membros do conselho redigiram um memorial solicitando ao governador a concessão da liberdade de culto, reconhecendo o conselho como autoridade capaz de exercer a fiscalização praticada pela polícia. No dia 28 de agosto de 1937, O Estado da Bahia publicaria outra nota intitulada “Liga de Seitas Afro-Brasileiras” com o subtítulo “Resoluções tomadas na última sessão”. Neste curto texto, o jornal informa as principais decisões da sessão realizada três dias antes. Entre elas está a mudança do nome da entidade, de Instituto para Liga de Seitas Afro-brasileiras. Novamente é destacada a presença de Martiniano do Bonfim, além de Edison Carneiro, Donald Pierson e Álvaro Mac-Dowell, casado com mãe Menininha do Gantois. A ata da reunião contaria ainda com um voto de pesar pelo falecimento de uma mãe de santo:

Realizou-se no salão da Beneficência Caixeiral a terceira reunião dos representantes dos candomblés baianos.

A sessão que decorreu dentro da maior harmonia foi precedida pelo lidimo representante da cultura africana no Brasil, Martiniano do Bonfim, estando presentes os africanistas Edison Carneiro, Reginaldo Guimarães, o prof. Donald Pierson da Universidade de Chicago, a poetisa Gilka Machado, a bailarina Evos Vobesia e grande número de pessoas representando a maioria dos “terreiros” da Bahia.

Nessa sessão foi lançada a proposta por um dos representantes das religiões negras, para que se mudasse o nome de “Conselho Africano” para o de Liga de seitas Afro-Brasileiras, sendo aprovada por unanimidade.

Em seguida entrou em discussão os estatutos da Liga, mas, como já estivesse muito adiantada a hora e tivessem sido apresentadas várias emendas, ficou transferida a discussão dos estatutos para o dia 31, sendo ainda incluído na Comissão de Organização dos mesmos o bel. Álvaro Mac-Dowell.

Para terminar, foi apresentado por um dos presentes, para que fizesse parte da ata um voto de pesar pelo passamento da mãe de terreiro Canuta, do Tanque do Melo.

Pierson, como já foi dito, participou da reunião e, como pesquisador, registrou suas impressões. Ele observou como um dos objetivos implícitos da Liga das Seitas Africanas a eliminação das praticadas religiosas não ortodoxas. Como naquele tempo já eram muitos, senão maioria, os candomblés que se distanciavam cada vez mais de um modelo puramente africano, isto se constituiu em um dos principais impasses para a criação e legitimidade da associação. E é o próprio Donald Pierson quem afirma: “Na primeira sessão a animosidade entre as seitas mais ortodoxas e as de caboclo era tão grande que qualquer acordo substancial parecia bastante difícil”.[36]

Mas Edison Carneiro e seus principais companheiros não desistiriam e, no dia 4 de setembro de 1937, O Estado da Bahia publicaria, provavelmente a pedido de Edison, uma convocação dos membros da diretoria não mais da Liga, mas sim da “União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia”. No subtítulo, o aviso: “Haverá, no dia 9, uma reunião de diretoria”. No texto, o nome do babalaô Martiniano do Bonfim novamente aparece à frente dos demais:

A Secretaria Geral da União das seitas Afro-Brasileiras da Bahia pede-nos publicar a seguinte convocação:

Ficam convidados os membros eleitos da Comissão Executiva da Comissão de Sindicância e fiscalização e da Comissão de Finanças, para uma reunião, no próximo dia 9, às 8 horas da noite, na sede da A. U. B., ao Rosário 122, 2º andar, para tratar da instalação solene da União e da divisão dos cargos da diretoria. – (a) – Edison carneiro, secretário geral.

Os membros da União que devem comparecer à reunião do dia 9 são os seguintes:

Comissão Executiva – Martiniano do Bonfim, Edison Carneiro, Marcelino Oliveira, João da Silva Freire, Rodolfo Bonfim, Felipe Nery Conceição, Idalice Santos, Vicente Ferrer dos Santos, Álvaro Mac-Dowell de Oliveira, João Capistrano Pires Dias, Waldemar Ferreira dos Santos.

Comissão de Sindicância e Fiscalização: Sylvino Manoel da Silva, José Crescencio Brandão, Romualdo Bispo dos Santos, Arcanjo Manoel Bittencourt, Arsênio Cruz, Manuel Paim, (Barraqueiro no Mercado Santa Bárbara) Saturnino Lopes dos Sntos, Amália Maria de São Pedro, João Torres Filho, Fernando Alves de Souza.

Comissão de finanças:

Octávio Ferreira Souza, Esmeraldo Jeremias dos Santos, Manoel Victorino Bastos, Germina do Espírito Santo.

No dia 28 de setembro de 1937, O Estado da Bahia reporta com destaque a posse da primeira diretoria da União das Seitas Afro-Brasileiras, em nota ilustrada com uma fotografia onde se vê alguns dos participantes, com a seguinte legenda: “Um aspecto da mesa, vendo-se o juiz Mathias Olympio e o representante do governador”. Ainda na mesa, é possível constatar a presença do babalaô Martiniano do Bonfim, presidente de honra da entidade e de Edison Carneiro. O texto também destaca a participação de outras entidades em apoio ao movimento pela liberdade religiosa:

Empossou-se, ante ontem, solenemente, a primeira diretoria, eleita para o período de 1937-38 da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia. Presidiu a sessão, dando posse aos eleitos, o dr. Mathias Olympio, Juiz federal. O ato teve a presença do representante do governador e das altas autoridades do Estado e de organizações culturais e políticas, como a União Democrática Estudantil, Associação Universitária da Bahia, Federação Nacional Democrática, Liga do Combate ao Racismo e ao Anti-Semitismo, União dos Intelectuais da Bahia, Congresso Afro-Brasileiro, Sindicato dos Comerciários e dos Empregados em Hotéis, etc. Foram lembradas com carinho as figuras de Castro Alves, Nina Rodrigues, Manoel Querino e do famoso Pai Adão do Recife. Por proposta dos srs. Edison Carneiro, Reginaldo Guimarães e Aydano Couto Ferraz, o prof. Arthur Ramos foi considerado sócio benemérito da União. Encerrou a solenidade um discurso do sr. Álvaro Mac-Dowell de Oliveira, orador oficial. Todos os presentes assinaram a ata da solenidade.

A presença de um juiz federal e de um representante do Governo do Estado, além de várias associações, demonstrava certa aceitação à idéia. Já a concessão do título de sócio benemérito a Arthur Ramos reflete, acima de tudo, resulta do carinho que Edison Carneiro nutria pelo seu amigo. A última nota referente à União das Seitas Afro-Brasileiras foi publicada por O Estado da Bahia no dia 30 de setembro de 1937. Na verdade se trata de uma nota endereçada pela tesouraria aos responsáveis pelas casas filiadas à entidade. A publicação se deu a pedido do seu tesoureiro, Marcelino Oliveira, que convocaria os representantes dos candomblés da Bahia para saldar seus compromissos:

Recebemos do sr. Marcelino Oliveira, tesoureiro da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia uma solicitação para publicarmos a seguinte nota:

“ A tesouraria da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia pede aos chefes de seitas ou a quem possa interessar, o favor de se dirigirem à Ervanária São Roque, na entrada do mercado de Santa Bárbara, à rua Seabra, das 12 ás 12:40 horas e das 17 ás 19:30 nos dias úteis, sempre que desejem satisfazer os seus compromissos com a União. Bahia, 29 de setembro de 1937. – Marcelino Oliveira, tesoureiro.”.

Tivemos notícia também que a Comissão Executiva deverá reunir-se terça-feira, 5 de outubro, em local oportunamente anunciado.

Morte de Aninha – e a “pureza” dos ritos nagôs

Em uma das cartas enviadas a Arthur Ramos, no dia 8 de janeiro de 1938, Edison Carneiro em poucas palavras resume a perda de uma grande amiga e colaboradora: “Morreu, há dias, d. Aninha, do Opô Afonjá, braço do Congresso, sua admiradora”. E dois dias após a morte de Aninha, que chegou a abrigá-lo em seu terreiro durante a intensificação da perseguição política na Bahia, Edison Carneiro publicava em O Estado da Bahia uma ampla matéria noticiando o fato, com o título “Era a mais popular mãe de santo da Bahia” e o subtítulo “O falecimento de Aninha, chefe do maior terreiro do Brasil – Sacerdotisa de Xangô – O centro Cruz Santa do Axé de Opô Afonjá – Um axé inaugurado pelo prefeito Bezerra Lopes – Mais de duas mil pessoas no enterramento da bondosa Aninha”.

Ocupando uma página inteira, o texto vem acompanhado de três fotos, duas delas no topo da página com uma legenda única: “Dois aspectos do sepultamento de Aninha, a mãe de santo de São Gonçalo do Retiro. O ataúde carregado por irmãos de São Benedito é conduzido até o Cemitério da Quinta dos Lázaros. À direita, parte da multidão que formava o cortejo fúnebre”. No meio da página, vê-se “A última fotografia de Aninha, que faleceu aos 68 anos de idade”.

A morte de Aninha, no dia 3 de janeiro de 1938, levaria uma multidão ao cemitério Quinta dos Lázaros, onde a mãe de santo seria sepultada, em cova rasa. Ao introduzir o seu texto, Edison Carneiro não economiza palavras elogiosas ao se referir a “grande perda”, “com o falecimento anteontem da mais popular Mãe de Santo da Bahia – D. Eugênia Ana dos Santos”. Em seguida, informa sobre o fato de ter sido Aninha filha de santo do candomblé do Engenho Velho – o mais antigo do Brasil – na época dirigido pela ialorixá Maximiana Maria da Conceição. E continua:

E apesar de ser o seu próprio “terreiro” mais rico, mais concorrido e mais belo do que o da linha do Rio Vermelho, Aninha sempre reconheceu ao Engenho Velho a supremacia espiritual dos Candomblés da Bahia e, portanto, do Brasil. Ali, na “roça” de São Gonçalo se observava, na sua maior pureza, o culto nagô aos deuses africanos.

Seu objetivo com essas palavras, como é possível observar em momentos anteriores, era valorizar aquilo que considerava mais tradicional, posicionando hierarquicamente acima dos demais, com rituais e costumes mais próximos das raízes africanas. Assim, além de transmitir sua emoção ao descrever as qualidades subjetivas da ialorixá - descrita como uma pessoa sábia, amável e atenciosa, “um grande e luminoso espírito” - sempre que possível Edison Carneiro também ressalta seus signos da tradição africana, a exemplo de seus trajes, como neste trecho da reportagem:

Uma estranha impressão de confiança se apoderava imediatamente dos que a viam na direção suprema das festas do Axé. Vestida à moda da Costa dos Escravos, os braços cheios de pulseiras, os cabelos sob a coifa branca, a sua autoridade era incontestável. De uma lucidez sem par, não perdia nada do que se passava à sua volta. Sempre amável com todos, sempre atenciosa, já não surpreendiam, na sua boca, as grandes e belas palavras que, nas oportunidades especiais que se apresentavam, saiam dos seus lábios sempre prontos para abençoar e consolar. Era um grande e luminoso espírito.

A participação de Aninha no 2º Congresso Afro-Brasileiro é destacada na reportagem, relembrando sua colaboração com um artigo sobre a culinária afro-baiana, noticiada em matérias publicadas durante a realização do evento. Após o Congresso, Edison Carneiro incluiu o trabalho como apêndice ao volume O Negro no Brasil.[37] O trecho a seguir, também recorda a festa realizada em seu terreiro, que causou excelente impressão aos congressistas, recebendo elogios de grandes intelectuais da época, como pudemos constatar na reportagem publicada no dia 14 de janeiro de 1937.

Foi Aninha uma das primeiras entre as Mães de Santo da Bahia a aderir ao Congresso Afro-Brasileiro aqui reunido em janeiro de 1937, tendo mesmo colaborado com um pequeno trabalho sobre quitutes afro-baianos, para o “Negro do Brasil”, coletânea de estudos a ser publicada brevemente pela Biblioteca de divulgação científica, dirigida pelo professor Arthur Ramos para a “Civilização Brasileira”. Também Aninha, durante a realização do Congresso, abriu sua casa para receber em bela festa africana, os congressistas, por ela especialmente convidados. Da distinção com que foram recebidos os estudiosos aqui congregados em janeiro de 1937 é prova cabal o documento, então firmado, em que, ao lado da assinatura dos escritores Jorge Amado, Heitor Marçal e João Calasans, se encontravam as dos músicos Camargo Guarnieri e Fructuoso Vianna.

Sua contribuição para a criação da União das Seitas Afro-Brasileiras também foi lembrada na ocasião, por ter sido a primeira grande líder religiosa a participar da idéia de criar uma entidade que pudesse congregar os candomblés da Bahia.

Também aderiu Aninha, imediatamente, à idéia de fundar a União das Seitas Afro-Brasileiras na Bahia. Não poupou esforços no sentido de conseguir a realização dessa grande aspiração coletiva.

Prestigiou-a, com seu nome, com sua solidariedade, com seu trabalho. O triunfo da União se deve, em grande parte, à sua ação inteligente.

Ao retratar a personalidade de Aninha, Edison Carneiro não poderia deixar de mencionar sua devoção a Xangô, rei de Oió, antiga capital iorubana:

Nesse culto diário ao grande deus do raio e do trovão, ela não tinha rivais na Bahia nem no Brasil. No ano passado, realizou ela no Axé; a cerimônia de posse dos “ministros de Xangô”, belo ato religioso iorubá, de há muito esquecido e até mesmo ignorado na Bahia.

O ritual aos ministros de Xangô era motivo de orgulho para Aninha, que gabou-se de tal fato para Donald Pierson: “Minha seita é puramente nagô, como o Engenho Velho. Mas eu tenho ressuscitado grande parte da tradição africana que mesmo o Engenho Velho tinha esquecido. Eles têm uma cerimônia para os doze ministros de Xangô? Não! Mas eu tenho”[38]. O próprio Edison Carneiro teria revelado ao antropólogo Vivaldo da Costa Lima que teria ele mesmo assistido à posse dos ministros de Xangô, em 1937. A valorização da “pureza nagô” é um tema muito vasto e polêmico que não se enquadra no recorte executado pelo presente trabalho[39].

Mais adiante, a reportagem passa a descrever o sepultamento do corpo de Aninha, que teria sido transportado de automóvel para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, onde seria velado publicamente. De lá, seguiria em cortejo fúnebre para a irmandade de São Benedito, no cemitério Quinta dos Lázaros:

O acompanhamento funerário da estimada mãe de santo foi um dos maiores vistos na Bahia lembrando os do Pai Adão em Recife. Mais de 2 mil pessoas estavam presentes. Também acompanharam os irmãos do Rosário, envergando o hábito. Sobre o caixão modesto, que foi o único que ela quis, via-se o hábito da Irmandade que ela tanto prestigiava. Conduzido no ombro pelos irmãos de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, foi o corpo de Aninha levado a pé pela multidão, paralisando o tráfego por mais de meia hora na rua Dr. Seabra. Filhas de santo choravam copiosamente. Outras comentavam as virtudes da bondosa Aninha.

No cemitério, a cerimônia seguiu de acordo com os preceitos religiosos de Aninha:

Os atabaques roncavam quando o caixão, carregado por mãos piedosas, entrava na porta larga do cemitério, enquanto se ouviam vozes plangentes cantando os cânticos africanos da seita a que pertencia a ilustre mãe de santo.

Na ocasião falaram vários oradores, a exemplo de Álvaro Mac-Dowell de Oliveira em nome da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia, do próprio escritor Edison Carneiro, além de outros representantes das religiões de origem africana, como o amigo Martiniano do Bonfim. Após o enterro, grande parte dos presentes foi para o terreiro do São Gonçalo, para tomar parte nas cerimônias fúnebres preparatórias do axexê. O encontro foi reportado assim pelo jornalista, encerrando seu texto:

A cerimônia do Axêxê

Sete dias após a morte do chefe do terreiro do Axé de Opô Afonjá haverá no seu terreiro de S. Gonçalo do Retiro a cerimônia do “Axêxê”. Esta cerimônia consiste nos ritos funerários pelo descanso eterno da falecida mãe de santo à semelhança das missas de sétimo dia da religião católica.

Nesta reunião tomam parte todos os “Ogãs”, “filhos” e “Paes” quando se reza então pela falecida apagando seus passos no terreiro.

Finalmente no sétimo dia realiza-se o “cerrum” com cânticos fúnebres da seita a que pertencia, encerrando-se deste modo as últimas homenagens.

Ainda em janeiro de 1938, no dia 25, O Estado da Bahia publicava um artigo emocionado de Edison Carneiro com o título “Dona Aninha”, onde o escritor demonstrava todo o seu afeto e admiração pela ialorixá. O mesmo artigo seria republicado em 1964, no livro Ladinos e Crioulos, no capítulo “A Face dos Amigos”.[40] Em seu texto, Edison Carneiro assim a descreve:

Essa negra alta, diposta, falando claro e corretamente, o beiço inferior avançando em ponta, era bem o expoente da raça negra do Brasil, síntese feliz da soma de conhecimentos da velha Maria Badá e da agilidade intelectual de Martiniano do Bonfim.

O fato de ter Aninha sempre buscado preservar a “originalidade” dos cultos nagôs, é de novo uma característica destacada por Edison Carneiro em seu artigo:

Muito fez pela preservação das tradições africanas no candomblé da Bahia. Darei apenas dois exemplos. Em quarto guardado à vista dos curiosos e de estranhos, prestava culto a Yá, a deusa das águas dos negros galinhas (grunces), uma tradição já, então, desaparecida. E foi Aninha quem, no ano passado, trouxe para o Opô Afonjá a festa africana dos obas de Xangô, empossando os seus doze ministros com o rito próprio, há muito esquecido pelos chefes e pelos aderentes das religiões populares.

Embora se afirmasse governante de um terreiro “puramente nagô”, Aninha era, na verdade, de nação grunce, conhecida na Bahia como negros galinhas, por terem sido embarcados para o Brasil na feitoria existente na foz do Rio das Galinhas, no Golfo do Benin. E, de acordo com a referência de Carneiro em seu artigo, mantinha no Opô Afonjá o culto a Yá, a deusa da nação grunce, dos seus pais Aniió e Azambriió.

E depois de fazer referências semelhantes às transcritas na reportagem anterior, Edison Carneiro relembra ainda o empenho e a colaboração de Aninha para a realização do 2º Congresso Afro-Brasileiro e da união das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia, destacando agora a inteligência da mãe de santo:

No dia seguinte, domingo, fomos, pessoalmente, vê-la. A recepção excedeu a expectativa, pois em vez de uma simples mãe de santo que se mostrava favorável ao Congresso, encontramos uma mulher inteligente que acompanhava e compreendia nossos propósitos, que lia os nossos estudos e amava a nossa obra. Aninha se comprometeu a escrever um trabalho sobre os quitutes trazidos pelo negro para a Bahia. E em apenas três dias de prazo, o opô Afonjá pôde oferecer aos congressistas uma das mais belas noites que há memória nos fatos do candomblé da Bahia.

Posso dizer o mesmo do seu apoio à União das Seitas Afro-Brasileiras, fundada em 3 de agosto de 1937, com o fim especial de defender a liberdade religiosa sempre periclitante dos candomblés da Bahia.

Conclusão

O conteúdo do material organizado por Edison Carneiro em O Estado da Bahia entre 1936 e 1938 não demonstra improvisações, embora algumas passagens sejam marcadas por certas ingenuidades antropológicas, influenciadas por ideologias predominantes em seu tempo. Mas é fato que suas pesquisas se baseiam em observações consistentes - numa época em que havia poucos estudos sobre a cultura afro-baiana -, na colheita de informações transmitidas através da tradição oral e do íntimo convívio que manteve com a população negra da Bahia, inclusive com as mais importantes figuras do povo de santo de sua época.

Também foi possível observar que a divulgação de um grande número de matérias sobre o candomblé e a cultura negra em geral, publicadas com destaque gráfico nas páginas de O Estado da Bahia, não impedia que o mesmo jornal apresentasse, às vezes na mesma edição, notas extremamente preconceituosas e discriminatórias sobre as práticas religiosas das comunidades negras. Em alguns de seus registros, o próprio Edison Carneiro deixa transparecer certo preconceito, herança do racismo científico, transmitindo a falsa idéia da existência de culturas superiores, baseadas nos costumes europeus, em uma Bahia dos anos 30 que pretendia e se dizia ser “civilizada”, “moderna” e sem lugar para culturas consideradas “primitivas” ou “atrasadas”, como expressavam os editoriais dos principais periódicos do momento.

No entanto, a série de reportagens publicadas por Edison Carneiro serviria para divulgar alguns de seus principais ensaios sobre o samba, a capoeira, o mito da mãe d’água, o testamento do boi e sobre o culto da natureza entre os negros bantos – alguns deles organizados posteriormente no livro Negros Bantos[41]. E ainda entrevistas com os pais de santo Jubiabá, Joãozinho da Goméia, Manuel Paim e com o babalaô Martiniano do Bonfim, além de uma série de notas e reportagens que serviriam para preparar o terreno para a realização do 2º Congresso Afro-Brasileiro, realizado entre os dias 11 e 19 de janeiro de 1937. O evento é considerado o mais importante acontecimento relacionado aos estudos do negro, na Bahia dos anos 30. Após sua realização, vimos que Edison Carneiro se engajou na luta pela liberdade religiosa e passou a publicar notícias informando sobre a União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia, que deveria substituir a polícia na fiscalização sobre os terreiros.

A presença de Edison Carneiro também seria fundamental para o desenvolvimento de estudos sobre a cultura africana realizados em Salvador por pesquisadores estrangeiros. Dois deles foram especialmente acolhidos por Edison ao chegarem a Bahia: o professor Donald Pierson, da Universidade de Chicago, e a antropóloga Ruth Landes, da Universidade de Columbia. Pierson chegou a Bahia em 1935 e permaneceu por 22 meses, até 1937. A partir de suas pesquisas, publicou o livro Negroes in Brazil – A Study in Race Relations, traduzido para o português como Brancos e Pretos na Bahia[42]. Já Ruth Landes chegou a Salvador em agosto de 1938 e permaneceu até fevereiro de 1939. Ela também foi bem recebida e orientada por Edison Carneiro, a quem dedica espaço no livro The City of Woman, traduzido e anotado pelo próprio Edison Carneiro com o título A Cidade das Mulheres[43].

A partir de 1938, Edison Carneiro passou a se dedicar aos seus projetos pessoais e também a acompanhar a antropóloga Ruth Landes, recém-chegada a Salvador, em suas pesquisas sobre a religiosidade afro-baiana. No ano seguinte, Edison Carneiro deixaria a Bahia para viver no Rio de Janeiro. Após a realização do 2º Congresso Afro-Brasileiro, da criação da União das Seitas Afro-Brasileiras, da morte da amiga Aninha, Edison decidiu trilhar o mesmo caminho dos seus principais companheiros, entre eles os amigos Arthur Ramos e Aydano do Couto Ferraz. Mas, antes, deixaria para sempre registrado nas páginas de O Estado da Bahia - em suas entrevistas, notas, reportagens e artigos – um discurso favorável à liberdade religiosa e à legitimação dos costumes de origem africana, rompendo, assim, com o paradigma da imprensa baiana dos anos 30.

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CADERNO DE FOTOS

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[1] CARNEIRO, Edison, Religiões Negras e Negros Bantos: notas de etnografia religiosa e de folclores. 3ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991.

[2] OLIVEIRA, Waldir Freitas de, LIMA, Vivaldo da Costa, (Orgs.). Cartas de Edison Carneiro a Arthur Ramos: de 4 de janeiro de 1936 a 6 de dezembro de 1938. São Paulo, Corrupio, 1987.

[3] Ibid, p.42.

[4] LÜHNING, Ângela, Mito e realidade da perseguição policial ao candomblé baiano entre 1920 e 1942. In: Dossiê Povo Negro – 300 anos, Revista USP, nº 28, São Paulo.

[5] Até o presente momento não foram encontrados relatos etnográficos de bonecas pretas crivadas com alfinetes em ebós.

[6] Pulquéria, “A Grande”, foi a segunda mãe de santo do Gantois; Nicácio um célebre pai de santo Angola. Nana, por sua vez, não teve sua origem identificada.

[7] Aqui o jornalista faz uma clara distinção entre os candomblés mais tradicionais e os terreiros mais novos e menos prestigiados por figuras influentes da sociedade baiana. Os primeiros dificilmente seriam invadidos pela polícia. Os demais figuravam nas páginas policiais como “perturbados do silêncio público”, além de serem taxados por outros adjetivos pejorativos.

[8] LUHNING, Ângela, Opus cit., p. 22.

[9] O termo macumba aparece também em outras entrevistas e notícias publicadas entre 1936 e 1938 em O Estado da Bahia e, assim como macumbeiro, é empregado com intuito depreciativo. A terminologia geralmente era, e ainda é, utilizada por brasileiros vindos do Sul do país.

[10] Informação pessoal concedida pelo antropólogo Renato da Silveira. O mesmo afirma que, em entrevista a ele concedida, pelo falecido Yelemaxó da Casa Branca, Antônio Agnelo, este revelou que ele próprio teria se tornado policial com o objetivo de proteger seu candomblé.

[11] Ver mais sobre o assunto em BRAGA, Júlio, A cadeira de Ogã e outros ensaios, Editora Pallas, Rio de Janeiro, 1999.

[12] Regionalismo antigo utilizado no Sul do país para se referir a prostíbulo.

[13] LODY, Raul. Um documento do candomblé na Cidade do Salvador, Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1985.

[14] Ver mais sobre o assunto em: SANTOS, Jocélio dos. O dono da terra: a presença do caboclo nos candomblés baianos. São Paulo: 1992.

[15] Editora responsável pela publicação da primeira edição do romance Jubiabá. Isto faz supor que a escolha do local para a entrevista não se deu por acaso e que Jorge Amado, a bem da verdade, sabia que a polêmica com o pai de santo Severiano Manoel de Abreu atraía ainda mais o interesse ou curiosidade pela sua obra.

[16] Em um artigo intitulado “L’emigration au Brésil”, publicado em 1873, Gobineau decretou que, devido ao caráter mestiço da nossa população, estaríamos fadados a desaparecer, “até o último homem”, precisamente duzentos e setenta anos depois, porque “os mulatos de distintos matizes não se reproduzem além de um número limitado de gerações”. Reproduzido como anexo em George Raeders, O conde de Gobineau no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, pp. 83-87. Ver mais sobre o assunto em “Os selvagens e a massa: papel do racismo científico na montagem da hegemonia ocidental”, de Renato da Silveira, artigo integrante da Revista Afro-Ásia, do Centro de Estudos Afro-Orientais da Ufba, nº23, 2000.

[17] CARNEIRO, Edison, op. cit., 1991.

[18] Ibid., p.201.

[19] Ver “Sobre o exclusivismo e outros ismos das irmandades negras na Bahia Colonial” de Renato da Silveira, artigo ainda inédito a ser publicado como capítulo de um livro sobre o processo histórico das irmandades negras na Bahia colonial, em vias de preparação, adaptado para esta publicação. Ele foi discutido na linha de pesquisa “Escravidão e Liberdade” do Programa de Pós-Graduação em História da Ufba, coordenada por João José Reis, e a mim apresentado.

[20] CARNEIRO, op. cit., p.176.

[21] Pesquisador da Universidade de Chicago, Donald Pierson no momento realizava estudos de campo na Bahia. Seu trabalho resultou no livro Brancos e Pretos na Bahia: estudo de contato racial, São Paulo, Nacional, 1971.

[22] Foi pai de santo do candomblé Estrela de Jerusalém, no Alto do Abacaxi.

[23] Germina do Espírito Santo era mãe do candomblé Filho das Águas, na Calçada.

[24] Observe que, embora Joãozinho da Goméia seja de nação Angola, ele se refere ao orixá dos nagôs. Mas a explicação para este fato talvez esteja na informação concedida a mim pelo antropólogo Renato da Silveira. Segundo ele, o nagô pode ser considerada a “língua geral” litúrgica, ou seja, em situações não controladas é a língua utilizada por todo o povo de santo da Bahia.

[25] Esta seria uma exigência de um grupo de antropólogos, entre eles Juane Elbein dos Santos, que se reuniram em um seminário sobre política cultural organizado, em 1975, por Jorge Hage, então prefeito de Salvador. A informação é do antropólogo Renato da Silveira, um dos participantes do evento.

[26] Uma semana antes de o Diário Oficial publicar o decreto do governador Roberto Santos, o Jornal da Bahia transcreveu uma carta de Antonio Monteiro, presidente da Federação dos Cultos Afro-Brasileiros, dirigida ao governador do estado, reivindicando a liberdade de culto.

[27] Para o entendimento da expansão do candomblé nessa área vale conferir a versão utilizada pelo antropólogo Waldeloir Rego sobre a origem da palavra Goméia: “Por outro lado, os africanos quando aqui chegaram e foram se libertando, acomodavam-se em determinados locais, unindo-se por etnias. Deste modo, no local hoje chamado Goméia, que é uma corruptela de Abomey, se reuniam os povos de língua fon, vindos do Dahomey, hoje República Popular do Benin e aí se alastrtaram em derredor, formando pequenos agrupamentos em função das cidades daomeanas de suas procedências”...

Waldeloyr Rego, “Mitos e ritos africanos da Bahia”, In: Cartbé, Os deuses africanos no candomblé da Bahia. Salvador, Bigraf, 1993, p.185.

[28] LANDES, Ruth, A Cidade das Mulheres, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

[29] CARNEIRO, Edison, Candomblés da Bahia, 9ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002, p.131.

[30] CARNEIRO, Edison, 1991, Opus cit., p.174

[31] Na visão do antropólogo Renato da Silveira esta é uma visão errônea de Edison Carneiro, pois considera o culto de Tempo Kiamuilo mais antigo na Bahia, idéia apresentada no artigo “Iyá Nassô Oká, Babá Axipá e Bamboxê Obtikô: uma narrativa sobre a fundação do candomblé da Barroquinha, o mais antigo terreiro baiano de Ketu”, 2001, inédito.

[32] Manuel Bernardino da Paixão – o Bernardino do Bate-Folha – assim como Manuel Ciriáco de Jesus – pai do candomblé do Tumba Junçara – foram famosos em seu tempo, ambos de origem banto.

[33] O termo “fetichista” é utilizado pela ideologia do racismo científico, ao lado de “animismo”, para referir às religiões extra-européias, exceto ao islamismo.

[34] Ver mais sobre o assunto em O NEGRO no Brasil - trabalhos apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro, Bahia, 1937. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1940.

[35] OLIVEIRA & LIMA, Op. cit., p.151

[36] Pierson, op. cit., p.306

[37] O Negro no Brasil, opus cit,1940.

[38] COSTA LIMA, V. da, Opus cit., p. 53.

[39] Esquematicamente, a “pureza nagô”, defendida pela “Escola de Nina Rodrigues”, foi duramente criticada por autores como Peter Fry e Beatriz Góes Dantas, que a viram como palavra-de-ordem da aliança entre alguns antropólogos e os produtores da cultura afro-baiana de origem ioruba, visando um melhor posicionamento destes últimos no mercado simbólico, ou seja, na competição entre as diversas religiões populares presentes na cena histórica baiana. Ver, sobre o assunto, Carlos Vogt e Peter Fry, Cafundó, a África no Brasil – Linguagem e Sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, particularmente o cap. 1, “A ‘descoberta’ do Cafundó”.

[40] CARNEIRO, Edison, Ladinos e Crioulos, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964, p.63.

[41] CARNEIRO, Edison, Opus cit.,1991.

[42] PIERSON, Opus cit.

[43] LANDES, Opus cit.

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