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SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOSPORTARIA No- 1.265, DE 14 DE JUNHO DE 2011A MINISTRA DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESID?NCIA DA REP?BLICA, no uso de suas atribui??es legais, tendo em vista a decis?o proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil, em 24 de novembro de 2010, que determinou no parágrafo 273 a publica??o da senten?a no Diário Oficial da Uni?o, resolve:Art. 1? Publicar a senten?a, anexa, com o nome dos capítulos e subtítulos, sem as notas de rodapé, bem como sua parte resolutiva atendendo a disposi??o expressa no item XI repara??es, alínea "c" constante no parágrafo 273 da senten?a.Art. 2? Esta portaria entra em vigor na data de sua publica??o. MARIA DO ROS?RIO NUNESANEXOCORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO GOMES LUND E OUTROS ("GUERRILHA DO ARAGUAIA") VS. BRASILSENTEN?A DE 24 DE NOVEMBRO DE 2010(Exce??es Preliminares, Mérito, Repara??es e Custas)No caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia"), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "Corte Interamericana", "Corte" ou "Tribunal"), integrada pelos seguintes juízes:Diego García-Sayán, Presidente; Leonardo A. Franco, Vice-Presidente;Manuel E. Ventura Robles, Juiz;Margarette May Macaulay, Juíza;Rhadys Abreu Blondet, Juíza;Alberto Pérez Pérez, Juiz;Eduardo Vio Grossi, Juiz, eRoberto de Figueiredo Caldas, Juiz ad hoc;presentes, ademais,Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, eEmilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta,de acordo com os artigos 62.3 e 63.1 da Conven??o Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "a Conven??o Americana" ou "a Conven??o") e com os artigos 30, 38.6, 59 e 61 do Regulamento da Corte (doravante denominado "o Regulamento"), profere a seguinte Senten?a.I - INTRODU??O DA CAUSA E OBJETO DA CONTROV?RSIA1. Em 26 de mar?o de 2009, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 da Conven??o Americana, a Comiss?o Interamericana de Direitos Humanos (doravante "Comiss?o Interamericana" ou "Comiss?o") submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil (doravante "o Estado", "Brasil" ou "a Uni?o"), que se originou na peti??o apresentada, em 7 de agosto de 1995, pelo Centro pela Justi?a e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia (doravante também denominada "Guerrilha") e seus familiares . Em 6 de mar?o de 2001, a Comiss?o expediu o Relatório de Admissibilidade No. 33/01 e, em31 de outubro de 2008, aprovou o Relatório de Mérito No. 91/08, nos termos do artigo 50 da Conven??o, o qual continha determinadas recomenda??es ao Estado . Esse relatório foi notificado ao Brasil em 21 de novembro de 2008, sendo-lhe concedido um prazo de dois meses para que informasse sobre as a??es executadas com o propósito de implementar as recomenda??es da Comiss?o. A despeito deduas prorroga??es concedidas ao Estado, os prazos para que apresentasse informa??es sobre o cumprimento das recomenda??es transcorreram sem que a elas fosse dada uma "implementa??o satisfatória".Diante disso, a Comiss?o decidiu submeter o caso à jurisdi??o da Corte, considerando que representava "uma oportunidade importante para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com rela??o aos desaparecimentos for?ados e à execu??o extrajudicial e a consequente obriga??o dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar, processar e punir graves viola??es de direitos humanos". A Comiss?o também enfatizou o valor histórico do caso e a possibilidade de o Tribunal afirmar a incompatibilidade da Lei de Anistia e das leis sobre sigilo de documentos com a Conven??o Americana. A Comiss?o designou como delegados os senhores Felipe González, Comissário, e Santiago A. Canton, Secretário Executivo; como assessores jurídicos, a senhora Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva Adjunta, e os advogados Lilly Ching Soto e Mario López Garelli, especialistas da Secretaria Executiva. 2. Conforme salientou a Comiss?o, a demanda se refere à alegada "responsabilidade [do Estado] pela deten??o arbitrária, tortura e desaparecimento for?ado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil [...] e camponeses da regi?o, [...] resultado de opera??es do Exército brasileiro empreendidas entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar do Brasil (1964-1985)". A Comiss?o também submeteu o caso à Corte porque, "em virtude da Lei No. 6.683/79 [...], oEstado n?o realizou uma investiga??o penal com a finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis pelo desaparecimento for?ado de 70 vítimas e a execu??o extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva [...]; porque os recursos judiciais de natureza civil, com vistas a obter informa??es sobre os fatos, n?o foram efetivos para assegurar aos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada o acesso a informa??o sobre a Guerrilha do Araguaia; porque as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de acesso à informa??o pelos familiares; e porque o desaparecimento das vítimas, a execu??o de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à justi?a, à verdade e à informa??o afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada". A Comiss?o solicitou ao Tribunal que declare que o Estado é responsável pela viola??o dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e express?o) e 25 (prote??o judicial), da Conven??o Americana sobre Direitos Humanos, em conex?ocom as obriga??es previstas nos artigos 1.1 (obriga??o geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposi??es de direito interno) da mesma Conven??o. Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado a ado??o de determinadas medidas de repara??o.3. Em 18 de julho de 2009, o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, a Comiss?o de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado e o Centro pela Justi?a e o Direito Internacional (doravante denominados "representantes") apresentaram seu escrito de solicita??es, argumentos e provas (doravante denominado "escrito de solicita??es e argumentos"), nos termos do artigo 24 do Regulamento. Nesse escrito, solicitaramao Tribunal que declare, "[e]m rela??o ao desaparecimento for?ado das [supostas] vítimas [...] e à total impunidade referente aos fatos", a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela viola??o dos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25 da Conven??o, todos em conex?o com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, bem como dos artigos 1, 2, 6 e 8 da Conven??o Interamericana para Prevenir e Punir aTortura (doravante denominada "Conven??o Interamericana contra a Tortura"); dos artigos 8 e 25, em conex?o com os artigos 1.1 e 2 da Conven??o Americana; dos artigos 1, 6 e 8 da Conven??o Interamericana contra a Tortura pela falta de investiga??o e da devida diligência nos procedimentos de ?mbito interno; dos artigos 1.1, 2, 13, 8 e 25 da Conven??o pelas restri??es indevidas ao direito deacesso à informa??o; dos artigos 1.1, 8, 13 e 25 da Conven??o pela viola??o do direito à verdade; e do artigo 5 da Conven??o pela viola??o da integridade pessoal dos familiares das supostas vítimas desaparecidas. Solicitaram, por conseguinte, à Corte que ordene diversas medidas de repara??o. Os familiares de 48 supostas vítimas, mediante poderes de representa??o outorgados em diversas datas, designaram como seus representantes legais as organiza??es já mencionadas, as quais s?o representadas, por sua vez, pelas senhoras Cecília Maria Bou?as Coimbra, Elizabeth Silveira e Silva e Victoria Lavínia Grabois Olímpio (Grupo Tortura Nunca Mais); Criméia Alice Schmidt de Almeida (Comiss?o de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado); Viviana Krsticevic, Beatriz Affonso, Helena Rocha e pelo senhor Michael Camilleri (CEJIL).4. Em 31 de outubro de 2009, o Estado apresentou um escrito no qual interp?s três exce??es preliminares, contestou a demanda e formulou observa??es sobre o escrito de solicita??es e argumentos (doravante denominado "contesta??o da demanda"). O Estado solicitou ao Tribunal que considere fundamentadas as exce??es preliminares e, por conseguinte: a) reconhe?a a incompetência rationetemporis para examinar as supostas viola??es ocorridas antes do reconhecimento da jurisdi??o contenciosa da Corte pelo Brasil; b) declare- se incompetente, em virtude da falta de esgotamento dos recursos internos; e c) arquive de imediato o presente caso, ante a manifesta falta de interesse processual dos representantes. Subsidiariamente, quanto ao mérito, o Brasil solicitou ao Tribunal que reconhe?a"todas as a??es empreendidas no ?mbito interno" e "julgue improcedentes os pedidos [da Comiss?o e dos representantes], uma vez que está sendo construída no país uma solu??o, compatível com suas particularidades, para a consolida??o definitiva da reconcilia??o nacional". O Estado designou o senhor Hildebrando Tadeu Nascimento Valadares como agente e as senhoras Márcia Maria Adorno Cavalcanti Ramos, Camila Serrano Giunchetti, Cristina Timponi Cambiaghi e Bartira Meira Ramos Nagado, bem como os senhores Sérgio Ramos de Matos Brito e Bruno Correia Cardoso, como agentes assistentes.5. Em conformidade com o artigo 38.4 do Regulamento, em 11 e 15 de janeiro de 2010, a Comiss?o e os representantes apresentaram, respectivamente, suas alega??es às exce??es preliminares opostas pelo Estado.II - PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6. A demanda da Comiss?o foi notificada ao Estado e aos representantes em 18 de maio de 2009 . Durante o processo perante este Tribunal, além da apresenta??o dos escritos principais (supra pars. 1 a 5), entre outros remetidos pelas partes, mediante resolu??o de 30 de mar?o de 2010, o Presidente da Corte (doravante denominado "o Presidente") ordenou o recebimento, por meio de declara??es rendidas perante um agente dotado de fé pública (doravante denominadas "affidávits"), dos depoimentos e pareceres de: a) 26 supostas vítimas, uma delas oferecida pela Comiss?o, outra proposta conjuntamente pela Comiss?o e pelos representantes e as demais oferecidas unicamente pelos representantes; b) quatro testemunhas, duas propostas pelos representantes e duas pelo Estado, e c) cincoperitos, um proposto pela Comiss?o, dois pelos representantes e dois pelo Estado , a respeito dos quais as partes tiveram a oportunidade de apresentar observa??es. O Presidente também convocou a Comiss?o, os representantes e o Estado para uma audiência pública para ouvir os depoimentos de: a) três supostas vítimas, uma oferecida pela Comiss?o e pelos representantes e duas propostas pelos representantes; b) quatro testemunhas, uma oferecida conjuntamente pela Comiss?o e pelos representantes, uma oferecida pelos representantes e outras duas pelo Estado; c) os pareceres de dois peritos, um proposto pela Comiss?oe outro pelo Estado, bem como: d) as alega??es finais orais das partes sobre as exce??es preliminares e os eventuais mérito, repara??es e custas.7. A audiência pública foi realizada em 20 e 21 de maio de 2010, durante o LXXXVII Período Ordinário de Sess?es da Corte, realizado na sede do Tribunal.8. Por outro lado, o Tribunal recebeu oito escritos, na qualidade de amicus curiae, das seguintes pessoas e institui??es : a) Open Society Justice Initiative, Commonwealth Human Rights Initiative, Open Democracy Advice Centre e South African History Initiative, com rela??o ao direito à verdade e ao acesso à informa??o ; b) Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos na Amaz?nia, relacionado com a Lei de Anistia ; c) Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Riode Janeiro, sobre, inter alia, os efeitos de uma eventual senten?a da Corte Interamericana e a decis?o emitida na Argui??o de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 153 (doravante também denominada "Argui??o de Descumprimento") ; d) Grupo de Ensino, Pesquisa e Extens?o "Democracia e Justi?a de Transi??o" da Universidade Federal de Uberl?ndia sobre, inter alia, a extens?o da Lei de Anistia e a import?ncia do presente caso para a garantia do direito à memória e à verdade ; e) José Carlos Moreira da Silva Filho, Rodrigo Lentz, Gabriela Mezzanotti, Fernanda Frizzo Bragato, J?nia Maria Lopes Saldanha, Luciana Araújo de Paula, Gustavo Oliveira Vieira, Ana Carolina Seffrin, Leonardo Subtil, Castor Bartolomé Ruiz, André Luiz Olivier da Silva, Sheila Stolz da Silveira, Cecília Pires, Sólon Eduardo Annes Viola, o Grupo de Pesquisa "Direito à Memória e à Verdade e Justi?a de Transi??o" (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), o Núcleo de Pesquisa e Extens?o da Universidade Federal do Rio Grande, o Movimento Nacional de Educa??o em Direitos Humanos e Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, o Grupo de Pesquisa "Delmas-Marty: Internacionaliza??o doDireito e Emergência de um Direito Mundial", o Grupo de Pesquisa "Fundamenta??o ?tica dos Direitos Humanos", a Cátedra UNESCO/ UNISINOS "Direitos Humanos e Violência, Governo e Governan?a", o Curso de Gradua??o em Direito e o Núcleo de Direitos Humanos, todos vinculados à Universidade do Vale do Rio dos Sinos, sobre, inter alia, as eventuais consequências desse processo na justi?a de transi??o no Brasil; f) Justi?a Global, com respeito à incompatibilidade da Lei de Anistia brasileira com a Conven??o Americana ; g) Equipe do Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sobre o direito de acesso à informa??o em poder do Estado, e h) Associa??oJuízes para a Democracia, sobre o direito à memória e à verdade, com rela??o à Lei de Anistia.9. Em 21 de junho de 2010, a Comiss?o e o Estado enviaram suas alega??es finais escritas, ao passo que os representantes o fizeram horas depois de vencido o prazo, sem receber obje??es, sendo, portanto, admitidas pelo Tribunal. Esses escritos foram transmitidos às partes para que realizassem as observa??es que julgassem pertinentes sobre determinados documentos a eles anexados. As partes se manifestaram sobre esses documentos e os representantes, além disso,remeteram documentos adicionais III - EXCE??ES PRELIMINARES10. Em sua contesta??o à demanda, o Estado interp?s trêsexce??es preliminares: a) incompetência do Tribunal em virtude dotempo para examinar determinados fatos; b) a falta de esgotamentodos recursos internos, e c) a falta de interesse processual da Comiss?oe dos representantes. Posteriormente, durante a audiência pública, oEstado acrescentou como exce??o preliminar a "regra da quarta inst?ncia"com rela??o a um fato que qualificou como superveniente(infra pars. 44 e 47).11. Embora a Conven??o Americana e o Regulamento n?odesenvolvam o conceito de "exce??o preliminar", a Corte afirmoureiteradamente, em sua jurisprudência, que por esse meio se questionaa admissibilidade de uma demanda ou a competência do Tribunalpara conhecer de determinado caso ou de algum de seus aspectos, emraz?o da pessoa, da matéria, do tempo ou do lugar . A Corte salientouque uma exce??o preliminar tem por finalidade obter uma decis?oque previna ou impe?a a análise do mérito do aspecto questionado oudo caso em seu conjunto. Por esse motivo, o questionamento deveatender às características jurídicas essenciais, em conteúdo e finalidade,que lhe confiram o caráter de "exce??o preliminar". Os questionamentosque n?o se revistam dessa natureza, como, por exemplo,os que se referem ao mérito de um caso, podem ser formuladosmediante outros atos processuais admitidos na Conven??o Americanaou no Regulamento, mas n?o sob a figura de uma exce??o preliminar.A. Incompetência temporal do Tribunal1. Alega??es das partes12. O Estado alegou a incompetência da Corte Interamericanapara examinar supostas viola??es que teriam ocorrido antes doreconhecimento da competência contenciosa do Tribunal. Esse reconhecimentofoi realizado "sob reserva de reciprocidade e para fatosposteriores a 10 de dezembro de 1998". N?o obstante, o Brasil reconheceua jurisprudência da Corte, no sentido de que pode conhecerdas viola??es continuadas ou permanentes, mesmo quando iniciemantes do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal,desde que se estendam além desse reconhecimento, mas enfatizou queé inequívoca a falta de competência da Corte para conhecer dasdeten??es arbitrárias, atos de tortura e execu??es extrajudiciais ocorridasantes de 10 de dezembro de 1998.13. A Comiss?o afirmou que, em virtude das datas de ratifica??oda Conven??o Americana e do reconhecimento da competênciacontenciosa do Tribunal por parte do Estado, a demanda serefere unicamente às viola??es dos direitos previstos na Conven??oAmericana que persistem depois desse reconhecimento de competência,em raz?o da natureza continuada do desaparecimento for?adoou que s?o posteriores a esse reconhecimento. Desse modo, afirmouque a Corte tem competência para conhecer das viola??es apresentadasna demanda.14. Os representantes alegaram que as viola??es denunciadasno presente caso se referem aos desaparecimentos for?ados das supostasvítimas; à impunidade que decorre da falta de investiga??o,julgamento e puni??o dos responsáveis por esses atos; bem como àineficácia das medidas adotadas para respeitar, proteger e garantir odireito à verdade e à informa??o. Destacaram que a possível data doinício dos desaparecimentos n?o restringe nem limita a competênciaratione temporis do Tribunal, uma vez que se trata de uma viola??ode caráter permanente e continuado. Além disso, as alegadas viola??esrelacionadas com os direitos à informa??o, à verdade e àjusti?a persistem posteriormente à ratifica??o da Conven??o Americanae ao reconhecimento da jurisdi??o da Corte por parte doEstado. Por esse motivo, os representantes solicitaram ao Tribunalque indefira essa exce??o preliminar. Salientaram, no entanto, queuma das pessoas desaparecidas foi identificada em 1996 e que, porconseguinte, a Corte carece de competência para pronunciar-se arespeito de seu desaparecimento for?ado.2. Considera??es da Corte15. A fim de determinar se tem ou n?o competência paraconhecer de um caso ou de um de seus aspectos, de acordo com oartigo 62.1 da Conven??o Americana , a Corte deve levar em considera??oa data de reconhecimento da competência por parte doEstado, os termos em que se deu esse reconhecimento e o princípiode irretroatividade, disposto no artigo 28 da Conven??o de Vienasobre o Direito dos Tratados de 1969.16. O Brasil reconheceu a competência contenciosa da CorteInteramericana em 10 de dezembro de 1998 e, em sua declara??o,indicou que o Tribunal teria competência para os "fatos posteriores" aesse reconhecimento. Com base no anteriormente exposto e no princípiode irretroatividade, a Corte n?o pode exercer sua competênciacontenciosa para aplicar a Conven??o e declarar uma viola??o de suasnormas quando os fatos alegados ou a conduta do Estado, que pudesseimplicar sua responsabilidade internacional, sejam anteriores aesse reconhecimento da competência. Por esse motivo, fica excluídada competência do Tribunal a alegada execu??o extrajudicial da senhoraMaria Lúcia Petit da Silva, cujos restos mortais foram identificadosem 1996, ou seja, dois anos antes de o Brasil reconhecer acompetência contenciosa da Corte, bem como qualquer outro fatoanterior a esse reconhecimento.17. Ao contrário, em sua jurisprudência constante, este Tribunalestabeleceu que os atos de caráter contínuo ou permanenteperduram durante todo o tempo em que o fato continua, mantendo-sesua falta de conformidade com a obriga??o internacional . Em concord?nciacom o exposto, a Corte recorda que o caráter contínuo oupermanente do desaparecimento for?ado de pessoas foi reconhecidode maneira reiterada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos,no qual o ato de desaparecimento e sua execu??o se iniciam coma priva??o da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informa??osobre seu destino, e permanecem até quando n?o se conhe?a o paradeiroda pessoa desaparecida e os fatos n?o tenham sido esclarecidos.A Corte, portanto, é competente para analisar os alegadosdesaparecimentos for?ados das supostas vítimas a partir do reconhecimentode sua competência contenciosa efetuado pelo Brasil.18. Além disso, o Tribunal pode examinar e se pronunciarsobre as demais viola??es alegadas, que se fundamentam em fatosque ocorreram ou persistiram a partir de 10 de dezembro de 1998.Ante o exposto, a Corte tem competência para analisar os supostosfatos e omiss?es do Estado, ocorridos depois da referida data, relacionadoscom a falta de investiga??o, julgamento e san??o daspessoas responsáveis, inter alia, pelos alegados desaparecimentos for?adose execu??o extrajudicial; a alegada falta de efetividade dosrecursos judiciais de caráter civil a fim de obter informa??o sobre osfatos; as supostas restri??es ao direito de acesso à informa??o, e oalegado sofrimento dos familiares.19. Com base nas considera??es precedentes, o Tribunal consideraparcialmente fundada a exce??o preliminar.B. Falta de interesse processual1. Alega??es das partes20. O Brasil alegou que a Comiss?o reconheceu e valorizouas medidas de repara??o adotadas pelo Estado com rela??o ao presentecaso, mas que esse órg?o afirmou, de modo genérico, que outrasmedidas deviam ser implementadas. A critério do Estado, em virtudedo "exíguo lapso de tempo transcorrido entre a apresenta??o do RelatórioParcial de Cumprimento de Recomenda??es [com respeito aoRelatório de Mérito No. 91/08] e o envio do caso à Corte (três dias),a avalia??o pela [Comiss?o] do cumprimento das medidas de repara??oe de n?o repeti??o por ela recomendadas [...] restou prejudicada".Por outro lado, dada a informa??o contida no referidorelatório estatal, o Brasil considerou que o envio do caso à Corte foiinoportuno e "ressalt[ou] a ausência de interesse processual a ensejaro exame de mérito do [presente] caso".21. Em particular, o Estado destacou as medidas de repara??oque adotou no presente caso, manifestando, inter alia, que: a) promulgoua Lei No. 9.140/95, mediante a qual "promoveu o reconhecimentooficial de sua responsabilidade pelas mortes e pelos desaparecimentosocorridos durante o período do regime militar" e pagouindeniza??es aos familiares de 59 supostas vítimas; b) publicou, emagosto de 2007, o livro "Direito à Memória e à Verdade - Comiss?oEspecial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos", no qual estabeleceua vers?o oficial sobre as viola??es de direitos humanos cometidas poragentes estatais, "refor?ando o reconhecimento público da responsabilidadedo Estado"; c) realizou "diversos atos de natureza simbólicae educativa, que promoveram o resgate da memória e da verdade dosfatos ocorridos durante o [...] regime militar"; d) enviou ao CongressoNacional o Projeto de Lei No. 5.228/09 sobre o acesso à informa??opública; e) impulsionou o projeto "Memórias Reveladas", relacionadocom diversas iniciativas sobre o arquivamento e a divulga??o de documentosrelativos ao regime militar, e f) promoveu uma campanhapara a entrega de documentos que possam ajudar na localiza??o dosdesaparecidos. Adicionalmente, foram realizadas diversas iniciativassobre a busca dos restos mortais e identifica??o dos desaparecidos daGuerrilha, entre outras, expedi??es à regi?o do Araguaia. Com base noanteriormente exposto, o Estado concluiu que a falta de interesseprocessual "dos peticionários" é consequência do fato de que "asmedidas já adotadas [pelo Estado], somadas às que est?o em implementa??o,atend[em] a integralidade de [seus] pedidos".22. A Comiss?o salientou que a alega??o do Estado n?o tema natureza de uma exce??o preliminar e solicitou à Corte que arecusasse. O Brasil disp?s inicialmente de um prazo de dois mesespara apresentar relatório sobre o cumprimento das recomenda??es doRelatório de Mérito No. 91/08. Esse prazo foi prorrogado em duasocasi?es e, finalmente, esgotou-se em 22 de mar?o de 2009. Noentanto, em 24 de mar?o de 2009, o Estado apresentou um relatórioparcial e solicitou uma nova prorroga??o de seis meses para apresentarinforma??o adicional. Ao analisar as informa??es apresentadaspelo Brasil, a Comiss?o concluiu que n?o refletiam "a ado??o demedidas concretas e suficientes, nem de um compromisso expressoem rela??o ao cumprimento das recomenda??es". Por conseguinte,"considerou esgotado o procedimento previsto nos artigos 48 a 50 daConven??o e decidiu submeter o caso à jurisdi??o da Corte". Poroutro lado, expressou que n?o há disposi??o que regulamente o examedas respostas estatais às recomenda??es formuladas no Relatóriode Mérito e que tampouco há previs?o de um prazo mínimo paraexaminar as informa??es apresentadas pelo Estado em rela??o aocumprimento de suas recomenda??es.23. A Comiss?o declarou, ademais, que apesar dos esfor?osdo Estado para implementar medidas de repara??o no ?mbito interno,as recomenda??es contidas no Relatório de Mérito No. 91/08 e nassolicita??es da demanda ainda n?o foram cumpridas totalmente, entreoutras, aquelas medidas para: a) assegurar que a Lei de Anistia No.6.683/79 "n?o continue a ser um obstáculo para a persecu??o penaldas graves viola??es de direitos humanos que constituam crimescontra a humanidade"; b) "determinar, por meio da jurisdi??o dedireito comum, a responsabilidade penal pelos desaparecimentos for?adosdas [supostas] vítimas"; e c) sistematizar e publicar todos osdocumentos referentes às opera??es militares contra a Guerrilha doAraguaia. Por conseguinte, a Comiss?o solicitou à Corte que indefiraesta exce??o preliminar.24. Os representantes afirmaram a autonomia da Comiss?opara avaliar o cumprimento das recomenda??es de seus relatórios epara decidir sobre o envio do caso à Corte. As raz?es para esse envion?o podem ser objeto de uma exce??o preliminar e o Brasil n?oalegou um erro da Comiss?o que pudesse prejudicar seu direito dedefesa. Por outro lado, o Estado pretende aplicar ao presente casouma das condi??es da a??o do direito interno, que define o interesseprocessual como "a necessidade demonstrada pela parte no sentido deobter a presta??o jurisdicional para garantir a efetividade de seudireito [e] para evitar a perpetua??o do dano sofrido". O Estadopretende que n?o se analise o mérito do caso, sob o argumento de queo eventual resultado da senten?a da Corte já estaria sendo alcan?adopor meio das a??es implementadas no ?mbito interno. Os representantesdeclararam que as alega??es estatais n?o dizem respeito àcompetência da Corte ou à admissibilidade do caso, mas às medidasde repara??o solicitadas pela Comiss?o e pelos representantes. Portanto,os argumentos do Brasil se referem a um "questionamentoestreitamente vinculado ao exame da eficácia dessas medidas" e, porconseguinte, n?o constituem uma exce??o preliminar.25. Outrossim, os representantes manifestaram que as medidasadotadas pelo Brasil s?o insuficientes ou, inclusive, uma delascontrária aos interesses dos familiares. De acordo com os representantes,"subsistem controvérsias importantes entre os fatos denunciados[...] e aqueles reconhecidos pelo Estado [, as quais] seestendem aos direitos [debatidos] e à eficácia das medidas adotadaspelo Estado com a finalidade de fazer justi?a, [propiciar o acesso à]verdade, prevenir viola??es futuras e indenizar os familiares das [supostas]vítimas desaparecidas no presente caso".2. Considera??es da Corte26. A Corte observa que, sob o mesmo conceito de falta deinteresse processual, o Estado referiu-se, na realidade, a duas quest?esdiferentes: a) uma relacionada com a atua??o da Comiss?o Interamericanaa respeito do relatório estatal de resposta ao Relatório deMérito No. 91/08, e b) outra relacionada com as medidas de repara??oadotadas pelo Brasil, as quais, alegadamente, atendem àspretens?es da Comiss?o e dos representantes.27. A respeito da decis?o da Comiss?o Interamericana desubmeter um caso à jurisdi??o do Tribunal, este sustentou, reiteradamente,que a avalia??o que faz a Comiss?o sobre a conveniênciaou n?o do envio de um caso à Corte é uma atribui??o que lhe éprópria e aut?noma e, por conseguinte, os motivos que determinaramesse envio n?o podem ser objeto de uma exce??o preliminar. Noentanto, o que, sim, pode ser objeto de uma exce??o preliminar é aomiss?o ou viola??o de todas ou de alguma das etapas processuaisindicadas nos artigos 50 e 51 da Conven??o, de maneira que seprovoque um desequilíbrio processual ou um erro grave que afete odireito de defesa de alguma das partes no caso perante a Corte. Aparte que afirma a existência de um erro grave deve demonstrá-lo ,motivo por que n?o é suficiente uma queixa ou discrep?ncia decritérios com rela??o à atua??o da Comiss?o .28. O Tribunal considera importante mencionar que, emborao artigo 44 do Regulamento da Comiss?o se refere à apresenta??o deum caso à Corte, n?o há disposi??o alguma, na Conven??o ou nosRegulamentos da Corte ou da Comiss?o, que regulamente de maneiraexpressa a análise ou avalia??o que deva realizar esta última sobre aresposta do Estado a suas recomenda??es. Tampouco se estabelece umtempo mínimo, a partir do momento em que o Estado responde àsrecomenda??es formuladas no relatório do artigo 50 da Conven??o,para que a Comiss?o decida levar o caso ao conhecimento da Corte.29. O Tribunal observa que a Comiss?o Interamericana submeteuo presente caso ao conhecimento da Corte dois dias depois deter o Brasil apresentado seu relatório parcial a respeito das recomenda??esadotadas por aquele órg?o, em seu Relatório de MéritoNo. 91/08, após duas prorroga??es concedidas ao Estado, a últimadelas esgotada em 22 de mar?o de 2009. A Corte também observaque o Estado remeteu seu relatório parcial à Comiss?o com dois diasde atraso, em 24 de mar?o de 2009 . Isto é, embora esgotado o prazopor ela concedido, a Comiss?o esperou que o Estado informasse sehavia ou n?o adotado medidas específicas com o objetivo de cumpriras recomenda??es antes de decidir se era conveniente levar o caso aoconhecimento da Corte.30. A seguran?a jurídica exige que os Estados saibam a quese ater no procedimento perante o Sistema Interamericano de DireitosHumanos. Por conseguinte, se a Comiss?o concede um prazo aoEstado para que cumpra as recomenda??es do relatório, deve esperarque este lhe remeta a resposta no prazo fixado e avaliá-la com oobjeto de decidir se submeter o caso ao conhecimento da Corte é aalternativa mais favorável à tutela dos direitos contemplados na Conven??oou se, ao contrário, as medidas adotadas pelo Estado paracumprir as recomenda??es da Comiss?o constituem uma contribui??opositiva para o andamento do processo e para o cumprimento dasobriga??es estabelecidas na Conven??o Americana . No presente caso,n?o se evidencia um erro ou a inobserv?ncia das normas convencionaisou regulamentares que regem o envio do caso pela Comiss?oa esta Corte, mas uma mera discrep?ncia de critérios relativamentea essa a??o. Com base no exposto, o Tribunal consideraque a alega??o do Estado n?o constitui uma exce??o preliminar.31. Por outro lado, quanto à alegada falta de interesse processualda Comiss?o e dos representantes, em virtude das diversasiniciativas adotadas pelo Brasil no ?mbito interno, seguindo sua jurisprudência, este Tribunal recorda que a responsabilidade internacionaldo Estado se origina imediatamente após ter sido cometidoum ato ilícito segundo o Direito Internacional, e que a disposi??o dereparar esse ato no plano interno n?o impede a Comiss?o ou Corte deconhecer um caso. Isto é, em conformidade com o pre?mbulo daConven??o Americana, a prote??o internacional de natureza convencionalé "coadjuvante ou complementar da que oferece o direitointerno dos Estados americanos". Consequentemente, quando se alegaque o Estado n?o cumpriu totalmente a obriga??o de reparar algumaviola??o dos direitos reconhecidos na Conven??o Americana, cabe aeste Tribunal exercer sua competência sobre o suposto ato ilícito,desde que se cumpram determinados requisitos processuais convencionais,bem como, eventualmente, declarar as viola??es que sejampertinentes e ordenar as repara??es cabíveis, em conformidade com oartigo 63.1 da Conven??o. O Tribunal considera, portanto, que asa??es que o Estado afirma que adotou para reparar as supostas viola??escometidas no presente caso, ou evitar sua repeti??o, podem serrelevantes para a análise da Corte sobre o mérito do caso e, eventualmente,para as possíveis repara??es que se ordenem, mas n?o têmefeito sobre o exercício da competência da Corte para dele base no exposto acima, o Tribunal desestima a exce??o preliminardo Estado.C. Falta de esgotamento dos recursos internos1. Alega??es das partes32. O Estado afirmou que a Comiss?o "deixou de avaliaradequadamente [as] quest?es [referentes ao esgotamento dos recursosinternos], enquanto o caso esteve sob [seu conhecimento] e, depois,quando tomou a decis?o de encaminhá-lo [à] Corte". Recordou que aregra de esgotamento dos recursos internos impede que uma demandainternacional seja interposta antes que a suposta vítima tenha esgotadotodos os recursos internos previstos, e colocados à sua disposi??o,no ordenamento jurídico interno do Estado supostamenteresponsável. A prote??o exercida pelos órg?os internacionais temcaráter subsidiário e o propósito de uma inst?ncia internacional n?o érevisar ou reformar a senten?a interna, mas constatar se a referidasenten?a está em conformidade com as normas internacionais. Tendoem vista as obriga??es do Estado de oferecer prote??o e recursosjudiciais eficazes, estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Conven??o,cabe às vítimas utilizar todos os recursos internos disponíveis antesde recorrer ao Sistema Interamericano. Por esse motivo, a Corte n?opode ignorar essa norma, uma vez que, do contrário, "retiraria aconfian?a no funcionamento correto do [S]istema, [...] colocando emrisco sua credibilidade e existência".33. O Estado salientou, ademais, que os representantes n?ohaviam esgotado os seguintes recursos internos: a) a Argui??o deDescumprimento de Preceito Fundamental No. 153, mediante a qualse solicitou que a anistia concedida pela Lei de Anistia No. 6.683/79n?o se estenda aos crimes comuns praticados pelos agentes de repress?ocontra os opositores políticos; b) a A??o Ordinária No.82.00.024682-5, mediante a qual se solicitou a determina??o do paradeirodos desaparecidos, a localiza??o dos restos mortais, o esclarecimentodas circunst?ncias da morte e a entrega do relatóriooficial sobre as opera??es militares contra a Guerrilha do Araguaia; c)a A??o Civil Pública No. 2001.39.01.000810-5, interposta pelo MinistérioPúblico Federal para obter do Estado todos os documentosexistentes sobre a??es militares das For?as Armadas contra a Guerrilha;d) a a??o privada subsidiária para a persecu??o penal doscrimes de a??o pública, e e) as iniciativas referentes à solicita??o deindeniza??es, como a A??o Ordinária Civil de Indeniza??o e a solicita??ode repara??o pecuniária, no ?mbito da Lei No. 9.140/95, daComiss?o Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e daComiss?o de Anistia, de acordo com a Lei No. 10.559/02, entreoutras medidas de repara??o.34. Particularmente, quanto à A??o Ordinária No.82.00.024682-5, o Brasil informou que, em 8 de fevereiro de 2008,foi emitida uma decis?o definitiva a esse respeito, cujo cumprimentojá foi iniciado. Em 10 de julho de 2009, data em que se esgotou oprazo estabelecido para que o Estado cumprisse a decis?o, a Advocacia-Geral da Uni?o entregou "toda a documenta??o disponível no?mbito da Uni?o, acerca das opera??es militares, especialmente noque se refere aos enfrentamentos armados, captura e deten??o decivis, reconhecimento de corpos, identifica??o das vítimas, averigua??esde peritos, destino dos restos mortais encontrados e informa??esde transferência de civis, vivos ou mortos, para quaisqueráreas, ocorridas no período". Este juízo, ademais, convocou testemunhaspara prestar depoimentos e entregar documentos que tivessemem seu poder relacionados à Guerrilha do Araguaia. Por outro lado, oEstado manifestou que a A??o Civil Pública interposta pelo MinistérioPúblico Federal em 25 de agosto de 2001 foi julgada procedenteem 19 de dezembro de 2005. No entanto, em virtude dosrecursos interpostos pela Uni?o contra essa senten?a, ela n?o temainda caráter definitivo.35. A Comiss?o alegou que a quest?o do n?o esgotamentodos recursos internos foi devidamente analisada no Relatório de AdmissibilidadeNo. 33/01, de 6 de mar?o de 2001. Afirmou que trêsdos quatro eixos de argumenta??o do Estado, os relacionados com aArgui??o de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 153, aA??o Civil Pública e as considera??es específicas sobre medidas derepara??o adotadas, s?o posteriores à data em que expediu o citadoRelatório. Adicionalmente, com respeito à A??o Ordinária, a Comiss?omanifestou expressamente no Relatório de Admissibilidadeque esta a??o levava anos sem uma decis?o definitiva e que essademora n?o podia ser considerada razoável. Por essa raz?o, a Comiss?oaplicou a exce??o prevista no artigo 46.2.c da Conven??o edeclarou a peti??o admissível. Ademais, salientou que o Estado n?oalegou em sua contesta??o à demanda que a decis?o de admissibilidadeadotada estivesse baseada em informa??o err?nea ou quefosse fruto de um processo em que as partes tivessem restringida aigualdade de armas ou seu direito de defesa. Aduziu, também, que,em princípio, o conteúdo das decis?es de admissibilidade adotadas deacordo com a Conven??o e o Regulamento da Comiss?o n?o deveriaser objeto de um novo exame substancial. Ante o exposto, a Comiss?osolicitou à Corte que desestime por ser infundada esta exce??opreliminar.36. Os representantes indicaram que a Comiss?o já realizouum exame de admissibilidade no caso, raz?o pela qual a Corte deveremeter-se a este exame. Com base nos princípios de seguran?a jurídicae da certeza processual, uma vez determinada a admissibilidadedo caso, aplica-se o princípio da preclus?o, exceto em situa??esextraordinárias em que haja um erro grave que viole o direito dedefesa das partes. No presente caso, o Estado n?o identificou nenhumerro grave no procedimento perante a Comiss?o, nem demonstrouprejuízo algum a seu direito de defesa. Durante os seis anos detranscurso da etapa de admissibilidade do caso, o Estado teve amplasoportunidades de contestar todas as alega??es dos representantes e asinquietudes da Comiss?o, motivo por que n?o há fundamento parareexaminar a decis?o da Comiss?o no Relatório de Admissibilidade.Além disso, o Estado deve apresentar a exce??o sobre a falta deesgotamento dos recursos internos antes do pronunciamento da Comiss?osobre a admissibilidade do caso. Antes da emiss?o do Relatóriode Admissibilidade No. 33/01, o Estado somente argumentoua falta de esgotamento de dois recursos internos: a) a A??o Ordináriaa respeito da qual, segundo o Brasil, n?o se deveria aplicar a exce??ode demora injustificada, e b) a a??o de habeas data, que n?o teria sidointerposta. No entanto, na tramita??o perante a Corte, o Estado reiterouos argumentos relativos à A??o Ordinária mencionada e acrescentououtras a??es judiciais, tais quais a Argui??o de DescumprimentoNo. 153, a A??o Civil Pública e outras medidas que foram oupoderiam ter sido adotadas a fim de atender às medidas de repara??osolicitadas. Para os representantes, o Estado n?o alegou a falta deesgotamento dos recursos mencionados no momento processual oportuno,motivo pelo qual esta exce??o preliminar deve ser consideradaextempor?nea e n?o deve ser admitida pelo Tribunal.37. De forma subsidiária, os representantes salientaram aineficácia dos recursos internos aludidos pelo Estado. Quanto à A??oOrdinária, alegaram que, passados 27 anos de seu início e em quepese a decis?o final, "ela n?o produziu os efeitos esperados, n?oconstituindo, portanto[, um] recurso eficaz para o esclarecimento dosfatos denunciados". Indicaram que o recurso adequado para remediaras viola??es alegadas era o recurso penal. No entanto, e apesar detratar-se de um caso de desaparecimentos for?ados, em virtude da Leide Anistia, o Estado n?o iniciou uma investiga??o destinada a esclareceros fatos, identificar os responsáveis e garantir a justi?a, o quen?o foi negado pelo Estado. A interpreta??o vigente sobre a Lei deAnistia teve um efeito direto na omiss?o do Ministério Público emrela??o aos fatos do presente caso e inibiu os familiares de apresentarqueixa a fim de iniciar o procedimento destinado a instaurar a a??openal correspondente. Finalmente, os representantes salientaram que,ao contrário do que determina a jurisprudência do Tribunal, o Brasilindicou outros recursos, mas n?o demonstrou disponibilidade ou eficáciapara remediar as viola??es alegadas no presente caso, como, porexemplo, a Argui??o de Descumprimento ou a A??o Civil Pública,que foram iniciadas posteriormente à emiss?o do Relatório de Admissibilidade.2. Considera??es da Corte38. Este Tribunal vem sustentando de maneira consistenteque uma obje??o ao exercício de jurisdi??o da Corte, baseada nasuposta falta de esgotamento dos recursos internos, deve ser apresentadano momento processual oportuno , ou seja, na etapa deadmissibilidade do procedimento perante a Comiss?o . A esse respeito,o Tribunal reitera que a interpreta??o que conferiu ao artigo46.1.a da Conven??o, por mais de 20 anos, está em conformidadecom o Direito Internacional e que, conforme sua jurisprudência e ajurisprudência internacional , n?o é tarefa da Corte nem da Comiss?oidentificar ex officio quais s?o os recursos internos a serem esgotados,mas que cabe ao Estado a indica??o oportuna dos recursosinternos que devem ser esgotados e de sua efetividade.39. O Tribunal observa do expediente do caso perante aComiss?o Interamericana que esta solicitou ao Estado que indicasse,de acordo com o artigo 34 de seu Regulamento ent?o vigente, oselementos de juízo que lhe permitissem verificar se haviam sidoesgotados os recursos da jurisdi??o interna. Em resposta a esse pedido,o Brasil informou que: a) n?o se havia esgotado a A??o Ordinária,que se encontrava em etapa de conhecimento do processo, eb) existia a possibilidade para os familiares de interpor um habeasdata para obter documentos e informa??o de órg?os públicos. Essess?o os únicos questionamentos do Estado vinculados a exce??es preliminaresapresentados oportunamente.40. Ao contrário, as alega??es relativas à Argui??o de Descumprimento,à A??o Civil Pública, à possibilidade de interposi??o deuma a??o penal subsidiária e às diversas iniciativas de repara??o,foram expostas pelo Brasil, pela primeira vez, como parte de umaexce??o preliminar por falta de esgotamento dos recursos internos emsua contesta??o à demanda, aproximadamente nove anos e oito mesesdepois de adotada a decis?o de admissibilidade por parte da Comiss?oInteramericana, ou seja, de maneira extempor?nea. Por esta raz?o, n?ocorresponde admitir estes argumentos.41. Com rela??o às duas alega??es de falta de esgotamentoapresentadas oportunamente (supra par. 39), a Corte observa que, noprocedimento perante si, o Estado n?o alegou a falta de interposi??o deum habeas data, motivo por que o Tribunal considera que houve desistênciaa esse respeito e n?o fará nenhuma considera??o adicional.42. Com base no exposto acima, o Tribunal analisará unicamentea alega??o do Estado referente à falta de esgotamento dosrecursos internos a respeito da A??o Ordinária. No momento em quea Comiss?o emitiu o Relatório No. 33/01, em 6 de mar?o de 2001,passados mais de 19 anos do início dessa a??o, n?o havia umadecis?o definitiva do mérito no ?mbito interno. Por esse motivo, aComiss?o concluiu que o atraso do processo n?o podia ser consideradorazoável. A Comiss?o, por conseguinte, entendeu que n?o sepodia exigir o requisito do esgotamento dos recursos internos e aplicouao caso o artigo 46.2.c da Conven??o. A Corte observa que n?ose deduz do expediente a alegada análise inadequada por parte daComiss?o a respeito desta exce??o. De igual maneira, durante a tramita??odo caso perante a Corte, o Estado teve a oportunidade deapresentar seus argumentos de defesa quanto a todos os aspectos dademanda, apesar do que, n?o demonstrou prejuízo a seu direito dedefesa em raz?o da referida atua??o da Comiss?o. Desse modo, oTribunal n?o encontra elementos para modificar, neste caso, o que foi decidido pela Comiss?o Interamericana. Além disso, a partir dosargumentos das partes e das provas contidas no expediente, a Corteobserva que as alega??es do Estado relativas à eficácia do recurso eà inexistência de um atraso injustificado na A??o Ordinária versamsobre quest?es relacionadas com o mérito do caso, uma vez quecontradizem as alega??es relacionadas com a suposta viola??o dosartigos 8, 13 e 25 da Conven??o Americana. Com base nas considera??esanteriores, o Tribunal desestima esta exce??o preliminar.D. Regra da quarta inst?ncia e falta de esgotamento a respeitoda Argui??o de Descumprimento de Preceito Fundamental1. Alega??es das partes43. Em sua contesta??o à demanda, dentro de suas alega??esrelacionadas com a falta de esgotamento dos recursos internos, oEstado sustentou que lhe "deve ser facultada [...] a oportunidade dedebater e deliberar democraticamente o tema relacionado ao objeto da[...] demanda no ?mbito de seu ordenamento jurídico interno. [.] Emespecial, é preciso dar tempo para que [...] o Supremo Tribunal Federalse pronuncie definitivamente acerca das quest?es jurídicas pendentesdo governo militar". Em particular, manifestou que, em outubrode 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil interp?s uma a??ode Argui??o de Descumprimento de Preceito Fundamental mediante aqual solicitou ao Supremo Tribunal Federal que confira à Lei deAnistia uma interpreta??o conforme com a Constitui??o de modo quedeclare que a anistia concedida por essa lei aos crimes políticos ouconexos n?o se estende aos crimes comuns praticados pelos agentesde repress?o contra opositores políticos, durante o regime militar.44. Posteriormente à contesta??o da demanda, o Brasil informouque, em 29 de abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal"declarou improcedente, por sete votos a dois, [a Argui??o de DescumprimentoNo. 153]", ao considerar que "a Lei de Anistia representou,em seu momento, uma etapa necessária no processo dereconcilia??o e redemocratiza??o do país" e que "n?o se tratou deuma autoanistia". Com base nesta recente decis?o, o Estado questionoua competência da Corte Interamericana para revisar decis?esadotadas pelas mais altas cortes de um Estado, indicando que esteTribunal n?o pode analisar as quest?es de mérito da presente demandaocorridas até 29 de abril de 2010, em virtude do n?o esgotamentodos recursos internos. Com a decis?o da Argui??o deDescumprimento No. 153, verificou-se o esgotamento regular dosrecursos internos, surgindo, inclusive, um novo obstáculo para a análisedo mérito da demanda, a proibi??o da quarta inst?ncia. O Estadoafirma o anteriormente exposto tomando por base, por um lado, quea tramita??o da Argui??o de Descumprimento No. 153 respeitou odevido processo legal, foi transparente, permitiu a participa??o detodos os interessados e garantiu a imparcialidade e independênciajudicial e, por outro lado, o caráter subsidiário da atua??o dos órg?osdo Sistema Interamericano, que n?o podem constituir-se em tribunaisde al?ada para examinar alegados erros, de fato ou de direito, cometidospor tribunais nacionais que tenham atuado dentro de suascompetências.45. Com rela??o à Argui??o de Descumprimento No. 153, osrepresentantes salientaram que: a) esse recurso n?o estava regulamentadoquando o presente caso foi submetido à Comiss?o; b) alegitima??o ativa para sua interposi??o é limitada e n?o inclui osfamiliares ou seus representantes; c) o Partido Comunista do Brasil,que o Estado afirmou que poderia ter interposto essa a??o, n?o é orepresentante legal dos familiares e, por conseguinte, n?o poderiainterpor essa a??o em seu nome, e d) essa a??o n?o constitui umrecurso adequado para remediar os desaparecimentos for?ados. Poresse motivo, concluíram que é absurdo exigir o esgotamento dorecurso mencionado. Por outro lado, os representantes alegaram que adecis?o do Supremo Tribunal Federal, ao estender a anistia aos agentesda repress?o que cometeram crimes contra a humanidade, impedeobjetivamente a busca de justi?a e o acesso à verdade que as vítimasperseguem. Ao ser este ponto objeto do litígio do presente caso, n?ose sustenta a alega??o de quarta inst?ncia apresentada pelo Estado.Embora os representantes tenham coincidido no que diz respeito aocaráter subsidiário da jurisdi??o internacional, consideraram que aanálise do conjunto dos elementos que constituiriam viola??es continuadasaos direitos das vítimas e de seus familiares é essencial paraa determina??o da responsabilidade internacional do Estado.2. Considera??es da Corte46. O Tribunal observa que, com base na Argui??o de DescumprimentoNo. 153, o Estado apresentou duas exce??es preliminares,uma relativa à falta de esgotamento dos recursos internos eoutra relacionada com a fórmula da quarta inst?ncia. Quanto à primeiradessas alega??es, a Corte já estabeleceu que o Estado n?oapresentou essa exce??o no momento processual oportuno e desestimouesse argumento (supra par. 40). Embora a extemporaneidadedessa alega??o seja o fundamento de sua recusa, a Corte Interamericanaconsidera conveniente prestar os seguintes esclarecimentos.Em primeiro lugar, é evidente que a Argui??o de Descumprimenton?o é um recurso que se possa considerar disponível, n?o somenteporque n?o estava regulamentada no momento da interposi??o dadenúncia perante a Comiss?o, mas também porque os particulares,como os familiares das supostas vítimas, n?o est?o legitimados parautilizá-lo, dado que os únicos legitimados para interpor essa a??o s?odeterminados funcionários e institui??es do Estado e coletivos sociais. Além disso, o objeto da referida a??o é evitar ou reparar umapossível les?o a uma norma fundamental, que, no caso perante oSupremo Tribunal Federal, se expressava em uma determinada interpreta??oconstitucional. Disso se deduz claramente que tampoucoconstituía um recurso adequado para reparar as viola??es alegadas,isto é, para esclarecer os fatos, estabelecer as responsabilidades individuaisdeles decorrentes e determinar o paradeiro das supostasvítimas desaparecidas.47. Por outra parte, o Tribunal observa que a alega??o sobrea quarta inst?ncia foi interposta pelo Estado na audiência pública dopresente caso, posteriormente à apresenta??o do escrito de contesta??oà demanda. Embora o artigo 38.1 do Regulamento estabele?aque o momento processual para a interposi??o de exce??es preliminaresé o da apresenta??o do escrito de contesta??o da demanda, aCorte considera que a senten?a do Supremo Tribunal Federal, de 29de abril de 2010, constitui um fato superveniente (infra par. 58) e, poresse motivo, cabe a este Tribunal pronunciar-se sobre essa alega??oestatal. A Comiss?o e os representantes das vítimas tiveram a oportunidadede apresentar suas alega??es com respeito a esta exce??opreliminar tanto na audiência pública como nas alega??es finais escritas,motivo por que lhes foi garantido o direito de defesa.48. A demanda apresentada pela Comiss?o Interamericanan?o pretende revisar a senten?a do Supremo Tribunal Federal, decis?oque nem sequer havia sido emitida quando aquele órg?o apresentousua demanda perante a Corte Interamericana, mas que se estabele?ase o Estado violou determinadas obriga??es internacionais dispostasem diversos preceitos da Conven??o Americana, em prejuízo dassupostas vítimas, inclusive, inter alia, o direito de n?o ser submetidoa um desaparecimento for?ado decorrente dos artigos 3, 4, 5 e 7 daConven??o Americana, o direito à prote??o judicial e às garantiasjudiciais relativos ao esclarecimento dos fatos e à determina??o dasresponsabilidades individuais por esses mesmos fatos, decorrentes dosartigos 8 e 25 da Conven??o Americana.49. Em numerosas ocasi?es, a Corte Interamericana afirmouque o esclarecimento quanto à viola??o ou n?o, pelo Estado, de suasobriga??es internacionais, em virtude da atua??o de seus órg?os judiciais,pode levar este Tribunal a examinar os respectivos processosinternos, inclusive, eventualmente, as decis?es de tribunais superiores,para estabelecer sua compatibilidade com a Conven??o Americana , oque inclui, eventualmente, as decis?es de tribunais superiores. Nopresente caso, n?o se solicita à Corte Interamericana a realiza??o deum exame da Lei de Anistia com rela??o à Constitui??o Nacional doEstado, quest?o de direito interno que n?o lhe compete e que foimatéria do pronunciamento judicial na Argui??o de DescumprimentoNo. 153 (infra par. 136), mas que este Tribunal realize um controle deconvencionalidade, ou seja, a análise da alegada incompatibilidadedaquela lei com as obriga??es internacionais do Brasil contidas naConven??o Americana. Consequentemente, as alega??es referentes aessa exce??o s?o quest?es relacionadas diretamente com o mérito dacontrovérsia, que podem ser examinadas por este Tribunal à luz daConven??o Americana, sem contrariar a regra da quarta inst?ncia. OTribunal, portanto, desestima esta exce??o preliminar.IV - COMPET?NCIA50. A Corte Interamericana é competente, nos termos doartigo 62.3 da Conven??o, para conhecer do presente caso, em raz?ode ser o Brasil Estado Parte da Conven??o Americana desde 25 desetembro de 1992 e de ter reconhecido a competência contenciosa daCorte em 10 de dezembro de 1998.V - PROVA51. Com base no estabelecido nos artigos 46, 47 e 50 doRegulamento, bem como em sua jurisprudência a respeito da prova esua aprecia??o, a Corte examinará e avaliará os elementos probatóriosdocumentais remetidos pelas partes em diversas oportunidades processuais,bem como as declara??es das supostas vítimas, os testemunhose os pareceres periciais rendidos perante agente dotado defé pública e na audiência pública perante a Corte. Para isso, o Tribunalse aterá aos princípios da crítica s?, dentro do marco normativocorrespondente.A. Prova documental, testemunhal e pericial52. O Tribunal recebeu as declara??es rendidas perante agentedotado de fé pública pelas supostas vítimas, testemunhas e peritos,especificados neste parágrafo, sobre os temas a seguir mencionados.O conteúdo dessas declara??es est?o incluídos no capítulo correspondente:1) Diva Soares Santana, suposta vítima, proposta pela Comiss?oInteramericana. Declarou sobre: a) os alegados esfor?os dosfamiliares dos desaparecidos para obter justi?a, verdade e repara??o,bem como para conhecer o paradeiro dos desaparecidos, entre elessua irm?, Dinaelza Santana Coqueiro, e seu cunhado, Vandick ReidnerPereira Coqueiro, e b) o impacto alegadamente sofrido por ela esua família, em virtude dos fatos do caso;2) Victoria Lavínia Grabois Olímpio, suposta vítima, propostapela Comiss?o e pelos representantes. Declarou sobre: a) suarela??o familiar com seu pai, Maurício Grabois, seu irm?o, AndréGrabois, e seu esposo e pai de seu filho, Gilberto Olímpio; b) a formacomo teve conhecimento dos alegados desaparecimentos for?adosdessas pessoas; c) o impacto desses desaparecimentos em sua vida ena de sua família; d) as supostas gest?es e a??es pessoais e familiarespara conhecer a verdade sobre o ocorrido, obter justi?a e localizar osrestos mortais de seus entes queridos, bem como os obstáculos enfrentados,e e) as alegadas consequências materiais e imateriais dosdesaparecimentos e da falta de verdade e justi?a para ela e suafamília;3) Aldo Creder Corrêa; 4) Clovis Petit de Oliveira; 5) DilmaSantana Miranda; 6) Dinorá Santana Rodrigues; 7) Dirceneide SoaresSantana; 8) Elena Gibertini Castiglia; 9) Elza da Concei??o Oliveira;10) Helenalda Resende de Souza Nazareth; 11) Igor Grabois Olímpio;12) Jo?o Carlos Schmidt de Almeida; 13) José Dalmo Ribeiro Ribas;14) Junilia Soares Santana; 15) Lorena Moroni Gir?o Barroso; 16)Luíza Gurj?o Farias; 17) Luiza Monteiro Teixeira; 18) Maria Elianade Castro Pinheiro; 19) Maria Leonor Pereira Marques; 20) MaristellaNurchis; 21) Rosa Olímpio; 22) Rosana de Moura Momente; 23)S?nia Maria Haas; 24) Terezinha Souza Amorim; 25) Valéria CostaCouto, e 26) Viriato Augusto Oliveira , supostas vítimas, propostaspelos representantes. Declararam sobre os aspectos referentes a: a)sua rela??o familiar com as supostas vítimas desaparecidas; b) amaneira como tomaram conhecimento dos alegados desaparecimentosfor?ados; c) as a??es pessoais e gest?es dos familiares para conhecera verdade sobre o ocorrido e localizar os restos mortais de seus entesqueridos; d) o contexto político vivido depois dos desaparecimentos;e) a atua??o das autoridades públicas, assim como outros obstáculosna busca por justi?a; f) as consequências materiais e imateriais dosdesaparecimentos e da falta de verdade e justi?a em sua vida pessoale familiar, e g) as indeniza??es recebidas;27) Danilo Carneiro, testemunha proposta pelos representantes.Declarou sobre: a) as supostas atividades dos militantes políticosna referida regi?o, e b) o padr?o de repress?o que teria sidoimposto pelo Estado durante o regime militar e, em particular, omodus operandi das alegadas deten??es e das torturas perpetradas poragentes estatais e seus colaboradores contra os opositores políticos eseus supostos colaboradores na regi?o;28) Edmundo Teobaldo Müller Neto, testemunha propostapelo Estado. Declarou sobre as alegadas atividades do Grupo de TrabalhoTocantins, instituído pelo Decreto No. 567/MD, com o objetivode localizar, recolher e identificar os corpos dos guerrilheiros e militaresmortos no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia;29) Jaime Antunes da Silva , testemunha proposta pelo Estado.Declarou sobre a alegada implementa??o do "Centro de Referênciadas Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) - Memórias Reveladas",referente à recupera??o e disponibiliza??o dos arquivos dosórg?os de seguran?a do regime de exce??o;30) Flavia Piovesan , professora de Direito Constitucional eDireitos Humanos, perita proposta pela Comiss?o. Apresentou laudopericial sobre: a) a Lei No. 11.111 e os Decretos No. 2.134/97, No.4.553/02 e No. 5.584/05, com rela??o aos direitos fundamentais estabelecidosna Constitui??o Federal de 1988, e b) as consequênciasdessas normas para o cumprimento da senten?a definitiva proferida no?mbito da A??o Ordinária No. 82.00.24682-5, com o objetivo de queexamine a possibilidade concreta de execu??o da referida senten?a;31) Damián Miguel Loreti Urba, advogado especialista emliberdade de express?o e leis de sigilo, perito proposto pela Comiss?o.Apresentou laudo pericial sobre a Lei No. 11.111 e os Decretos No.2.134/97, No. 4.553/02 e No. 5.584/05, e as garantias constitucionaisfundamentais relativas à liberdade de express?o e ao acesso à informa??o;32) Paulo César Endo, psicólogo e professor, perito propostopelos representantes. Apresentou laudo pericial sobre: a) os efeitosnos familiares dos alegados desaparecimentos for?ados e da falta dejusti?a e verdade sobre o ocorrido; b) as características que deve terum programa adequado de aten??o psicológica a esses danos, e c)outras medidas que o Estado deva adotar para reparar as supostasviola??es cometidas;33) Hélio Bicudo, ex-Promotor do Ministério Público doEstado de S?o Paulo e especialista em direito internacional dos direitoshumanos, perito proposto pelos representantes. Apresentou laudopericial sobre como a interpreta??o dada aos crimes conexosprevistos na Lei No. 6.683/79 constituiu um suposto obstáculo para apersecu??o penal e puni??o dos autores das graves viola??es dosdireitos humanos cometidas durante o regime militar brasileiro;34) Estev?o Chaves de Rezende Martins , professor, ex-Secretário Legislativo do Ministério da Justi?a e ex-Consultor GeralLegislativo do Senado Federal, perito proposto pelo Estado. Requereu-se um parecer pericial sobre a experiência histórica brasileira àluz do conceito de "justi?a de transi??o", e35) Alcides Martins, Subprocurador Geral da República, peritoproposto pelo Estado. Apresentou uma análise técnico-jurídicasobre a Lei de Anistia.53. Quanto à prova rendida em audiência pública, a Corteouviu as declara??es das pessoas a seguir relacionadas:1) Laura Petit da Silva, suposta vítima, proposta pela Comiss?oe pelos representantes. Declarou sobre: a) a identifica??o de suairm?, Maria Lúcia Petit da Silva; b) o impacto que teve em sua vida e nade sua família a alegada execu??o de sua irm? e o suposto desaparecimentode seus irm?os, Lúcio e Jaime Petit da Silva, e c) os esfor?ose obstáculos que teria enfrentado para obter verdade e justi?a;2) Criméia Alice Schmidt de Almeida e 3) Elizabeth Silveirae Silva, supostas vítimas, propostas pelos representantes. Declararamsobre os aspectos referentes a: a) sua rela??o familiar com a supostavítima desaparecida; b) a maneira como tiveram conhecimento doalegado desaparecimento for?ado; c) as a??es pessoais e gest?es dosfamiliares para conhecer a verdade sobre o ocorrido e localizar os restos mortais de seus entes queridos; d) o contexto político vividodurante o regime militar no Brasil; e) a atua??o das autoridadespúblicas, bem como outros obstáculos na busca por justi?a; f) asconsequências materiais e imateriais dos desaparecimentos e da faltade verdade e justi?a em sua vida pessoal e familiar, e g) as indeniza??esrecebidas;4) Marlon Alberto Weichert, testemunha proposta pela Comiss?oe pelos representantes. Declarou sobre: a) o alcance e a interpreta??oconferidos à Lei de Anistia brasileira; b) os demais obstáculosalegadamente utilizados no direito brasileiro para impedir ainvestiga??o, julgamento e puni??o de graves viola??es de direitoshumanos, e c) os obstáculos e as restri??es supostamente indevidas aodireito de acesso a informa??o no Brasil;5) Belisário dos Santos, testemunha proposta pelos representantes.Declarou sobre: a) os supostos obstáculos jurídicos e legaisencontrados no litígio de casos de presos políticos, concernentes afatos ocorridos durante o regime militar brasileiro; b) as obstru??esalegadamente encontradas pela Comiss?o Especial para ter acesso aosdocumentos oficiais em poder do Estado e na busca e entrega dosrestos mortais das supostas vítimas desaparecidas; c) o julgamento deprocessos e o pagamento de indeniza??es pela Comiss?o Especial, ed) as atividades do Comitê de Supervis?o do Grupo de TrabalhoTocantins;6) José Gregori, testemunha proposta pelo Estado. Declarousobre a import?ncia e as atividades da Comiss?o Especial sobre Mortose Desaparecidos Políticos, e o contexto histórico da Lei No. 9.140/95;7) José Paulo Sepúvelda Pertence, testemunha proposta peloEstado. Declarou sobre: a) o contexto histórico de elabora??o e promulga??oda Lei de Anistia, e b) sua alegada contribui??o para oprocesso de reconcilia??o nacional à época de sua promulga??o;8) Rodrigo Uprimny, professor, especialista em justi?a detransi??o, perito proposto pela Comiss?o. Apresentou perícia sobre: a)o eventual impacto, na sociedade brasileira atual, causado pelo desconhecimentoda verdade histórica de seu passado e das graves viola??esde direitos humanos ocorridas durante o regime militar, e b) aspossíveis consequências do anteriormente exposto, e9) Gilson Langaro Dipp, Ministro do Superior Tribunal deJusti?a, ex-Corregedor Nacional de Justi?a, perito proposto pelo Estado.Apresentou perícia sobre a Argui??o de Descumprimento dePreceito Fundamental, à luz do ordenamento jurídico brasileiro.B. Admissibilidade da prova documental54. No presente caso, como em outros , o Tribunal admite ovalor probatório dos documentos enviados pelas partes na devidaoportunidade processual, que n?o foram controvertidos ou objetados,nem cuja autenticidade tenha sido colocada em dúvida.55. Com rela??o aos artigos ou textos acadêmicos, a Corte jámencionou, anteriormente, que se trata de obras escritas, que contêmdeclara??es ou afirma??es de seus autores para divulga??o pública.Nesse sentido, a valora??o de seu conteúdo n?o se encontra sujeita àsformalidades exigidas para as provas testemunhais. N?o obstante, seuvalor probatório dependerá de que corroborem ou se refiram a aspectosrelacionados com o caso concreto .56. Quanto às notas de imprensa, este Tribunal considerouque poder?o ser apreciadas quando reúnam fatos públicos e notóriosou declara??es de funcionários do Estado ou quando corroboremaspectos relacionados com o caso . O Tribunal decide admitir osdocumentos que se encontrem completos ou que, pelo menos, possibilitemconstatar a fonte e data de publica??o e os valorará à luz doconjunto do acervo probatório, das observa??es do Estado e dasregras da crítica s?.57. De igual modo, a Corte incorpora ao acervo probatório asdecis?es e outros documentos que considera úteis para a resolu??odeste caso, em aplica??o do artigo 47.1 do Regulamento.58. Posteriormente à contesta??o da demanda, em 6 de maiode 2010, o Estado informou ao Tribunal que, em 29 de abril de 2010,o Supremo Tribunal Federal decidiu pela improcedência da Argui??ode Descumprimento de Preceito Fundamental No. 153 e confirmou,por sete votos contra dois, a validade interna da Lei de Anistia. OBrasil indicou que essa decis?o constitui um fato novo superveniente,nos termos do artigo 46.3 do Regulamento aplicável que altera substancialmenteo rumo da instru??o processual até ent?o realizada esolicitou que fossem anexados como prova os votos de quatro ministrosdo Supremo Tribunal Federal, aportados pelo Estado.59. A Corte considera que a decis?o do Supremo TribunalFederal do Estado, que afirma a constitucionalidade da Lei de Anistia,está ligada aos fatos do presente caso. O Tribunal, por conseguinte,admite como prova de fatos supervenientes os documentosaportados pelo Estado, nos termos do artigo 46.3 do Regulamento, econsiderará, no que sejam pertinentes, as informa??es ali indicadas.60. Por outro lado, a Corte admite, excepcionalmente, osdocumentos enviados pelas partes em diversas oportunidades processuais,por julgá-los pertinentes e úteis para a determina??o dosfatos e suas eventuais consequências jurídicas, sem prejuízo das considera??esa seguir formuladas.61. A Comiss?o Interamericana apresentou, com suas alega??esfinais, documentos enviados pelo perito Uprimny, relativos àperícia por ele apresentada a este Tribunal. O Estado observou quen?o há uma disposi??o normativa a respeito da possibilidade de complementa??ode uma perícia apresentada em audiência pública. Ademais,alegou que esses documentos n?o se referem a fatos relevantespara o processo, nem se relacionam com nenhum evento de for?amaior, impedimento grave ou fatos supervenientes, motivos pelosquais os documentos aportados s?o extempor?neos e inadmissíveis.62. A Corte recorda que os documentos relativos ao parecerdo perito Uprimny foram anexados em atendimento a um pedido doTribunal, no decorrer da audiência pública, e, por esse motivo, osincorpora ao acervo do presente caso nos termos do artigo 47 doRegulamento. A Corte levará em considera??o as observa??es doEstado, dentro do conjunto do acervo probatório, em aplica??o dasregras da crítica s?.63. O Brasil anexou a suas alega??es finais escritas a opini?ode uma pessoa sobre o parecer do perito Uprimny, além de materialde imprensa que, segundo o Estado, contrastaria com a opini?o doperito. Os representantes alegaram que a pessoa que elaborou essaresposta, além de n?o ser um perito convocado pelo Tribunal, n?oteve seu parecer apresentado oportunamente como prova na contesta??odo Estado e tampouco se alegou for?a maior, impedimentograve ou fatos supervenientes para a apresenta??o dessa prova. Tratase,por conseguinte, de prova apresentada de forma inoportuna eextempor?nea. Com rela??o ao material de imprensa anexado, salientaramque n?o tem rela??o direta com o caso e n?o foi citadonessa opini?o.64. A Corte observa que a apresenta??o desses documentosn?o está prevista nas normas regulamentares, nem foi justificada emalguma das situa??es que, excepcionalmente, permitem a apresenta??oextempor?nea de provas, nem foi solicitada pelo Tribunal. Combase no anteriormente exposto, n?o admitirá os documentos que alegadamenteresponderiam à perícia do senhor Uprimny.65. Os representantes anexaram a suas alega??es finais comprovantesde gastos relacionados com o presente caso e um "complementoda perícia" do senhor Bicudo. Com rela??o a este últimodocumento, o Estado considerou extempor?nea e inadmissível essaapresenta??o.66. A Corte observa que a apresenta??o de uma "períciacomplementar" n?o está prevista nas normas regulamentares, n?o foijustificada em nenhuma das situa??es que, excepcionalmente, permitema apresenta??o extempor?nea de provas, nem foi solicitadapelo Tribunal. Isto posto, n?o admitirá os documentos relativos àperícia complementar mencionada. Por outro lado, quanto aos comprovantesde gastos enviados pelos representantes, o Tribunal só consideraráos documentos enviados com as alega??es finais escritas quese refiram às custas e gastos ocorridos por ocasi?o do procedimentoperante esta Corte com posterioridade ao escrito de solicita??es eargumentos.C. Admissibilidade das declara??es das supostas vítimas e daprova testemunhal e pericial67. Quanto às declara??es das supostas vítimas e das testemunhas,bem como aos pareceres apresentados na audiência públicae mediante declara??es juramentadas, a Corte os considera pertinentesapenas na medida em que se ajustem ao objeto definido pelo Presidentedo Tribunal, na resolu??o em que se ordenou recebê-los , eem conjunto com os demais elementos do acervo probatório, levandoem conta as observa??es formuladas pelas partes .68. Com rela??o às declara??es das supostas vítimas, o Estadoformulou esclarecimentos e opini?es sobre alguns dos pontosabordados nos depoimentos das senhoras Victória Lavínia GraboisOlímpio e Diva Soares Santana.69. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, as declara??esprestadas pelas supostas vítimas n?o podem ser valoradas isoladamente,mas como parte do conjunto das provas do processo, uma vezque s?o úteis na medida em que podem proporcionar mais informa??essobre as supostas viola??es e suas consequências . A Corteregistra que as observa??es do Estado se referem a certos aspectos doconteúdo de ambas as declara??es mas que n?o impugnam sua admissibilidade.Ante o exposto, o Tribunal admite essas declara??es,sem prejuízo de que seu valor probatório seja considerado à luz doscritérios mencionados (supra par. 67) e das regras da crítica s?.70. Ademais, a Comiss?o Interamericana, os representantes eo Estado apresentaram observa??es sobre algumas declara??es testemunhais.A Comiss?o e os representantes se manifestaram sobrealguns aspectos do conteúdo do depoimento do senhor Antunes daSilva. Além disso, os representantes acrescentaram que "a testemunhaextrapolou o objeto definido na resolu??o [do Presidente]", que incluíasomente as atividades relativas ao projeto "Memórias Reveladas",quando se referiu às normas internas e à experiência comparada.Em suas alega??es finais, o Estado respondeu a essas observa??es,sustentando, inter alia, que o registro, no affidávit, de umapequena análise comparativa dos acervos de outros países é fruto dosresultados obtidos através do contato estreito que a testemunha vemmantendo com representantes e técnicos das diversas institui??es dearquivo na América Latina. O Brasil salientou, ademais, que "n?oficou completamente claro o significado do comentário a respeito da'referência à legisla??o interna'". Indicou que, se essa observa??o serefere ao acesso à mesma informa??o, deve-se destacar que um dosprincipais objetivos do projeto "Memórias Reveladas" é o acesso àmesma, motivo pelo qual é pertinente a men??o à legisla??o interna.Por outro lado, os representantes formularam observa??es sobre oconteúdo do depoimento do senhor Müller Neto, que foram respondidaspelo Estado em suas alega??es finais.71. O Tribunal observa que nem a Comiss?o Interamericananem os representantes impugnaram a admissibilidade das duas declara??esmencionadas, mas ofereceram os esclarecimentos ou asopini?es que julgaram pertinentes sobre seu conteúdo. A Corte avaliaráessas declara??es, bem como as observa??es mencionadas, noque resultem pertinentes, nos respectivos capítulos da presente Senten?ae de acordo com os critérios indicados anteriormente (supra par.67). Por outro lado, o Tribunal observa que o depoimento do senhorAntunes da Silva refere-se ao objeto oportunamente indicado e que asbreves men??es comparativas a experiências da regi?o e às normasque regulamentam o acesso à informa??o e ao funcionamento doArquivo n?o se encontram fora dele.72. Por último, o Estado e os representantes se pronunciaramsobre determinados laudos periciais. O Brasil formulou observa??essobre os laudos dos peritos Piovesan, Loreti, Bicudo, Endo eUprimny. Quanto aos dois primeiros, o Estado ofereceu informa??ese sua opini?o sobre seu conteúdo, sem impugnar sua admissibilidade.Por outro lado, quanto ao parecer do perito Bicudo, o Brasil indicouque somente uma parte da perícia, "que consta dos parágrafos 13 a38, guarda rela??o com seu objeto" e que há manifesta??es queconfiguram opini?es pessoais do perito. O Estado sustentou que operito extrapolou o objeto da perícia e, por esse motivo, solicitou quen?o se considerem essas manifesta??es. Quanto ao parecer do senhorEndo, o Brasil lembrou seu objeto e salientou que o perito deviaajustar-se a ele, bem como evitar comentários pessoais sobre fatoshistóricos quando n?o estejam relacionados com a percep??o dosfamiliares. Também mencionou que, em algumas partes do laudopericial, n?o ficou claro se o perito refletia a percep??o dos familiaresou emitia sua opini?o sobre os fatos e eventos históricos, destacandoa import?ncia dessa distin??o. Ademais, tampouco ficou claro se operito realizou entrevistas pessoais com todos os familiares dos desaparecidosda Guerrilha do Araguaia, medida considerada imprescindívelpara caracterizar as repara??es imateriais, ou se apenas entrevistoualguns dos afetados. Adicionalmente, o Brasil apresentouobserva??es sobre determinadas medidas recomendadas pelo perito.Por último, com rela??o à perícia do senhor Uprimny, o Estado, emsuas alega??es finais, questionou o conteúdo e a metodologia utilizadacomo base do parecer, aportando a opini?o de uma pessoasobre a perícia e uma nota de imprensa, as quais discrepariam dasafirma??es desse perito (supra par. 63).73. Por sua vez, os representantes apresentaram observa??essobre os pareceres dos peritos Martins e Rezende Martins. A respeitodo primeiro, salientaram que o laudo pericial extrapola os aspectosestabelecidos no objeto determinado pelo Presidente, uma vez que serefere expressamente a outras iniciativas do Estado, como a Comiss?ode Anistia e a Comiss?o Especial sobre Mortos e DesaparecidosPolíticos. Ademais, indicaram que o perito realizou uma considera??ovalorativa sobre o desempenho do Estado, desnecessária para o objetivoda perícia. Finalmente, os representantes fizeram observa??essobre o conteúdo do parecer relacionado com a Lei de Anistia. Nasalega??es finais, o Brasil respondeu a essas observa??es e, entreoutras considera??es, salientou que a análise da Lei de Anistia n?opode ser isolada do tempo em que essa lei foi elaborada, nem dofundamento em que estava baseada. Por outro lado, sobre o parecerdo perito Rezende Martins, além de algumas observa??es gerais, osrepresentantes salientaram que, em seu parecer, n?o apresentou umaanálise da experiência histórica brasileira divergindo do objeto definidopelo Presidente (supra par. 52, número 34).74. A Corte Interamericana nota que as observa??es do Estadoe dos representantes se baseiam, em termos gerais: a) na discrep?nciaem rela??o ao conteúdo dos pareceres, contradizendo-os ousobre eles oferecendo opini?o; b) no alcance das manifesta??es dosperitos, indicando que algumas delas n?o correspondem ao objeto daperícia; c) no fato de que o perito apresenta opini?es pessoais, e d) nametodologia utilizada para elaborar o parecer.75. O Tribunal considera pertinente destacar que, diferentementedas testemunhas, que devem evitar emitir opini?es pessoais,os peritos oferecem opini?es técnicas ou pessoais, na medida em quese relacionem com seu especial saber ou experiência. Ademais, osperitos podem referir-se tanto a pontos específicos da litis como aqualquer outro ponto relevante do litígio, sempre e quando se circunscrevamao objeto para o qual foram convocados e suas conclus?esestejam suficientemente fundamentadas. Adicionalmente,quanto às observa??es sobre o conteúdo dos laudos periciais, o Tribunalentende que elas n?o impugnam sua admissibilidade, mas queapontam a questionar o valor probatório dos pareceres, os quais ser?oconsiderados, no que seja pertinente, nos capítulos correspondentes dapresente Senten?a. Por outro lado, relativamente a que alguns peritosmanifestaram-se fora do objeto da perícia, o Tribunal considerará asobserva??es das partes e reitera que somente admitirá as manifesta??esque se ajustem ao objeto oportunamente definido (supra pars.52 e 53).76. Em particular, a respeito das observa??es sobre a metodologiado parecer do senhor Endo, sem prejuízo de levar em contaa manifesta??o do Estado, o Tribunal observa que o parecer contémuma explica??o sobre o procedimento empregado. O perito salientouque a estrutura da perícia está composta de três partes diferenciadas;ao passo que as duas primeiras se referem à análise do dano adeterminados familiares, a quem identifica, a terceira parte enfatiza os danos psicológicos que se repetem em mais de um familiar, buscandomostrar o caráter repetitivo do dano. Com vistas à elabora??o de umaparte do laudo pericial, o perito realizou entrevistas pessoais comdeterminados familiares; e para a outra parte, n?o houve encontrosentre os familiares e o perito, mas toda a análise foi realizada combase nos affidávits dos familiares. A Corte n?o considera que asobje??es ao método utilizado pelo perito, o qual foi suficientementeexplicado no relatório, afetam sua admissibilidade. Com efeito, o fatode que o perito tenha combinado a entrevista pessoal de quatro familiarescom a análise das declara??es rendidas perante agente dotadode fé pública de mais de 20 familiares n?o obsta a validade de seuparecer, uma vez que o objeto da perícia, definido na resolu??o doPresidente da Corte (supra par. 52, número 32), n?o estabeleceu umamodalidade determinada ou a obrigatoriedade de individualiza??o daanálise. Por último, o Tribunal toma nota do questionamento do Estadosobre a metodologia com base na qual o perito Uprimny realizoualgumas das manifesta??es de seu parecer. Sem prejuízo do exposto,o Tribunal já estabeleceu que n?o admite os documentos anexados aoescrito do Estado relativos a esse parecer (supra par. 64). Isto posto,o Tribunal admite os laudos periciais mencionados, na medida em quese ajustem ao objeto ordenado, e os valorará juntamente com o restantedo acervo probatório, levando em conta as observa??es daspartes, em conformidade com as regras da crítica s?.VI - CONSIDERA??ES PR?VIAS SOBRE OS FAMILIARESINDICADOS COMO SUPOSTAS V?TIMAS77. A Comiss?o e os representantes indicaram como supostasvítimas a determinados familiares das pessoas alegadamente desaparecidase da senhora Maria Lúcia Petit da Silva. No entanto, hádiferentes situa??es relativas à identifica??o dos familiares como supostasvítimas no presente caso, a saber: a) 133 pessoas foram indicadasno relatório de mérito e na demanda da Comiss?o; b) 107pessoas foram incluídas pela primeira vez na demanda, e c) 40 pessoasforam mencionadas pela primeira vez em uma lista anexada aoescrito de solicita??es e argumentos.78. O Brasil afirmou estar de acordo com o critério doTribunal sobre a determina??o das supostas vítimas em um casoperante a Corte. Lembrou que as supostas vítimas devem ser citadasna demanda e no relatório da Comiss?o, segundo o artigo 50 daConven??o. Afirmou que corresponde à Comiss?o, e n?o ao Tribunal,identificar na devida oportunidade processual as supostas vítimas deum caso perante a Corte.79. No que se refere aos familiares, a Corte recorda que, najurisprudência constante dos últimos anos, estabeleceu que as supostasvítimas devem estar indicadas no relatório da Comiss?o, expedidosegundo o artigo 50 da Conven??o, e na demanda perante estaCorte. Além disso, em conformidade com o artigo 34.1 do Regulamento,cabe à Comiss?o, e n?o a este Tribunal, identificar, comprecis?o e na devida oportunidade processual, as supostas vítimas emum caso perante a Corte.80. O Tribunal, por conseguinte, julga conveniente esclarecerque os familiares que ser?o considerados como supostas vítimas nopresente caso s?o aqueles indicados como tais pela Comiss?o Interamericanano relatório de mérito a que se refere o artigo 50 daConven??o Americana e no escrito de demanda.VII - DIREITO AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADEJUR?DICA, ? VIDA, ? INTEGRIDADE E ? LIBERDADEPESSOAIS EM RELA??O ?S OBRIGA??ES DE RESPEITARE GARANTIR OS DIREITOS81. Com a finalidade de examinar a alegada responsabilidadeinternacional do Brasil pela viola??o dos direitos ao reconhecimentoda personalidade jurídica , à vida , à integridade e à liberdade pessoais,em rela??o às obriga??es de respeito e garantia , o Tribunalsintetizará as alega??es das partes, estabelecerá os fatos que consideraprovados e fará as considera??es pertinentes. No presente caso, osfatos foram estabelecidos, fundamentalmente, com base em documentosoficiais, tais como a Lei No. 9.140/95, os Relatórios daComiss?o Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministérioda Defesa sobre a Guerrilha do Araguaia e da Comiss?oInterministerial criada para investigar as circunst?ncias dos desaparecimentosocorridos no marco da Guerrilha.A. Alega??es das partes82. A Comiss?o Interamericana indicou que a prática dedesaparecimentos for?ados é um crime contra a humanidade e que opresente caso "reveste a particular transcendência histórica de que osfatos ocorreram em um contexto de prática sistemática de deten??esarbitrárias, torturas, execu??es e desaparecimentos for?ados perpetrado[s] pelas for?as de seguran?a do governo militar, nos quais osagentes estatais [...] utilizaram a investidura oficial e recursos outorgadospelo Estado para [fazer] desaparecer a todos os membros daGuerrilha do Araguaia". Com exce??o de alguns poucos casos iniciaisde pris?o e tortura, todos os membros da Guerrilha detidos foramdesaparecidos. Os autores ocultaram todas as provas dos delitos eescaparam de toda puni??o; "quiseram criar um 'limbo jurídico', implantando-o através da negativa estatal de reconhecer que as vítimasestavam sob sua custódia, ou dando informa??es contraditórias sobreseu paradeiro, provocando deliberadamente a impossibilidade da vítimaexercer seus direitos, e mantendo seus familiares num vazioinformativo sobre seu paradeiro ou situa??o". Embora a Comiss?oInteramericana tenha valorado o reconhecimento de responsabilidadepelos desaparecimentos for?ados realizado no ?mbito interno e opagamento de determinadas indeniza??es, destacou que os familiares dos desaparecidos continuam sem informa??o mínima sobre o ocorridoe sobre o paradeiro de seus entes queridos, bem como sobre seuparadeiro, passados quase 40 anos do início dos fatos. Com base noexposto, solicitou que a Corte estabele?a que o Estado violou osdireitos à personalidade jurídica, à vida e à integridade e liberdadepessoais dos desaparecidos, previstos nos artigos 3, 4, 5 e 7 daConven??o Americana, respectivamente, com rela??o à obriga??o geralde respeitar os direitos, prevista no artigo 1.1 do mesmo instrumento.83. Os representantes salientaram que o extermínio da Guerrilhafez parte de um padr?o de repress?o, persegui??o e elimina??osistemática e generalizada da oposi??o política do regime ditatorial econstituiu um de seus episódios mais sangrentos. De acordo com ainforma??o disponível, um grande número de supostas vítimas estevesob custódia do Estado em algum momento antes de seu desaparecimento.O isolamento prolongado e a falta de comunica??o a queforam submetidas as supostas vítimas constituem um tratamento cruele desumano. O modus operandi seguido pelos agentes estatais nasdeten??es da regi?o, bem como em outros desaparecimentos for?adose pris?es de opositores políticos no Brasil, permite deduzir que assupostas vítimas foram torturadas durante o período em que estiveramsob custódia do Estado. As circunst?ncias dos desaparecimentos n?oforam esclarecidas, os restos mortais n?o foram localizados, identificadose entregues a seus familiares, e os responsáveis n?o foraminvestigados, processados ou sancionados. Por conseguinte, solicitaramà Corte que declare a responsabilidade agravada do Estado eaplique as consequências jurídicas por ela acarretadas, pela viola??odos direitos ao reconhecimento da personalidade, à vida, à integridadee à liberdade pessoais, consagrados, respectivamente, nos artigos 3, 4,5 e 7 da Conven??o Americana, em rela??o com o artigo 1.1 domesmo tratado.84. Na audiência pública, o Brasil salientou que "este é ummomento histórico, em que o Estado brasileiro reafirma sua responsabilidadepelas viola??es de direitos humanos ocorridas durante otrágico episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. Este tambémé um momento mais que oportuno para honrar os mortos evítimas". Por outro lado, o Estado referiu-se a diversas medidas adotadas,entre muitas outras, como a Lei No. 9.140/95 e a publica??o dorelatório "Direito à Memória e à Verdade". Além disso, n?o apresentoualega??es específicas a respeito dos atos de desaparecimentosfor?ados supostamente ocorridos no presente caso. N?o obstante, fezobje??es à aplica??o da "doutrina de crimes contra a humanidade" aocaso, em fun??o dos princípios de legalidade e anterioridade da leipenal. Destacou, inter alia, que para que o costume internacionalpossa criar um tipo penal "seria necessário que estivesse devidamenteconsolidado no momento dos fatos (1972-1974)", e que a "universaliza??oda tipifica??o do crime de lesa-humanidade no plano internacionalocorreu apenas com o [...] Estatuto de Roma [do TribunalPenal Internacional], em 1998".2. Guerrilha do Araguaia88. Denominou-se Guerrilha do Araguaia ao movimento deresistência ao regime militar integrado por alguns membros do novoPartido Comunista do Brasil. Esse movimento prop?s-se a lutar contrao regime, "mediante a constru??o de um exército popular deliberta??o". No início de 1972, às vésperas da primeira expedi??o doExército à regi?o do Araguaia, a Guerrilha contava com cerca de 70pessoas, em sua maioria jovens.89. Entre abril de 1972 e janeiro de 1975, um contingente deentre três mil e dez mil integrantes do Exército, da Marinha, da For?aAérea e das Polícias Federal e Militar empreendeu repetidas campanhasde informa??o e repress?o contra os membros da Guerrilha doAraguaia . Nas primeiras campanhas, os guerrilheiros detidos n?oforam privados da vida, nem desapareceram . Os integrantes do Exércitoreceberam ordem de deter os prisioneiros e de "sepultar osmortos inimigos na selva, depois de sua identifica??o"; para isso,eram "fotografados e identificados por oficiais de informa??o e depoisenterrados em lugares diferentes na selva" . No entanto, apósuma "ampla e profunda opera??o de inteligência, planejada comopreparativo da terceira e última investida de contra-insurgência", houveuma mudan?a de estratégia das for?as armadas. Em 1973, a "Presidênciada República, encabe?ada pelo general Médici, assumiu diretamenteo controle sobre as opera??es repressivas [e] a ordemoficial passou a ser de elimina??o" dos capturados.90. No final de 1974, n?o havia mais guerrilheiros no Araguaia,e há informa??o de que seus corpos foram desenterrados equeimados ou atirados nos rios da regi?o. Por outro lado, "[o] governomilitar imp?s silêncio absoluto sobre os acontecimentos doAraguaia [e p]roibiu a imprensa de divulgar notícias sobre o tema,enquanto o Exército negava a existência do movimento".3. Lei No. 9.140/95 e Comiss?o Especial sobre Mortos eDesaparecidos Políticos91. Em 4 de dezembro de 1995, foi promulgada a Lei No.9.140/95, mediante a qual o Estado reconheceu sua responsabilidadepelo "assassinato de opositores políticos", no período de 2 de setembrode 1961 a 15 de agosto de 1979. Essa lei "reconheceu automaticamente136 casos de desaparecidos, constantes num 'Dossiê'organizado por familiares e militantes de [d]ireitos [h]umanos aolongo de 25 anos de buscas" . Destes, 60 s?o supostas vítimas desaparecidasdo presente caso que junto com Maria Lúcia Petit daSilva, pessoa privada de sua vida nas opera??es militares contra aGuerrilha, constam no Anexo I da Lei.92. Outrossim, a lei criou a Comiss?o Especial sobre Mortose Desaparecidos Políticos, que tem como uma de suas atribui??es"realizar o reconhecimento das pessoas desaparecidas n?o incluídasno Anexo I da [referida] lei". Desse modo, as solicita??es de reconhecimentode pessoas desaparecidas, n?o incluídas no Anexo I dalei, deviam ser interpostas pelos familiares junto à mencionada Comiss?oEspecial, juntamente com informa??es e documentos que permitissemcomprovar o desaparecimento do seu familiar.93. A Lei No. 9.140/95 também determinou a possibilidadeda concess?o de uma repara??o pecuniária aos familiares dos mortose desaparecidos políticos, concedida no ?mbito da Comiss?o Especial.Até a data de emiss?o desta Senten?a, o Estado informou que pagouindeniza??es aos familiares de 58 desaparecidos da Guerrilha doAraguaia, indicados como supostas vítimas no presente caso, numtotal de R$ 6.531.345,00 (seis milh?es, quinhentos e trinta e um mil,trezentos e quarenta e cinco reais), equivalente a US$ 3.772.000,00(três milh?es, setecentos e setenta e dois mil dólares dos EstadosUnidos da América).4. Busca e identifica??o de restos mortais94. Entre 1980 e 2006, foram realizadas, ao total, 13 expedi??esde busca à regi?o do Araguaia por parte dos familiares dasvítimas, da Comiss?o Especial, da Comiss?o Interministerial e doMinistério Público, entre outros.i. Buscas empreendidas pelos familiares95. Em outubro de 1980, abril de 1991 e janeiro de 1993, osfamiliares das supostas vítimas empreenderam campanhas de buscade informa??o e dos restos mortais de seus familiares, nas quaisrecolheram depoimentos de habitantes da regi?o e encontraram indíciosde corpos enterrados em cemitérios clandestinos. Em abril de1991, com o apoio da Comiss?o de Justi?a e Paz da Arquidiocese deS?o Paulo, os familiares realizaram escava??es no cemitério de Xambioá,onde encontraram três restos mortais, dos quais foram exumadosos de duas pessoas, "uma mulher, envolta em um paraquedas, e umhomem de idade avan?ada" . Desses corpos encontrados em 1991,foram identificados os restos mortais de Maria Lúcia Petit da Silva eBérgson Gurj?o Farias, em 1996 e 2009 , respectivamente. Por outrolado, um familiar do senhor Lourival Moura Paulino informou queseu corpo foi identificado no cemitério de Marabá, em 2008.ii. Buscas empreendidas pela Comiss?o Especial96. A Comiss?o Especial realizou sua primeira miss?o, em maio de1996, com o apoio da Equipe Argentina de Antropologia Forense , na qual n?ose realizaram escava??es . Em seguida, entre junho e julho de 1996, a Comiss?oEspecial e a Equipe Argentina de Antropologia Forense realizaram umasegunda miss?o, quando encontraram três restos mortais, mas apenas um apresentavacaracterísticas compatíveis com a busca . Finalmente, em mar?o de2004, foi realizada outra miss?o na qual tampouco se obtiveram resultados.B. Fatos relacionados com os desaparecimentos for?ados1. Contexto histórico85. Em abril de 1964, um golpe militar dep?s o governoconstitucional do Presidente Jo?o Goulart. A consolida??o do regimemilitar baseou-se na Doutrina da Seguran?a Nacional e na promulga??ode sucessivas normas de seguran?a nacional e normas de exce??o,como os atos institucionais, "que funcionaram como pretensomarco legal para dar cobertura jurídica à escalada repressiva" . Esseperíodo foi caracterizado "pela instala??o de um aparelho de repress?oque assumiu características de verdadeiro poder paralelo ao Estado" ,e chegou ao seu "mais alto grau" com a promulga??o do Ato InstitucionalNo. 5 em dezembro de 1968. Entre outras manifesta??esrepressivas nesse período, encontra-se o fechamento do CongressoNacional, a censura completa da imprensa, a suspens?o dos direitosindividuais e políticos, da liberdade de express?o, da liberdade dereuni?o e da garantia do habeas corpus. . Também se estendeu oalcance da justi?a militar, e uma Lei de Seguran?a Nacional introduziu,entre outras medidas, as penas perpétua e de morte.86. Entre 1969 e 1974, produziu-se "uma ofensiva fulminantesobre os grupos armados de oposi??o". O mandato do PresidenteMédici (1969-1974) representou "a fase de repress?o maisextremada em todo o ciclo de 21 anos do regime militar" no Brasil .Posteriormente, durante "os três primeiros anos [do governo do Presidente]Geisel [1974-1979], o desaparecimento de presos políticos,que antes era apenas uma parcela das mortes ocorridas, torna-se aregra predominante para que n?o ficasse estampada a contradi??oentre discurso de abertura e a repeti??o sistemática das velhas notasoficiais simulando atropelamentos, tentativas de fuga e falsos suicídios". Como consequência, a partir de 1974, "oficialmente n?ohouve mortes nas pris?es[, t]odos os presos políticos mortos 'desapareceram'[e] o regime passou a n?o mais assumir o assassinato deopositores".87. Segundo a Comiss?o Especial, cerca de 50 mil pessoasteriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura; cercade 20 mil presos foram submetidos a torturas; há 354 mortos edesaparecidos políticos; 130 pessoas foram expulsas do país; 4.862pessoas tiveram seus mandatos e direitos políticos suspensos, e centenasde camponeses foram assassinados . A Comiss?o Especial destacouque o "Brasil é o único país [da regi?o] que n?o trilhou procedimentos[penais] para examinar as viola??es de [d]ireitos [h]umanosocorridas em seu período ditatorial, mesmo tendo oficializado,com a lei No. 9.140/95, o reconhecimento da responsabilidade doEstado pelas mortes e desaparecimentos denunciados". Isso tudo devidoa que, em 1979, o Estado editou uma Lei de Anistia (infra pars.134 e 135).iii. Buscas empreendidas por outros órg?os do Estado97. Em julho de 2001, o Ministério Público Federal realizouuma miss?o à regi?o do Araguaia, também com o apoio da EquipeArgentina de Antropologia Forense . Posteriormente, em outubro de2001, com o apoio da Comiss?o de Direitos Humanos da C?mara dosDeputados, a miss?o do Ministério Público Federal encontrou oitorestos mortais, os quais ainda n?o foram identificados . O MinistérioPúblico realizou outra viagem à regi?o, em dezembro de 2001, semproduzir resultados concretos.iv. Buscas empreendidas pela Comiss?o Interministerial98. Em 2 de outubro de 2003, o Estado criou uma Comiss?oInterministerial, através do Decreto No. 4.850, para investigar as circunst?nciasdos desaparecimentos ocorridos no marco da Guerrilha doAraguaia, com o propósito de obter informa??es que levassem à localiza??odos restos mortais de seus membros, sua identifica??o, trasladoe sepultura, bem como a expedi??o das respectivas certid?es deóbito. A Comiss?o Interministerial solicitou a colabora??o das For?asArmadas, a fim de estabelecer "quem foi morto, onde foi enterrado ecomo isso ocorreu". No entanto, as For?as Armadas alegaram "n?opossuir documento acerca do ocorrido na regi?o do Araguaia entre1972 e 1974" e afirmaram "que todos os documentos atinentes àrepress?o feita pelo regime militar à [Guerrilha do Araguaia] foramdestruídos sob o respaldo das legisla??es vigentes em diferentes períodos".A Comiss?o Interministerial concluiu suas atividades emmar?o de 2007, após a realiza??o de três expedi??es à regi?o doAraguaia, sem encontrar restos mortais. Estas viagens ocorreram emduas oportunidades, uma em agosto de 2004, quando contou com aparticipa??o de peritos da Polícia Federal e o apoio das For?as Armadase, em outra ocasi?o em dezembro de 2006 , com a participa??ode peritos da Polícia Federal . No relatório final, datado de 8 de mar?ode 2007 , a Comiss?o Interministerial recomendou, inter alia: a) a"desclassifica??o de qualquer grau de sigilo sobre qualquer documentopúblico relativo [à Guerrilha do Araguaia]"; b) a "revis?o dalegisla??o relativa ao tema de acesso e sigilo de informa??o e documentospúblicos"; c) novas diligências de busca de restos mortais aserem conduzidas pela Comiss?o Especial; d) a cria??o de uma inst?nciaadministrativa permanente, no Ministério da Defesa, para receberdepoimentos e documentos sobre a localiza??o dos restos mortaisdos desaparecidos, e e) que "as For?as Armadas procedam [...] a[uma] 'rigorosa investiga??o' formal para constru??o de quadro precisoe detalhado das opera??es realizadas [contra a] [G]uerrilha, intimandoe ouvindo formalmente os agentes ainda vivos".v. Banco de Dados Genéticos e Grupo de Trabalho Tocantins99. A partir de setembro de 2006, o Estado deu início aoprojeto de cria??o de um Banco de DNA, a fim de recolher amostrasde sangue dos familiares e criar um perfil genético de cada desaparecido. Desde ent?o, foram recolhidas "142 amostras de sangue[de familiares], de 108 desaparecidos políticos".100. Em 2009, mediante o Decreto No. 567 do Ministério daDefesa, o Estado criou o Grupo de Trabalho Tocantins com a finalidadede coordenar e executar as atividades necessárias para alocaliza??o, reconhecimento e identifica??o dos corpos dos guerrilheirose dos militares mortos durante a Guerrilha do Araguaia, emcumprimento da senten?a da A??o Ordinária (infra par. 192) . Essegrupo explorou 23 sítios na regi?o do Araguaia. O trabalho dessegrupo é supervisionado por um Comitê Interinstitucional e, em abrilde 2010, o prazo para cumprir suas atividades foi prorrogado por umano. Até o presente momento, o Tribunal n?o foi informado de quetenham sido encontrados outros restos mortais .C. O desaparecimento for?ado como viola??o múltipla e continuadade direitos humanos e os deveres de respeito e garantia101. Este Tribunal considera adequado reiterar o fundamentojurídico que sustenta uma perspectiva integral sobre o desaparecimentofor?ado de pessoas, em virtude da pluralidade de condutas que,unidas por um único fim, violam de maneira permanente, enquantosubsistam, bens jurídicos protegidos pela Conven??o.102. A Corte nota que n?o é recente a aten??o da comunidadeinternacional ao fen?meno do desaparecimento for?ado depessoas. O Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos For?ados eInvoluntários de Pessoas das Na??es Unidas elaborou, desde a décadade 80, uma defini??o operacional do fen?meno, nela destacando adeten??o ilegal por agentes, dependência governamental, ou grupoorganizado de particulares atuando em nome do Estado, ou contandocom seu apoio, autoriza??o ou consentimento. Os elementos conceituaisestabelecidos por esse Grupo de Trabalho foram retomadosposteriormente nas defini??es de distintos instrumentos internacionais(infra par. 104).103. Adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudênciadeste Tribunal foi precursora da consolida??o de uma perspectivaabrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanenteda figura do desaparecimento for?ado de pessoas, na qual oato de desaparecimento e sua execu??o se iniciam com a priva??o daliberdade da pessoa e a subsequente falta de informa??o sobre seudestino, e permanece enquanto n?o se conhe?a o paradeiro da pessoadesaparecida e se determine com certeza sua identidade. Em conformidadecom todo o exposto, a Corte reiterou que o desaparecimentofor?ado constitui uma viola??o múltipla de vários direitosprotegidos pela Conven??o Americana, que coloca a vítima em umestado de completa desprote??o e acarreta outras viola??es conexas,sendo especialmente grave quando faz parte de um padr?o sistemáticoou prática aplicada ou tolerada pelo Estado.104. A caracteriza??o pluriofensiva, quanto aos direitos afetados,e continuada ou permanente do desaparecimento for?ado sedesprende da jurisprudência deste Tribunal, de maneira constante,desde seu primeiro caso contencioso há mais de vinte anos, inclusivecom anterioridade à defini??o contida da Conven??o Interamericanasobre Desaparecimento For?ado de Pessoas . Essa caracteriza??o resultaconsistente com outras defini??es contidas em diferentes instrumentosinternacionais, que salientam como elementos simult?neose constitutivos do desaparecimento for?ado: a) a priva??o da liberdade;b) a interven??o direta de agentes estatais ou sua aquiescência,e c) a negativa de reconhecer a deten??o e revelar a sorte ou oparadeiro da pessoa implicada. Em ocasi?es anteriores, este Tribunaljá salientou que, ademais, a jurisprudência da Corte Europeia deDireitos Humanos, as decis?es de diferentes inst?ncias das Na??esUnidas , bem como de vários tribunais constitucionais e outros altostribunais nacionais dos Estados americanos, coincidem com a caracteriza??oindicada.105. A Corte verificou a consolida??o internacional na análisedesse crime, o qual configura uma grave viola??o de direitoshumanos, dada a particular relev?ncia das transgress?es que implica ea natureza dos direitos lesionados. A prática de desaparecimentosfor?ados implica um crasso abandono dos princípios essenciais emque se fundamenta o Sistema Interamericano de Direitos Humanos esua proibi??o alcan?ou o caráter de jus cogens.106. O dever de preven??o do Estado abrange todas as medidasde caráter jurídico, político, administrativo e cultural que promovama salvaguarda dos direitos humanos . Desse modo, a priva??ode liberdade em centros legalmente reconhecidos, bem como a existênciade registros de detidos, constituem salvaguardas fundamentais,inter alia, contra o desaparecimento for?ado. A contrario sensu, aimplanta??o e a manuten??o de centros clandestinos de deten??oconfiguram per se uma falta à obriga??o de garantia, por atentardiretamente contra os direitos à liberdade pessoal, à integridade pessoal,à vida e à personalidade jurídica.107. Pois bem, já que um dos objetivos do desaparecimentofor?ado é impedir o exercício dos recursos legais e das garantiasprocessuais pertinentes quando uma pessoa tenha sido submetida asequestro, deten??o ou qualquer forma de priva??o da liberdade, como objetivo de ocasionar seu desaparecimento for?ado, se a própriavítima n?o pode ter acesso aos recursos disponíveis é fundamentalque os familiares ou outras pessoas próximas possam aceder a procedimentosou recursos judiciais rápidos e eficazes, como meio paradeterminar seu paradeiro ou sua condi??o de saúde, ou para individualizara autoridade que ordenou a priva??o de liberdade ou atornou efetiva.108. Em definitivo, sempre que haja motivos razoáveis parasuspeitar que uma pessoa foi submetida a desaparecimento for?adodeve iniciar-se uma investiga??o. Essa obriga??o independe da apresenta??ode uma denúncia, pois, em casos de desaparecimento for?ado,o Direito Internacional e o dever geral de garantia imp?em aobriga??o de investigar o caso ex officio, sem dila??o, e de maneiraséria, imparcial e efetiva. Trata-se de um elemento fundamental econdicionante para a prote??o dos direitos afetados por essas situa??es. Em qualquer caso, toda autoridade estatal, funcionário públicoou particular, que tenha tido notícia de atos destinados ao desaparecimentofor?ado de pessoas, deverá denunciá-lo imediatamente.109. Para que uma investiga??o seja efetiva, os Estados devemestabelecer um marco normativo adequado para conduzir a investiga??o,o que implica regulamentar como delito aut?nomo, emsuas legisla??es internas, o desaparecimento for?ado de pessoas, postoque a persecu??o penal é um instrumento adequado para prevenirfuturas viola??es de direitos humanos dessa natureza . Outrossim, oEstado deve garantir que nenhum obstáculo normativo ou de outraíndole impe?a a investiga??o desses atos, e se for o caso, a puni??odos responsáveis.110. De todo o exposto, pode-se concluir que os atos queconstituem o desaparecimento for?ado têm caráter permanente e quesuas consequências acarretam uma pluriofensividade aos direitos daspessoas reconhecidos na Conven??o Americana, enquanto n?o se conhe?ao paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, motivo peloqual os Estados têm o dever correlato de investigar e, eventualmente,punir os responsáveis, conforme as obriga??es decorrentes da Conven??oAmericana.111. Nesse sentido, no presente caso, a análise do desaparecimentofor?ado deve abranger o conjunto dos fatos submetidos àconsidera??o do Tribunal . Somente desse modo a análise jurídicadesse fen?meno será consequente com a complexa viola??o de direitoshumanos que ele implica, com seu caráter continuado ou permanentee com a necessidade de considerar o contexto em que ocorreramos fatos, a fim de analisar os efeitos prolongados no tempo efocalizar integralmente suas consequências, levando em conta o corpusjuris de prote??o, tanto interamericano como internacional.D. O desaparecimento for?ado dos integrantes da Guerrilhado Araguaia112. A Corte Interamericana observa que, no procedimentoperante si, o Estado n?o controverteu nem reconheceu expressamentesua responsabilidade internacional pelo alegado desaparecimento for?adodos integrantes da Guerrilha do Araguaia. No entanto, de maneirareiterada, o Brasil se referiu ao reconhecimento de responsabilidadeinterno e às diversas medidas de repara??o adotadas arespeito das vítimas do regime militar, inclusive várias das supostasvítimas do presente caso.113. Em particular, o Estado referiu-se à Lei No. 9.140/95,que, em seu artigo 1?, disp?e:S?o reconhecidas como mortas, para todos os efeitos legais,as pessoas relacionadas no Anexo I desta Lei, por terem participado,ou terem sido acusadas de participa??o, em atividades políticas, noperíodo de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e que, poreste motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se,desde ent?o, desaparecidas, sem que delas haja notícias.114. O Brasil incluiu no Anexo I mencionado e, por conseguinte,considerou como vítimas desaparecidas, a 60 pessoas indicadascomo supostas vítimas no presente caso . Os termos da LeiNo. 9.140/95 n?o deixam dúvidas sobre a responsabilidade assumidapelo Estado com rela??o a esses desaparecimentos e sobre a reprova??oatribuída a tal dessa conduta, caracterizada como um ilícito damaior gravidade. Na exposi??o de motivos dessa norma, indica-se:O reconhecimento pelo Estado dos desaparecidos e das pessoasque tenham falecido por causas n?o naturais [...] traduz o restabelecimentodos direitos fundamentais de tais pessoas e uma formade repara??o que [...] alcance a justi?a que o Estado brasileiro deve aquem seus agentes tenham causado danos.[...] a lista [de desaparecidos] arrola 136 pessoas que foramdetidas por agentes [...] pertencentes aos vários bra?os do que sechamou sistema de seguran?a do regime de exce??o que o Brasilviveu e, a partir daí, delas nunca mais se teve qualquer notícia.Caracterizou-se, assim, um ilícito de gravidade máxima praticado poragentes públicos ou a servi?o do poder público: deviam guardar quemtinham sob sua responsabilidade e n?o o fizeram.115. Por outro lado, a lei mencionada criou a Comiss?oEspecial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos com a finalidade,entre outras, de localizar os restos das pessoas desaparecidas, reconhecê-las como vítimas e, conforme o caso, autorizar o pagamentode indeniza??es. A Comiss?o Especial, em seu relatório final, dedicouum capítulo aos fatos da Guerrilha do Araguaia e determinou comovítimas desses fatos a 62 pessoas indicadas como supostas vítimasdesaparecidas no presente caso.116. Além disso, na audiência pública, o Brasil salientou que"reafirma sua responsabilidade pelas viola??es de direitos humanosocorridas no trágico episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia".Ademais, na tramita??o do presente caso perante este Tribunal,de maneira reiterada, o Estado salientou que, mediante a LeiNo. 9.140/95 e a Comiss?o Especial, reconheceu internamente suaresponsabilidade pelas mortes e desaparecimentos for?ados, inter alia,dos membros da Guerrilha do Araguaia. Entre outras manifesta??es, oEstado afirmou expressamente que:Por meio da aprova??o da Lei No. 9.140/95, o Estado brasileiropromoveu o reconhecimento oficial de sua responsabilidade pelasmortes e desaparecimentos ocorridos durante o regime militar [...];[A]lém [desse] reconhecimento explícito [...], em 29 de agostode 2007, o Estado brasileiro lan?ou o livro-relatório "Direito àMemoria e à Verdade - Comiss?o Especial sobre Mortos e DesaparecidosPolíticos" em ato público realizado no Palácio do Planalto,sede do Governo Federal, com a presen?a do Presidente da República,de diversos Ministros de Estado, de membros do PoderLegislativo e de familiares de vítimas do regime militar. Nesse evento,o Presidente da República, em seu discurso, referiu-se ao reconhecimentode responsabilidade do Estado brasileiro frente à quest?odos opositores que foram mortos.[O Relatório da Comiss?o Especial] trouxe a vers?o oficialsobre as viola??es de direitos humanos, cometidas por agentes doEstado, refor?ando o reconhecimento público da responsabilidade doEstado brasileiro.117. A Comiss?o Interamericana reconheceu "a boa-fé doEstado, ao admitir a 'deten??o arbitrária e a tortura das vítimas, e seudesaparecimento', conforme a gravidade e o caráter continuado oupermanente do delito de desaparecimento for?ado de pessoas e apolítica de extermínio aos opositores, que realizou o Estado, atravésde suas For?as Armadas, na regi?o do Araguaia". Por sua vez, osrepresentantes solicitaram à Corte que tome nota do reconhecimentodos fatos e da aceita??o da responsabilidade do Estado, e que osefeitos desses atos sejam incorporados à Senten?a.118. Com base no exposto, o Tribunal conclui que n?o hácontrovérsia quanto aos fatos do desaparecimento for?ado dos integrantesda Guerrilha do Araguaia, nem da responsabilidade estatal aesse respeito. No entanto, há uma diferen?a relacionada com o númerode vítimas. A Comiss?o Interamericana afirmou que foramvítimas de desaparecimento for?ado 70 pessoas, enquanto os representantesinformaram que foram 69 pessoas. Por sua vez, o Estado,por meio da Lei No. 9.140/95, reconheceu sua responsabilidade pelodesaparecimento de 60 das supostas vítimas desaparecidas do presentecaso e, posteriormente, no Relatório da Comiss?o Especialsobre Mortos e Desaparecidos Políticos, reconheceu também comovítimas, entre outros, os senhores Ant?nio Ferreira Pinto e PedroMatias de Oliveira (também conhecido como Pedro Carretel), osquais s?o supostas vítimas no presente caso. Consequentemente, onúmero total de pessoas reconhecidas internamente pelo Brasil comovítimas desaparecidas da Guerrilha do Araguaia chega a 62 pessoas,dentre as 70 indicadas pela Comiss?o como vítimas de desaparecimentofor?ado perante este Tribunal.119. Por outro lado, há oito pessoas indicadas como supostasvítimas desaparecidas pela Comiss?o Interamericana e pelos representantes,que n?o foram reconhecidas internamente pelo Estado comodesaparecidas, nem na Lei No. 9.140/95, nem através da Comiss?oEspecial. Essas pessoas seriam camponeses da regi?o do Araguaiae identificar-se-iam como "Batista", "Gabriel", "Joaquinz?o",José de Oliveira, Josias Gon?alves de Souza, Juarez Rodrigues Coelho,Sabino Alves da Silva e "Sandoval".120. A Corte recorda que a Lei No. 9.140/95 estabeleceu umprocedimento para que os familiares das vítimas pudessem solicitar oreconhecimento e a consequente indeniza??o, por parte da Comiss?oEspecial, do familiar desaparecido ou morto durante a ditadura militar. A respeito dos oito camponeses antes mencionados, durante osquinze anos de funcionamento da Comiss?o Especial, esta recebeusomente um pedido de reconhecimento de responsabilidade referentea "Joaquinz?o" (ou Joaquim de Souza). Em 31 de maio de 2005, aComiss?o Especial recusou esse pedido, entre outras raz?es, em virtudede dúvidas sobre a identidade da suposta vítima . Por outro lado,n?o houve um pedido de reconhecimento perante a Comiss?o Especial,por parte dos familiares dos demais camponeses antes mencionados.Por esse motivo, a Comiss?o Especial n?o se pronunciousobre o caráter de vítimas, nem as incluiu na lista de pessoas reconhecidascomo desaparecidas da Guerrilha do Araguaia. Nem aComiss?o Interamericana nem os representantes incorporaram provassobre eles. O Tribunal n?o disp?e de informa??o a respeito da existênciaou identidade de eventuais familiares dessas supostas ví base no anterior, a Corte Interamericana n?o disp?e de elementosprobatórios suficientes que permitam um pronunciamento arespeito das oito pessoas antes mencionadas e, por esta raz?o, estabeleceum prazo de 24 meses, contados a partir da notifica??o destaSenten?a, para que se aporte prova suficiente, em conformidade coma legisla??o interna, a respeito de "Batista", "Gabriel", "Joaquinz?o",José de Oliveira, Josias Gon?alves de Souza, Juarez Rodrigues Coelho,Sabino Alves da Silva e "Sandoval", que permita ao Estadoidentificá-los e, se for o caso, considerá-los vítimas nos termos da LeiNo. 9.140/95 e da presente Senten?a, adotando as medidas reparatóriaspertinentes a seu favor. Esta conclus?o n?o impede nempreclui a possibilidade de que, vencido este prazo e na hipótese deque sejam identificadas posteriormente, essas pessoas possam serconsideradas vítimas no direito interno, se o Estado, de boa-fé, assimo dispuser e adotar medidas reparatórias em seu favor.121. A modo de conclus?o, com base nas informa??es doEstado e nas considera??es anteriores, o Tribunal encontra provadoque, entre os anos 1972 e 1974, na regi?o conhecida como Araguaia,agentes estatais foram responsáveis pelo desaparecimento for?ado de62 pessoas identificadas como supostas vítimas do presente caso.Transcorridos mais de 38 anos, contados do início dos desaparecimentosfor?ados, somente foram identificados os restos mortais deduas delas . O Estado continua sem definir o paradeiro das 60 vítimasdesaparecidas restantes, na medida em que, até a presente data, n?oofereceu uma resposta determinante sobre seus destinos. A esse respeito,o Tribunal reitera que o desaparecimento for?ado tem caráterpermanente e persiste enquanto n?o se conhe?a o paradeiro da vítimaou se encontrem seus restos, de modo que se determine com certezasua identidade .122. Do mesmo modo, a Corte reitera que o desaparecimentofor?ado de pessoas constitui uma viola??o múltipla que se inicia comuma priva??o de liberdade contrária ao artigo 7 da Conven??o o estabeleceu o Tribunal, a sujei??o de pessoas detidas aórg?os oficiais de repress?o, a agentes estatais ou a particulares queatuem com sua aquiescência ou toler?ncia, que impunemente pratiquema tortura ou assassinato, representa, por si mesmo, uma infra??oao dever de preven??o de viola??es dos direitos à integridadepessoal e à vida, estabelecidos nos artigos 5 e 4 da Conven??oAmericana, ainda na hipótese em que os atos de tortura ou de priva??oda vida destas pessoas n?o possam ser demonstrados no casoconcreto . Por outro lado, desde seu primeiro caso contencioso, aCorte também afirmou que a prática de desaparecimento implicou,com frequência, na execu??o dos detidos, em segredo e sem fórmulade julgamento, seguida da oculta??o do cadáver, com o objetivo deapagar toda pista material do crime e de procurar a impunidade dosque o cometeram, o que significa uma brutal viola??o do direito àvida, reconhecido no artigo 4 da Conven??o. Esse fato, unido à faltade investiga??o do ocorrido, representa uma infra??o de um deverjurídico a cargo do Estado, estabelecido no artigo 1.1 da Conven??o,em rela??o ao artigo 4.1 do mesmo instrumento, qual seja, o degarantir a toda pessoa sujeita a sua jurisdi??o a inviolabilidade davida e o direito a n?o ser dela privado arbitrariamente. Finalmente, aCorte concluiu que o desaparecimento for?ado também implica avulnera??o do direito ao reconhecimento da personalidade jurídica,estabelecido no artigo 3 da Conven??o Americana, uma vez que odesaparecimento busca n?o somente uma das mais graves formas desubtra??o de uma pessoa de todo o ?mbito do ordenamento jurídico,mas também negar sua existência e deixá-la em uma espécie de limboou situa??o de indetermina??o jurídica perante a sociedade e o Estado.123. A Corte Interamericana destaca a gravidade dos fatosocorridos entre 1969 e 1974, os quais se enquadram na "fase de repress?omais extremada [...] do regime militar no Brasil" (supra pars.86 e 87). A esse respeito, em seu Relatório Final, a Comiss?o Especialsobre Mortos e Desaparecidos Políticos caracterizou o período em queocorreram os fatos do presente caso da seguinte maneira:num clima de verdadeiro "terror de Estado", o regime lan?ou[uma] ofensiva fulminante [contra] os grupos armados de oposi??o[...] em primeiro lugar, contra as organiza??es que agiam nas grandescapitais [...]. Entre 1972 e 1974, combateu e exterminou uma baseguerrilheira que o [Partido Comunista do Brasil] mantinha em treinamentona regi?o do Araguaia [...].124. Os desaparecimentos for?ados afetaram especialmenteos integrantes da Guerrilha do Araguaia, um dos "grupos políticoscom maior número de militantes desaparecidos", que representam ametade do total de desaparecidos políticos no Brasil.125. Em considera??o ao exposto anteriormente, a CorteInteramericana conclui que o Estado é responsável pelo desaparecimentofor?ado e, portanto, pela viola??o dos direitos ao reconhecimentoda personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e àliberdade pessoal, estabelecidos, respectivamente, nos artigos 3, 4, 5 e7, em rela??o ao artigo 1.1, da Conven??o Americana, em prejuízodas seguintes pessoas: Adriano Fonseca Fernandes Filho, André Grabois,Ant?nio Alfredo de Lima (ou Ant?nio Alfredo Campos), Ant?nioCarlos Monteiro Teixeira, Ant?nio de Pádua Costa, Ant?nioFerreira Pinto, Ant?nio Guilherme Ribeiro Ribas, Ant?nio Teodoro deCastro, Arildo Aírton Valad?o, ?urea Elisa Pereira Valad?o, BérgsonGurj?o Farias, Cilon Cunha Brum, Ciro Flávio Salazar de Oliveira,Custódio Saraiva Neto, Daniel Ribeiro Callado, Dermeval da SilvaPereira, Dinaelza Santana Coqueiro, Dinalva Oliveira Teixeira, DivinoFerreira de Souza, Elmo Corrêa, Francisco Manoel Chaves,Gilberto Olímpio Maria, Guilherme Gomes Lund, Helenira Resendede Souza Nazareth, Hélio Luiz Navarro de Magalh?es, Idalísio SoaresAranha Filho, Jaime Petit da Silva, Jana Moroni Barroso, Jo?o CarlosHaas Sobrinho, Jo?o Gualberto Calatrone, José Huberto Bronca, JoséLima Piauhy Dourado, José Maurílio Patrício, José Toledo de Oliveira,Kleber Lemos da Silva, Líbero Giancarlo Castiglia, Lourival deMoura Paulino, Lúcia Maria de Souza, Lúcio Petit da Silva, LuizRené Silveira e Silva, Luiz Vieira de Almeida, Luíza Augusta Garlippe,Manuel José Nurchis, Marcos José de Lima, Maria Célia Corrêa,Maurício Grabois, Miguel Pereira dos Santos, Nelson LimaPiauhy Dourado, Orlando Momente, Osvaldo Orlando da Costa, PauloMendes Rodrigues, Paulo Roberto Pereira Marques, Pedro Alexandrinode Oliveira Filho, Pedro Matias de Oliveira ("Pedro Carretel"),Rodolfo de Carvalho Troiano, Rosalindo Souza, Suely YumikoKanayama, Telma Regina Cordeiro Corrêa, Tobias Pereira Júnior,Uirassú de Assis Batista, Vandick Reidner Pereira Coqueiro eWalkíria Afonso Costa.VIII - DIREITO ?S GARANTIAS JUDICIAIS E ? PROTE??OJUDICIAL EM RELA??O ?S OBRIGA??ES DE RESPEITARE GARANTIR OS DIREITOS E O DEVER DE ADOTARDISPOSI??ES DE DIREITO INTERNO126. No presente caso, a responsabilidade estatal pelo desaparecimentofor?ado das vítimas n?o se encontra controvertida (suprapars. 116 e 118). No entanto, as partes discrepam a respeito dasobriga??es internacionais do Estado, decorrentes da Conven??o Americanasobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992, que,por sua vez, reconheceu a competência contenciosa deste Tribunal em1998. Desse modo, a Corte Interamericana deve decidir, no presentecaso, se a Lei de Anistia sancionada em 1979 é ou n?o compatívelcom os direitos consagrados nos artigos 1.1, 2 , 8.1 e 25 da Conven??oAmericana ou, dito de outra maneira, se aquela pode manterseus efeitos jurídicos a respeito de graves viola??es de direitos humanos,uma vez que o Estado obrigou-se internacionalmente a partirda ratifica??o da Conven??o Americana.A. Alega??es das partes127. A Comiss?o Interamericana recordou que o Estado afirmouque a investiga??o e puni??o dos responsáveis pelos desaparecimentosfor?ados das vítimas e a execu??o de Maria Lúcia Petit daSilva est?o impossibilitadas pela Lei de Anistia. Dada a interpreta??oque o Estado conferiu a essa norma, além da falta de investiga??o esan??o penal, nem os familiares das vítimas, nem a sociedade brasileirapuderam conhecer a verdade sobre o ocorrido. A aplica??o deleis de anistia a perpetradores de graves viola??es de direitos humanosé contrária às obriga??es estabelecidas na Conven??o e àjurisprudência da Corte Interamericana. Em casos de execu??o edesaparecimento for?ado, os artigos 8 e 25 da Conven??o estabelecemque os familiares das vítimas têm o direito a que essa morte oudesaparecimento seja efetivamente investigado pelas autoridades estatais,que os responsáveis sejam processados e, se for o caso, punidos,e que se reparem os danos que os familiares tenham sofrido.Do mesmo modo, nenhuma lei ou norma de direito interno, como asdisposi??es de anistia, as regras de prescri??o e outras excludentes deresponsabilidade, pode impedir que um Estado cumpra essa obriga??o,especialmente quando se trate de graves viola??es de direitoshumanos que constituam crimes contra a humanidade, como os desaparecimentosfor?ados do presente caso, pois esses crimes s?o inanistiáveise imprescritíveis. A obriga??o de garantir os direitos protegidospelos artigos 4, 5 e 7 da Conven??o Americana implica odever de investigar os fatos que afetaram esses direitos substantivos.Essa Lei n?o deve continuar impedindo a investiga??o dos fatos. Istoposto, a Comiss?o considerou que o Estado incorreu na viola??o dosartigos 8.1 e 25 da Conven??o Americana, em concord?ncia com osartigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento das 70 vítimasdesaparecidas na Guerrilha do Araguaia e de seus familiares, bemcomo de Maria Lúcia Petit da Silva e de seus familiares.128. Os representantes coincidiram com as alega??es da Comiss?osobre a obriga??o de investigar e sancionar as viola??es dedireitos humanos do presente caso. Embora os Estados tenham aobriga??o de remover todos os obstáculos fáticos e jurídicos quepossam dificultar o esclarecimento judicial exaustivo de viola??es àConven??o Americana, há, no presente caso, diversos obstáculos legais.Quanto à Lei de Anistia, a interpreta??o a ela conferida no?mbito interno é a que considera como "crimes conexos" todos aquelescometidos pelos agentes do Estado, inclusive as graves viola??esde direitos humanos. Essa interpreta??o constitui o maior obstáculo àgarantia do direito de acesso à justi?a e do direito à verdade dosfamiliares dos desaparecidos, o que criou uma situa??o de total impunidade.Essa interpreta??o foi referendada recentemente pelo SupremoTribunal Federal, o que torna maior o obstáculo que a leirepresenta para a investiga??o dos fatos, pelos efeitos vinculantes eeficácia erga omnes dessa decis?o. Finalmente, salientaram a irrelev?nciado contexto de cria??o da Lei de Anistia para o DireitoInternacional, pois consideraram que, na medida em ela impe?a apersecu??o dos responsáveis por graves viola??es de direitos humanos,será contrária às obriga??es internacionais do Estado. A Leide Anistia n?o foi o resultado de um processo de negocia??o equilibrada,já que seu conteúdo n?o contemplou as posi??es e necessidadesreivindicadas por seus destinatários e respectivos familiares.Desse modo, atribuir o consentimento à anistia para os agentes repressoresao lema da campanha e aos familiares dos desaparecidos édeformar a história.129. Por outro lado, os representantes indicaram que a prescri??oé um segundo obstáculo legal à investiga??o dos fatos e àpuni??o dos responsáveis, como o demonstram casos nos quais seaplicou essa figura a condutas delituosas ocorridas durante o regimemilitar. O terceiro obstáculo é a falta de tipifica??o do crime dedesaparecimento for?ado no direito brasileiro, sobre o qual indicaramque: a) ao tratar-se de um delito de execu??o permanente, a proibi??openal é aplicável enquanto se mantenha a conduta delituosa; b) a faltade tipifica??o desse crime no ordenamento jurídico brasileiro implicao descumprimento pelo Estado das disposi??es do artigo 2 da Conven??oe imp?e ao Estado a obriga??o de aplicar o direito penal deforma compatível com suas obriga??es convencionais, de modo aevitar que essas condutas permane?am impunes, e c) o princípio delegalidade n?o deve prejudicar o julgamento e a san??o dos atos que,no momento em que s?o cometidos, já constituíam delitos, segundoos princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade internacional.Um quarto obstáculo legal é a interven??o da jurisdi??omilitar, uma vez que no direito interno existem antecedentes recentesque abrem a possibilidade para que isso ocorra, em viola??o dasnormas interamericanas e internacionais. Por tudo isso, concluíramque o Estado violou os artigos 8 e 25 da Conven??o Americana, emrela??o com os artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado. Além disso, dadoque o Estado n?o adotou medidas efetivas para evitar, prevenir esancionar atos de tortura sofridos pelas pessoas desaparecidas, violouos artigos 1, 6 e 8 da Conven??o Interamericana para Prevenir eSancionar a Tortura.130. O Estado solicitou à Corte que reconhecesse todas asa??es empreendidas no ?mbito interno e fez considera??es sobre oprocesso de transi??o política e a evolu??o do tratamento do assunto,a partir das supostas demandas da sociedade brasileira. A concess?ode anistia usualmente se justifica pela percep??o de que a puni??o doscrimes contra os direitos humanos, depois de terminadas as hostilidades,pode chegar a representar um obstáculo ao processo detransi??o, perpetuando o clima de desconfian?a e rivalidade entre osdiversos grupos políticos nacionais, motivo pelo qual, em períodoscomo este, procuram-se meios alternativos à persecu??o penal paraalcan?ar a reconcilia??o nacional, como forma de ajustar as necessidadesde justi?a e paz, tais como a repara??o patrimonial das vítimase seus familiares e o estabelecimento de comiss?es da verdade.A Lei de Anistia foi aprovada nesse contexto específico de transi??opara a democracia e de necessidade de reconcilia??o nacional e, porisso, o Brasil pediu "cautela" em rela??o a que lhe apliquem solu??esespecíficas adotadas pela Comiss?o e pela Corte a respeito de outrosEstados. A propósito, destacou que a Lei de Anistia foi antecedida deum debate político e foi "considerada, por muitos, um passo importantepara a reconcilia??o nacional".131. Com rela??o às alega??es da Comiss?o e dos representantessobre sua suposta obriga??o de n?o aplicar as institui??es deprescri??o e irretroatividade da lei penal, o Brasil alegou que asúnicas hipóteses constitucionais em que se admite a imprescritibilidadereferem-se à prática de racismo e à a??o de grupos armadoscontra a ordem constitucional e o Estado Democrático. A Conven??oAmericana prevê, em seu artigo 9, o princípio de legalidade e irretroatividade,e a Conven??o Interamericana sobre o DesaparecimentoFor?ado de Pessoas "estabelece, no artigo VII, expressamente,a prescri??o desse tipo de crime". Por outro lado, indicou que atipifica??o dos crimes de lesa-humanidade ocorreu recentemente em1998, com a aprova??o do Estatuto de Roma, e salientou que ocostume internacional n?o pode ser fonte criadora do direito penal,posto que n?o oferece seguran?a jurídica, como sim o faz uma lei emsentido estrito. O princípio de legalidade foi uma das principais conquistasno campo dos direitos humanos e, como tal, constitui umacláusula pétrea da Constitui??o brasileira, que n?o pode ser abolida,nem mesmo através de emenda constitucional. Por esta raz?o, oEstado solicitou ao Tribunal que aplique esse princípio.132. Adicionalmente, o Estado alegou que todos os direitoshumanos devem ser igualmente garantidos e, por esse motivo, devesebuscar harmonia entre os princípios e direitos estabelecidos naConven??o Americana, com auxílio do princípio de proporcionalidade.No caso, apresenta-se uma aparente colis?o entre o princípio degarantia de n?o repeti??o, do qual decorre a obriga??o do Estado depromover a persecu??o penal dos perpetradores de crimes de lesahumanidade,e o princípio de legalidade. Considerou que a melhor respeitoao artigo 9, e o respeito satisfatório ao artigo 1, ambos daConven??o Americana. A Corte, por conseguinte, deve considerarque as medidas já adotadas pelo Estado s?o suficientes, pois a op??ocontrária implicaria o completo desconhecimento do princípio de legalidade.133. Finalmente, o Estado ressaltou, como característica distintivada anistia brasileira, sua bilateralidade e reciprocidade, postoque n?o abrigou somente os agentes do Estado, mas, desde o princípio,teve por objetivo abarcar os dois lados do conflito políticoideológico.Ressaltou, também, que a restri??o estabelecida no parágrafo2o do artigo 1? da referida lei, que excetuava a aplica??o debenefícios a respeito de determinadas condutas, n?o foi aplicada pelajurisprudência brasileira, argumentando que se criaria um tratamentodesproporcional da Anistia, dado que esta era geral e irrestrita. Paracompreender o mérito da Lei de Anistia, é necessário ter presente queela se insere em um amplo e paulatino processo de abertura políticae de redemocratiza??o do país.B. Fatos relacionados com a Lei de Anistia134. Em 28 de agosto de 1979, após ter sido aprovada peloCongresso Nacional, foi sancionada a Lei No. 6.683/79, que concedeuanistia nos seguintes termos:Art. 1? ? concedida anistia a todos quantos, no períodocompreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979,cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais,aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores daAdministra??o Direta e Indireta, de funda??es vinculadas ao poderpúblico, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aosMilitares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos comfundamento em Atos Institucionais e Complementares.§ 1? - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, oscrimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos oupraticados por motiva??o política.§ 2? - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foramcondenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro eatentado pessoal.135. Em virtude dessa lei, até esta data, o Estado n?o investigou,processou ou sancionou penalmente os responsáveis pelasviola??es de direitos humanos cometidas durante o regime militar,inclusive as do presente caso . Isso se deve a que "a interpreta??o [daLei de Anistia] absolve automaticamente todas as viola??es de [d]ireitos[h]umanos que tenham sido perpetradas por agentes da repress?opolítica".136. Em 29 de abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal,por sete votos a dois , declarou a improcedência da Argui??o deDescumprimento de Preceito Fundamental, interposta pela Ordem dosAdvogados do Brasil, e afirmou a vigência da Lei de Anistia e aconstitucionalidade da interpreta??o do parágrafo 1? do seu artigo 1?(supra pars. 44 e 58). Essa decis?o tem eficácia erga omnes e efeitovinculante e contra ela n?o cabe nenhum recurso . Entre outrosfundamentos, o voto do Ministro Relator destacou que a Lei deAnistia foi "uma lei-medida" , n?o uma regra para o futuro e, comotal, deve "interpretar-se em conjunto com o seu texto, a realidade noe do momento histórico no qual foi criada e n?o a realidade atual".Nesse sentido, a Lei implementou "uma decis?o política [do] momentoda transi??o conciliada de 1979", uma vez que "foram todosabsolvidos, uns absolvendo-se a si mesmos". A lei, efetivamente,incluiu na anistia os "agentes políticos que praticaram crimes comunscontra opositores políticos, presos ou n?o, durante o regime militar" .O acordo político realizado pela classe política, que possibilitou atransi??o para o Estado de direito "resultou em um texto de lei [e,portanto,] quem poderia revê-lo seria exclusivamente o Poder Legislativo.Ao Supremo Tribunal Federal n?o incumbe alterar textosnormativos concessivos de anistias". Finalmente, a respeito da recep??oou n?o da Lei No. 6.683/79 na nova ordem constitucionaldemocrática, salientou que "a [L]ey [de Anistia] de 1979 já n?opertence à ordem decaída. Está integrada na nova ordem [constitucional].Constitui a origem da nova norma fundamental" e, portanto,"sua adequa??o à Constitui??o de 1988 resulta inquestionável.C. Obriga??o de investigar e, se for o caso, punir gravesviola??es de direitos humanos no Direito Internacional137. Desde sua primeira senten?a, esta Corte destacou aimport?ncia do dever estatal de investigar e punir as viola??es dedireitos humanos . A obriga??o de investigar e, se for o caso, julgare punir, adquire particular import?ncia ante a gravidade dos crimescometidos e a natureza dos direitos ofendidos, especialmente em vistade que a proibi??o do desaparecimento for?ado de pessoas e o correspondentedever de investigar e punir aos responsáveis há muitoalcan?aram o caráter de jus cogens.138. O Tribunal reitera que a obriga??o de investigar viola??esde direitos humanos encontra-se dentro das medidas positivasque os Estados devem adotar para garantir os direitos reconhecidos naConven??o. O dever de investigar é uma obriga??o de meios e n?o deresultado, que deve ser assumida pelo Estado como um dever jurídicopróprio e n?o como uma simples formalidade, condenada de antem?oa ser infrutífera, ou como mera gest?o de interesses particulares, quedependa da iniciativa processual das vítimas, de seus familiares ou dacontribui??o privada de elementos probatórios. ? luz desse dever,uma vez que as autoridades estatais tenham conhecimento do fato,devem iniciar, ex officio e sem demora, uma investiga??o séria, imparciale efetiva. Essa investiga??o deve ser realizada por todos osmeios legais disponíveis e deve estar orientada à determina??o daverdade.139. A Corte também salientou que, do artigo 8 da Conven??o,infere-se que as vítimas de viola??es de direitos humanos ouseus familiares devem contar com amplas possibilidades de ser ouvidose atuar nos respectivos processos, tanto à procura do esclarecimentodos fatos e da puni??o dos responsáveis, como em busca deuma devida repara??o. Outrossim, o Tribunal salientou que a obriga??ode investigar e o respectivo direito da suposta vítima ou dosfamiliares n?o somente se depreendem das normas convencionais deDireito Internacional imperativas para os Estados Parte, mas que,além disso, têm origem na legisla??o interna, que faz referência aodever de investigar, de ofício, certas condutas ilícitas e às normas quepermitem que as vítimas ou seus familiares denunciem ou apresentemqueixas, provas, peti??es ou qualquer outra diligência, com a finalidadede participar processualmente da investiga??o penal, com apretens?o de estabelecer a verdade dos fatos.140. Além disso, a obriga??o, conforme o Direito Internacional,de processar e, caso se determine sua responsabilidade penal,punir os autores de viola??es de direitos humanos, decorre daobriga??o de garantia, consagrada no artigo 1.1 da Conven??o Americana.Essa obriga??o implica o dever dos Estados Parte de organizartodo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas pormeio das quais se manifesta o exercício do poder público, de maneiratal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e plenoexercício dos direitos humanos. Como consequência dessa obriga??o,os Estados devem prevenir, investigar e punir toda viola??o dosdireitos humanos reconhecidos pela Conven??o e procurar, ademais, orestabelecimento, caso seja possível, do direito violado e, se for ocaso, a repara??o dos danos provocados pela viola??o dos direitoshumanos . Se o aparato estatal age de modo que essa viola??o fiqueimpune e n?o se reestabelece, na medida das possibilidades, à vítimaa plenitude de seus direitos, pode-se afirmar que se descumpriu odever de garantir às pessoas sujeitas a sua jurisdi??o o livre e plenoexercício de seus direitos.141. A obriga??o de investigar e, se for o caso, punir asgraves viola??es de direitos humanos foi afirmada por todos os órg?osdos sistemas internacionais de prote??o de direitos humanos. Nosistema universal, o Comitê de Direitos Humanos das Na??es Unidasestabeleceu, em seus primeiros casos, que os Estados têm o dever deinvestigar de boa-fé as viola??es ao Pacto Internacional de DireitosCivis e Políticos . Posteriormente, considerou, em sua jurisprudênciareiterada, que a investiga??o penal e o consequente julgamento constituemmedidas corretivas necessárias para viola??es de direitos humanos.Particularmente, em casos de desaparecimentos for?ados, oComitê concluiu que os Estados devem estabelecer o que ocorreucom as vítimas desaparecidas e levar à justi?a as pessoas por elesresponsáveis.142. No mesmo sentido se pronunciou o Comitê contra aTortura das Na??es Unidas para o qual, ante a suspeita de atos detortura contra alguma pessoa, os Estados devem proceder a umainvestiga??o, de forma imediata e imparcial, levada a acabo pelasautoridades competentes.143. A antiga Comiss?o de Direitos Humanos das Na??esUnidas reconheceu que exigir responsabilidade dos autores de viola??esgraves dos direitos humanos é um dos elementos essenciais detoda repara??o eficaz para as vítimas e "um fator fundamental paragarantir um sistema de justi?a justo e equitativo e, em definitivo,promover uma reconcilia??o e uma estabilidade justas em todas associedades, inclusive nas que se encontram em situa??o de conflito oupós-conflito, e pertinente no contexto dos processos de transi??o".144. Diversos relatores especiais das Na??es Unidas indicaramque a obriga??o de respeitar e fazer respeitar as normas internacionaisde direitos humanos inclui o dever de adotar medidaspara prevenir as viola??es, bem como o dever de investigá-las e,quando seja procedente, adotar medidas contra os autores dessasviola??es.145. Por sua vez, no Sistema Europeu, a Corte EuropeiaEuropeu de Direitos Humanos considerou que, em casos de viola??esdo direito à vida ou à integridade pessoal, a no??o de um "recursoefetivo" implica, além do pagamento de uma compensa??o, quandoproceda, e sem prejuízo de qualquer outro recurso disponível nosistema nacional, a obriga??o do Estado demandado de levar a cabouma investiga??o exaustiva e eficaz, capaz de conduzir à identifica??oe puni??o dos responsáveis, bem como ao acesso efetivo dodemandante ao procedimento de investiga??o.146. De igual modo, no Sistema Africano, a Comiss?o Africanasobre Direitos Humanos e dos Povos sustentou que a concess?ode total e completa imunidade contra o processamento e julgamentode viola??es de direitos humanos, bem como a falta de ado??o demedidas que garantam que os autores dessas viola??es sejam punidos,e que as vítimas sejam devidamente compensadas, n?o apenas impedemque as últimas obtenham repara??o dessas viola??es, negandolhes,com isso, seu direito a um recurso efetivo, mas promovem aimpunidade e constituem uma viola??o das obriga??es internacionaisdos Estados.D. Incompatibilidade das anistias relativas a graves viola??esde direitos humanos com o Direito Internacional147. As anistias ou figuras análogas foram um dos obstáculosalegados por alguns Estados para investigar e, quando fosse ocaso, punir os responsáveis por viola??es graves aos direitos humanos.Este Tribunal, a Comiss?o Interamericana de Direitos Humanos,os órg?os das Na??es Unidas e outros organismos universaise regionais de prote??o dos direitos humanos pronunciaram-se sobrea incompatibilidade das leis de anistia, relativas a graves viola??es dedireitos humanos com o Direito Internacional e as obriga??es internacionaisdos Estados.148. Conforme já fora antecipado, este Tribunal pronunciousesobre a incompatibilidade das anistias com a Conven??o Americanaem casos de graves viola??es dos direitos humanos relativos aoPeru (Barrios Altos e La Cantuta) e Chile (Almonacid Arellano eoutros).149. No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, doqual Brasil faz parte por decis?o soberana, s?o reiterados os pronunciamentossobre a incompatibilidade das leis de anistia com asobriga??es convencionais dos Estados, quando se trata de gravesviola??es dos direitos humanos. Além das mencionadas decis?es desteTribunal, a Comiss?o Interamericana concluiu, no presente caso eem outros relativos à Argentina, Chile, El Salvador, Haiti, Peru eUruguai, sua contrariedade com o Direito Internacional. A Comiss?otambém recordou que:se pronunciou em um número de casos-chave, nos quais tevea oportunidade de expressar seu ponto de vista e cristalizar suadoutrina em matéria de aplica??o de leis de anistia, estabelecendo queessas leis violam diversas disposi??es, tanto da Declara??o Americanacomo da Conven??o. Essas decis?es, coincidentes com o critériode outros órg?os internacionais de direitos humanos a respeitodas anistias, declararam, de maneira uniforme, que tanto as leis deanistia como as medidas legislativas comparáveis, que impedem oud?o por concluída a investiga??o e o julgamento de agentes de [um]Estado, que possam ser responsáveis por sérias viola??es da Conven??oou da Declara??o Americana, violam múltiplas disposi??esdesses instrumentos.150. No ?mbito universal, em seu Relatório ao Conselho deSeguran?a, intitulado "O Estado de Direito e a justi?a de transi??o nassociedades que sofrem ou sofreram conflitos", o Secretário-Geral dasNa??es Unidas salientou que:[...] os acordos de paz aprovados pelas Na??es Unidas nuncapod[e]m prometer anistias por crimes de genocídio, de guerra, ou delesa-humanidade, ou por infra??es graves dos direitos humanos [...].151. Nesse mesmo sentido, o Alto Comissariado das Na??esUnidas para os Direitos Humanos concluiu que as anistias e outrasmedidas análogas contribuem para a impunidade e constituem umobstáculo para o direito à verdade, ao opor-se a uma investiga??oaprofundada dos fatos, e s?o, portanto, incompatíveis com as obriga??esque cabem aos Estados, em virtude de diversas fontes deDireito Internacional. Mais ainda, quanto ao falso dilema entre paz oureconcilia??o, por um lado, e justi?a, por outro, declarou que:[a]s anistias que eximem de san??o penal os responsáveis porcrimes atrozes, na esperan?a de garantir a paz, costumam fracassar naconsecu??o de seu objetivo, e, em vez disso, incentivaram seus beneficiáriosa cometer novos crimes. Ao contrário, celebraram-se acordosde paz sem disposi??es relativas à anistia, em algumas situa??esem que se havia dito que a anistia era uma condi??o necessária paraa paz, e em que muitos temiam que os julgamentos prolongassem oconflito.152. Em conson?ncia com o anteriormente exposto, o Relator Especialdas Na??es Unidas sobre a Quest?o da Impunidade destacou que:[o]s autores de viola??es n?o poder?o beneficiar-se da anistia,enquanto as vítimas n?o tenham obtido justi?a, mediante umrecurso efetivo. Juridicamente, carecerá de efeito com respeito àsa??es das vítimas vinculadas ao direito a repara??o.153. Do mesmo modo, a Conferência Mundial de DireitosHumanos, realizada em Viena em 1993, enfatizou, na sua Declara??oe Programa de A??o, que os Estados "devem revogar a legisla??o quefavore?a a impunidade dos responsáveis por viola??es graves de direitoshumanos, [...] e castigar as viola??es", destacando que em casosde desaparecimentos for?ados os Estados est?o obrigados, em primeirolugar, a impedi-las e, uma vez que tenham ocorrido, a julgar osautores dos fatos.154. Por sua vez, o Grupo de Trabalho sobre DesaparecimentosFor?ados ou Involuntários das Na??es Unidas, analisou, emdiferentes ocasi?es, o tema das anistias em casos de desaparecimentosfor?ados. Em sua Observa??o Geral sobre o artigo 18 da Declara??osobre a Prote??o de Todas as Pessoas contra os DesaparecimentosFor?ados, salientou que se considera que uma lei de anistia é contráriaàs disposi??es da Declara??o, inclusive quando tenha sido aprovadaem referendo ou procedimento de consulta similar, se, direta ouindiretamente, em raz?o de sua aplica??o ou implementa??o cesse aobriga??o de um Estado de investigar, processar e punir os responsáveispelos desaparecimentos, ou quando oculte o nome daquelesque perpetraram tais viola??es ou se exonere seus autores de responsabilidade.155. Adicionalmente, o mesmo Grupo de Trabalho manifestousua preocupa??o quanto a que, em situa??es pós-conflito, sepromulguem leis de anistia ou se adotem outras medidas que tenhamcomo efeito a impunidade, e lembrou aos Estados que:é fundamental adotar medidas efetivas de preven??o, paraque n?o haja desaparecimentos. Entre elas, destacam-se [...] a instaura??ode processo contra todas as pessoas acusadas de cometeratos de desaparecimento for?ado, a garantia de que sejam processadasem tribunais civis competentes e que n?o se dê acolhida a nenhumalei especial de anistia ou a medidas análogas, que possam eximi-lasde a??es ou san??es penais, e da concess?o de repara??o e indeniza??oadequada às vítimas e seus familiares.156. Também no ?mbito universal, os órg?os de prote??o dedireitos humanos criados por tratados mantiveram o mesmo critériosobre a proibi??o das anistias que impe?am a investiga??o e a puni??odos que cometam graves viola??es dos direitos humanos. OComitê de Direitos Humanos, em sua Observa??o General 31, manifestouque os Estados devem assegurar-se de que os culpados deinfra??es reconhecidas como crimes no Direito Internacional ou nalegisla??o nacional, entre eles a tortura e outros tratamentos cruéis,desumanos ou degradantes, as priva??es de vida sumárias e arbitráriase os desaparecimentos for?ados, compare?am perante a justi?a e n?otentem eximir os autores da responsabilidade jurídica, como ocorreucom certas anistias.157. O Comitê de Direitos Humanos também se pronuncioua respeito no procedimento de peti??es individuais e nos relatóriossobre os países. No Caso Hugo Rodríguez versus Uruguai, salientouque n?o pode aceitar a postura de um Estado de n?o estar obrigado ainvestigar viola??es de direitos humanos cometidas durante um regimeanterior, em virtude de uma lei de anistia, e reafirmou que asanistias para viola??es graves de direitos humanos s?o incompatíveiscom o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, indicando queelas contribuem a criar uma atmosfera de impunidade que pode socavara ordem democrática e dar lugar a outras graves viola??es dedireitos humanos.158. Por sua vez, o Comitê contra a Tortura também afirmouque as anistias que impe?am a investiga??o de atos de tortura, bemcomo o julgamento e a eventual san??o dos responsáveis, violam aConven??o Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes.159. Igualmente no ?mbito universal, ainda que em outroramo do Direito Internacional, como é o direito penal internacional,as anistias ou normas análogas também foram consideradas inadmissíveis.O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, emuma caso relativo a tortura, considerou que careceria de sentido, porum lado, manter a proscri??o das viola??es graves dos direitos humanose, por outro, aprovar medidas estatais que as autorizem ouperdoem, ou leis de anistia que absolvam seus perpetradores . Nomesmo sentido, o Tribunal Especial para Serra Leoa considerou queas leis de anistia desse país n?o s?o aplicáveis a graves crimesinternacionais . Essa tendência universal se viu consolidada mediantea incorpora??o do par?metro mencionado na elabora??o dos estatutosdos tribunais especiais de mais recente cria??o no ?mbito das Na??esUnidas. Nesse sentido, tanto os Acordos das Na??es Unidas com aRepública do Líbano e com o Reino de Camboja, como os Estatutosque criam o Tribunal Especial para o Líbano, o Tribunal Especialpara Serra Leoa e as Salas Extraordinárias das Cortes de Camboja,incluíram em seus textos cláusulas que ressaltam que as anistias quesejam concedidas n?o constituir?o um impedimento para o processamentodas pessoas responsáveis pelos delitos que se encontremdentro da competência desses tribunais.160. A contrariedade das anistias relativas a viola??es gravesde direitos humanos com o Direito Internacional foi afirmada tambémpelos tribunais e órg?os de todos os sistemas regionais de prote??o dedireitos humanos.161. No Sistema Europeu, a Corte Europeia de Direitos Humanosconsiderou que é da maior import?ncia, para efeitos de umrecurso efetivo, que os processos penais referentes a crimes, como atortura, que impliquem viola??es graves de direitos humanos n?osejam prescritíveis, nem passíveis de concess?o de anistias ou perd?esa respeito.162. No Sistema Africano, a Comiss?o Africana de DireitosHumanos e dos Povos considerou que as leis de anistia n?o podemisentar o Estado que as adota do cumprimento das obriga??es internacionais, e salientou, ademais, que, ao proibir o julgamento deautores de viola??es graves de direitos humanos, mediante a concess?ode anistia, os Estados n?o só promoviam a impunidade, mastambém eliminavam a possibilidade de que esses abusos fossem investigadose que as vítimas desses crimes dispusessem de um recursoefetivo para obter repara??o.163. Do mesmo modo, diversos Estados membros da Organiza??odos Estados Americanos, por meio de seus mais altostribunais de justi?a, incorporaram os par?metros mencionados, observandode boa-fé suas obriga??es internacionais. A Corte Supremade Justi?a da Na??o Argentina resolveu, no Caso Simón, declarar semefeitos as leis de anistia que constituíam neste país um obstáculonormativo para a investiga??o, julgamento e eventual condena??o defatos que implicavam viola??es dos direitos humanos:[N]a medida em que [as anistias] se orientam ao "esquecimento"de graves viola??es dos direitos humanos, elas se op?em àsdisposi??es da Conven??o Americana sobre Direitos Humanos e doPacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e s?o, portanto,constitucionalmente intoleráveis.[A] transposi??o das conclus?es da Corte Interamericana em"Barrios Altos" para o caso argentino é imperativa, se é que asdecis?es do Tribunal internacional mencionado h?o de ser interpretadasde boa-fé como diretrizes jurisprudenciais. Por certo, seria possívelencontrar diversos argumentos para distinguir [o caso argentinodo Caso Barrios Altos], mas essas distin??es seriam puramente anedóticas.[N]a medida em que [as leis de anistia] obstaculizam o esclarecimentoe a efetiva puni??o de atos contrários aos direitos reconhecidosnos tratados mencionados, impedem o cumprimento dodever de garantia com que se comprometeu o Estado argentino, e s?oinadmissíveis.Do mesmo modo, toda a regulamenta??o de direito internoque, invocando raz?es de "pacifica??o"[,] disponha a concess?o dequalquer forma de anistia que deixe impunes viola??es graves dosdireitos humanos, cometidas pelo regime que a disposi??o beneficia,é contrária a claras e obrigatórias disposi??es do Direito Internacional,e deve ser efetivamente suprimida.[A] fim de dar cumprimento aos tratados internacionais emmatéria de direitos humanos, a supress?o das leis de [anistia] é impostergável,e deverá ocorrer de maneira que n?o possa delas decorrerobstáculo normativo algum para o julgamento de fatos, como os queconstituem o objeto da presente causa. Isto significa que os beneficiáriosdessas leis n?o podem invocar nem a proibi??o de retroatividadeda lei penal mais grave, nem a coisa julgada. [A] sujei??odo Estado argentino à jurisdi??o interamericana impede que oprincípio de "irretroatividade" da lei penal seja invocado para descumpriros deveres assumidos, em matéria de persecu??o de viola??esgraves dos direitos humanos.164. No Chile, a Corte Suprema de Justi?a concluiu que asanistias a respeito de desaparecimentos for?ados, abrangeriam somenteum determinado tempo e n?o todo o lapso de dura??o dodesaparecimento for?ado ou seus efeitos:[E]mbora o decreto-lei em comento tenha mencionado expressamenteque se encontram anistiados os fatos cometidos entre 11de setembro de 1973 e 10 de mar?o de 1978, o delito constante dosautos come?ou a ser praticado em 7 de janeiro de 1975 [...], existindocerteza de que, em 10 de mar?o de 1978, data da expira??o do prazodisposto no artigo 1?, do D.L. 2191, Sandoval Rodríguez n?o haviaaparecido e n?o se tinham notícias dele, nem do lugar onde se encontrariamseus restos, no caso de ter ocorrido sua morte, [...] o quetorna inaplicável a anistia alegada, já que o sequestro continuava emcurso, uma vez que expirou o período de tempo compreendido poresta causa excludente de responsabilidade criminal.[O] Estado do Chile se imp?s, ao subscrever e ratificar [tratadosinternacionais], a obriga??o de garantir a seguran?a das pessoas[...], ficando vedadas as medidas tendentes a amparar as ofensascometidas contra pessoas determinadas ou conseguir a impunidade deseus autores, tendo especialmente presente que os acordos internacionaisdevem ser cumpridos de boa-fé. [Esta] Corte Suprema, emreiteradas senten?as, reconheceu que a soberania interna do Estado[...] reconhece seu limite nos direitos que emanam da natureza humana;valores que s?o superiores a toda norma que possam dispor asautoridades do Estado, inclusive o próprio Poder Constituinte, o queimpede que sejam desconhecidos.165. Recentemente, a mesma Corte Suprema de Justi?a doChile, no caso Lecaros Carrasco, anulou a senten?a absolutória anteriore invalidou a aplica??o da anistia chilena prevista no Decreto-Lei No. 2.191, de 1978, por meio de uma senten?a de substitui??o,nos seguintes termos:[O] delito de sequestro [...] tem o caráter de crime contra ahumanidade e, consequentemente, n?o procede invocar a anistia comocausa extintiva da responsabilidade penal.[A] lei de anistia proferida pela autoridade de facto queassumiu o "Comando Supremo da Na??o", [...] há de ser interpretad[a] num sentido conforme às conven??es protetoras dos direitosfundamentais do indivíduo e punitivas dos graves atentados contra elecometidos, durante a vigência desse corpo legal.[A] referida proibi??o de autoexonera??o n?o alude unicamentea situa??es óbvias, nas quais os detentores do poder valeramseda situa??o vantajosa em que se encontravam para consagrar extin??esde responsabilidade, como ocorre com as anistias autoconcedidas,mas implica também uma suspens?o da vigência de institui??espreexistentes, como [...] a prescri??o da a??o penal, concebidaspara funcionar numa situa??o de paz social a que estavamchamadas a servir, mas n?o em situa??es de viola??o de todas asinstitui??es sobre as quais o Estado se erigia, e em benefício precisamentedos que provocaram essa ruptura.166. Por outro lado, o Tribunal Constitucional do Peru, noCaso de Santiago Martín Rivas, ao resolver um recurso extraordinárioe um recurso de agravo constitucional, precisou o alcance das obriga??esdo Estado nesta matéria:[O] Tribunal Constitucional considera que a obriga??o doEstado de investigar os fatos e sancionar os responsáveis pela viola??odos direitos humanos declarados na Senten?a da Corte Interamericanade Direitos Humanos n?o somente compreende a nulidadedaqueles processos a que houvessem sido aplicadas as leis deanistia [...], após ter-se declarado que essas leis n?o têm efeitosjurídicos, mas também toda prática destinada a impedir a investiga??oe puni??o pela viola??o dos direitos à vida e à integridade pessoal .As obriga??es assumidas pelo Estado peruano com a ratifica??odos tratados sobre direitos humanos compreendem o deverde garantir aqueles direitos que, em conformidade com o DireitoInternacional, s?o inderrogáveis, tendo o Estado se obrigado internacionalmentea sancionar sua afeta??o. Em aten??o ao mandatocontido no [...] Código Processual Constitucional, recorre-se aos tratadosque cristalizaram a proibi??o absoluta daqueles ilícitos que, emconformidade com o Direito Internacional, n?o podem ser anistiados,na medida em que infringem os par?metros mínimos de prote??o àdignidade da pessoa humana.[A] aprova??o de leis de anistia constitui uma competênciajurídico-constitucional do Congresso da República, de modo que asresolu??es judiciais expedidas, em aplica??o de leis de anistia constitucionalmentelegítimas, d?o lugar à configura??o da coisa julgadaconstitucional. O controle das leis de anistia, no entanto, parte dapresun??o de que o legislador penal quis agir dentro do marco daConstitui??o e do respeito aos direitos fundamentais.N?o opera [essa presun??o] quando se comprova que, medianteo exercício da competência de promulgar leis de anistia, olegislador penal pretendeu encobrir a prática de crimes contra a humanidade.Tampouco quando o exercício dessa competência foi utilizadapara "garantir" a impunidade por graves viola??es de direitoshumanos.No mérito[,] o Tribunal considera que as leis de anistia [emquest?o] s?o nulas e carecem, ab initio, de efeitos jurídicos. Portanto,também s?o nulas as resolu??es judiciais expedidas com o propósitode garantir a impunidade da viola??o de direitos humanos cometidapor [agentes estatais] .167. No mesmo sentido, pronunciou-se recentemente a SupremaCorte de Justi?a do Uruguai, a respeito da Lei de Caducidadeda Pretens?o Punitiva do Estado nesse país, considerando que:[ninguém] nega que, mediante uma lei promulgada com umamaioria especial e para casos extraordinários, o Estado pode renunciara penalizar atos delitivos. [...] No entanto, a lei é inconstitucionalporque, no caso, o Poder Legislativo excedeu o marco constitucionalpara acordar anistias [porque] declarar a caducidade das a??es penais,em qualquer hipótese, excede as faculdades dos legisladores e invadeo ?mbito de uma fun??o constitucionalmente atribuída aos juízes,pelo que, independentemente dos motivos, o legislador n?o podiaatribuir-se a faculdade de resolver que havia operado a caducidadedas a??es penais em rela??o a certos delitos .[A] regulamenta??o atual dos direitos humanos n?o se baseiana posi??o soberana dos Estados, mas na pessoa enquanto titular, porsua tal condi??o, dos direitos essenciais que n?o podem ser desconhecidos,com base no exercício do poder constituinte, nem originário,nem derivado.Em tal marco, [a lei de anistia] em exame afetou os direitosde numerosas pessoas (concretamente, as vítimas, familiares ou prejudicadospelas viola??es de direitos humanos mencionadas), queviram frustrado seu direito a um recurso, a uma investiga??o judicialimparcial e exaustiva, que esclare?a os fatos, determine seus responsáveise imponha as san??es penais correspondentes; a tal pontoque as consequências jurídicas da lei a respeito do direito às garantiasjudiciais s?o incompatíveis com a Conven??o [A]mericana [sobre]Direitos Humanos .Em síntese, a ilegitimidade de uma lei de anistia promulgadaem benefício de funcionários militares e policiais, que cometeram[graves viola??es de direitos humanos], gozando de impunidade duranteregimes de facto, foi declarada por órg?os jurisdicionais, tantoda comunidade internacional como dos Estados que passaram porprocessos similares ao vivido pelo Uruguai na mesma época. Taispronunciamentos, pela semelhan?a com a quest?o analisada e pelarelev?ncia que tiveram, n?o poderiam ser deixados de lado no examede constitucionalidade da Lei [No.] 15.848 e foram levados em contapela Corpora??o para proferir a presente senten?a.168. Finalmente, a Corte Constitucional da Col?mbia, emdiversos casos, levou em conta as obriga??es internacionais em casosde graves viola??es de direitos humanos e o dever de evitar a aplica??ode disposi??es internas de anistia:Figuras como as leis de ponto final, que impedem o acesso àjusti?a, as anistias em branco para qualquer delito, as autoanistias (ouseja, os benefícios penais que os detentores legítimos ou ilegítimos dopoder concedem a si mesmos e aos que foram cúmplices dos delitoscometidos), ou qualquer outra modalidade que tenha como propósitoimpedir às vítimas um recurso judicial efetivo para fazer valer seusdireitos, foram consideradas violadoras do dever internacional dosEstados de prover recursos judiciais para a prote??o dos direitoshumanos.169. Igualmente, a Corte Suprema de Justi?a da Col?mbiasalientou que "as normas relativas aos [d]ireitos [h]umanos fazemparte do grande grupo de disposi??es de Direito Internacional Geral,reconhecidas como normas de [j]us cogens, raz?o pela qual aquelass?o inderrogáveis, imperativas [...] e indisponíveis". A Corte Supremada Col?mbia lembrou que a jurisprudência e as recomenda??es dosorganismos internacionais sobre direitos humanos devem servir decritério preferencial de interpreta??o, tanto na justi?a constitucionalcomo na ordinária e citou a jurisprudência deste Tribunal a respeitoda n?o aceitabilidade das disposi??es de anistia para casos de viola??esgraves de direitos humanos .170. Como se desprende do conteúdo dos parágrafos precedentes,todos os órg?os internacionais de prote??o de direitos humanos,e diversas altas cortes nacionais da regi?o, que tiveram aoportunidade de pronunciar-se a respeito do alcance das leis de anistiasobre graves viola??es de direitos humanos e sua incompatibilidadecom as obriga??es internacionais dos Estados que as emitem,concluíram que essas leis violam o dever internacional do Estado deinvestigar e sancionar tais viola??es.171. Este Tribunal já se pronunciou anteriormente sobre otema e n?o encontra fundamentos jurídicos para afastar-se de suajurisprudência constante, a qual, ademais, concorda com o estabelecidounanimemente pelo Direito Internacional e pelos precedentesdos órg?os dos sistemas universais e regionais de prote??o dos direitoshumanos. De tal maneira, para efeitos do presente caso, oTribunal reitera que "s?o inadmissíveis as disposi??es de anistia, asdisposi??es de prescri??o e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade,que pretendam impedir a investiga??o e puni??o dosresponsáveis por graves viola??es dos direitos humanos, como a tortura,as execu??es sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentosfor?ados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveisreconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos".172. A Corte Interamericana considera que a forma na qualfoi interpretada e aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil(supra pars. 87, 135 e 136) afetou o dever internacional do Estado deinvestigar e punir as graves viola??es de direitos humanos, ao impedirque os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos porum juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Conven??o Americana,e violou o direito à prote??o judicial consagrado no artigo 25 domesmo instrumento, precisamente pela falta de investiga??o, persecu??o,captura, julgamento e puni??o dos responsáveis pelos fatos,descumprindo também o artigo 1.1 da Conven??o. Adicionalmente,ao aplicar a Lei de Anistia impedindo a investiga??o dos fatos e aidentifica??o, julgamento e eventual san??o dos possíveis responsáveispor viola??es continuadas e permanentes, como os desaparecimentosfor?ados, o Estado descumpriu sua obriga??o de adequarseu direito interno, consagrada no artigo 2 da Conven??o Americana.173. A Corte considera necessário enfatizar que, à luz dasobriga??es gerais consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Conven??oAmericana, os Estados Parte têm o dever de adotar as providências detoda índole, para que ninguém seja privado da prote??o judicial e doexercício do direito a um recurso simples e eficaz, nos termos dosartigos 8 e 25 da Conven??o. Em um caso como o presente, uma vezratificada a Conven??o Americana, corresponde ao Estado, em conformidadecom o artigo 2 desse instrumento, adotar todas as medidaspara deixar sem efeito as disposi??es legais que poderiam contrariálo,como s?o as que impedem a investiga??o de graves viola??es dedireitos humanos, uma vez que conduzem à falta de prote??o dasvítimas e à perpetua??o da impunidade, além de impedir que asvítimas e seus familiares conhe?am a verdade dos fatos.174. Dada sua manifesta incompatibilidade com a Conven??oAmericana, as disposi??es da Lei de Anistia brasileira que impedema investiga??o e san??o de graves viola??es de direitos humanoscarecem de efeitos jurídicos. Em consequência, n?o podemcontinuar a representar um obstáculo para a investiga??o dos fatos dopresente caso, nem para a identifica??o e puni??o dos responsáveis,nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de gravesviola??es de direitos humanos consagrados na Conven??o Americanaocorridos no Brasil .175. Quanto à alega??o das partes a respeito de que se tratoude uma anistia, uma auto-anistia ou um "acordo político", a Corteobserva, como se depreende do critério reiterado no presente caso(supra par. 171), que a incompatibilidade em rela??o à Conven??oinclui as anistias de graves viola??es de direitos humanos e n?o serestringe somente às denominadas "autoanistias". Além disso, comofoi destacado anteriormente, o Tribunal, mais que ao processo deado??o e à autoridade que emitiu a Lei de Anistia, se atém à sua ratiolegis: deixar impunes graves viola??es ao direito internacional cometidaspelo regime militar . A incompatibilidade das leis de anistiacom a Conven??o Americana nos casos de graves viola??es de direitoshumanos n?o deriva de uma quest?o formal, como sua origem,mas sim do aspecto material na medida em que violam direitosconsagrados nos artigos 8 e 25, em rela??o com os artigos 1.1. e 2 daConven??o.176. Este Tribunal estabeleceu em sua jurisprudência que éconsciente de que as autoridades internas est?o sujeitas ao império dalei e, por esse motivo, est?o obrigadas a aplicar as disposi??es vigentesno ordenamento jurídico. No entanto, quando um Estado éParte de um tratado internacional, como a Conven??o Americana,todos os seus órg?os, inclusive seus juízes, também est?o submetidosàquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposi??es daConven??o n?o se vejam enfraquecidos pela aplica??o de normascontrárias a seu objeto e finalidade, e que desde o início carecem deefeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está internacionalmenteobrigado a exercer um "controle de convencionalidade" exofficio entre as normas internas e a Conven??o Americana, evidentementeno marco de suas respectivas competências e das regulamenta??esprocessuais correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciáriodeve levar em conta n?o somente o tratado, mas também ainterpreta??o que a ele conferiu a Corte Interamericana, intérpreteúltima da Conven??o Americana.177. No presente caso, o Tribunal observa que n?o foi exercidoo controle de convencionalidade pelas autoridades jurisdicionaisdo Estado e que, pelo contrário, a decis?o do Supremo TribunalFederal confirmou a validade da interpreta??o da Lei de Anistia, semconsiderar as obriga??es internacionais do Brasil derivadas do DireitoInternacional, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 8 e 25da Conven??o Americana, em rela??o com os artigos 1.1 e 2 domesmo instrumento. O Tribunal estima oportuno recordar que a obriga??ode cumprir as obriga??es internacionais voluntariamente contraídascorresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidadeinternacional dos Estados, respaldado pela jurisprudênciainternacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatarsuas obriga??es convencionais internacionais de boa-fé (pacta suntservanda). Como já salientou esta Corte e conforme disp?e o artigo27 da Conven??o de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, osEstados n?o podem, por raz?es de ordem interna, descumprir obriga??esinternacionais. As obriga??es convencionais dos Estados Partevinculam todos sus poderes e órg?os, os quais devem garantir ocumprimento das disposi??es convencionais e seus efeitos próprios(effet utile) no plano de seu direito interno.178. Com rela??o à aplica??o do princípio de pondera??oaduzido pelo Estado, entre as diversas medidas adotadas como garantiade n?o repeti??o, para efeitos de cumprir o artigo 1.1 daConven??o Americana, e do princípio de legalidade, previsto no artigo9 do mesmo tratado (supra par. 132), o Tribunal valora positivamenteas numerosas medidas de repara??o e n?o repeti??o adotadaspelo Brasil, as quais ser?o abordadas no capítulo correspondenteàs repara??es da presente Senten?a. Embora essas medidas sejamimportantes, n?o s?o suficientes, porquanto omitiram o acesso à justi?apor parte dos familiares das vítimas. Nesse sentido, o Tribunalobserva que, em sua aplica??o do princípio de pondera??o, o Estadoomitiu toda men??o aos direitos das vítimas, derivados dos artigos 8e 25 da Conven??o Americana. Com efeito, essa pondera??o se fazentre as obriga??es estatais de respeitar e garantir e o princípio delegalidade, mas n?o se incluem na análise os direitos às garantiasjudiciais e à prote??o judicial das vítimas e seus familiares, os quaisforam sacrificados da maneira mais intensa no presente caso.179. Adicionalmente, com respeito à suposta afeta??o aoprincípio de legalidade e irretroatividade, a Corte já ressaltou (suprapars. 110 e 121) que o desaparecimento for?ado constitui um delitode caráter contínuo ou permanente, cujos efeitos n?o cessam enquanton?o se estabele?a a sorte ou o paradeiro das vítimas e sua identidadeseja determinada, motivo pelos quais os efeitos do ilícito internacionalem quest?o continuam a atualizar-se. Portanto, o Tribunalobserva que, em todo caso, n?o haveria uma aplica??o retroativa dodelito de desaparecimento for?ado porque os fatos do presente caso,que a aplica??o da Lei de Anistia deixa na impunidade, transcendemo ?mbito temporal dessa norma em fun??o do caráter contínuo oupermanente do desaparecimento for?ado.180. Com base nas considera??es acima, a Corte Interamericanaconclui que, devido à interpreta??o e à aplica??o conferidas àLei de Anistia, a qual carece de efeitos jurídicos a respeito de gravesviola??es de direitos humanos, nos termos antes indicados (particularmente,supra par. 171 a 175), o Brasil descumpriu sua obriga??ode adequar seu direito interno à Conven??o, contida em seu artigo 2,em rela??o aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo tratado. Adicionalmente,o Tribunal conclui que, pela falta de investiga??o dos fatos,bem como da falta de julgamento e puni??o dos responsáveis, oEstado violou os direitos às garantias judiciais e à prote??o judicial,previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Conven??o Americana, em rela??oaos artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado, em detrimento dos seguintesfamiliares das vítimas: Zélia Eustáquio Fonseca, Alzira Costa Reis,Victória Lavínia Grabois Olímpio, Criméia Alice Schmidt de Almeida,Jo?o Carlos Schmidt de Almeida, Luiza Monteiro Teixeira,Jo?o Lino da Costa, Benedita Pinto Castro, Odila Mendes Pereira,José Pereira, Luiza Gurj?o Farias, Junília Soares Santana, AntonioPereira de Santana, Elza da Concei??o Oliveira (ou Elza Concei??oBastos), Viriato Augusto Oliveira, Maria Gomes dos Santos, RosaCabello Maria (ou Rosa Olímpio Cabello), Igor Grabois Olímpio,Julia Gomes Lund, Carmem Navarro, Gerson Menezes Magalh?es,Aminthas Aranha (ou Aminthas Rodrigues Pereira), Julieta Petit daSilva, Ilma Hass, Osoria Calatrone, Clotildio Calatrone, Isaura deSouza Patricio, Joaquim Patricio, Elena Gibertini Castiglia, JardilinaSantos Moura, Joaquim Moura Paulino, José Vieira de Almeida, AcaryV. de S. Garlippe, Dora Grabois, Agostim Grabois, Rosana MouraMomente, Maria Leonor Pereira Marques, Otilia Mendes Rodrigues,Francisco Alves Rodrigues, Celeste Durval Cordeiro, Luiz DurvalCordeiro, Aidinalva Dantas Batista, Elza Pereira Coqueiro, OdeteAfonso Costa, Angela Harkavy, José Dalmo Ribeiro Ribas, MariaEliana de Castro Pinheiro, Roberto Valad?o, Diva Soares Santana,Getúlio Soares Santana, Dilma Santana Miranda, Dinorá Santana Rodrigues,Dirceneide Soares Santana, Terezinha Souza Amorim, AldoCreder Corrêa, Helenalda Resende de Souza Nazareth, Helenice Resendede Souza Nazareth, Helenilda Resende de Souza Nazareth,Helenoira Resende de Souza Nazareth, Wladmir Neves da RochaCastiglia, Laura Petit da Silva, Clovis Petit de Oliveira, Lorena MoroniBarroso, Ciro Moroni Gir?o, Breno Moroni Gir?o, S?nia MariaHaas, Elizabeth Silveira e Silva, Luiz Carlos Silveira e Silva, LuizPaulo Silveira e Silva, Maristella Nurchis e Valeria Costa Couto.181. Por outro lado, a Corte Interamericana conta com informa??ode que 24 familiares indicados como supostas vítimas faleceramantes de 10 de dezembro de 1998. A respeito destas pessoas,o Tribunal n?o fará nenhuma declara??o de responsabilidade estataldevido à regra de competência temporal . Adicionalmente, a Corteconta com informa??o que indica que outros 38 familiares faleceram,apesar de que do acervo probatório n?o se depreende de maneiraconclusiva suas respectivas datas de falecimento . Em rela??o a estaspessoas, o Tribunal estabelece que seus familiares ou seus representanteslegais devem apresentar à Corte, em um prazo de seismeses, contado a partir da notifica??o da presente Senten?a, a documenta??oque comprove que a data de falecimento é posterior a 10de dezembro de 1998, para efeitos de confirmar sua condi??o devítimas do presente caso, em conformidade com os critérios anteriormenteexpostos.182. Finalmente, a Corte se referirá, como tem feito demaneira reiterada, às diretrizes que devem seguir as investiga??es querealize o Estado, na se??o correspondente à obriga??o de investigar,no capítulo de repara??es da presente Senten?a. Em rela??o aos alegadosdescumprimentos dos artigos 1, 6 e 8 da Conven??o Interamericanapara Prevenir e Sancionar a Tortura sustentados pelosrepresentantes, o Tribunal estima que n?o resulta necessário pronunciar-se sobre tais alega??es que se referem aos mesmo s fatos quejá foram analisados à luz de outras obriga??es convencionais.IX - DIREITO ? LIBERDADE DE PENSAMENTO E DEEXPRESS?O, ?S GARANTIAS JUDICIAIS E ? PROTE??O JUDICIAL,EM RELA??O ?S OBRIGA??ES DE RESPEITAR EGARANTIR OS DIREITOS E O DEVER DE ADOTAR DISPOSI??ESDE DIREITO INTERNO183. A Corte, com o fim de determinar se o Estado é responsávelpelas alegadas viola??es aos artigos 13 , 8.1 e 25, emrela??o com os artigos 1.1 e 2, todos da Conven??o Americana,sintetizará os argumentos das partes, estabelecerá os fatos que consideraprovados e fará as considera??es pertinentes sobre os processosjudiciais e o marco normativo relacionados com o direito de buscar ereceber informa??o.A. Alega??es das partes184. A Comiss?o Interamericana sustentou que, no presentecaso, existe uma restri??o indevida ao direito de acesso à informa??o,dado que: a) n?o há nenhum interesse legítimo para reservar a informa??orelativa a viola??es massivas de direitos humanos; o Estadon?o demonstrou um interesse atual, imperativo ou obrigatório emmanter reservada a informa??o requerida pelas vítimas; e a revela??ode informa??es n?o pode constituir um dano certo, objetivo, grave eatual à seguran?a nacional; b) o desconhecimento da verdade porparte dos familiares e a manuten??o da falta de informa??o é umasitua??o "equiparável à tortura"; c) o Estado nunca poderia negar oacesso à informa??o a juízes e organismos aut?nomos de investiga??o,que possam verificar o legítimo objetivo da reserva, e d) aliberdade de express?o e o acesso à informa??o contribuem paragarantir os direitos à verdade, à justi?a e à repara??o, evitando que seproduzam novas viola??es graves de direitos humanos. Adicionalmente,as diversas leis e decretos que tem regido o direito de acessoà informa??o no Brasil n?o cumprem com os par?metros estabelecidospelo Sistema Interamericano, dado que o alcance e o conteúdodo direito de acesso à informa??o está regulamentado por disposi??esde caráter administrativo e nenhuma das normas de regulamenta??odesse direito define nem delimita as causas de restri??o. Ademais,essas disposi??es: a) n?o incluem procedimentos administrativos queassegurem a correta tramita??o e resolu??o de solicita??es de informa??o,os prazos para contestar, nem a possibilidade de impugnara negativa de facilitar a informa??o através de um recurso rápido eefetivo; b) n?o contemplam a obriga??o de fundamentar adequadamenteas negativas à solicita??o de informa??o, e c) contemplamperíodos de restri??o ilegítimos. Outrossim, os Estados têm a obriga??opositiva de produzir e conservar informa??o, o que os obriga abuscá-la e implementar medidas que permitam a custódia, o manejo eo acesso aos arquivos. Ante o exposto, a Comiss?o Interamericanasolicitou à Corte que declare o Estado responsável pela viola??o doartigo 13 da Conven??o, em conjunto com os artigos 1.1 e 2 domesmo instrumento, e que ordene ao Estado reformar seu regimejurídico interno, em conformidade com o artigo 2, em rela??o com oartigo 13, também da Conven??o Americana. Por outro lado, quantoà A??o Ordinária No. 82.00.24682-5, a Comiss?o Interamericana considerouque o Estado n?o justificou os mais de 25 anos transcorridosaté a prola??o de senten?a final. Os demais recursos judiciais interpostospara obter informa??o sobre a Guerrilha do Araguaia tampoucoforam efetivos até a data, inclusive nem sequer produziramuma senten?a definitiva. Com base no retardo injustificado e naineficácia das a??es de natureza n?o penal interpostas, a Comiss?osolicitou à Corte que determine que o Estado incorreu em viola??odos artigos 8 e 25 da Conven??o, em concord?ncia com o artigo 1.1do mesmo instrumento, em prejuízo das vítimas desaparecidas e deseus familiares, assim como dos familiares da pessoa executada.185. Os representantes coincidiram, essencialmente, com asalega??es da Comiss?o e acrescentaram que o silêncio, a negativa deentregar documentos ou a falha das autoridades em comprovar suadestrui??o demonstram claramente a viola??o por parte do Estado dodireito à informa??o. Em que pese a alegada destrui??o de documentospor parte das For?as Armadas, em 2010, a For?a Aéreaentregou ao Arquivo Nacional vários documentos, os quais, em todo caso, eram cópias de documentos obtidos pela Comiss?o Especial.Portanto, esses arquivos, embora n?o aportem informa??o suficientepara esclarecer o paradeiro das vítimas, demonstram que os documentosexistem e que n?o haviam sido divulgados anteriormente. Aslimita??es dos mecanismos criados pelo Estado, a ineficácia dasa??es civis interpostas com o fim de aceder à informa??o e dasmiss?es de busca empreendidas pelo Estado, bem como as medidaslegislativas e administrativas sobre restri??es de acesso à informa??osigilosa em poder do Estado, impediram a reconstru??o dos fatos e,consequentemente, da verdade. Ante o exposto, sustentaram que oEstado violou os direitos e obriga??es consagrados nos artigos 1.1, 2,8, 13 e 25 da Conven??o Americana.186. O Estado recordou as diversas normas que regulam asistematiza??o e a publica??o de informa??o sobre mortos e desaparecidospolíticos, aprovadas durante o regime constitucional. Noentanto, o panorama jurídico que regulamenta esse direito será substancialmentereformado se for aprovado o Projeto de Lei No. 5.228,do Poder Executivo, enviado ao Congresso Nacional em fevereiro de2009 (infra pars. 291 e 293). Por outro lado, o Brasil recordou asdiversas medidas adotadas, entre elas o projeto "Memórias Reveladas",e salientou as realiza??es da Comiss?o Especial, que conseguiureconstruir muitos episódios de morte e desaparecimentos for?adosocorridos durante o regime militar. Também informou sobresua ampla e complexa rede de arquivos, os quais est?o à disposi??opara consulta, dependendo "sua libera??o" dos prazos legais de classifica??o.No marco do cumprimento da senten?a da A??o Ordinária,em 10 de julho de 2009, entregou cópias de milhares de páginas dedocumentos sobre a Guerrilha do Araguaia, que representam toda ainforma??o conhecida e arquivada no ?mbito da Uni?o, referente àGuerrilha. Afirmou que aos documentos especificamente relacionadoscom a Guerrilha do Araguaia n?o se aplica a restri??o de acesso adocumentos públicos baseada na seguran?a da sociedade e do Estado.Adicionalmente, o Exército, a Marinha e a For?a Aérea informaramque n?o possuem em seus arquivos nenhum documento desse períododado que os haviam destruído de acordo com a normativa vigente àépoca. A Marinha informou que determinados documentos divulgadospelos meios de comunica??o sobre a Guerrilha haviam sidosubtraídos de maneira ilícita dos arquivos antes que fossem destruídos.A For?a Aérea também informou que, apesar de terem sidodestruídos documentos, alguns que continham informa??o genéricaforam postos à disposi??o do Arquivo Nacional. A destrui??o dosdocumentos relacionados com o regime militar foi realizada de acordocom o Decreto No. 79.099, de 6 de janeiro de 1977, motivo peloqual n?o é possível determinar responsabilidades individuais dos funcionários.Por último, o Brasil considerou que a A??o Civil Públicainterposta pelo Ministério Público Federal já havia sido integralmenteatendida nos autos da A??o Ordinária No. 82.00.24682-5, raz?o pelaqual, em dezembro de 2009, apresentou peti??o informando ao MinistroRelator a perda de objeto do seu recurso.B. Fatos relativos ao acesso à informa??o187. Alguns familiares de integrantes da Guerrilha do Araguaiapromoveram, desde 1982, uma a??o de natureza n?o penal, afim de esclarecer as circunst?ncias dos desaparecimentos for?ados,localizar os restos mortais, e aceder aos documentos oficiais sobre asopera??es militares nessa regi?o. Por sua parte, o Ministério PúblicoFederal também interp?s a??es de natureza civil com objetivos semelhantes.1. A??o Ordinária No. 82.00.24682-5i. Fatos prévios à competência temporal da Corte188. Em 19 de fevereiro de 1982, 22 familiares de 25 desaparecidosda Guerrilha iniciaram uma a??o judicial de natureza civilcontra o Estado Federal, perante a Primeira Vara Federal do DistritoFederal (doravante "Primeira Vara Federal"), solicitando informa??o àUni?o sobre a sepultura de seus familiares, de maneira que se pudessememitir os certificados de óbito, realizar o traslado dos restosmortais, e que apresentara o Relatório oficial do Ministério da Guerra,de 5 de janeiro de 1975, sobre as opera??es militares de combateà Guerrilha do Araguaia.189. Em 27 de mar?o de 1989, a a??o foi denegada, semavalia??o do mérito, com base no fato de o pedido ser "jurídica ematerialmente impossível de cumprir" . Após a interposi??o de umrecurso de apela??o por parte dos autores da a??o , o Tribunal RegionalFederal da Primeira Regi?o (doravante "Tribunal RegionalFederal") reverteu essa senten?a, em outubro de 1993, e decidiufavoravelmente o recurso acolhendo o pedido dos recorrentes.190. Entre mar?o de 1994 e abril de 1996, a Uni?o interp?strês recursos e todos foram recha?ados pelos tribunais competentes.Em 22 de junho de 1998, o processo retornou ao conhecimento dojuiz de primeira inst?ncia a fim de iniciar a instru??o processual, emcumprimento da senten?a de outubro de 1993 do Tribunal RegionalFederal. O juiz de primeira inst?ncia requereu ao Estado o envio dorelatório sobre a Guerrilha do Araguaia. Em 11 de novembro de 1998,o Estado apresentou um novo recurso.ii. Fatos posteriores à competência temporal da Corte191. Em 22 de fevereiro de 2000, o Tribunal Regional Federaldenegou o recurso mencionado . Em 25 de abril de 2000, oExército brasileiro remeteu um documento à Uni?o, o qual foi incorporadoao expediente da A??o Ordinária, no qual afirmava: "n?ohá documento nem qualquer outra informa??o a ser prestada àquelaautoridade, neste momento[, e] que [em] 11 de novembro de 1982 [...]o ent?o Gabinete do Ministro do Exército esclareceu que os subsídiosjá haviam sido oferecidos à Procuradoria Regional da República". Emjunho de 2003, a Primeira Vara Federal finalmente analisou o méritodo caso e julgou procedente a a??o. Por conseguinte, ordenou adesclassifica??o e apresenta??o de toda a informa??o relativa às opera??esmilitares relacionadas à Guerrilha do Araguaia e que se informassesobre o local de sepultamento dos desaparecidos, entre outrasmedidas . Em agosto de 2003, a Uni?o apelou dessa senten?a . Aapela??o foi recusada pelo Tribunal Regional Federal, em dezembrode 2004 . Posteriormente, em 8 de julho de 2005, o Estado interp?sum Recurso Especial e um Recurso Extraordinário . O primeiro foideclarado parcialmente procedente pelo Superior Tribunal de Justi?a,no que concerne à determina??o do órg?o judicial executor da senten?ade primeira inst?ncia e o segundo n?o foi admitido pelo TribunalRegional Federal. Em 9 de outubro de 2007, essa decis?otransitou em julgado . Em maio de 2008, o expediente foi reenviadoà Primeira Vara Federal para iniciar a execu??o da senten?a, a qualfoi ordenada em 12 de mar?o de 2009.192. Com o objetivo de dar cumprimento à senten?a proferidano marco da A??o Ordinária, o Estado constituiu, em abril de2009, o Grupo de Trabalho Tocantins (supra par. 100). A respeito dosdocumentos sobre a Guerrilha, em 10 de julho de 2009, a Advocacia-Geral da Uni?o apresentou ao procedimento da A??o Ordinária, entreoutros documentos, um relatório com informa??o sobre a Guerrilha, orelatório elaborado pelo Ministério da Defesa "Informa??es sobre aGuerrilha do Araguaia", no qual estariam incluídas cerca de 21.000páginas de documentos dos arquivos do antigo Servi?o Nacional deInforma??es que estavam sob a custódia do Arquivo Nacional e quecompreendem documentos dos três servi?os secretos das For?as esta a??o, o Estado aportou ao procedimento da A??oOrdinária informa??o recolhida por diferentes órg?os do Estado emdiferentes períodos, a qual indicou, constituiria toda a documenta??odisponível no ?mbito da Uni?o acerca das referidas opera??es militares,especialmente no que se refere aos enfrentamentos armados, àcaptura e deten??o de civis, ao reconhecimento de corpos e à identifica??ode guerrilheiros. O referido Relatório do Ministério da Defesaindica que desde o final de 2003 foram instaurados no ?mbitodas For?as Armadas procedimentos específicos de investiga??o com oobjetivo de obter informa??es sobre os combates da Guerrilha e sobrea possível localiza??o dos restos mortais de pessoas desaparecidas.2. Outros procedimentos judiciais193. Mediante solicita??o dos familiares , em 2001, as Procuradoriasda República dos estados do Pará e de S?o Paulo e doDistrito Federal iniciaram os Inquéritos Civis Públicos No. 1/2001,3/2001 e 5/2001, respectivamente, com a finalidade de compilar informa??essobre a Guerrilha do Araguaia. Os promotores elaboraram,em janeiro de 2002, um "Relatório Parcial de Investiga??o sobre aGuerrilha do Araguaia". Como consequência dessas investiga??es, em9 de agosto de 2001, o Ministério Público Federal interp?s a A??oCivil Pública No. 2001.39.01.000810-5 contra a Uni?o, com o propósitode fazer cessar a influência, através de assistência social, dasFor?as Armadas sobre os habitantes da regi?o do Araguaia, bemcomo obter da Uni?o todos os documentos que contivessem informa??osobre as a??es militares de combate à Guerrilha . Em 19 dedezembro de 2005, a Primeira Vara Federal declarou parcialmenteprocedente a a??o. Após a interposi??o de um recurso por parte daUni?o em mar?o de 2006, a senten?a de primeira inst?ncia foi parcialmentereformada, mediante decis?o de 26 de julho de 2006, emraz?o do que se manteve somente a obriga??o de exibir, reservadamente,todos os documentos que contivessem informa??o sobre asa??es militares contra a Guerrilha . Em setembro de 2006, a Uni?ointerp?s um Recurso Especial e um Recurso Extraordinário contraessa última senten?a. O Recurso Especial n?o foi admitido pelo SuperiorTribunal de Justi?a, conforme decis?o de 18 de agosto de 2009. Logo da n?o admiss?o do Recurso Extraordinário pelo TribunalRegional Federal, a Uni?o interp?s um Agravo de Instrumento peranteo Supremo Tribunal Federal. No marco deste recurso, em 7 dedezembro de 2009, a Uni?o solicitou que se declare a perda de seuobjeto, dado que o pedido de exibi??o de documentos relativos àGuerrilha do Araguaia feito na A??o Civil Pública No.2001.39.01.000810-5 já fora atendido no julgamento da A??o OrdináriaNo. 82.00.24682-5, a qual adquiriu for?a de coisa julgada.194. Por outra parte, em 19 de dezembro de 2005, o MinistérioPúblico Federal e a Comiss?o de Familiares de Mortos eDesaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado,apresentaram uma peti??o de Notifica??o Judicial ao Presidenteda República, ao Vice-Presidente e a outros altos funcionários dogoverno e das For?as Armadas, em rela??o à desclassifica??o dedocumentos sigilosos que interessem aos familiares de mortos e desaparecidospolíticos para fins de conhecer a verdade e de localizar osrestos mortais de seus entes queridos, bem como de possibilitar aoMinistério Público Federal o acesso a seu conteúdo.3. Marco normativo195. O direito de acesso à informa??o está previsto no artigo5? da Constitui??o Federal de 1988 e regulamentado, inter alia, pelosseguintes decretos e leis: a) Lei No. 8.159, de 1991, que regulamentaa política nacional de arquivos públicos e privados, o acesso e o sigilode documentos públicos, entre outras providências; b) Decreto No.2.134, de 1997, que regulamenta o artigo 23 da Lei No. 8.159 sobrea categoria dos documentos públicos secretos ; c) Decreto No. 4.553,de 2002, que regulamenta a prote??o de dados, informa??es, documentose materiais reservados, de interesse da seguran?a da sociedadee do Estado no ?mbito da Administra??o Pública Federal; d)Decreto No. 5.301, de 2004, criou a Comiss?o de Averigua??o eAnálise de Informa??es Sigilosas; e) Lei No. 11.111, de 2005, queintroduz a possibilidade de sigilo permanente de arquivos oficiaisclassificados como ultrassecretos, e f) Decreto No. 5.584, de 2005,que regulamente a entrega ao Arquivo Nacional de todos os documentosque estavam sob custódia da Agência Brasileira de Inteligênciae prevê a aplica??o de restri??es previstas no Decreto No.4.553.C. Direito à liberdade de pensamento e de express?o196. A Corte estabeleceu que, de acordo com a prote??o queoutorga a Conven??o Americana, o direito à liberdade de pensamentoe de express?o compreende "n?o apenas o direito e a liberdade deexpressar seu próprio pensamento, mas também o direito e a liberdadede buscar, receber e divulgar informa??es e ideias de todaíndole" . Assim como a Conven??o Americana, outros instrumentosinternacionais de direitos humanos, tais como a Declara??o Universalde Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis ePolíticos, estabelecem um direito positivo a buscar e a receber informa??o.197. O Tribunal também estabeleceu que o artigo 13 daConven??o, ao estipular expressamente os direitos a buscar e a receberinforma??es, protege o direito de toda pessoa de solicitar oacesso à informa??o sob o controle do Estado, com as exce??espermitidas sob o regime de restri??es da Conven??o. Consequentemente,esse artigo ampara o direito das pessoas de receber essainforma??o e a obriga??o positiva do Estado de fornecê-la, de maneiraque a pessoa possa ter acesso e conhecer essa informa??o oureceber uma resposta fundamentada quando, por algum motivo permitidopela Conven??o, o Estado possa limitar o acesso à ela para ocaso concreto. Essa informa??o deve ser fornecida, sem necessidadede comprovar um interesse direto para sua obten??o ou uma afeta??opessoal, salvo nos casos em que se aplique uma legítima restri??o. Aentrega dessa informa??o a uma pessoa pode permitir, por outro lado,que a informa??o circule na sociedade, de maneira que se possaconhecê-la, aceder a ela e valorá-la. Dessa forma, o direito à liberdadede pensamento e de express?o contempla a prote??o dodireito de acesso à informa??o sob o controle do Estado, o qualtambém contém, de maneira clara, as duas dimens?es, individual esocial, do direito à liberdade de pensamento e de express?o, as quaisdevem ser garantidas pelo Estado de forma simult?nea.198. A esse respeito, a Corte destacou a existência de umconsenso regional dos Estados que integram a Organiza??o dos EstadosAmericanos sobre a import?ncia do acesso à informa??o pública.A necessidade de prote??o do direito de acesso à informa??opública foi objeto de resolu??es específicas emitidas pela AssembleiaGeral da OEA , que "inst[ou] os Estados membros a que respeitem efa?am respeitar o acesso de todas as pessoas à informa??o pública e[a] promover a ado??o de disposi??es legislativas e de outro caráterque forem necessárias para assegurar seu reconhecimento e aplica??oefetiva". Do mesmo modo, esta Assembleia Geral, em diversas resolu??es,considerou que o acesso à informa??o pública é um requisitoindispensável para o funcionamento mesmo da democracia,uma maior transparência e uma boa gest?o pública, e que, em umsistema democrático representativo e participativo, a cidadania exerceseus direitos constitucionais através de uma ampla liberdade de express?oe de um livre acesso à informa??o.199. Por outro lado, a Corte Interamericana determinou que,em uma sociedade democrática, é indispensável que as autoridadesestatais sejam regidas pelo princípio de máxima divulga??o, que estabelecea presun??o de que toda informa??o é acessível, sujeita a umsistema restrito de exce??es.200. Adicionalmente, este Tribunal também determinou quetoda pessoa, inclusive os familiares das vítimas de graves viola??esde direitos humanos, tem o direito de conhecer a verdade. Por conseguinte,os familiares das vítimas e a sociedade devem ser informadosde todo o ocorrido com rela??o a essas viola??es . De igualmaneira, o direito a conhecer a verdade também foi reconhecido emdiversos instrumentos das Na??es Unidas e pela Assembleia Geral daOrganiza??o dos Estados Americanos.201. Por sua parte, a Corte Interamericana considerou o conteúdodo direito a conhecer a verdade em sua jurisprudência, emespecial em casos de desaparecimento for?ado. Desde o Caso VelásquezRodríguez, o Tribunal afirmou a existência de um "direito dosfamiliares da vítima de conhecer qual foi seu destino e, se for o caso,onde se encontram seus restos". A Corte reconheceu que o direito dosfamiliares de vítimas de graves viola??es de direitos humanos deconhecer a verdade está compreendido no direito de acesso à justi?a. A Corte também considerou a obriga??o de investigar como umaforma de repara??o, ante a necessidade de remediar a viola??o dodireito de conhecer a verdade no caso concreto . De igual modo, nopresente caso, o direito a conhecer a verdade se relaciona com a A??oOrdinária interposta pelos familiares, a qual se vincula com o acessoà justi?a e com o direito a buscar e receber informa??o previsto noartigo 13 da Conven??o Americana.202. Finalmente, o Tribunal também estabeleceu que, emcasos de viola??es de direitos humanos, as autoridades estatais n?o sepodem amparar em mecanismos como o segredo de Estado ou aconfidencialidade da informa??o, ou em raz?es de interesse públicoou seguran?a nacional, para deixar de aportar a informa??o requeridapelas autoridades judiciais ou administrativas encarregadas da investiga??oou processos pendentes . Do mesmo modo, quando se tratada investiga??o de um fato punível, a decis?o de qualificar comosigilosa a informa??o e de negar sua entrega, jamais pode dependerexclusivamente de um órg?o estatal a cujos membros seja atribuída aprática do ato ilícito. Outrossim, tampouco pode ficar sujeita à suadiscricionariedade a decis?o final sobre a existência da documenta??osolicitada.D. A??es judiciais e acesso à informa??o203. A Corte pode pronunciar-se a respeito da atua??o estatalreferente à entrega de informa??o somente por fatos ocorridos após10 de dezembro de 1998, data a partir da qual este Tribunal temcompetência sobre alegadas viola??es à Conven??o atribuídas ao Brasil(supra par 18).1. A??o Ordinária No. 82.0024682-5204. Ao iniciar-se a competência temporal deste Tribunal,em 10 de dezembro de 1998, após 16 anos, o procedimento da A??oOrdinária se encontrava em tr?mite (supra pars. 188 a 191). Nessecontexto, em 9 de abril de 1999, o Estado, por meio da Advocacia-Geral da Uni?o, apresentou um escrito no qual indicou que, comoconsequência de uma nova orienta??o empreendida a partir da consolida??odo regime democrático, havia sido promulgada a Lei No.9.140/95, a qual reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas noperíodo compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de1979 e criou a Comiss?o Especial que tinha, entre outras fun??es, ade realizar todos os esfor?os para localizar os corpos das pessoasdesaparecidas. Indicou, ademais, que "restando comprovados [...] osesfor?os empreendidos pelo Governo Federal, através da Comiss?oEspecial [...], n?o se concebe como plausível a existência de qualquermotivo para que a Uni?o, caso dispusesse realmente das informa??esnecessárias à localiza??o das sepulturas, se omitisse diante de umdireito natural e inquestionável dos autores". Igualmente considerouque "n?o havendo qualquer mínima prova razoável da existência deum suposto 'relatório da [G]uerrilha do Araguaia', apresenta-se aUni?o absolutamente impossibilitada de atender ao respeitável despacho[...] que solicitou o encaminhamento do mencionado documento,que [...] n?o se sabe, nem mesmo, se um dia chegou realmentea existir" . Concluiu que n?o se justificava a A??o Ordinária interposta,já que as pretens?es dos autores haviam sido atendidas como reconhecimento das mortes e a consequente emiss?o dos certificadosde óbito, com base na Lei No. 9.140/95, e que a únicapresta??o específica que permaneceria pendente, a localiza??o dassepulturas, seria materialmente impossível em vista dos trabalhosrealizados no marco da referida lei.205. Em sua senten?a de 30 de junho de 2003, a PrimeiraVara Federal indicou que "todavia n?o há que se falar em perda doobjeto da presente a??o em rela??o àqueles que foram contempladospelo procedimento da Lei No. 9.140/95" , já que "o procedimentoadministrativo instaurado [por esta lei] n?o é capaz de satisfazer apretens?o dos autores, pois cuida-se de uma postula??o muito maisabrangente, que abarca direitos fundamentalíssimos, como o direito àverdade ou o direito à prote??o da família ou o direito a prestar aosextintos o culto de tradi??o, oferecendo-lhes digna morada eterna".Acrescentou que os dados com que se contava até o momento "corroboramas informa??es trazidas aos autos pelos autores, d?o respaldoa suas alega??es, confirmam suas inquieta??es. Vários s?o os testemunhosda existência da [G]uerrilha e do massacre dos guerrilheiros,n?o há como ignorar essa realidade".206. Igualmente, na mesma senten?a, a Juíza ressaltou quen?o cabe negar a import?ncia histórica dos fatos do caso e que"tempos como aqueles, de [...] viola??o sistemática de direitos fundamentais,n?o devem ser esquecidos ou ignorados" . Indicou que "ainforma??o prestada pela [Uni?o] é o que permitirá o acesso dos[a]utores aos restos mortais de seus familiares" e que "se o aparatoestatal agir de maneira que viola??es de direitos humanos fiquemimpunes e n?o se restabele?a a vítima (na medida do possível) naplenitude de seus direitos, o Estado viola suas obriga??es convencionaisno plano internacional". Ressaltou que os fatos citados naA??o Ordinária constituem "gravíssimas viola??es de direitos humanos"e, aplicando jurisprudência deste Tribunal, determinou que averdade sobre o ocorrido deveria ser relatada aos familiares de maneirapormenorizada, já que era seu direito saber o que realmenteocorreu . Como consequência do anterior, a Juíza Federal de PrimeiraInst?ncia solicitou à Uni?o que suspendesse o sigilo e entregassetodas as informa??es relativas à totalidade das opera??es militaresrelacionadas com a Guerrilha.207. Em 27 de agosto de 2003, o Estado Federal, por meioda Advocacia-Geral da Uni?o, interp?s uma apela??o contra a referidadecis?o, na qual, inter alia, questionou o levantamento do sigilodessas informa??es e reiterou que o pedido dos autores estava sendoatendido mediante a Lei No. 9.140/95. Informou também que a Comiss?oEspecial, no marco de aplica??o da referida lei, "requisitou erecolheu documentos e informa??es provenientes das For?as Armadase de outros órg?os públicos, além de ter realizado miss?es na Regi?odo Araguaia para levantamento de informa??es e busca de restosmortais das pessoas desaparecidas".208. Em resposta a esse recurso, em 2 de dezembro de 2004,o Tribunal Regional Federal da Primeira Regi?o reconheceu a existênciade "inúmeras evasivas das autoridades responsáveis pelas informa??esjudicialmente solicitadas, ao longo do processo" e considerou"acertada [...] a solu??o adotada pela [Primeira Vara Federal],quando busca o amplo acesso a todos os dados relacionados com oevento histórico, como forma de viabilizar a localiza??o dos despojosdos desaparecidos políticos, cujos parentes constam do pólo ativodesta a??o". Concluiu que tal informa??o n?o necessariamente deveser liberada de qualquer tipo de sigilo, mas que ela deve ser acessívelaos familiares que a solicitaram.209. Em julho de 2009, a Advocacia da Uni?o aportou ao procedimentoda A??o Ordinária informa??es sobre a Guerrilha do Araguaia,constantes de arquivos de diversas reparti??es estatais, em cumprimentoà senten?a proferida nesse procedimento (supra par. 192).210. Da informa??o anterior, desprende-se que, em que pese oEstado ter alegado a implanta??o dos mecanismos estabelecidos na LeiNo. 9.140/95, através dos quais, inter alia, haviam sido declaradosmortos os desaparecidos na época da Guerrilha e havia iniciado a buscade seus restos, o certo é que essas atua??es n?o atendiam aos requerimentosjudiciais que lhe haviam sido formulados no marco da A??oOrdinária. Do mesmo modo, a Advocacia da Uni?o manifestou, duranteo procedimento, a falta de prova sobre a existência de informa??osobre a Guerrilha do Araguaia, como justificativa de sua impossibilidadede cumprir o solicitado, apesar de que, em 2009, aportou numerosadocumenta??o obtida de diversas fontes em diferentes períodos(supra pars. 192 e 209). Chama a aten??o do Tribunal que o Estado n?otivesse procedido à entrega de toda a informa??o sob sua tutela quandolhe foi solicitada dentro do procedimento da A??o Ordinária , máximequando a Primeira Vara Federal lhe havia indicado que o objeto de tala??o n?o podia ser alcan?ado com as atividades realizadas pelo Estado,em aplica??o da referida Lei, já que estava em jogo, entre outros, odireito dos familiares das vítimas de aceder à informa??o. No mesmosentido, a Corte destaca que, tendo o Estado indicado que, através daComiss?o Especial, haviam sido coletados documentos e informa??essobre a Guerrilha do Araguaia (supra par. 207), n?o entregou informa??oao Juiz da A??o Ordinária sen?o em 2009.211. A critério deste Tribunal, o Estado n?o pode amparar-sena falta de prova da existência dos documentos solicitados. Ao contrário,deve fundamentar a negativa a prestar a informa??o, demonstrandoque adotou todas as medidas a seu alcance para comprovar que,efetivamente, a informa??o solicitada n?o existia. ? essencial que, paragarantir o direito à informa??o, os poderes públicos atuem de boa-fé erealizem diligentemente as a??es necessárias para assegurar a efetividadedesse direito, especialmente quando se trata de conhecer a verdadedo ocorrido, em casos de viola??es graves de direitos humanos,como os desaparecimentos for?ados e a execu??o extrajudicial do presentecaso. Alegar, ante um procedimento judicial, como o aqui analisado,a falta de prova sobre a existência de certa informa??o, semhaver indicado ao menos quais foram as diligências realizadas paraconfirmar ou n?o sua existência, possibilita a atua??o discricionária earbitrária do Estado de facilitar ou n?o determinada informa??o, gerandocom isso inseguran?a jurídica a respeito do exercício desse direito.Cabe destacar que a Primeira Vara Federal ordenou à Uni?o, em30 de junho de 2003, a entrega dos documentos em um prazo de 120dias. Apesar disso, passaram-se seis anos, durante os quais a Uni?ointerp?s vários recursos até que esta entrega se fez efetiva, o que resultouna vulnerabilidade dos familiares das vítimas e afetou seu direitode receber informa??o e de conhecer a verdade sobre o ocorrido.212. Com fundamento nas considera??es precedentes, a Corteconclui que o Estado violou o direito a buscar e a receber informa??oconsagrado no artigo 13 da Conven??o Americana, emrela??o com os artigos 1.1, 8.1 e 25 do mesmo instrumento, emprejuízo dos senhores e senhoras Julia Gomes Lund, Maria LeonorPereira Marques, Antonio Pereira de Santana, Elza Pereira Coqueiro,Alzira Costa Reis, Victória Lavínia Grabois Olímpio, Roberto Valad?o,Julieta Petit da Silva, Aminthas Aranha (ou Aminthas RodriguesPereira), Zélia Eustáquio Fonseca, Acary Vieira de SouzaGarlippe, Luiza Monteiro Teixeira e Elza da Concei??o de Oliveira(ou Elza Concei??o Bastos).213. Por outra parte, o Tribunal conta com informa??o deque quatro familiares indicados como supostas vitimas que interpuserama A??o Ordinária faleceram antes de 10 de dezembro de1998. A respeito dessas pessoas, o Tribunal n?o fará nenhuma declara??ode responsabilidade estatal devido à regra de competênciatemporal. Adicionalmente, a Corte conta com informa??o a qual indicaque outros cinco familiares que interpuseram a a??o faleceram,apesar de que do acervo probatório n?o se depreende de maneiraconclusiva suas respectivas datas de falecimento. Em rela??o a essaspessoas, o Tribunal disp?s (supra par. 181) que seus familiares ouseus representantes legais devem apresentar à Corte, em um prazo deseis meses contados a partir da notifica??o da presente Senten?a, adocumenta??o que comprove que a data de falecimento é posterior a10 de dezembro de 1998, a efeitos de confirmar sua condi??o devitimas no presente caso, em conformidade com os critérios antesexpostos.2. A??o Civil Pública214. A respeito da A??o Civil Pública (supra par. 193), aCorte observa que a mesma e a A??o Ordinária têm por fim aapresenta??o de toda a informa??o relativa às opera??es militarescontra a Guerrilha do Araguaia (supra pars. 188 e 193). Ambas asa??es foram decididas em primeira inst?ncia e confirmadas por tribunaissuperiores e, a respeito da A??o Civil Pública, o Estado solicitouao Supremo Tribunal Federal que desestime seu próprio recurso,ficando pendente sua decis?o (supra par. 186).215. Embora os objetos dessas a??es sejam similares, a senten?ade primeira inst?ncia ditada no procedimento da A??o CivilPública, e confirmada pelo Tribunal Regional Federal, refere-se àexibi??o reservada de documentos "em uma audiência secreta", com apresen?a exclusiva de representantes do Ministério Público Federal edo Ministério da Defesa, motivo pelo qual n?o garante o acesso dasvítimas a esses documentos. Desse modo, mesmo que eventualmentese chegasse a implementar a decis?o do juiz de primeira inst?ncia, seuefeito n?o atenderia aos requisitos do artigo 13 da Conven??o Americana.216. Adicionalmente, o Tribunal observa que, n?o obstante afalta de uma decis?o final sobre a A??o Civil Pública (supra par.214), o ordenado até o momento está materialmente compreendidonos pontos resolutivos da senten?a da A??o Ordinária, de modo queo objeto da senten?a da A??o Civil Pública se cumpriria nos autos daA??o Ordinária. Do mesmo modo, trata-se de uma a??o que n?opodia ser interposta pelas vítimas, raz?o pela qual o Tribunal consideraque ela n?o é adequada para garantir o direito dos familiares abuscar e a receber informa??o. Por este motivo, n?o fará considera??esadicionais a respeito.3. Notifica??o Judicial217. A Notifica??o Judicial (supra par. 194) foi apresentadacom o objetivo de que as autoridades a quem era dirigida procedessemà desclassifica??o de documentos sigilosos, que interessavamaos familiares dos mortos e desaparecidos políticos para conhecer averdade e localizar os restos mortais de seus entes queridos, bemcomo possibilitar ao Ministério Público Federal o acesso a seu conteúdopara promover as medidas que todavia fossem possíveis pararesponsabilizar os violadores de direitos humanos durante a ditaduramilitar.218. A Corte salienta que, a respeito dessa a??o, n?o contacom informa??o posterior a sua apresenta??o dentro do acervo probatório.Do mesmo modo, segundo a legisla??o processual civil doEstado, esse tipo de peti??o se dirige a um juiz com a finalidade de"prevenir responsabilidade, prover a conserva??o e ressalva de seusdireitos ou manifestar qualquer inten??o de modo formal [...], e requererque do mesmo se intime a quem de direito". Além de representara notifica??o formal de uma pretens?o, a Corte n?o contacom elementos suficientes que lhe permita corroborar os efeitos dessaa??o, nem mesmo se ela gera obriga??es de agir às autoridades aquem foi dirigida. Com base no exposto, o Tribunal n?o fará considera??esadicionais a esse respeito.E. Prazo da A??o Ordinária219. Este Tribunal salientou que o direito de acesso à justi?adeve assegurar, em um prazo razoável, o direito das supostas vítimasou de seus familiares a que se fa?a todo o necessário para conhecer averdade do ocorrido e, se for o caso, sancionar os responsáveis. Afalta de razoabilidade no prazo de andamento de um processo judicialconstitui, em princípio, por si mesma, uma viola??o das garantiasjudiciais. A esse respeito, a Corte considerou quatro elementos paradeterminar a razoabilidade do prazo: a) a complexidade do assunto;b) a atividade processual do interessado; c) a conduta das autoridadesjudiciais, e d) a afeta??o provocada na situa??o jurídica da pessoaimplicada no processo.220. A Corte observa que o atraso do andamento e cumprimentoda A??o Ordinária n?o pode ser justificado em raz?o dacomplexidade do assunto. Com efeito, no presente caso, a A??oOrdinária tinha como objeto, no que aqui interessa, o acesso a documentosoficiais sobre as opera??es militares contra a Guerrilha doAraguaia. Quanto ao acesso à informa??o em poder do Estado, oTribunal considera que n?o se trata de uma solicita??o de maiorcomplexidade, cuja resposta pudesse justificar uma ampla dila??o. AA??o Ordinária foi interposta em 1982 e a senten?a de primeirainst?ncia foi proferida em 2003, ou seja, 21 anos depois. Por outrolado, desde a prola??o dessa decis?o até que o Estado iniciasse seucumprimento, em 2009, transcorreram seis anos.221. Quanto ao segundo dos elementos a serem considerados,a atividade processual dos familiares, é evidente que, em nenhummomento, eles tentaram obstruir o processo judicial nem muitomenos protelar qualquer decis?o a respeito; pelo contrário, participaramdeste processo em diferentes momentos com o propósito deavan?ar na solu??o do processo judicial . Portanto, os familiares queinterpuseram a A??o Ordinária em nenhum momento entorpeceramseu andamento.222. Com respeito à conduta das autoridades nos procedimentosjudiciais, em 10 de dezembro de 1998, data em que o Brasilreconheceu a competência do Tribunal, encontrava-se pendente dedecis?o um recurso do Estado, opondo-se a uma determina??o do juizde primeira inst?ncia para que prestasse informa??es sobre a Guerrilhado Araguaia. Entretanto, logo após uma apela??o e outros recursosinterpostos pelo Estado, os quais foram rejeitados pelos tribunaissuperiores (supra pars. 191, 204 a 208), a decis?o adquiriufor?a de coisa julgada em 9 de outubro de 2007 (supra par. 191). Osexpedientes tardaram mais de sete meses para retornar, em maio de2008, ao juiz de primeira inst?ncia a fim de iniciar a execu??o dasenten?a . Finalmente, apesar dessa decis?o firme, a execu??o dasenten?a teve início 18 meses depois, em 12 de mar?o de 2009 (suprapar. 191). Embora a autoridade judicial tenha ordenado a entrega dedocumenta??o, o Estado Federal requerido n?o a forneceu, com baseem distintos argumentos e interpondo numerosos recursos, sendo,finalmente, entregue vários anos depois de solicitada. Com efeito, aCorte observa que, durante o tr?mite da A??o Ordinária, o Estadoafirmou, em 1999, que "n?o havia qualquer mínima prova razoável daexistência de um suposto 'relatório da [G]uerrilha do Araguaia'" e, emabril de 2000, o Ministério da Defesa informou sobre a inexistênciado referido relatório (supra par. 191), apesar de que, em julho de2009, a Uni?o apresentou numerosa documenta??o sobre a Guerrilhado Araguaia (supra pars. 192 e 210).223. Quanto à afeta??o provocada pela dura??o do procedimentona situa??o jurídica das pessoas nele envolvidas, como já ofez em casos anteriores o Tribunal n?o considera necessário analisareste elemento para determinar a razoabilidade ou n?o do prazo daA??o Ordinária interposta no presente caso.224. O Tribunal constata que, contado a partir de 10 dezembrode 1998, o lapso de nove anos transcorridos até a data em quea Senten?a transitou em julgado, em 9 de outubro de 2007, e de 11anos até que se ordenou sua execu??o, em 12 de mar?o de 2009,ultrapassou excessivamente um prazo que pudesse ser consideradorazoável.225. A Corte Interamericana, por conseguinte, conclui que aA??o Ordinária no presente caso excedeu o prazo razoável e, por essemotivo, o Brasil violou os direitos às garantias judiciais estabelecidosno artigo 8.1 da Conven??o Americana, em rela??o com o artigo 13e 1.1 do mesmo instrumento, em prejuízo das pessoas determinadasconforme aos parágrafos 212 e 213 da presente Senten?a.F. Marco normativo226. A Comiss?o e os representantes se referiram, nos respectivosescritos, à incompatibilidade entre o direito interno e a Conven??oAmericana no que se refere ao direito à informa??o. Noentanto, n?o demonstraram concretamente os fatos nos quais o marconormativo fora o fundamento das alegadas restri??es ao acesso àinforma??o. Este Tribunal observa que, de todas as normas indicadaspelas partes, somente se aplicou ao caso, no que interessa, a Lei No.8.159/91, a qual constituiu a base jurídica utilizada pelos órg?osjudiciais para solicitar ao Estado a presta??o de informa??es sobre aGuerrilha do Araguaia no procedimento da A??o Ordinária. O Brasiln?o baseou a nega??o de informa??o sobre a guerrilha em nenhumarestri??o estabelecida na lei, mas sim na suposta inexistência dessainforma??o e na alegada perda do objeto dessa a??o, dada a promulga??oda Lei No. 9.140/95.227. Devido à falta de aplica??o, no presente caso, de outrasleis e decretos referidos pela Comiss?o e pelos representantes naA??o Ordinária interposta pelos familiares, o Tribunal n?o consideranecessário realizar uma análise da normativa existente no Brasil sobreo direito de acesso à informa??o. Sem prejuízo do anterior, o Tribunalobserva que o Estado informou sobre o Projeto de Lei No. 5.228/09,apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, o qualreformaria substancialmente o marco normativo que regulamenta essedireito. Esse projeto estabelece, inter alia, que "n?o poderá ser negadoacesso à informa??o necessária à tutela judicial ou administrativa dedireitos fundamentais" e que "as informa??es ou documentos queversem sobre condutas que impliquem viola??o dos direitos humanos,praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas,n?o poder?o ser objeto de restri??o de acesso" . Por sua vez, osrepresentantes se pronunciaram positivamente sobre esse projeto, salientandoque este "é bem-vindo" e que se deve agilizar sua aprova??opelo Congresso Nacional.228. A Corte valoriza a iniciativa do Estado de remeter umprojeto de lei com a finalidade de otimizar e fortalecer o marconormativo do direito à liberdade de pensamento e de express?o,estabelecido no artigo 13 da Conven??o Americana, em rela??o como direito de aceder à informa??o pública em poder do Estado. OTribunal considera que os Estados, para garantir adequadamente odireito de buscar e de receber informa??o pública sob seu controle,devem adotar as medidas necessárias, entre outras, a aprova??o delegisla??o cujo conteúdo seja compatível com o artigo 13 da Conven??oAmericana e com a jurisprudência deste Tribunal. Igualmente,esse direito sup?e a obriga??o do Estado de incorporar ao seu ordenamentojurídico um recurso efetivo e id?neo, que possa ser exercidopelos cidad?os para resolver eventuais controvérsias.229. Isto posto, o direito de aceder à informa??o pública empoder do Estado n?o é um direito absoluto, podendo estar sujeito arestri??es. No entanto, estas devem, em primeiro lugar, estar previamentefixadas por lei - no sentido formal e material -, como meiode assegurar que n?o fiquem ao arbítrio do poder público. Em segundolugar, as restri??es estabelecidas por lei devem responder a umobjetivo permitido pelo artigo 13.2 da Conven??o Americana, ou seja,devem ser necessárias para assegurar "o respeito aos direitos ou àreputa??o das demais pessoas" ou "a prote??o da seguran?a nacional,da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas". As limita??esque se imponham devem ser necessárias em uma sociedade democráticae orientadas a satisfazer um interesse público imperativo. Istoimplica que, de todas as alternativas, devem ser escolhidas aquelasmedidas que restrinjam ou interfiram, na menor medida possível, noefetivo exercício do direito de buscar e de receber a informa??o .230. Adicionalmente, para garantir o exercício pleno e efetivodesse direito, é necessário que a legisla??o e a gest?o estatalsejam regidas pelos princípios de boa-fé e de máxima divulga??o, demodo que toda a informa??o em poder do Estado se presuma públicae acessível, submetida a um regime limitado de exce??es. Igualmente,toda nega??o de informa??o deve ser motivada e fundamentada, correspondendoao Estado o ?nus da prova referente à impossibilidadede revelar a informa??o e, ante a dúvida ou o vazio legal, deveprevalecer o direito de acesso à informa??o . Por outro lado, a Corterecorda o indicado sobre a obriga??o das autoridades estatais de n?ose amparar em mecanismos, como o segredo de Estado ou a confidencialidadeda informa??o, em casos de viola??es de direitos humanos(supra par. 202).231. Igualmente, a Corte destaca a obriga??o de garantir aefetividade de um procedimento adequado para a tramita??o e resolu??odas solicita??es de informa??o, que fixe prazos para resolvere entregar a informa??o e que se encontre sob a responsabilidade defuncionários devidamente capacitados . Finalmente, ante a recusa deacesso a determinada informa??o sob seu controle, o Estado devegarantir que exista um recurso judicial simples, rápido e efetivo quepermita determinar se houve uma viola??o do direito de acesso àinforma??o e, se for o caso, ordenar ao órg?o correspondente procedaà entrega da mesma.X - DIREITO ? INTEGRIDADE PESSOAL EM RELA??O? OBRIGA??O DE RESPEITAR OS DIREITOSA. Alega??es das partes232. A Comiss?o alegou que a viola??o à integridade psíquicae moral dos familiares das vítimas é consequência direta dosdesaparecimentos for?ados e da certeza da morte da pessoa executada.Os familiares que realizaram as primeiras expedi??es de buscados desaparecidos na regi?o reclamam a falta de investiga??o penaldos fatos, e de esclarecimento das circunst?ncias dos desaparecimentose da execu??o de seus entes queridos, em virtude da aplica??oda Lei de Anistia, assim como de outras normas que impediram oacesso aos documentos oficiais. Os indícios de que, anteriormente àexecu??o, os desaparecidos foram torturados e de que alguns teriamsido decapitados causaram grave dano aos familiares. Do mesmomodo, a respeito da vítima cujos restos foram identificados em 1996,o sofrimento dos familiares foi agravado até que foi reconhecida, econtinua na medida em que se desconhecem as circunst?ncias damorte e os responsáveis permanecem impunes. A ausência, a falta dejusti?a e informa??o, passados mais de 30 anos dos fatos, bem comoa omiss?o das autoridades, provocaram nos familiares um estado dedesassossego, intranquilidade, falta de confian?a, desesperan?a, impotênciae angústia, vulnerando gravemente sua estabilidade emocionale seu direito à integridade pessoal. Com base no exposto, aComiss?o alegou que o Estado violou o direito à integridade pessoal,estabelecido no artigo 5 da Conven??o Americana, em rela??o com oartigo 1.1 do mesmo tratado, em prejuízo de determinados familiaresdas supostas vítimas desaparecidas e daquela executada.233. Os representantes coincidiram, substancialmente, comas alega??es da Comiss?o, acrescentando que, até a presente data, osfamiliares n?o puderam recuperar os restos mortais de seus entesqueridos e dar-lhes o devido sepultamento. Somado a isso, a despeitodas reclama??es e das iniciativas judiciais e administrativas paraesclarecer os fatos, há uma recusa sistemática das autoridades a revelaras informa??es que supostamente contêm os arquivos oficiaisem rela??o aos acontecimentos do presente caso, causando danos àsua integridade psíquica e emocional. Diante do exposto, alegaramque o Estado violou o artigo 5 da Conven??o, em rela??o ao artigo1.1 do mesmo tratado, em detrimento dos familiares das vítimas.234. O Estado salientou que desde o início do processo deredemocratiza??o, fez muito para sanar o sofrimento dos familiaresdas vítimas e para revelar os fatos históricos do período anterior.Também alegou que executou, entre outras, a??es para efetuar pagamentosde indeniza??o aos familiares das vítimas, para localizar eidentificar os restos mortais das vítimas da repress?o e para garantiro direito à memória e à verdade.B. Considera??es da Corte235. A Corte considerou em numerosos casos que os familiaresdas vítimas de viola??es dos direitos humanos podem ser, aomesmo tempo, vítimas . A esse respeito, este Tribunal considerou quese pode presumir um dano à integridade psíquica e moral dos familiaresdiretos de vítimas de certas viola??es de direitos humanos,aplicando uma presun??o juris tantum a respeito de m?es e pais,filhas e filhos, esposos e esposas, companheiros e companheiras permanentes(doravante "familiares diretos"), sempre que corresponda àscircunst?ncias particulares do caso. No caso desses familiares diretos,cabe ao Estado descaracterizar essa presun??o . Nos demais casos, oTribunal deverá analisar se na prova que consta do expediente secomprova alguma afeta??o à integridade pessoal da suposta vítima. Arespeito das pessoas sobre as quais o Tribunal n?o presumirá dano àsua integridade pessoal por n?o serem familiares diretos, a Corteavaliará, por exemplo, se existe um vínculo particularmente estreitoentre eles e as vítimas do caso que permita estabelecer uma afeta??oa sua integridade pessoal e, por conseguinte, uma viola??o do artigo5 da Conven??o. O Tribunal também poderá avaliar se as supostasvítimas participaram da busca de justi?a no caso concreto ou sepassaram por sofrimentos próprios, em consequência dos fatos docaso ou em raz?o das posteriores a??es ou omiss?es das autoridadesestatais frente a esses fatos.236. Desse modo, o Tribunal presume a viola??o do direito àintegridade pessoal dos familiares diretos de Maria Lúcia Petit daSilva e das pessoas desaparecidas, a respeito de quem o Estado n?odescaracterizou essa presun??o nem realizou men??es específicas.237. Quanto aos irm?os e a outros familiares indicados pelaComiss?o no seu relatório do artigo 50 e no escrito da demanda , a Corteobserva que, conforme sua jurisprudência, n?o s?o considerados familiaresdiretos, raz?o pela qual n?o se pode presumir uma afeta??o à suaintegridade nos termos do artigo 5.1 da Conven??o Americana. Consequentemente,o Tribunal deve valorar a prova aportada para tal efeito.238. Com base nas declara??es testemunhais, no parecerpericial e em outros documentos que constam do expediente, o Tribunalconsidera demonstrado que, a respeito dos familiares n?o diretos,ocorreu alguma ou várias das seguintes circunst?ncias: a) entreeles e as vítimas desaparecidas existia um estreito vínculo, inclusive,em alguns casos, essas pessoas, juntamente com os pais e demaisirm?os, constituíam um só núcleo familiar; b) engajaram-se em diversasa??es, tais como a busca de justi?a ou de informa??o sobre seuparadeiro, mediante iniciativas individuais ou formando diferentesgrupos, participando em expedi??es de investiga??o aos lugares dosfatos, ou na interposi??o de procedimentos perante a jurisdi??o internaou internacional; c) o desaparecimento de seus irm?os provocousequelas físicas e emocionais; d) os fatos afetaram suas rela??essociais, além de terem causado uma ruptura na din?mica familiar; e)os danos experimentados foram agravados pelas omiss?es do Estado,diante da falta de informa??o e investiga??o sobre os fatos e a nega??ode acesso aos arquivos do Estado, e f) a falta de determina??odo paradeiro de seus irm?os manteve latente a esperan?a de encontrálos,ou ainda, a falta de identifica??o de seus restos mortais impediua eles e suas famílias de sepultá-los dignamente, alterando dessemodo seu processo de luto e perpetuando o sofrimento e a incerteza.239. No presente caso, a viola??o do direito à integridadepessoal dos mencionados familiares das vítimas verificou-se em virtudedo impacto provocado neles e no seio familiar, em fun??o dodesaparecimento for?ado de seus entes queridos, da falta de esclarecimentodas circunst?ncias de sua morte, do desconhecimento deseu paradeiro final e da impossibilidade de dar a seus restos o devidosepultamento. A esse respeito, o perito Endo indicou que "uma dassitua??es que condensa grande parte do sofrimento de décadas é aausência de sepultamento, o desaparecimento dos corpos [...] e aindisposi??o dos governos sucessivos na busca dos restos mortais dosde seus familiares", o que "perpetua a lembran?a do desaparecido [e]dificulta o desligamento psíquico entre ele e os familiares que aindavivem", impedindo o encerramento de um ciclo.240. A esse respeito, a Corte lembra que, conforme suajurisprudência, a priva??o do acesso à verdade dos fatos sobre odestino de um desaparecido constitui uma forma de tratamento cruele desumano para os familiares próximos . Ademais, o Tribunal estabeleceuque o esclarecimento do paradeiro final da vítima desaparecidapermite aos familiares aliviar a angústia e o sofrimentocausados pela incerteza a respeito do destino do familiar desaparecido.241. Adicionalmente, a Corte considera que a viola??o dodireito à integridade dos familiares das vítimas se deve também àfalta de investiga??es efetivas para o esclarecimento dos fatos, à faltade iniciativas para sancionar os responsáveis, à falta de informa??o arespeito dos fatos e, em geral, a respeito da impunidade em quepermanece o caso, que neles provocou sentimentos de frustra??o,impotência e angústia. Em particular, em casos que envolvem o desaparecimentofor?ado de pessoas, é possível entender que a viola??odo direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima éconsequência direta desse fen?meno que lhes causa um grave sofrimento,o qual pode aumentar, entre outros fatores, em raz?o daconstante negativa por parte das autoridades estatais de prestar informa??oacerca do paradeiro das vítimas ou de iniciar uma investiga??oeficaz para lograr o esclarecimento do ocorrido.242. A Corte considera que a incerteza e a ausência deinforma??o por parte do Estado acerca dos acontecimentos, o que emgrande medida perdura até a presente data, constituiu para os familiaresuma fonte de sofrimento e angústia, além de ter provocadoneles um sentimento de inseguran?a, frustra??o e impotência dianteda absten??o das autoridades públicas de investigar os fatos . Igualmente,o Tribunal mencionou que, em face de atos de desaparecimentofor?ado de pessoas, o Estado tem a obriga??o de garantir odireito à integridade pessoal dos familiares também por meio deinvestiga??es efetivas. Essas afeta??es, integralmente compreendidosna complexidade do desaparecimento for?ado, subsistir?o enquantopersistam os fatores de impunidade verificados.243. Consequentemente, sem deixar de valorar as iniciativasconduzidas pelo Estado mediante a Lei No. 9.140/95, as indeniza??espagas a alguns dos familiares das vítimas e os avan?os realizados pelaComiss?o Especial, entre outras, o Tribunal considera que o Estadoviolou o direito à integridade pessoal, estabelecido no artigo 5 daConven??o Americana, em rela??o com o artigo 1.1 do mesmo instrumento,em detrimento das seguintes pessoas: Zélia Eustáquio Fonseca(m?e), Alzira Costa Reis (m?e e esposa), Victória Lavínia GraboisOlímpio (filha e esposa), Criméia Alice Schmidt de Almeida(compa?era) e Jo?o Carlos Schmidt de Almeida (filho), Luiza MonteiroTeixeira (m?e), Jo?o Lino da Costa (pai), Benedita Pinto Castro(m?e), Odila Mendes Pereira (m?e) e José Pereira (pai), Luiza Gurj?oFarias (m?e), Junília Soares Santana (m?e) e Antonio Pereira deSantana (pai), Elza da Concei??o Oliveira (ou Elza Concei??o Bastos)(m?e) e Viriato Augusto Oliveira (pai), Maria Gomes dos Santos(m?e), Rosa Cabello Maria (o Rosa Olímpio Cabello) (m?e), IgorGrabois Olímpio (filho), Julia Gomes Lund (m?e), Carmem Navarro(m?e) e Gerson Menezes Magalh?es (pai), Aminthas Aranha (ouAminthas Rodrigues Pereira) (m?e), Julieta Petit da Silva (m?e), IlmaHass (m?e), Osoria Calatrone (m?e) e Clotildio Calatrone (pai), Isaurade Souza Patricio (m?e) e Joaquim Patricio (pai), Elena GibertiniCastiglia (m?e), Jardilina Santos Moura (m?e) e Joaquim Moura Paulino(pai), José Vieira de Almeida (filho), Acary V. de S. Garlippe(m?e), Dora Grabois (m?e) e Agostim Grabois (pai), Rosana MouraMomente (filha), Maria Leonor Pereira Marques (m?e), Otilia MendesRodrigues (m?e) e Francisco Alves Rodrigues (pai), Celeste Durval Cordeiro (m?e) e Luiz Durval Cordeiro (pai), Aidinalva DantasBatista (m?e), Elza Pereira Coqueiro (m?e), Odete Afonso Costa(m?e), familiares diretos das vítimas desaparecidas ou executada,assim como de outros familiares n?o diretos das mesmas, os senhorese as senhoras Angela Harkavy (irm?), José Dalmo Ribeiro Ribas(irm?o), Maria Eliana de Castro Pinheiro (irm?o), Roberto Valad?o(irm?o), Diva Soares Santana (irm?), Getúlio Soares Santana (irm?o),Dilma Santana Miranda (irm?), Dinorá Santana Rodrigues (irm?),Dirceneide Soares Santana (irm?), Terezinha Souza Amorim (irm?),Aldo Creder Corrêa (irm?o), Helenalda Resende de Souza Nazareth(irm?), Helenice Resende de Souza Nazareth (irm?), Helenilda Resendede Souza Nazareth (irm?), Helenoira Resende de Souza Nazareth(irm?), Wladmir Neves da Rocha Castiglia (sobrinho), LauraPetit da Silva (irm?), Clovis Petit de Oliveira (irm?), Lorena MoroniBarroso (irm?), Ciro Moroni Gir?o (irm?o), Breno Moroni Gir?o(irm?o), S?nia Maria Haas (irm?), Elizabeth Silveira e Silva (irm?),Luiz Carlos Silveira e Silva (irm?o), Luiz Paulo Silveira e Silva(irm?o), Maristella Nurchis (irm?) e Valeria Costa Couto (irm?).244. Por outro lado, com respeito aos 24 familiares indicadoscomo supostas vítimas que faleceram antes de 10 de dezembro de1998, o Tribunal n?o fará nenhuma declara??o de responsabilidadeestatal devido à regra da competência temporal (supra par. 181).Finalmente, em rela??o aos 34 familiares falecidos cujas datas deóbito n?o tenham sido estabelecidas, o Tribunal estabeleceu que seusfamiliares ou seus representantes legais devem apresentar à Corte, emum prazo de seis meses, contado a partir da notifica??o da presenteSenten?a, a documenta??o que comprove que a data de falecimento éposterior a 10 de dezembro de 1998, para efeitos de confirmar suacondi??o de vítimas do presente caso (supra par. 181).XI - REPARA??ES(Aplica??o do artigo 63.1 da Conven??o)245. Com base no disposto no artigo 63.1 da Conven??oAmericana, a Corte indicou que toda viola??o de uma obriga??ointernacional que tenha provocado dano compreende o dever de repará-lo adequadamente e que essa disposi??o "reflete uma normaconsuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do DireitoInternacional contempor?neo sobre a responsabilidade de umEstado".246. Este Tribunal estabeleceu que as repara??es devem terum nexo causal com os fatos do caso, as viola??es declaradas e osdanos provados, bem como com as medidas solicitadas para repararos danos respectivos. Portanto, a Corte deverá observar essa simultaneidadepara pronunciar-se devidamente e conforme o direito.247. A Comiss?o manifestou que reconhece e valora as diversasmedidas destinadas a reparar, adotadas pelo Estado brasileiro, masacrescentou que estas n?o s?o suficientes no contexto do presente caso.248. Os representantes ressaltaram que, apesar de reconhecera recente boa vontade do Estado brasileiro ao adotar medidas a esserespeito, principalmente a recupera??o da memória das vítimas daditadura militar no país, estas s?o insuficientes, inadequadas e n?oest?o em conson?ncia com os par?metros determinados pelo SistemaInteramericano em matéria de repara??o de graves viola??es de direitoshumanos.249. O Estado declarou que n?o pretende negar o direito dosfamiliares das vítimas a uma repara??o material e simbólica, emconformidade com os fatos da demanda. Entretanto, considerou quetodas as peti??es formuladas tanto pela Comiss?o quanto pelos representantesjá foram ou est?o sendo atendidas. Adicionalmente, Brasilrecordou outros casos nos quais a Corte valorou as quantidadespagas a nível interno e as tomou em considera??o para determinar ospagamentos na inst?ncia internacional para evitar "um verdadeiro bisin idem indenizatório". Finalmente, considerou que o Tribunal develevar em considera??o os gastos públicos efetuados no que se refereà implementa??o de medidas de n?o repeti??o, a busca da memória eda verdade e o pagamento de medidas compensatórias.250. A Corte procederá à análise das pretens?es da Comiss?oe dos representantes, bem como dos argumentos do Estado, com oobjetivo de dispor as medidas destinadas a reparar os danos ocasionadosàs vítimas. O Tribunal observa e avalia de maneira positivaas numerosas medidas de repara??o adotadas pelo Estado, as quais seindicam em cada uma das se??es seguintes.E. Parte lesionada251. Considera-se parte lesionada, nos termos do artigo 63.1da Conven??o Americana, aquele que tenha sido declarado vítima daviola??o de algum direito nela consagrado. As vítimas no presentecaso s?o as seguintes pessoas: Adriano Fonseca Fernandes Filho, AndréGrabois, Ant?nio Alfredo de Lima (ou Ant?nio Alfredo Campos),Ant?nio Carlos Monteiro Teixeira, Ant?nio de Pádua Costa, Ant?nioFerreira Pinto, Ant?nio Guilherme Ribeiro Ribas, Ant?nio Teodoro deCastro, Arildo Aírton Valad?o, ?urea Elisa Pereira Valad?o, BérgsonGurj?o Farias, Cilon Cunha Brum, Ciro Flávio Salazar de Oliveira,Custódio Saraiva Neto, Daniel Ribeiro Callado, Dermeval da SilvaPereira, Dinaelza Santana Coqueiro, Dinalva Oliveira Teixeira, DivinoFerreira de Souza, Elmo Corrêa, Francisco Manoel Chaves, GilbertoOlímpio Maria, Guilherme Gomes Lund, Helenira Resende de SouzaNazareth, Hélio Luiz Navarro de Magalh?es, Idalísio Soares AranhaFilho, Jaime Petit da Silva, Jana Moroni Barroso, Jo?o Carlos HaasSobrinho, Jo?o Gualberto Calatrone, José Huberto Bronca, José LimaPiauhy Dourado, José Maurílio Patrício, José Toledo de Oliveira, KléberLemos da Silva, Líbero Giancarlo Castiglia, Lourival de MouraPaulino, Lúcia Maria de Souza, Lúcio Petit da Silva, Luiz René Silveirae Silva, Luiz Vieira de Almeida, Luiza Augusta Garlippe, ManoelJosé Nurchis, Marcos José de Lima, Maria Célia Corrêa, MaurícioGrabois, Miguel Pereira dos Santos, Nelson Lima Piauhy Dourado,Orlando Momente, Osvaldo Orlando da Costa, Paulo MendesRodrigues, Paulo Roberto Pereira Marques, Pedro Alexandrino de OliveiraFilho, Pedro Matias de Oliveira ("Pedro Carretel"), Rodolfo deCarvalho Troiano, Rosalindo Souza, Suely Yumiko Kanayama, TelmaRegina Cordeiro Corrêa, Tobias Pereira Júnior, Uirassú de Assis Batista,Vandick Reidner Pereira Coqueiro, e Walkíria Afonso Costa.Além disso, também s?o vítimas os seguintes familiares diretos: ZéliaEustáquio Fonseca, Alzira Costa Reis, Victória Lavínia Grabois Olímpio,Criméia Alice Schmidt de Almeida, Jo?o Carlos Schmidt de Almeida,Luiza Monteiro Teixeira, Jo?o Lino da Costa, Benedita PintoCastro, Odila Mendes Pereira, José Pereira, Luiza Gurj?o Farias, JuníliaSoares Santana, Antonio Pereira de Santana, Elza da Concei??oOliveira (ou Elza Concei??o Bastos), Viriato Augusto Oliveira, MariaGomes dos Santos, Rosa Cabello Maria (ou Rosa Olímpio Cabello),Igor Grabois Olímpio, Julia Gomes Lund, Carmem Navarro, GersonMenezes Magalh?es, Aminthas Aranha (ou Aminthas Rodrigues Pereira),Julieta Petit da Silva, Ilma Hass, Osoria Calatrone, ClotildioCalatrone, Isaura de Souza Patricio, Joaquim Patricio, Elena GibertiniCastiglia, Jardilina Santos Moura, Joaquim Moura Paulino, José Vieirade Almeida, Acary V. de S. Garlippe, Dora Grabois, Agostim Grabois,Rosana Moura Momente, Maria Leonor Pereira Marques, Otilia MendesRodrigues, Francisco Alves Rodrigues, Celeste Durval Cordeiro,Luiz Durval Cordeiro, Aidinalva Dantas Batista, Elza Pereira Coqueiro,Odete Afonso Costa. De igual modo, o Tribunal considera comovítimas os seguintes familiares n?o diretos: Angela Harkavy, José DalmoRibeiro Ribas, Maria Eliana de Castro Pinheiro, Roberto Valad?o,Diva Soares Santana, Getúlio Soares Santana, Dilma Santana Miranda,Dinorá Santana Rodrigues, Dirceneide Soares Santana, Terezinha SouzaAmorim, Aldo Creder Corrêa, Helenalda Resende de Souza Nazareth,Helenice Resende de Souza Nazareth, Helenilda Resende deSouza Nazareth, Helenoira Resende de Souza Nazareth, Wladmir Nevesda Rocha Castiglia, Laura Petit da Silva, Clovis Petit de Oliveira,Lorena Moroni Barroso, Ciro Moroni Gir?o, Breno Moroni Gir?o,S?nia Maria Haas, Elizabeth Silveira e Silva, Luiz Carlos Silveira eSilva, Luiz Paulo Silveira e Silva, Maristella Nurchis e Valeria CostaCouto. As pessoas anteriormente citadas ser?o considerados beneficiáriosdas repara??es que ordene este Tribunal. Finalmente, tambéms?o considerados parte lesionada aqueles familiares falecidos com posterioridadea 10 de dezembro de 1998, determinados de acordo aoestabelecido na presente Senten?a (supra pars. 181, 213, 225 e 244).252. Sem prejuízo do anterior, a Corte recorda que estabeleceuum prazo de 24 meses, contados a partir da notifica??o destaSenten?a, para que aqueles interessados aportem prova suficiente, emconformidade com a legisla??o e procedimentos internos, a respeitode "Batista", "Gabriel", "Joaquinz?o", José de Oliveira, Josias Gon?alvesde Souza, Juarez Rodrigues Coelho, Sabino Alves da Silva e"Sandoval", que permita ao Estado identificá-los e, se for o caso,considerá-los vítimas nos termos da Lei No. 9.140/95 e da presentedecis?o, adotando as medidas reparatórias pertinentes em seu favor.B. Obriga??es de investigar os fatos, julgar e, se for o caso,punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas1. Obriga??o de investigar os fatos, julgar e, se for o caso,punir os responsáveis253. A Comiss?o solicitou à Corte que ordene ao Estadorealizar, por meio da jurisdi??o de direito comum, de uma investiga??ojudicial completa, efetiva e imparcial dos desaparecimentosfor?ados do presente caso e da execu??o da senhora Petit da Silva,com base no devido processo legal, a fim de identificar os responsáveisintelectuais e materiais dessas viola??es e sancioná-loscriminalmente. Para isso, o Estado deve levar em considera??o queesses crimes s?o imprescritíveis e n?o podem ser objeto de anistias.Por esse motivo, o Brasil deve adotar todas as medidas que sejamnecessárias para assegurar que a Lei de Anistia e as leis de sigilo n?ocontinuem a representar um obstáculo para a persecu??o penal contragraves viola??es de direitos humanos. Além disso, solicitou que sepubliquem os resultados dessa investiga??o, para que a sociedadebrasileira possa conhecer esse período de sua história.254. Os representantes solicitaram ao Tribunal que ordene aoBrasil a investiga??o dos fatos, o julgamento e a puni??o de todos osresponsáveis, em um prazo razoável, e que disponha que o Estadon?o pode utilizar disposi??es de direito interno, como prescri??o,coisa julgada, irretroatividade da lei penal e ne bis in idem, nemqualquer excludente de responsabilidade similar, para eximir-se deseu dever. O Estado deve remover todos os obstáculos de facto e deiure, que mantenham a impunidade dos fatos, como aqueles relativosà Lei de Anistia. Adicionalmente, solicitaram à Corte que ordene aoEstado que: a) sejam julgados na justi?a ordinária todos os processosque se refiram a graves viola??es de direitos humanos; b) os familiaresdas vítimas tenham pleno acesso e legitima??o para atuar emtodas as etapas processuais, em conformidade com as leis internas ea Conven??o Americana, e c) os resultados das investiga??es sejamdivulgados pública e amplamente, para que a sociedade brasileira osconhe?a.255. O Estado n?o se pronunciou particularmente a respeitoda investiga??o dos fatos e limitou-se a destacar que a análise da Leide Anistia n?o pode separar-se do tempo em que a referida lei foielaborada, nem do fundamento em que se encontra assentada. Poroutro lado, lembrou que a decis?o do Supremo Tribunal Federal naArgui??o de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 153 consideroulegítima integralmente a Lei de Anistia, em vista do novoordenamento constitucional.256. No Capítulo VIII da presente Senten?a, a Corte declaroua viola??o dos direitos às garantias judiciais e à prote??o judicial, emvirtude da falta de investiga??o, julgamento e eventual san??o dosresponsáveis pelos fatos do presente caso. Tomando em considera??oo anteriormente exposto, bem como sua jurisprudência, este Tribunaldisp?e que o Estado deve conduzir eficazmente a investiga??o penaldos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar ascorrespondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente assan??es e consequências que a lei disponha . Essa obriga??o deve sercumprida em um prazo razoável, considerando os critérios determinadospara investiga??es nesse tipo de caso , inter alia:a) iniciar as investiga??es pertinentes com rela??o aos fatosdo presente caso, levando em conta o padr?o de viola??es de direitoshumanos existente na época, a fim de que o processo e as investiga??espertinentes sejam conduzidos de acordo com a complexidadedesses fatos e com o contexto em que ocorreram, evitando omiss?esno recolhimento da prova e no seguimento de linhas lógicas deinvestiga??o;b) determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimentofor?ado das vítimas e da execu??o extrajudicial. Ademais,por se tratar de viola??es graves de direitos humanos, e considerandoa natureza dos fatos e o caráter continuado ou permanentedo desaparecimento for?ado, o Estado n?o poderá aplicar a Lei deAnistia em benefício dos autores, bem como nenhuma outra disposi??oanáloga, prescri??o, irretroatividade da lei penal, coisa julgada,ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidadepara eximir-se dessa obriga??o, nos termos dos parágrafos171 a 179 desta Sentencia, ec) garantir que: i) as autoridades competentes realizem, exofficio, as investiga??es correspondentes, e que, para esse efeito,tenham a seu alcance e utilizem todos os recursos logísticos e científicosnecessários para recolher e processar as provas e, em particular,estejam facultadas para o acesso à documenta??o e informa??opertinentes, para investigar os fatos denunciados e conduzir,com presteza, as a??es e investiga??es essenciais para esclarecer oque ocorreu à pessoa morta e aos desaparecidos do presente caso; ii)as pessoas que participem da investiga??o, entre elas, os familiaresdas vítimas, as testemunhas e os operadores de justi?a, disponham dasdevidas garantias de seguran?a, e iii) as autoridades se abstenham derealizar atos que impliquem obstru??o do andamento do processoinvestigativo.257. Especificamente, o Estado deve garantir que as causaspenais que tenham origem nos fatos do presente caso, contra supostosresponsáveis que sejam ou tenham sido funcionários militares, sejamexaminadas na jurisdi??o ordinária, e n?o no foro militar . Finalmente,a Corte considera que, com base em sua jurisprudência , oEstado deve assegurar o pleno acesso e capacidade de a??o dosfamiliares das vítimas em todas as etapas da investiga??o e do julgamentodos responsáveis, de acordo com a lei interna e as normas daConven??o Americana. Além disso, os resultados dos respectivosprocessos dever?o ser publicamente divulgados, para que a sociedadebrasileira conhe?a os fatos objeto do presente caso, bem como aquelesque por eles s?o responsáveis.2. Determina??o do paradeiro das vítimas258. A Comiss?o solicitou à Corte que ordene que o Brasilintensifique, com recursos financeiros e logísticos, os esfor?os jáenvidados na busca e sepultamento das vítimas desaparecidas, cujosrestos mortais ainda n?o tenham sido encontrados ou identificados.259. Os representantes reconheceram os esfor?os envidadospelo Estado para localizar os restos mortais das vítimas de desaparecimentosdeste caso, mas persiste o desconhecimento sobre oparadeiro dessas pessoas e as circunst?ncias de seu desaparecimento.Solicitaram à Corte que ordene ao Estado que proceda, de imediato,a buscar, localizar e identificar as vítimas deste caso, assegurando quesejam respeitadas as garantias de devida diligência, essenciais nainvestiga??o de casos dessa magnitude, bem como a imparcialidade ea eficácia dos procedimentos. O trabalho deve ser planejado, dirigidoe efetuado por uma equipe interdisciplinar especialmente preparadapara essa tarefa, sob o controle de autoridades judiciais, a fim deassegurar a validade e a integridade das provas obtidas. Igualmente,pediram que o Estado determine a identidade dos restos localizadosem miss?es anteriores na regi?o do Araguaia e que sejam entreguesrapidamente aos familiares, mediante prévia prova do parentesco. OEstado deve financiar todas as despesas e devem ser respeitadas astradi??es e costumes dos familiares das vítimas. Além disso, salientaramque é necessária a consolida??o de um banco de amostrasde DNA dos familiares das vítimas. Em particular, sobre o Grupo deTrabalho Tocantins, declararam que n?o constitui um mecanismo adequadopara realizar a busca dos desaparecidos da Guerrilha, uma vezque n?o atende aos critérios mencionados acima.260. O Estado informou que, até 2006, foram realizadas 13expedi??es à regi?o do Araguaia, com o intuito de localizar os corposdos guerrilheiros desaparecidos, algumas por seus familiares e outraspor órg?os públicos. Além disso, prosseguem as investiga??es sobre apossível "Opera??o Limpeza", em que, por ocasi?o do final da Guerrilhado Araguaia, os militares supostamente haviam retirado da áreatodos os restos mortais dos guerrilheiros para posterior incinera??o.Em particular, sobre o Grupo de Trabalho Tocantins, o Estado salientouque foi criado com a finalidade de coordenar e executar asatividades necessárias à localiza??o, reconhecimento e identifica??odos corpos dos guerrilheiros e dos militares mortos durante a Guerrilhado Araguaia e posteriormente foi criado o Comitê Interins titucional de Supervis?o do Grupo de Trabalho Tocantins, cujas atividadesvêm sendo acompanhadas pelas autoridades judiciais, e contamcom a participa??o do Ministério Público Federal. Além disso,ressaltou que foi criada uma equipe de entrevistas e contextualiza??ode fatos, constituída exclusivamente por civis, para entrevistar a popula??olocal e recolher novos dados sobre eventuais locais de sepultamento.Por outro lado, o Brasil informou que foi criado, em2006, um banco de amostras de DNA dos familiares das vítimas, parafacilitar a identifica??o dos restos mortais que sejam encontrados, oqual disp?e de amostras de 142 familiares de 108 desaparecidospolíticos. Embora se tenha tentado utilizar a tecnologia e os recursosdisponíveis para obter a identifica??o dos restos mortais, em algunscasos os resultados n?o foram conclusivos, em virtude das más condi??esdos restos encontrados e à deficiente tecnologia disponível nomomento em que foram encontrados, mas prossegue o trabalho paraidentificá-los, valendo-se, para esse efeito, de novas técnicas e doauxílio de diferentes institui??es.261. Este Tribunal estabeleceu que o direito dos familiaresdas vítimas de identificar o paradeiro dos desaparecidos e, se for ocaso, saber onde se encontram seus restos constitui uma medida derepara??o e, portanto, gera o dever correspondente, para o Estado, deatender a essa expectativa . Receber os corpos das pessoas desaparecidasé de suma import?ncia para seus familiares, já que lhespermite sepultá-los de acordo com suas cren?as, bem como encerrar oprocesso de luto vivido ao longo desses anos. O Tribunal considera,ademais, que o local em que os restos sejam encontrados pode oferecerinforma??o valiosa sobre os autores das viola??es ou a institui??oa que pertenciam.262. A Corte avalia positivamente que o Brasil tenha adotadomedidas para avan?ar na busca das vítimas da Guerrilha do Araguaia.Nesse sentido, é necessário que o Estado realize todos os esfor?ospossíveis para determinar seu paradeiro, com brevidade. O Tribunaldestaca que os familiares esperam essa informa??o há mais de 30anos. Quando for o caso, os restos mortais das vítimas desaparecidas,previamente identificados, dever?o ser entregues aos familiares, t?ologo seja possível e sem custo algum para eles, para que possamsepultá-los de acordo com suas cren?as. O Estado deverá tambémfinanciar as despesas funerárias, de comum acordo com os familiares. Por outro lado, o Tribunal toma nota da cria??o do Grupo deTrabalho Tocantins, que tem por finalidade a busca das vítimas desaparecidasno marco da A??o Ordinária e salienta que o mesmodeverá contar com a participa??o do Ministério Público Federal.263. A Corte observa que a busca dos restos mortais foiordenada no marco da A??o Ordinária No. 82.0024682-5 e, por conseguinte,encontra-se sob a supervis?o do juiz que disp?s essa medida,a quem deve ser enviada a informa??o obtida . Nesse sentido, oTribunal considera que as buscas das vítimas desaparecidas pelo Estado,seja por meio do Grupo de Trabalho Tocantins, seja por qualqueroutra a??o posterior ou complementar necessária à localiza??o eidentifica??o das pessoas desaparecidas, como, por exemplo, a investiga??openal ordenada na presente Senten?a (supra pars. 256 e257), dever?o ser realizadas de maneira sistemática e rigorosa, dispordos recursos humanos e técnicos adequados e empregar, levando emconta as normas pertinentes na matéria , todos os meios necessáriospara localizar e identificar os restos das vítimas desaparecidas eentregá-los a seus familiares.C. Outras medidas de reabilita??o, satisfa??o e garantias den?o repeti??o1. Reabilita??oi. Aten??o médica e psicológica264. A Comiss?o solicitou à Corte que ordene ao Estado aado??o de medidas para o tratamento físico e psicológico dos familiaresdas vítimas desaparecidas e da pessoa executada.265. Os representantes ressaltaram que o Estado tem a obriga??ode oferecer assistência médica e psicológica gratuita aos familiaresdas vítimas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, de modoque possam ter acesso a um centro médico de qualidade paraconseguir a assistência necessária, motivo por que solicitaram queessa assistência seja prestada por centros médicos reconhecidos nacionalmente,escolhidos pelos familiares, e n?o pelo Servi?o ?nico deSaúde, conforme prop?e o Estado. Essa medida deverá incluir, também,o custo dos medicamentos, a fim de que os familiares n?otenham de incorrer em despesas adicionais às que já tiveram. Paraisso, o Brasil deve proceder a uma avalia??o médica individual dosfamiliares e o tratamento requerido deverá atender às necessidades decada um deles.266. O Estado destacou que, na A??o Ordinária apresentadapelos familiares contra a Uni?o, estes solicitaram diferentes medidas,mas nunca uma "repara??o integral". Informou, no entanto, que existeno Brasil o Servi?o ?nico de Saúde, que permite a universalidade deacesso aos servi?os de saúde em todos os níveis de assistência.267. A Corte considera, como o fez em outros casos , que énecessária uma medida de repara??o que ofere?a um atendimentoadequado aos sofrimentos físicos e psicológicos sofridos pelas vítimas.Portanto, o Tribunal considera conveniente dispor que o Estadopreste atendimento médico e psicológico ou psiquiátrico, de formagratuita e imediata, adequada e efetiva, por meio das institui??espúblicas especializadas de saúde, às vítimas que assim o solicitem.Para isso, dever?o ser levados em conta os sofrimentos específicosdos beneficiários, mediante a realiza??o prévia de uma avalia??ofísica e psicológica ou psiquiátrica. Os respectivos tratamentos tambémdever?o ser prestados no Brasil pelo tempo que seja necessárioe incluir o fornecimento gratuito dos medicamentos que eventualmenterequeiram.268. Particularmente, o tratamento psicológico ou psiquiátricodeve ser prestado por pessoal e institui??es estatais especializadasno atendimento de vítimas de fatos como os ocorridos nopresente caso. Caso o Estado care?a do pessoal ou das institui??esque possam prover o nível requerido de aten??o, deverá recorrer ainstitui??es privadas ou da sociedade civil especializadas. Ao prestaresse tratamento, devem-se considerar, ademais, as circunst?ncias enecessidades específicas de cada vítima, de maneira que lhes sejamoferecidos tratamentos familiares e individuais, segundo o que estejade acordo com cada uma delas e após uma avalia??o individual .Finalmente, o referido tratamento deverá ser prestado, na medida daspossibilidades, nos centros mais próximos aos locais de residência. Asvítimas que solicitem essa medida de repara??o, ou seus representanteslegais, disp?em de um prazo de seis meses, contados a partir danotifica??o da presente Senten?a, para comunicar ao Estado sua inten??ode receber atendimento psicológico ou psiquiátrico.269. Adicionalmente, a Corte observa que a senhora ElenaGibertini Castiglia, m?e do desaparecido Líbero Giancarlo Castiglia,reside na cidade de San Lucido, Itália , e, portanto, n?o terá acessoaos servi?os públicos de saúde brasileiros, conforme o ordenado napresente se??o. Por isso, o Tribunal considera pertinente determinarque, na hipótese de que a senhora Gibertini Castiglia solicite aten??omédica, psicológica ou psiquiátrica, nos termos do parágrafo anterior,o Estado deverá outorgar-lhe lhe o montante de US$ 7.500,00 (setemil e quinhentos dólares dos Estados Unidos da América) a título degastos com tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico, para quepossa receber referida aten??o médica na localidade onde resida.2. Satisfa??oi. Publica??o da Senten?a270. A Comiss?o solicitou à Corte que ordene ao Estado quedisponha a publica??o da Senten?a, que eventualmente pronuncie, emum meio de circula??o nacional.271. Os representantes solicitaram à Corte que ordene aoEstado a publica??o dos capítulos da Senten?a relativos a fatos provados,os artigos convencionais violados e a parte resolutiva da mesmano Diário Oficial e em um jornal de grande circula??o nacional.Além disso, solicitaram a publica??o de um livro com o conteúdointegral da Senten?a.272. O Estado salientou que esse pedido só poderia seratendido no caso de uma eventual Senten?a condenatória da Corte.273. Conforme se ordenou em outras oportunidades, o Tribunaljulga que, como medida de satisfa??o, o Estado deve publicar,uma única vez, no Diário Oficial, a presente Senten?a, incluindo osnomes dos capítulo e subtítulos - sem as notas de rodapé -, bem comoa parte resolutiva da mesma. Além disso, o Estado deverá: a) publicaro resumo oficial da Senten?a proferida pela Corte em um diário deampla circula??o nacional, e b) publicar na íntegra a presente Senten?aem um sitio eletr?nico adequado do Estado, levando em contaas características da publica??o que se ordena realizar, a qual devepermanecer disponível durante, pelo menos, o período de um ano.Finalmente, levando em conta a solicita??o dos representantes depublica??o desta decis?o em formato de livro, o Tribunal estimaoportuno ordenar, ademais, que o Estado publique num sítio eletr?nicoadequado, a presente Senten?a em formato de livro eletr?nico.Estas publica??es devem ser efetivadas no prazo de seis meses, contadosa partir da notifica??o da presente Senten?a.ii. Ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional274. A Comiss?o solicitou à Corte que ordene ao Estado oreconhecimento de sua responsabilidade internacional, bem como acelebra??o de atos de import?ncia simbólica, que assegurem a n?orepeti??o das viola??es ocorridas no presente caso.275. Os representantes manifestaram que nenhuma das a??esde natureza simbólica referidas pelo Estado (infra par. 276) refere-seexclusivamente aos desaparecidos no Brasil e que nenhum desses atosfoi efetuado em consulta com os familiares das vítimas do presentecaso, elemento imprescindível para a realiza??o da medida solicitada.O Estado, embora tenha reconhecido sua responsabilidade pelos desaparecimentosfor?ados no ?mbito interno, n?o o fez no ?mbitointernacional, nem reconheceu sua responsabilidade pelas viola??esdos direitos à prote??o judicial e às garantias judiciais, assim como àintegridade pessoal e de acesso à informa??o das vítimas e seusfamiliares. Com base no exposto, solicitaram à Corte que ordene aoBrasil a realiza??o de um ato público de reconhecimento de responsabilidadeinternacional e de pedido oficial de desculpas pelasgraves viola??es de direitos humanos perpetradas contra as vítimas dopresente caso, especificamente, pela denega??o de justi?a. Consideraramque do ato devem participar altos representantes dos trêspoderes do Estado, que sua realiza??o deve ser acordada com osrepresentantes das vítimas com antecedência e que as despesas dever?oser financiadas pelo Estado. Finalmente, considerando que algunsfamiliares vivem em lugares distantes, solicitaram a transmiss?odo ato público através de meios de comunica??o, como rádio, jornaise televis?o, com ampla cobertura nacional e em horário de grandeaudiência.276. O Estado ressaltou que reconheceu oficialmente suaresponsabilidade pelas mortes e desaparecimentos for?ados ocorridosdurante o período do regime militar, inter alia, por meio da Lei No.9.140/95 e do relatório "Direito à Memória e à Verdade" da Comiss?oEspecial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o qual foi apresentadoem um ato público com a presen?a do Presidente da República,de diversas autoridades e de familiares das vítimas do regimemilitar. Também o Ministro da Justi?a, em nome do Estado, realizouum pedido oficial de desculpas mediante um ato público realizado em18 de junho de 2009, em que foram concedidos os benefícios de umaanistia política a 44 camponeses da regi?o, os quais foram perseguidospara prestar informa??es sobre a Guerrilha do Araguaia. Adicionalmente,promoveu ainda outras medidas de caráter imaterial.Quanto ao projeto "Direito à Memória e à Verdade", conduzido pelaSecretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República,salientou que compreende várias a??es: a) a publica??o e distribui??odo relatório Direito à Memória e à Verdade em escolaspúblicas; b) outras três publica??es a fim de ressaltar aspectos relevantesda luta contra o regime militar; c) a exposi??o fotográfica "Aditadura no Brasil 1964-1985", e d) o projeto "Memorial PessoasImprescindíveis", que consiste em painéis e esculturas colocados emdiversos locais públicos. Além disso, os projetos da Comiss?o deAnistia incluem, entre outros: a) o projeto "Anistia Cultural", quecompreende a realiza??o de audiências públicas da Comiss?o deAnistia, nas quais s?o analisados os pedidos de repara??o das vítimasdo regime militar por meio das "Caravanas de Anistia"; b) o "IEncontro de Torturados da Guerrilha do Araguaia"; c) o projeto "Memorialde Anistia Política no Brasil"; d) a campanha de doa??o eobten??o de informa??o "Caminhos para a Democracia"; e) a cria??ode um Grupo de Trabalho para o projeto "Marcas de Memória: HistóriaOral da Anistia Política no Brasil"; f) a publica??o da RevistaAnistia Política e Justi?a de Transi??o, e g) a cria??o do Memorial deAnistia Política no Brasil, em Belo Horizonte. A respeito da recupera??oda memória da Guerrilha do Araguaia, o Estado destacou o"Museu Paraense Emílio Goeldi", cujas atividades se concentram,entre outras, na divulga??o de conhecimento e acervos relacionadoscom a regi?o amaz?nica e a obten??o e sistematiza??o de informa??osobre a Guerrilha. Por último, o Estado informou sobre duas homenagensà vítima Bérgson Gurj?o Farias.277. A Corte Interamericana valora positivamente as iniciativasde reconhecimento de responsabilidade interno e as numerosasmedidas de repara??o informadas pelo Estado. Entretanto, comofez em outros casos , para que o reconhecimento interno surta plenosefeitos, o Tribunal considera que o Estado deve realizar um atopúblico de reconhecimento de responsabilidade internacional, em rela??oaos fatos do presente caso, referindo-se às viola??es estabelecidasna presente Senten?a. O ato deverá levar-se a cabo medianteuma cerim?nia pública em presen?a de altas autoridades nacionais edas vítimas do presente caso. O Estado deverá acordar com as vítimase seus representantes a modalidade de cumprimento do ato público dereconhecimento, bem como as particularidades que se requeiram,como o local e a data da realiza??o. Esse ato deverá ser divulgadopelos meios de comunica??o e, para sua realiza??o, o Estado disp?edo prazo de um ano, contado a partir da notifica??o da presenteSenten?a.iii. Dia dos desaparecidos políticos no Brasil e memorial278. Os representantes solicitaram à Corte que ordene aoEstado a designa??o de um dia como o "dia do desaparecido político",durante o qual se realizem atividades para lembrar as pessoasdesaparecidas durante a ditadura militar, para ajudar a conscientizarsobre a gravidade dos fatos ocorridos e para garantir que n?o serepitam. Solicitaram também a constru??o de um memorial ao qual osfamiliares das vítimas possam acudir para lembrá-las e realizar asatividades do dia do desaparecido político no Brasil. Esse memorialdeverá incluir uma exposi??o permanente, simples e sensível dasvítimas e seus familiares, bem como outras temporárias.279. O Estado ressaltou que a indica??o de um dia comemorativopara lembrar os desaparecidos políticos no Brasil dependede sua legisla??o interna, em conformidade com o artigo 61 daConstitui??o Política. Ademais, a designa??o da data comemorativaaludida no ?mbito nacional se somaria à comemora??o do Dia Internacionaldo Desaparecido Político, que tem lugar no dia 30 deagosto de cada ano.280. O Tribunal observa que n?o foi fundamentado o motivopor que seria necessário contar com um dia diferente do Dia Internacionaldo Desaparecido Político e por que nele n?o poderiam serincluídas as comemora??es relativas aos desaparecidos da Guerrilhado Araguaia. De igual modo, tampouco se fundamentou a eventualinsuficiência das medidas de repara??o adotadas pelo Brasil que tornemnecessária que se disponha a constru??o de um memorial. ACorte considera suficiente, como medidas de repara??o a emiss?o dapresente Senten?a, as medidas que nela se disp?em e as numerosasa??es informadas pelo Estado. Com base no exposto, o Tribunal n?ojulga necessário ordenar as medidas de repara??o adicionais indicadasnesta se??o.3. Garantias de n?o repeti??oi. Educa??o em direitos humanos nas For?as Armadas281. A Comiss?o solicitou à Corte que ordene ao Estado a implementa??o,em um prazo razoável, de programas de educa??o em direitoshumanos permanentes dentro das For?as Armadas, em todos osníveis hierárquicos, os quais devem incluir o presente caso e os instrumentosregionais e internacionais de direitos humanos, especificamenteos relacionados com o desaparecimento for?ado de pessoas e a tortura.282. O Estado declarou que, em decorrência da ades?o aconven??es das Na??es Unidas, come?ou a investir em educa??o emdireitos humanos para as For?as Armadas. A "Estratégia Nacional deDefesa" prevê expressamente que as institui??es de ensino das trêsFor?as Armadas ampliem as matérias de forma??o militar com assuntosrelativos a no??es de Direito Constitucional e Direitos Humanos.Desse modo, a Academia da For?a Aérea ministra a matéria"Direito Geral", que aborda quest?es de direitos humanos, na parterelativa ao exame dos dispositivos constitucionais referentes aos direitose garantias fundamentais. No Exército, a Cátedra de "Direito"contempla assuntos de Direito Constitucional e Direitos Humanos,inclusive Direito Internacional Humanitário. Na Marinha, o conteúdorelativo aos direitos humanos é tratado na matéria "Direito Constitucional",especificamente no estudo dos "direitos e garantias fundamentaisdo homem", tema que também é abordado de maneiraampla na matéria "Direito Internacional Humanitário".283. A Corte considera de maneira positiva a informa??o doBrasil sobre os programas de capacita??o das For?as Armadas. EsteTribunal julga importante fortalecer as capacidades institucionais doEstado, mediante a capacita??o de integrantes das For?as Armadassobre os princípios e normas de prote??o dos direitos humanos e oslimites a que devem ser submetidos . Para essa finalidade, o Estadodeve dar prosseguimento às a??es desenvolvidas e implementar, emum prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatóriosobre direitos humanos, destinado a todos os níveis hierárquicos dasFor?as Armadas. Como parte dessa forma??o, deverá ser incluída apresente Senten?a, a jurisprudência da Corte Interamericana a respeitodo desaparecimento for?ado de pessoas, de outras graves viola??esaos direitos humanos e à jurisdi??o penal militar, bem como às obriga??esinternacionais de direitos humanos do Brasil, derivadas dostratados nos quais é Parte.ii. Tipifica??o do delito de desaparecimento for?ado284. A Comiss?o solicitou à Corte que ordene ao Estadotipificar, em seu ordenamento interno, o crime de desaparecimentofor?ado, conforme os elementos constitutivos do mesmo, estabelecidosnos instrumentos internacionais respectivos.285. Os representantes ressaltaram que o Estado deve tipificaro delito de desaparecimento for?ado, considerando-o continuadoou permanente, enquanto n?o se estabele?a o destino ou paradeiroda vítima. A adequada tipifica??o do desaparecimento for?adodeve incluir: a) a elimina??o, ab initio, de institui??es jurídicas comoa anistia e a prescri??o; b) a elimina??o da competência da justi?amilitar; c) a investiga??o da totalidade das condutas das pessoasimplicadas, e d) a determina??o das san??es proporcionais à gravidadedo crime. A respeito do Projeto de Lei No. 4.038/08, quetipifica o delito de desaparecimento for?ado de pessoas, salientaramque aponta a incorporar o Estatuto de Roma ao direito interno brasileiroe somente prevê o delito de desaparecimento for?ado de pessoasem um contexto de crimes contra a humanidade. A respeito doProjeto de Lei No. 301/07, que também tem por objetivo definircondutas que constituam crimes de viola??o ao Direito InternacionalHumanitário e estabelecer normas para a coopera??o judicial com aCorte Penal Internacional, consideraram que tampouco é adequado,entre outras raz?es, em virtude de também descrever a conduta delituosana esfera de um ataque generalizado ou sistemático contra apopula??o civil. Por esse motivo, solicitaram à Corte que ordene aoEstado a tipifica??o do delito de desaparecimento for?ado de pessoasem seu ordenamento, em conformidade com os par?metros do SistemaInteramericano.286. O Estado reconheceu a import?ncia da tipifica??o dodelito de desaparecimento for?ado e manifestou que a ausência dessatipifica??o n?o impede que essa conduta seja subsumida em outrotipo penal. Entretanto, a tipifica??o do delito de desaparecimentofor?ado no ordenamento interno brasileiro encontra-se sujeita ao examedo Poder Legislativo, mediante dois projetos de lei: a) o de No.4.038/08, apresentado em setembro de 2008, cujo artigo 33 define odesaparecimento for?ado como crime contra a humanidade, e b) o deNo. 301/07, cujo artigo 11 também tipifica o desaparecimento for?ado.Finalmente, o Estado salientou que o Decreto Legislativo No.116, de 2008, que ratifica a Conven??o Interamericana sobre DesaparecimentoFor?ado de Pessoas, se encontra em tramita??o noCongresso Nacional. Informou que o Decreto Legislativo antes citadofoi aprovado pela C?mara dos Deputados e encontra-se atualmenteem tramite na Comiss?o de Rela??es Exteriores do Senado Federal.287. De acordo com o anteriormente exposto, o Tribunalinsta o Estado a que dê prosseguimento à tramita??o legislativa e aque adote, em prazo razoável, todas as medidas necessárias pararatificar a Conven??o Interamericana sobre o Desaparecimento For?adode Pessoas. Por outro lado, de acordo com a obriga??o decorrentedo artigo 2 da Conven??o Americana, o Brasil deve adotar asmedidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimentofor?ado de pessoas, em conformidade com os par?metrosinteramericanos. Essa obriga??o vincula a todos os poderes e órg?osestatais em seu conjunto. Nesse sentido, como esta Corte salientouanteriormente , o Estado n?o deve limitar-se a promover o projeto delei de que se trata, mas assegurar sua pronta san??o e entrada emvigor, de acordo com os procedimentos estabelecidos no ordenamentojurídico interno. Enquanto cumpre essa medida, o Estado deveráadotar todas aquelas a??es que garantam o efetivo julgamento e, sefor o caso, puni??o dos fatos constitutivos do desaparecimento for?ado,através dos mecanismos existentes no direito interno.iii. Acesso, sistematiza??o e publica??o de documentos empoder do Estado288. A Comiss?o solicitou ao Tribunal que ordene ao Estadorealizar todas as a??es e modifica??es legais a fim de sistematizar etornar públicos todos os documentos relacionados com as opera??esmilitares contra a Guerrilha do Araguaia.289. Os representantes solicitaram à Corte que ordene aoEstado: a) assegurar que todas as institui??es e autoridades estataissejam obrigadas a cooperar na entrega de informa??es e no plenoacesso a todos os arquivos e registros sobre o possível destino dasvítimas do presente caso; b) exigir a entrega dos documentos queilegalmente se encontram de posse de particulares; c) adequar odireito interno brasileiro aos par?metros internacionais de prote??o dodireito de acesso à informa??o; d) comprovar devidamente a alegadadestrui??o de documentos oficiais e investigar judicialmente essa destrui??o,a fim de que os responsáveis possam ser identificados, julgadose eventualmente sancionados, e e) realizar visitas às dependênciasdas For?as Armadas de pesquisadores e especialistas emarquivos alheios à estrutura castrense, aos quais se deve dar o maisamplo acesso, com o objetivo de localizar os arquivos militares pertinentes.Em particular, a respeito do Projeto de Lei No. 5.228/09, quemodificaria as normas de acesso à informa??o em poder do Estado,salientaram que "é bem-vindo", mas mencionaram que sua tramita??ojunto ao Poder Legislativo deve ser agilizada, a fim de que sejaaprovado com a maior brevidade possível.iv. Cria??o de uma Comiss?o da Verdade294. Os representantes solicitaram ao Tribunal que ordene aoEstado a cria??o de uma Comiss?o da Verdade, que cumpra com ospar?metros internacionais de autonomia, independência e consultapública para sua integra??o e que esteja dotada de recursos e atribui??esadequados. Quanto ao projeto de lei que atualmente se encontrano Congresso, expressaram sua preocupa??o, entre outros aspectos,por que os sete membros da Comiss?o Nacional da Verdadeseriam escolhidos discricionariamente pelo Presidente da República,sem consulta pública e, portanto, sem garantias de independência e,ademais, que se permitiria a participa??o de militares como membros,o que afeta gravemente sua independência e credibilidade.295. O Brasil destacou a futura constitui??o de uma Comiss?oNacional da Verdade, que estaria constituída por sete membrosdesignados pelo Presidente da República, entre brasileiros dereconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa dademocracia e a institucionalidade constitucional, bem como com orespeito aos direitos humanos. A Comiss?o poderá, entre outras atribui??es,solicitar qualquer informa??o e documento diretamente dosórg?os e entidades públicos, promover audiências públicas, determinara realiza??o de perícias e diligências e pedir o auxílio deentidades para tomar o depoimento de pessoas que guardem rela??ocom os fatos e circunst?ncias examinadas.296. A Corte valora positivamente as a??es realizadas peloEstado para agilizar o conhecimento e o reconhecimento dos fatos dopresente caso. Especificamente, o Tribunal aprecia as diversas iniciativasdo Estado para continuar a esclarecer os fatos, que incluem,entre outras, a Comiss?o Especial sobre Mortos e DesaparecidosPolíticos, a Comiss?o Interministerial, a cria??o do arquivo MemóriasReveladas e o início do cumprimento da senten?a da A??o OrdináriaNo. 82.00.24682-5, esfor?os que contribuíram para avan?ar no esclarecimentodos fatos do presente caso e outros ocorridos durante oregime militar no Brasil.297. Quanto à cria??o de uma Comiss?o da Verdade, a Corteconsidera que se trata de um mecanismo importante, entre outrosaspectos, para cumprir a obriga??o do Estado de garantir o direito deconhecer a verdade sobre o ocorrido. Com efeito, o estabelecimentode uma Comiss?o da Verdade, dependendo do objeto, do procedimento,da estrutura e da finalidade de seu mandato, pode contribuirpara a constru??o e preserva??o da memória histórica, o esclarecimentode fatos e a determina??o de responsabilidades institucionais,sociais e políticas em determinados períodos históricos de uma sociedade.Por isso, o Tribunal valora a iniciativa de cria??o da Comiss?oNacional da Verdade e exorta o Estado a implementá-la, emconformidade com critérios de independência, idoneidade e transparênciana sele??o de seus membros, assim como a dotá-la de recursose atribui??es que lhe possibilitem cumprir eficazmente comseu mandato. A Corte julga pertinente, no entanto, destacar que asatividades e informa??es que, eventualmente, recolha essa Comiss?o,n?o substituem a obriga??o do Estado de estabelecer a verdade eassegurar a determina??o judicial de responsabilidades individuais,através dos processos judiciais penais .D. Indeniza??es, custas e gastos1. Dano material298. A Corte desenvolveu, em sua jurisprudência, o conceitode dano material e as hipóteses em que corresponde indenizá-lo. EsteTribunal estabeleceu que o dano material sup?e "a perda ou detrimentodos ingressos das vítimas, os gastos efetuados com motivodos fatos e as consequências de caráter pecuniário que tenham umnexo causal com os fatos do caso".299. A Comiss?o considerou que os montantes de indeniza??opecuniária acordados nos processos internos no Brasil devemser reconhecidos como parte da repara??o. Por esse motivo, solicitouà Corte que, atendendo à natureza do caso, fixe, em equidade, omontante da compensa??o a título de danos materiais.300. Os representantes reconheceram o esfor?o do Estadopara indenizar os familiares das vítimas, já que muitos deles receberamalgum tipo de compensa??o no ?mbito interno. Esses montantesdevem ser reconhecidos como parte da repara??o e descontadosdo valor que seja determinado pelo Tribunal. Entretanto, nenhuma dasleis que regulamentam o pagamento das repara??es concedidas definede forma explícita quais s?o os danos compreendidos por essas indeniza??es,nem diferenciam entre repara??es por danos materiais eimateriais. Por outro lado, salientaram que, ante a impossibilidade decomprovar as despesas médicas em que incorreram os familiares, emvirtude do sofrimento causado pelo desaparecimento das vítimas, osrepresentantes solicitaram à Corte que determine o valor correspondentede maneira equ?nime. Ademais, quanto ao dano emergente,consideraram que esse conceito compreende as perdas sofridas pelosfamiliares por dedicar suas vidas à busca de justi?a. Dado que s?omuitas as despesas efetuadas durante mais de 30 anos pelos familiares,quem n?o contam com os recibos correspondentes, solicitaramao Tribunal que fixe um montante, de maneira equ?nime.Outrossim, considerando a impossibilidade de determinar com exatid?oas atividades exercidas pelas vítimas no momento em que ocorreramos fatos, uma vez que viviam na clandestinidade, solicitaram àCorte que adote os critérios estabelecidos na legisla??o interna brasileirapara situa??es semelhantes, a fim de determinar o valor dolucro cessante devido. Neste sentido, solicitaram à Corte que apliqueo critério estabelecido na Lei No. 10.559/02 e que declare que asrepara??es ordenadas na presente Senten?a n?o impedem os fami-290. O Estado informou que adotou diversas medidas paratransformar os acervos documentais, antes restringidos, em instrumentosde garantia e afirma??o de direitos humanos e que todos osdocumentos de que se tem conhecimento sobre a Guerrilha do Araguaiaencontram-se no Arquivo Nacional, disponíveis para consulta,embora os mesmos n?o ofere?am informa??o definitiva sobre a localiza??odos restos mortais das vítimas. Quanto à suposta existênciade documentos relativos à Guerrilha do Araguaia sob custódia dasFor?as Armadas, salientou que já foram apresentados todos os documentosexistentes e que o Decreto No. 79.099/77, em vigor até 24de junho de 1997, permitia a destrui??o de documentos. Os processosde investiga??o no ?mbito das For?as Armadas concluíram que adestrui??o de documentos foi feita em conformidade com citado Decreto.Adicionalmente, indicou que 98% dos documentos disponíveisno Arquivo Nacional correspondem a registros feitos por órg?os eentidades do Estado.291. Por último, sobre a legisla??o brasileira que regulamentao direito à informa??o e contempla casos de restri??o aoacesso, com base na seguran?a do Estado e da sociedade, o Brasilespecificou que o segredo n?o recai sobre nenhum documento relativoà Guerrilha do Araguaia. Informou, entretanto, que em 5 de maio de2009 a Presidência da República apresentou ao Congresso Nacional oProjeto de Lei No. 5.228/09, que busca dar um novo tratamento aodireito à informa??o, privilegiando a garantia de acesso à informa??ocomo regra geral. O artigo 16 do projeto disp?e que "[n]?o poderá sernegado acesso à informa??o necessária à tutela judicial ou administrativade direitos fundamentais" e que "as informa??es ou documentosque versem sobre condutas que impliquem viola??o dosdireitos humanos, praticada por agentes públicos ou a mando deautoridades públicas, n?o poder?o ser objeto de restri??o de acesso".O projeto também disp?e uma redu??o dos prazos de sigilo dosdocumentos. Esse projeto foi aprovado pela C?mara dos Deputados ese encontra em análise no Senado Federal.292. A Corte avalia, de maneira positiva, as numerosas iniciativasdo Brasil em prol de sistematizar e dar publicidade aosdocumentos relativos ao período do regime militar, inclusive os relacionadoscom a Guerrilha do Araguaia. Em particular, sobre acoleta e sistematiza??o de informa??es relativas à Guerrilha, de acordocom as informa??es do Estado e o laudo do perito Antunes daSilva , no marco da A??o Ordinária No. 82.0024682-5, em tramita??ona Primeira Vara Federal do Distrito Federal, foram apresentadas21.319 páginas de documentos, distribuídas em 426 volumes do acervodo extinto Servi?o Nacional de Informa??es. Posteriormente, foramacrescentados 28 tomos de documentos com informa??es temáticassobre as incurs?es do Exército na área de conflito. Em 3 defevereiro de 2010, foram recolhidos da Coordena??o Regional doacervo do servi?o secreto do Comando da For?a Aérea cerca de 50mil documentos, dos quais 63 correspondem à Guerrilha do base no exposto, o Tribunal julga que n?o cabe ordenar umamedida de repara??o adicional a esse respeito, sem prejuízo de que oEstado deva continuar a conduzir iniciativas de busca, sistematiza??oe publica??o das informa??es sobre a Guerrilha do Araguaia, bemcomo de informa??es relativas às viola??es de direitos humanos ocorridasdurante o regime militar, e a elas garantindo o acesso.293. Por outro lado, quanto à adequa??o do marco normativodo acesso à informa??o, o Tribunal toma nota de que o Estadoinformou que se encontra em tramita??o um projeto de lei que, entreoutras reformas, prop?e uma redu??o dos prazos previstos para areserva de documentos e disp?e a proibi??o da mesma a respeitodaqueles que tenham rela??o com viola??es de direitos humanos, eque os representantes manifestaram sua aprova??o ao projeto base no anterior, o Tribunal exorta ao Estado que, emprazo razoável, de acordo com o artigo 2 da Conven??o Americana,adote as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outranatureza que sejam necessárias para fortalecer o marco normativo deacesso à informa??o, em conformidade com os par?metros interamericanosde prote??o dos direitos humanos, como os citados napresente Senten?a (supra pars. 228 a 231).liares de fazer valer seus direitos em procedimentos internos para opagamento de outras indeniza??es complementárias, em conformidadecom a legisla??o brasileira.301. O Estado informou que a Lei No. 9.140/95 facultou aosfamiliares de mortos e desaparecidos a solicita??o de uma repara??opecuniária e que em maio de 2007, enviou à Comiss?o Interamericanauma lista das pessoas desaparecidas pertencentes à Guerrilha do Araguaia,cujos familiares receberam uma indeniza??o. Do total de 62pessoas reconhecidas pelo Estado, ressaltou que quatro famílias n?oreceberam indeniza??o, por renúncia expressa dos familiares ou pelafalta de solicita??o do pagamento. Portanto, informou que havia pagoindeniza??es relacionadas a 58 vítimas.302. O Tribunal adverte que o Estado n?o fez uma diferencia??oentre dano material ou dano imaterial, nas indeniza??esderivadas da aplica??o da Lei No. 9.140/95. Apesar disso, a Corteobserva que o Estado efetivamente pagou indeniza??es a familiaresde 58 vítimas de desaparecimento for?ado no presente caso. Comrela??o aos senhores Francisco Manoel Chaves e Pedro Matias deOliveira ("Pedro Carretel"), os familiares n?o se apresentaram à Comiss?oEspecial estabelecida pela Lei No. 9.140/95 para solicitarreconhecimento ou indeniza??o . Quanto aos familiares dos senhoresHélio Luiz Navarro de Magalh?es e Pedro Alexandrino de OliveiraFilho, a Corte observa que embora suas m?es tenham solicitado àComiss?o Especial informa??o sobre eles, n?o quiseram solicitar indeniza??o.303. A Corte considera, como o fez em outros casos , que nahipótese de existirem mecanismos nacionais para determinar formasde repara??o, esses procedimentos e resultados devem ser valorizados.Caso esses mecanismos n?o atendam a critérios de objetividade,razoabilidade e efetividade para reparar adequadamente asviola??es de direitos reconhecidas na Conven??o, declaradas por esteTribunal, corresponde a este, no exercício de sua competência subsidiáriae complementar, dispor as repara??es pertinentes. Nesse sentido,foi estabelecido que os familiares das vítimas desaparecidastiveram acesso a um processo administrativo que determinou umaindeniza??o "a título de repara??o" pelos desaparecimentos for?adosou mortes das vítimas diretas. A Corte avalia positivamente a atua??odo Estado nesse sentido e considera que os montantes fixados pelaLei No. 9.140/95, e pagas aos familiares das vítimas a "título derepara??o", s?o razoáveis nos termos de sua jurisprudência e sup?eque incluem tanto os danos materiais como os imateriais a respeitodas vítimas desaparecidas. Por outro lado, nos casos das indeniza??esn?o reclamadas pelos familiares dos senhores Francisco Manoel Chaves,Pedro Matias de Oliveira ("Pedro Carretel"), Hélio Luiz Navarrode Magalh?es e Pedro Alexandrino de Oliveira Filho, o Tribunaldisp?e que o Estado estabele?a a possibilidade de que, num prazo deseis meses contados a partir da notifica??o da presente Senten?a,aqueles interessados possam apresentar, caso o desejem, seus pedidosde indeniza??o, utilizando os critérios e mecanismos estabelecidos nodireito interno pela Lei No. 9.140/95.304. Por outro lado, quanto às despesas médicas e outrasrelacionadas com a busca dos familiares, solicitadas pelos representantes,a Corte observa que n?o foram apresentados comprovantesdas despesas alegadas, nem foram indicados os danos específicossofridos por cada familiar para fundamentar esse pedido, tampoucoforam individualizadas as atividades de que cada um deles participoucom uma indica??o dos gastos realizados. Sem prejuízo do anterior, oTribunal presume que os familiares das vítimas incorreram, desde 10de dezembro de 1998 até esta data, entre outras, em despesas relacionadascom servi?os ou aten??o médica e aquelas referentes àbusca de informa??o e dos restos mortais das vítimas desaparecidasaté o presente. Com base no anterior, o Tribunal determina, emequidade, o pagamento de US$ 3.000,00 (três mil dólares dos EstadosUnidos da América) a favor de cada um dos familiares consideradosvítimas na presente Senten?a (supra par. 151). As indeniza??es ordenadasna presente Senten?a n?o obstaculizar?o outras repara??esque, eventualmente, possam ordenar-se no direito interno.2. Dano imaterial305. A Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceitode dano imaterial e os pressupostos em que corresponde indenizá-lo.O Tribunal estabeleceu que o dano imaterial compreende "tanto ossofrimentos e as afli??es causadas à vítima direta e aos que lhe s?opróximos, como o menosprezo de valores muito significativos para aspessoas, e outras perturba??es que n?o s?o suscetíveis de medi??opecuniária, nas condi??es de vida da vítima ou de sua família".306. A Comiss?o solicitou à Corte que, atendendo à naturezado caso, fixe, de maneira equ?nime, o montante da compensa??o atítulo de danos imateriais.307. Os representantes indicaram que o dano moral deve serobjeto de uma compensa??o econ?mica fixada com base em critériosde equidade. As vítimas foram detidas, sem as formalidades legais oucontrole judicial, e levadas a bases militares onde eram torturadas e,em seguida, desaparecidas, motivo por que solicitaram que, para cadavítima desaparecida e para a senhora Maria Lúcia Petit da Silva, seestabele?a, a título de dano moral, a quantia de US$ 100.000,00 (cemmil dólares dos Estados Unidos da América). Por outro lado, comrespeito aos familiares das vítimas, consideraram que os desaparecimentosfor?ados geraram angústia, inseguran?a, frustra??o e impotênciaante a omiss?o das autoridades públicas de investigar osfatos. Por esse motivo, solicitaram que, ao fixar o montante dasindeniza??es, o Tribunal leve em considera??o fatores como: a modalidadedo crime, a falta de determina??o dos responsáveis e oimpacto no projeto de vida e na saúde física e mental dos familiaresdas vítimas, além das seguintes circunst?ncias: a) o desconhecimentodo paradeiro das vítimas; b) o reconhecimento de responsabilidade doEstado mais de 20 anos depois de ocorridos os fatos; c) a impossibilidadede acesso à justi?a e a falta de informa??o; d) a denega??ode justi?a por mais de 30 anos; e) as declara??es públicas demilitares, afirmando que haviam torturado e executado as vítimas,sem que se realizasse investiga??o alguma, e f) as declara??es contraa honra das vítimas desaparecidas. Em consequência, solicitaram US$80.000,00 (oitenta mil dólares dos Estados Unidos da América) paracada um dos familiares das vítimas.308. O Estado destacou que, ademais das indeniza??es pecuniáriaspagas no marco da Lei No. 9.140/95, foram realizadosdiversos atos de natureza simbólica e educativa que promoveram oresgate da memória e da verdade dos fatos ocorridos durante o períododo regime militar.309. A Corte julgou que as repara??es econ?micas concedidasno direito interno "a título de repara??o" pelos desaparecimentosfor?ados s?o adequadas no presente caso. Por esse motivo,n?o ordenará o pagamento de somas adicionais a título de danoimaterial sofrido pelas vítimas de desaparecimento for?ado.310. Por outro lado, com rela??o ao dano imaterial sofridopelos familiares das vítimas desaparecidas, o Tribunal lembra que ajurisprudência internacional estabeleceu reiteradamente que a Senten?apode constituir per se uma forma de repara??o . Considerando,no entanto, as circunst?ncias do caso sub judice, os sofrimentos queas viola??es cometidas causaram a esses familiares, a impunidadeimperante no caso, bem como a mudan?a nas condi??es de vida e asdemais consequências de ordem imaterial ou n?o pecuniária que estasúltimas sofreram, a Corte julga pertinente fixar uma quantia, emequidade, como compensa??o a título de danos imateriais para osfamiliares indicados como vítimas no presente caso.311. Em aten??o a sua jurisprudência, em considera??o àscircunst?ncias do presente caso, às viola??es cometidas, aos sofrimentosocasionados e ao tratamento que receberam, ao tempo transcorrido,à denega??o de justi?a e de informa??o, bem como às mudan?asnas condi??es de vida e às demais consequências de ordemimaterial que sofreram, o Tribunal fixa, em equidade, o montante deUS$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares dos Estados Unidos daAmérica) para cada familiar direto e de US$ 15.000,00 (quinze mildólares dos Estados Unidos da América) para cada familiar n?o direto,considerados vítimas no presente caso e indicados no parágrafo251 da presente Senten?a. As indeniza??es ordenadas na presenteSenten?a n?o obstaculizar?o outras repara??es que, eventualmente,possam ordenar-se no direito interno.3. Custas e gastos312. Conforme já mencionou a Corte em oportunidades anteriores,as custas e gastos est?o compreendidos no conceito de repara??o,consagrado no artigo 63.1 da Conven??o Americana.313. A Comiss?o solicitou ao Tribunal que ordene ao Estado opagamento das custas e gastos incorridos na tramita??o do presente caso.314. Os representantes solicitaram à Corte que fixe, em equidade,um montante a favor da Comiss?o de Familiares de Mortos eDesaparecidos Políticos e do Grupo Tortura Nunca mais, do Rio deJaneiro, pelos gastos em que incorreram, com rela??o à elabora??o depeti??es e de documenta??o do caso, reservando-se o direito de solicitaros gastos que forem efetuadas no futuro. Posteriormente, informaramque n?o incorreram em gastos adicionais após o escrito desolicita??es e argumentos. Igualmente, afirmaram que o Centro pelaJusti?a e o Direito Internacional incorreu em gastos de viagem a SanJosé e a Washington, comunica??es, fotocópias, artigos de papelaria,correios relacionados com o acompanhamento do presente caso, bemcomo viagens para localizar e reunir-se com os familiares das vítimas,além dos gastos correspondentes ao atendimento do caso e à investiga??o,compila??o e apresenta??o de provas, à realiza??o de entrevistase à prepara??o das diferentes etapas processuais. Particularmente,indicaram que o Centro pela Justi?a e o Direito Internacionalincorreu em gastos de US$ 45.196,53 (quarenta e cinco mil cento enoventa e seis dólares dos Estados Unidos da América e cinquenta etrês centavos), do ano 1999 até julho de 2009, e de US$ 33.733,93(trinta e três mil setecentos e trinta e três dólares dos Estados Unidosda América e noventa e três centavos), em gastos posteriores à apresenta??ode seu escrito de solicita??es e argumentos.315. O Estado solicitou à Corte que considere como custassomente os gastos efetuados de forma razoável e imprescindível àparticipa??o das supostas vítimas e de seus representantes no processoperante o Sistema Interamericano. Também objetou aos gastos realizadospelos representantes relacionadas com: a) a compra de livrose outros materiais de apoio n?o relacionados com o caso, e b) osgastos relacionados com material de escritório, alimenta??o no territórionacional e viagens dentro do Brasil n?o vinculadas ao caso.Finalmente, o Estado observou uma diferen?a entre o valor solicitadopelos representantes como despesa da perícia psicológica e o reciboefetivamente apresentado para justificar essa despesa.316. Quanto ao reembolso de custas e gastos, corresponde aoTribunal apreciar prudentemente seu alcance, o qual compreende asdespesas geradas junto às autoridades da jurisdi??o interna, bem comoaquelas geradas no curso do processo perante o Sistema Interamericano,considerando as circunst?ncias do caso concreto e anatureza da jurisdi??o internacional de prote??o dos direitos humanos.Esta aprecia??o pode ser realizada com base no princípio de equidadee considerando os gastos indicados pelas partes, desde que seu quantumseja razoável .317. O Tribunal declarou que "as pretens?es das vítimas ouseus representantes, em matéria de custas e gastos, e as provas que ossustentam, devem ser apresentadas à Corte no primeiro momentoprocessual a elas concedido, ou seja, no escrito de solicita??es eargumentos, sem prejuízo de que essas pretens?es sejam atualizadasem um momento posterior, conforme as novas custas e gastos em quese tenha incorrido, por ocasi?o do procedimento perante esta Corte" .Além disso, a Corte reitera que n?o é suficiente o envio de documentosprobatórios, mas que se requer que as partes apresentemuma argumenta??o que relacione a prova com o fato que se considerarepresentado, e que, ao tratar-se de alegados desembolsos econ?micos,se estabele?am com clareza os objetos de despesa e sua justifica??o.Por último, a Corte observa que dos comprovantes enviadoscom respeito a alguns gastos, n?o se evidenciam claramente gest?esvinculadas ao presente caso.318. Sem prejuízo do anteriormente exposto, a Corte constatouque os representantes incorreram em diversos gastos junto a esteTribunal, relativos, entre outros aspectos, ao recolhimento de prova,transporte, servi?os de comunica??o, na tramita??o interna e internacionaldo presente caso. Levando em conta o anterior, o Tribunaldetermina, em equidade, que o Estado pague o montante de US$5.000,00 (cinco mil dólares dos Estados Unidos da América), US$5.000,00 (cinco mil dólares dos Estados Unidos da América) e US$35.000,00 (trinta e cinco mil dólares dos Estados Unidos da América)a favor do Grupo Tortura Nunca Mais, da Comiss?o de Familiares deMortos e Desaparecidos Políticos de S?o Paulo e do Centro pelaJusti?a e o Direito Internacional, respectivamente, a título de custas egastos. No procedimento de supervis?o de cumprimento da presenteSenten?a, a Corte poderá dispor o reembolso por parte do Estado àsvítimas ou seus representantes, das despesas razoáveis devidamentecomprovadas.4. Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados319. O Estado deverá efetuar o pagamento das indeniza??es atítulo de dano material, dano imaterial e por restitui??o de custas egastos estabelecidos na presente Senten?a diretamente às pessoas e organiza??esnela indicadas, no prazo de um ano, contado a partir danotifica??o da presente Senten?a, nos termos dos parágrafos seguintes.320. Caso os beneficiários tenham falecido ou venham afalecer antes que lhes seja paga a indeniza??o respectiva, o pagamentode que se trata será efetuado diretamente aos herdeiros, conformeo direito interno aplicável.321. O Estado deve cumprir as obriga??es monetárias, medianteo pagamento em dólares dos Estados Unidos da América, ou oequivalente em moeda brasileira, utilizando, para o cálculo respectivo,o tipo de c?mbio que esteja vigente na bolsa de Nova York, nodia anterior ao pagamento.322. Se, por causas atribuíveis aos beneficiários das indeniza??esou aos herdeiros, n?o for possível o pagamento dos montantesdeterminados no prazo indicado, o Estado destinará esses montantesa seu favor, em conta ou certificado de depósito em umainstitui??o financeira brasileira solvente, em dólares dos Estados Unidosda América, nas condi??es financeiras mais favoráveis permitidaspela legisla??o e pela prática bancária. Caso a indeniza??o de que setrate n?o seja reclamada no transcurso de dez anos, os montantesser?o devolvidos ao Estado com os juros devidos.323. Os montantes determinados na presente Senten?a, comoindeniza??o e como restitui??o de custas e gastos, dever?o ser entreguesàs pessoas e às organiza??es mencionadas, de maneira integral,conforme o disposto nesta Senten?a, sem redu??es decorrentesde eventuais ?nus fiscais.324. Caso o Estado incorra em mora, deverá pagar jurossobre o montante devido, correspondentes aos juros bancários demora no Brasil.XII - PONTOS RESOLUTIVOS325. Portanto,A CORTEDECIDE,por unanimidade:1. Admitir parcialmente a exce??o preliminar de falta decompetência temporal interposta pelo Estado, em conformidade comos parágrafos 15 a 19 da presente Senten?a.2. Rejeitar as demais exce??es preliminares interpostas peloEstado, nos termos dos parágrafos 26 a 31, 38 a 42 e 46 a 49 dapresente Senten?a.DECLARA,por unanimidade, que:3. As disposi??es da Lei de Anistia brasileira que impedem ainvestiga??o e san??o de graves viola??es de direitos humanos s?oincompatíveis com a Conven??o Americana, carecem de efeitos jurídicose n?o podem seguir representando um obstáculo para a investiga??odos fatos do presente caso, nem para a identifica??o epuni??o dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhanteimpacto a respeito de outros casos de graves viola??es de direitoshumanos consagrados na Conven??o Americana ocorridos no Brasil.4. O Estado é responsável pelo desaparecimento for?ado e,portanto, pela viola??o dos direitos ao reconhecimento da personalidadejurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal,estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Conven??o Americana sobreDireitos Humanos, em rela??o com o artigo 1.1 desse instrumento,em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presenteSenten?a, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125da mesma.5. O Estado descumpriu a obriga??o de adequar seu direitointerno à Conven??o Americana sobre Direitos Humanos, contida emseu artigo 2, em rela??o aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento,como consequência da interpreta??o e aplica??o que foidada à Lei de Anistia a respeito de graves viola??es de direitoshumanos. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela viola??odos direitos às garantias judiciais e à prote??o judicial previstos nosartigos 8.1 e 25.1 da Conven??o Americana sobre Direitos Humanos,em rela??o aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela falta de investiga??odos fatos do presente caso, bem como pela falta de julgamentoe san??o dos responsáveis, em prejuízo dos familiares daspessoas desaparecidas e da pessoa executada, indicados nos parágrafos180 e 181 da presente Senten?a, nos termos dos parágrafos 137a 182 da mesma.6. O Estado é responsável pela viola??o do direito à liberdadede pensamento e de express?o consagrado no artigo 13 daConven??o Americana sobre Direitos Humanos, em rela??o com osartigos 1.1, 8.1 e 25 desse instrumento, pela afeta??o do direito abuscar e a receber informa??o, bem como do direito de conhecer averdade sobre o ocorrido. Da mesma maneira, o Estado é responsávelpela viola??o dos direitos às garantias judiciais estabelecidos no artigo8.1 da Conven??o Americana, em rela??o com os artigos 1.1 e13.1 do mesmo instrumento, por exceder o prazo razoável da A??oOrdinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares indicados nosparágrafos 212, 213 e 225 da presente Senten?a, em conformidadecom o exposto nos parágrafos 196 a 225 desta mesma decis?o.7. O Estado é responsável pela viola??o do direito à integridadepessoal, consagrado no artigo 5.1 da Conven??o Americanasobre Direitos Humanos, em rela??o com o artigo 1.1 desse mesmoinstrumento, em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 243e 244 da presente Senten?a, em conformidade com o exposto nosparágrafos 235 a 244 desta mesma decis?o.E DISP?E,por unanimidade, que:8. Esta Senten?a constitui per se uma forma de repara??o.9. O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdi??oordinária, a investiga??o penal dos fatos do presente caso a fim deesclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penaise aplicar efetivamente as san??es e consequências que a lei preveja,em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 dapresente Senten?a.10. O Estado deve realizar todos os esfor?os para determinaro paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar eentregar os restos mortais a seus familiares, em conformidade com oestabelecido nos parágrafos 261 a 263 da presente Sentencia.11. O Estado deve oferecer o tratamento médico e psicológicoou psiquiátrico que as vítimas requeiram e, se for o caso, pagaro montante estabelecido, em conformidade com o estabelecido nosparágrafos 267 a 269 da presente Senten?a.12. O Estado deve realizar as publica??es ordenadas, em conformidadecom o estabelecido no parágrafo 273 da presente Senten?a.13. O Estado deve realizar um ato público de reconhecimentode responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presentecaso, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 277 dapresente Senten?a.14. O Estado deve continuar com as a??es desenvolvidas emmatéria de capacita??o e implementar, em um prazo razoável, um programaou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigidoa todos os níveis hierárquicos das For?as Armadas, em conformidadecom o estabelecido no parágrafo 283 da presente Senten?a.15. O Estado deve adotar, em um prazo razoável, as medidas quesejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento for?ado de pessoasem conformidade com os par?metros interamericanos, nos termos do estabelecidono parágrafo 287 da presente Senten?a. Enquanto cumpre com estamedida, o Estado deve adotar todas aquelas a??es que garantam o efetivo julgamento,e se for o caso, a puni??o em rela??o aos fatos constitutivos de desaparecimentofor?ado através dos mecanismos existentes no direito interno.16. O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciativas debusca, sistematiza??o e publica??o de toda a informa??o sobre aGuerrilha do Araguaia, assim como da informa??o relativa a viola??esde direitos humanos ocorridas durante o regime militar, garantindoo acesso à mesma nos termos do parágrafo 292 da presenteSenten?a.17. O Estado deve pagar as quantias fixadas nos parágrafos304, 311 e 318 da presente Senten?a, a título de indeniza??o por danomaterial, por dano imaterial e por restitui??o de custas e gastos, nostermos dos parágrafos 302 a 305, 309 a 312 e 316 a 324 destadecis?o.18. O Estado deve realizar uma convocatória, em, ao menos,um jornal de circula??o nacional e um da regi?o onde ocorreram osfatos do presente caso, ou mediante outra modalidade adequada, paraque, por um período de 24 meses, contado a partir da notifica??o daSenten?a, os familiares das pessoas indicadas no parágrafo 119 dapresente Senten?a aportem prova suficiente que permita ao Estadoidentificá-los e, conforme o caso, considerá-los vítimas nos termos daLei No. 9.140/95 e desta Senten?a, nos termos do parágrafo 120 e252 da mesma.19. O Estado deve permitir que, por um prazo de seis meses,contado a partir da notifica??o da presente Senten?a, os familiares dossenhores Francisco Manoel Chaves, Pedro Matias de Oliveira ("PedroCarretel"), Hélio Luiz Navarro de Magalh?es e Pedro Alexandrino deOliveira Filho, possam apresentar-lhe, se assim desejarem, suas solicita??esde indeniza??o utilizando os critérios e mecanismos estabelecidosno direito interno pela Lei No. 9.140/95, conforme ostermos do parágrafo 303 da presente Senten?a.20. Os familiares ou seus representantes legais apresentem aoTribunal, em um prazo de seis meses, contado a partir da notifica??oda presente Senten?a, documenta??o que comprove que a data defalecimento das pessoas indicadas nos parágrafos 181, 213, 225 e 244é posterior a 10 de dezembro de 1998.21. A Corte supervisará o cumprimento integral desta Senten?a,no exercício de suas atribui??es e em cumprimento de seusdeveres, em conformidade ao estabelecido na Conven??o Americanasobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso umavez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto namesma. Dentro do prazo de um ano, a partir de sua notifica??o, oEstado deverá apresentar ao Tribunal um informe sobre as medidasadotadas para o seu cumprimento.O Juiz Roberto de Figueiredo Caldas deu a conhecer à Corte seuvoto concordante e fundamentado, o qual acompanha esta Senten?a.Redigida em espanhol, português e inglês, fazendo fé o textoem espanhol, em San José, Costa Rica, em 24 de novembro de 2010. ................
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