APELAÇÃO CÍVEL Nº 492



APELAÇÃO CÍVEL Nº 492.796.4/0-00

Apelante: o Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelados: Unimed de Santos – Cooperativa de Trabalho Médico e o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas, Farmacêuticas e de Fertilizantes de Cubatão, Santos, São Vicente, Guarujá, Praia Grande, Bertioga, Mongaguá e Itanhaém

Parecer da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos

Egrégio Tribunal de Justiça

Colenda Câmara

Eminentes Desembargadores

Trata-se de Recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em face da r.sentença que julgou improcedente ação civil pública, ajuizada pelos Promotores de Justifica da Defesa do Consumidor e da Pessoa Idosa de Santos, visando à declaração de nulidade de cláusulas contratuais insertas em contrato de plano de saúde coletivo firmado entre os Apeladas, bem como visando à anulação dos aumentos operados com base nestas cláusulas e, ainda, a restituição dos valores indevidamente pagos pelos consumidores.

A ação foi proposta com fundamento em dispositivos da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor, e da legislação protetiva do idoso.

Negada a liminar em Primeira Instância (fls.96/97), foi a mesma deferida em sede de recurso de agravo, nos termos estampados às fls.100/101.

Publicado edital nos termos do art.94 do CDC para conhecimento dos interessados (fls.104), foi a ação contestada por ambos os Apelados (fls.166/172 e 235/242), replicada pelo MP (fls.249/257), vindo o feito a ser julgado antecipadamente, por meio da r.sentença de fls.263/265.

Entendeu o MM.Juiz “a quo”, para julgar pela improcedência da ação, que a Lei nº 9.656/98 não se aplicaria aos contratos coletivos, onde não haveria hipossuficiência do consumidor, pelo que só poderia haver abusividade de cláusula de contrato coletivo se a mesma fosse abusiva também para o contrato de plano de saúde individual, sendo que para estes, firmados antes do Estatuto do Idoso, a lei regente seria a de nº 9656/98, não podendo o o Estatuto do Idoso ser aplicado retroativamente, porque não seria norma de ordem pública, e não havendo abusividade no presente caso, porque teriam sido respeitados os limites e condições impostos pela lei nº 9.656/98, previstos pelas partes no contrato.

Inconformado com esta r.sentença, apela o Ministério Público para este E.Tribunal, insistindo na nulidade das cláusulas contratuais que prevêem o aumento do valor das mensalidades em razão do consumidor ter completado 60 anos ou mais, assim o fazendo com base no art.15, § 3º, do Estatuto do Idoso, e no art.3º, III, da Lei nº 8.842/94, bem como no fato de se tratar de aumento de mais de 100%, evidentemente abusivo para pessoas com mais de 60 anos, sendo que o Estatuto do Idoso seria sim norma de ordem pública, que se aplicaria aos efeitos presentes e futuros de contratos de execução continuada, como os são aqueles objeto desta ação, ainda que firmados antes da sua entrada em vigor, de forma que deveriam ser considerados nulos todos os aumentos por mudança de faixa etária ocorridos após a entrada em vigor do Estatuto, especificamente com relação aqueles consumidores que virem a completar os 60 anos após esta data (01.01.2004).

Contra-Razões apresentadas às fls.287/295 e 297/298, pleiteando a manutenção da improcedência da ação, sob o argumento básico de que o Estatuto do Idoso não se aplicaria a contrato anterior, sob pena de violação a ato jurídico perfeito.

É a síntese do necessário. Passo a opinar, sendo o caso de se negar provimento ao recurso, pelas razões a seguir expostas.

Primeiramente, deve-se registrar que a ação civil pública, ainda em andamento, cuja cópia foi juntada às fls.173/184, possui objeto diverso da presente ação, eis que versa sobre cláusulas de contratos de plano de saúde individuais firmados pela Unimed de Santos, e não sobre cláusulas de seu contrato coletivo com o Sindicato Apelado, matéria aqui “sub judice”.

As cláusulas questionadas por meio desta ação estão inseridas em contrato coletivo de prestação de serviços médicos, firmado entre a Unimed de Santos – Cooperativa de Trabalho Médico, e o Sindicato Apelado, em 01º.10.1999 (fls.75/92).

Tal contrato, portanto, foi firmado sob a vigência da CF de 1988, bem como sob a vigência da Lei nº 9.656/98 (sua entrada em vigor ocorreu em 03.09.98) e, ainda, sob a vigência do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, que entrou em vigor em 11.03.91).

Muito embora se trate de contrato coletivo de plano de saúde, não se pode aceitar a afirmação, contida na r.sentença “a quo”, de que o consumidor dele beneficiário não ficaria sujeito à legislação protetiva consumeirista, seja ela a Lei nº 9.656/98, seja o CDC.

Relativamente à Lei nº 9.656/98, sua abrangência está explicitada em seu art.1º e respectivos parágrafos, onde é determinada a sua aplicação, também, às cooperativas que operem planos de assistência à saúde, por profissionais livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, como é o caso da Unimed de Santos – Cooperativa de Trabalho Médico (art.1º, incisos I e II, e § 2º), contendo esta lei, inclusive, dispositivos específicos voltados à proteção dos consumidores de contratos coletivos de planos de saúde (art.30 e 31).

Também não pode restar dúvida sobre a aplicação do CDC aos consumidores destes contratos, vez que a operadora do plano de saúde se encaixa perfeitamente na definição de fornecedora de serviços nos termos do art.3º do CDC, e os seus beneficiários, na definição de consumidores, tal qual previsto no art.2º, do mesmo “Codex”.

E tais consumidores não são menos hipossuficientes ou vulneráveis do que os consumidores de planos de saúde individuais.

Com efeito, o fato de a negociação do contrato ser feita pelo empregador ou pelo Sindicato diretamente com a Operadora do Plano de Saúde não coloca o consumidor em uma posição privilegiada frente ao fornecedor do serviço. Muito pelo contrário, estando ausente e longe da negociação, o consumidor do contrato coletivo tem menos condições de influenciar o objeto do contrato e as condições pactuadas, ficando submetido ao que for decidido pelo seu empregador ou Sindicato, que não necessariamente será o melhor para a proteção de seus interesses, sendo comum nestas situações o consumidor nem sequer receber cópia de tal contrato.

Este último, inclusive, não deixa de ser de adesão, conforme se verifica às fls.75/92, o que significa que não há discussão de cada cláusula entre os contratantes, mas submissão de um deles ao que foi imposto pela outra, com reflexos sobre o consumidor.

Mesmo em contratos coletivos, o consumidor não possui controle nem conhecimento sobre os serviços que lhe serão prestados, sendo, assim, vulnerável como em qualquer outro contrato celebrado no mercado de consumo.

Pois bem, segundo consta, celebrado o referido contrato coletivo em 1999, veio uma consumidora a aderir ao mesmo em 28.01.2002 (fls.23/23vº), sendo certo que tendo completado 60 anos de idade em dezembro de 2005, sofreu um aumento na ordem de 106,4% na mensalidade de seu plano, que passou de R$ 204,54 para R$ 418,96, conforme comprovam os documentos de fls.23, 26/27.

Este fato comprova que a Unimed vem aplicando a cláusula do reajuste por mudança de faixa etária, mesmo para aqueles consumidores que completaram 60 anos de idade após a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, (Lei nº 10.741/03), o que ocorreu em 01º.01.2004.

É que muito embora a Lei nº 9.656/98 permitisse o reajuste por mudança de faixa etária, mesmo para maiores de 60 anos, desde que tal viesse explicitado no contrato, e desde que o consumidor não tivesse 10 anos de contrato (art.15 da Lei nº 9656/98), é certo que o Estatuto do Idoso veio a proibir, expressamente, este reajuste, fazendo-o nos seguintes termos:

“Art.15....

“§ 3º. É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”

Assim, a primeira questão que se coloca a ser decidida neste caso, diz respeito a saber se os consumidores do contrato de plano de saúde celebrado sob a égide da Lei nº 9.656/98 e sob a égide do CDC, têm ou não direito à proteção decorrente do disposto no § 4º do art.15 do Estatuto do Idoso.

Ou seja, é saber se o Estatuto do Idoso se aplica apenas aos contratos novos celebrados após a sua entrada em vigor, ou se também se aplica às situações jurídicas que vierem a ocorrer e a se completar durante a execução dos contratos celebrados anteriormente.

O que se pretende coibir por meio desta ação, são exatamente os aumentos praticados por mudança de faixa etária, para aqueles consumidores que completaram 60 anos após a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, mas cujos contratos tenham sido firmados anteriormente à sua entrada em vigor.

E, com efeito, deve-se reconhecer a aplicação do Estatuto do Idoso, a partir de sua entrada em vigor, sobre todas as situações jurídicas a partir daí ocorrentes, ainda que em execução de contratos celebrados anteriormente.

Realmente, a CF, em seu art. 230, colocou o o idoso em situação merecedora de proteção especial, face à sua reconhecida vulnerabilidade, de forma a colocá-lo a salvo de toda a forma de discriminação, em razão do que foi promulgado o Estatuto do Idoso, que se trata de diploma legal voltado justamente a conferir ao idoso uma posição na sociedade condigna com sua condição peculiar, tratando-se de lei de evidente caráter social e, pois, de ordem pública, já que o seu cumprimento não visa a atender a um interesse de natureza particular, mas sim ao interesse público, representado pela proteção de uma enorme gama de pessoas na sociedade, tocando, portanto, ao desenvolvimento do País como um todo, e provocando uma profunda mudança social.

Desta forma, não há dúvida que o Estatuto do Idoso veio para conferir proteção não apenas a um grupo de idosos contratantes após a sua entrada em vigor, mas a todos os idosos do País, aí se tendo que incluir, necessariamente, os idosos signatários de contratos anteriores, mas que viessem a sofrer alguma lesão a seus direitos de idosos após a entrada em vigor do Estatuto.

Esta é a única interpretação consentânea com a proteção constitucional especial que se deu aos idosos, e com o caráter manifestamente social e de ordem pública das normas do respectivo Estatuto.

E aplicando-se o Estatuto do Idoso, aos aumentos praticados por mudança de faixa etária após a sua entrada em vigor, fica afastada a possibilidade de violação ao ato jurídico perfeito.

Realmente, o que a CF veda em seu art.5º, inciso XXXVI, é a aplicação retroativa de uma lei a uma situação jurídica anterior já totalmente consolidada, e que tenha, sob a égide da lei antiga, produzido todos os seus efeitos.

Tal não ocorre com relação à clausula contratual, que prevê o reajuste por mudança de faixa etária a partir dos 60 anos de idade, posto que a mesma fica subordinada ao implemento de uma condição futura, consubstanciada no alcance daquela idade pelo consumidor.

Assim, como para a total aplicação desta cláusula, não basta a celebração do contrato, mas sim a ocorrência de evento futuro e incerto, não se pode considerar a situação pela mesma regida como tendo se consolidado totalmente sob a regência da lei anterior, tendo que se reconhecer que sua efetiva implementação fica diferida no tempo e, pois, também sujeita a eventuais mudanças legislativas que tenham o caráter de ordem pública, como ocorre com o Estatuto do Idoso.

Assim, se o consumidor veio a completar 60 anos após a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, deve necessariamente ser protegido por este último, pois sua situação contratual, com relação à mudança de faixa etária, só veio a se tornar completa posteriormente, não tendo antes se consolidado.

Ou seja, aplicando-se o Estatuto do Idoso apenas aos aumentos praticados por mudança de faixa etária após a sua entrada em vigor, não se está mexendo em uma situação jurídica consolidada ou em um ato jurídico perfeito, mas apenas se procedendo à aplicação imediata de uma lei de ordem pública e de interesse social, a atos relativos à execução de um contrato.

Nesse sentido, ensina VICENTE RÁO, que “retroatividade e efeitos imediatos da nova norma obrigatória são conceitos, pois, que não se confundem: enquanto aquela age sobre o passado, estes tendem a disciplinar o presente e o futuro” (in “O Direito e a Vida dos Direitos”- 5ª edição – Revista dos Tribunais – 1999 – pág.377).

Veja-se, neste mesmo diapasão, o decidido pela Colenda 5ª Câmara de Direito Privado deste Egrégio Tribunal, no Agravo de Instrumento 343.841.4/4, rel.Des.Marcus Andrade, julgado em 23.06.04, cuja ementa foi transcrita no v.acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 394.344-4/4-00, da mesma Câmara:

“Plano de Saúde – Majoração em virtude de alterada a faixa etária da beneficiária – Vigência da Lei 10.741, de 03 de janeiro de 2.004 (artigo 15, parágrafo 3º) – Fundamentação relevante, em princípio, da decisão recorrida, para conceder a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional – Lei nova, de caráter social – Incidência admitida, de plano, aos contratos em curso – Tutela preferencial do idoso – Finalidade de preservá-lo de mutações financeiras, em razão de sua idade, e que lhe tragam risco de prejuízo irreparável ou de completa reparação – Aumento significativo da prestação do plano de saúde (aproximadamente 60%, a acarretar natural desestabilização à economia da agravante aposentada) – Requisitos à concessão da liminar presentes (parágrafo 3º, do artigo 461, do Código de Processo Civil – Recurso improvido”.

No mesmo sentido, vem decidido a Primeira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul:

“PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DAS CONTRAPRESTAÇÕES EM RAZÃO DA MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA.

É NULA, DE PLENO DIREITO, POR ABUSIVA E POR NÃO REDIGIDA DE FORMA CLARA E DESTACADA, A CLÁUSULA QUE, EM CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE, ESTABELECE O REAJUSTE DAS CONTRAPRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS EM FUNÇÃO DA IDADE DO SEGURADO, ELEVANDO A CONTRIBUIÇÃO PARA MONTANTE EXCESSIVAMENTE ONEROSO. VIOLAÇÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AO ESTATUTO DO IDOSO (LEI 10.741/03). APLICAÇÃO IMEDIATA DO ARTIGO 15, § 3º, DA LEI 10.741/03. SITUAÇÃO QUE NÃO CARACTERIZA VIOLAÇÃO À REGRA DE IRRETROATIVIDADE DAS LEIS E AO ATO JURÍDICO PERFEITO. PRECEDENTES DA 2ª TURMA RECURSAL CÍVEL.

Sentença confirmada por seus próprios fundamentos.

(Recurso improvido - Primeira Turma Recursal Cível Nº 71000934125 - Comarca de Porto Alegre -GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE – RECORRENTE -MARINA HENRIQUETA CRUZ PAIVA – 28.09.2006).

Deve-se considerar, por outro lado, que o aumento praticado pela Unimed de Santos neste caso, aos consumidores que vieram a completar 60 anos de idade após 01.01.2004, na ordem de 106,4% (fls.4 e 26/27), revela-se manifestamente abusivo, porquanto, como se sabe, nos últimos anos, a variação da inflação não tem superado os 5%, pelo que os reajustes de salários e aposentadorias têm acompanhado esta variação, não sendo compatível com esta realidade o aumento praticado pela Unimed, ainda mais em se considerando que seus destinatários são consumidores idosos, e que se encontram, no mais das vezes, aposentados, ou em situação de difícil colocação no mercado do trabalho, e o que é mais importante, que tiveram a justa expectativa, quando da adesão ao contrato, de virem a ter suas necessidades médicas futuras acobertadas, sem que, para tanto, tivessem que suportar práticas abusivas, que os colocasse em desvantagem exagerada frente ao fornecedor, e fossem contrárias à boa fé e à equidade.

Portanto, os aumentos que vem sendo praticados pela Unimed de Santos, por mudanças de faixa etária após os 60 anos de idade do consumidor, no percentual acima referido, fere princípios e normas estampadas nos artigos 4º, III, 39, IV, V, 51, IV, § 1º, incisos I, II e III, do CDC, devendo, também por esta razão, ser dada procedência à ação proposta.

Assim sendo, por todas as razões expostas, opina esta Procuradoria de Justiça seja dado provimento ao recurso ministerial, para o fim de serem declarados nulos todos os aumentos por mudança de faixa etária praticados após 01.01.02004, com base no contrato de plano de saúde coletivo firmado entre os Apelados, em virtude do consumidor ter completado 60 anos ou mais, condenando-se a Unimed de Santos a devolver aos consumidores lesados todos os valores pagos a mais a partir daquela data e aquele título, por medida de JUSTIÇA.

São Paulo, 08 de fevereiro de 2007.

DORA BUSSAB CASTELO

Promotora de Justiça designada em Segunda Instância

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