AMPLIAÇÃO DE VAGAS NA REDE PÚBLICA DE EDUCAÇÃO …



AMPLIAÇÃO DE VAGAS NA REDE PÚBLICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

MICHELOTTO, Regina Maria

GT – 11 – Política de Educação Superior

No atual momento, na contrapartida da dramática situação de desemprego crescente no Brasil, constata-se uma decorrente e significativa pressão por escolarização. Grande parte da população vem buscando a escola, em todos os seus níveis. A oferta de cursos de pós-graduação se faz intensa através dos meios de comunicação.

Torna-se, portanto, necessário verificar como a rede pública de ensino superior vem respondendo a tal pressão, através das políticas do governo.

Uma premissa básica para a questão é convenientemente exposta nas seguintes palavras:

(...) o aluno, ao iniciar a escola primária, e tão-somente por isso, já está habilitado a ingressar um dia na universidade. Só não pensa assim quem acredita que a escola primária se destina apenas a alfabetizar a massa dos trabalhadores, para os fazer trabalhar melhor para os seus atuais senhores, porém deixando-os nas condições de cultura rudimentar em que se encontram atualmente. A sociedade atual cultiva, como privilégio de classe, a “predestinação universitária”. A autêntica democratização do ensino consiste precisamente em extinguir a predestinação universitária. Para tanto, é necessário que o processo educacional, em todas as suas fases, seja franqueado às massas trabalhadoras na totalidade, e estas atravessem, portanto, sem obstáculos intransponíveis os pórticos das faculdades. (PINTO, 1986: 99).

A advertência lançada por Álvaro Vieira Pinto em 1961 (reedição em 1986) ao defender a necessária democratização da universidade continua indubitavelmente válida, embora acrescentando-se às “massas trabalhadoras”, hoje, o universo cada vez maior dos desempregados.

No que se refere à ampliação do acesso aos níveis superiores de ensino, o Brasil não tem historicamente tomado posição democratizante, já que, em momentos de acirramento da pressão popular, promoveu tal ampliação principalmente pela via da rede privada.

Atesta esse dado a análise do ocorrido nas décadas de 50 e 60, ocasião em que também se fez forte a pressão por escolarização. Convém, portanto, revisitar fatos já conhecidos.

A necessidade de se criar uma nova universidade, nacional, ligada aos problemas brasileiros e aberta a toda população foi um dos principais temas reivindicatórios da época. O grupo que lutava por uma reforma universitária, através da qual fosse transformada toda a sociedade brasileira, era constituído, em sua grande maioria, de estudantes.

O contexto demonstrava intenso crescimento demográfico e migração do campo para as cidades. O sistema escolar via-se pressionado por essa situação que originou ampliação das vagas escolares, gradativamente, em cada nível de ensino, e também pela “(...) escassez crônica de recursos materiais e humanos destinados à educação, freqüentemente agravada pela má utilização dos fatores existentes e por disposições mais ou menos impróprias ao estabelecimento de políticas eficientes de democratização do ensino.” (FERNANDES, 1976: 160).

Tal conjuntura favorecia a irrupção de pressões e se tornou terreno fértil ao movimento estudantil.

PINTO, na época, considerava questão primordial pensar-se em qual universidade se pretendia criar. Para tanto era preciso perguntar por que alguns alunos chegam à universidade e por que milhões de outros não, reflexão essa que forjou a tese capital do livro A Questão da Universidade, sintomaticamente editado pela UNE: “A reforma universitária não diz respeito, primordialmente, aos alunos que estão na universidade mas aos alunos que não estão, aos que nela não puderam ingressar.” (Id. ibid.: 20 e 22).

E reafirmava que o momento histórico expunha uma grande pressão pela democratização da universidade.

Por que existe hoje realmente a exigência da reforma da universidade? (...) é porque forças externas atuam criando a premência de uma reforma da instituição, ora, tais forças só podem ser as massas trabalhadoras, cujos filhos se encontram atualmente condenados à não-participação no conhecimento da cultura superior. (Id. ibid.: 80).

Tal pressão se fazia, no Brasil, com características próprias, mas em pleno acordo com o contexto mundial. Assim, a universidade brasileira, tanto quanto a de outros países, viu-se coagida a dar uma resposta. Aquela que os estudantes reivindicavam apontava, como se viu, para a via democratizante da ampliação do acesso à universidade. Urgia que se abrissem mas vagas nas instituições públicas, já que as particulares, ao cobrarem taxas muitas vezes altas, inviabilizavam o acesso de grande parte dos egressos do ensino médio.

Como se sabe, não foi o que ocorreu.

Embora se apropriando de algumas idéias defendidas pelo movimento reivindicatório, o governo que assumiu o poder com o golpe de 1964 deu à reforma universitária estabelecida pela lei de 1968 uma configuração apoiada na teoria do Capital Humano, defendida por técnicos americanos que aqui vieram. Esse dado pode ser comprovado em documentos como o Plano Atcon, o relatório Meira Mattos, além dos acordos MEC/USAID.[1]

Os dois primeiros,

(...) um preconizando a racionalização das estruturas e da produção acadêmicas e o outro, o disciplinamento castrense para os estudantes universitários (conseqüentemente para a universidade), permitem-nos constatar o quão profundamente estava enraizada na visão de mundo da classe dirigente a doutrina taylorista de organização social. (FÁVERO, 1991: 55).

Quanto à agência americana para o desenvolvimento internacional, USAID, atuava no Brasil antes do golpe de 1964, mas foi durante a ditadura que se fortaleceram os acordos entre ela e o governo brasileiro. ARAPIRACA expõe uma grave denúncia sobre tais acordos que contribuíram para o endividamento do Brasil: “A cooperação técnica ou a ajuda bilateral proporcionada pelo governo dos EUA, através da USAID ao aparelho educacional brasileiro, tem sido idêntica à fórmula até então utilizada como alternativa naquele país, para solucionar os problemas de pressão social das chamadas minorias ali existentes.” (1979: 172).

E desenvolvendo uma análise das características do projeto educacional que o governo americano exportava, afirma: “O modelo alternativo utilizado pelos EUA conota uma marcante dimensão ideológica na solução dos seus problemas sociais, na medida em que, reconhecendo as desigualdades sociais, procura dissimulá-las através de práticas políticas capazes de manter a hegemonia da classe dirigente.” (Id. ibid.: 172).

CUNHA reafirma a interferência americana, que se fez mais forte no correr do tempo, caracterizando, em certa medida, a universidade no Brasil após a reforma de 1968.

Embora a modernização do ensino superior brasileiro na direção do modelo americano tivesse se iniciado na segunda metade dos anos 40, ganhando força nos anos 50 e se intensificando em 60, as mudanças políticas resultantes do golpe de Estado de 1964 determinaram uma alteração qualitativa nesse processo.(...). O MEC não tardou a contratar norte-americanos para que dissessem como organizar nossas universidades e convocá-los para assistirem o governo brasileiro no planejamento desse grau de ensino. (1988: 167).

Segundo Darcy RIBEIRO, as intenções dos EUA, ao que tudo indicava na época, compunham um esforço de colonização cultural de toda a América Latina. “Seria muita ingenuidade pensar que os Estados Unidos, tão hábeis e frios em toda a atuação internacional (se desinteressassem] de um campo de atividades de tão decisiva importância...” (1991: 39).

Os reais objetivos da Lei 5.540, promulgada em 1968, foram assim expressos por FÁVERO: “A reforma universitária (...) veio para apaziguar contestações e atender às demandas de ascensão e prestígio social de um vasto segmento da classe média que apoiara o golpe de 64”. (1991: 16)

Para a referida ascensão, esses segmentos sociais puderam contar, como se pode comprovar, com a proliferação de faculdades particulares.

Florestan FERNANDES, que muito lutara pela democratização da sociedade brasileira, e, por decorrência, da universidade, depositara nela grande esperança:

Na escolha entre a estagnação e a sobreviência a universidade se encaminhará, voluntária ou involuntariamente, no sentido de saturar o vazio cultural em que ela se debate na atualidade. Isso nos permite inferir que ela acabará assimilando e dominando o seu destino, que consiste em transformar-se num centro dinâmico de produção autônoma de saber original. (1976: 210).

Porém, ao constatar o tipo de reforma promovida pelo governo brasileiro, revelou sua imensa frustração:

De fato, a “reforma universitária”, ao concretizar-se, caiu nas mãos das forças conservadoras e contra-revolucionárias no poder. Elas não só esvaziaram a reforma de seu conteúdo democrático e inovador. Castraram-na por completo, pulverizando ainda mais a universidade conglomerada e retirando dela qualquer vitalidade cultural ou política. (FERNANDES, 1979: prefácio à segunda edição - VIII).

Desanimado, esse grande sociólogo, concluiu que, conforme os fatos comprovavam, “(...) a uma sociedade nacional subdesenvolvida correspondem, de modo fatal, universidades subdesenvolvidas.” (1976: 198). Não existe, entretanto, inexorabilidade nessa constatação, como se explicitará ao término do presente trabalho, em uma de suas conclamações à resistência.

Embora frustrando as grandes expectativas em torno da reforma universitária, o governo pretendeu, em teoria, resolver um dos problema do ensino superior brasileiro: o da sua pulverização em faculdades isoladas. Assim, a Lei explicita que o padrão desse nível de educação escolar seria dado pelas universidades e não por escolas (art. 10). Porém, esse artigo virou letra morta na medida em que

(...)os mesmos conselheiros que ajudaram a redigir (a lei) ou a aprovaram não tiveram escrúpulos em criar todo o tipo de facilidades para que as escolas particulares proliferassem como moscas, sem instalações adequadas, sem laboratórios e bibliotecas, com professores-fantasmas. Assim, a idéia de se fazer da universidade a regra do ensino superior, como na maioria dos países do mundo, foi atropelada pela própria política educacional implícita da ditadura. (CUNHA, 1988a: 87/88).

Portanto, o governo que assumiu o poder preservou o elitismo das universidades públicas, acabando por atender, dessa forma, tanto aos proprietários das faculdades particulares quanto a corporações de docentes daquelas universidades, que pretendiam mantê-las restritas a um número selecionado de alunos. A ampliação de vagas não deixou de ocorrer, mas foi pequena nas instituições públicas e bem maior nas privadas, o que inviabilizou a democratização da universidade brasileira pela expansão de vagas.

A verificação dos números comprovam esse fato.

Anísio TEIXEIRA, em depoimento prestado em 8/5/68 à CPI da Câmara dos Deputados (1998: 83), apresentou o preocupante crescimento do número de instituições particulares, no Brasil, até aquela data:

Em 1945 - Total de unidades de ensino superior: 181

De 1945 a 1960 - criados 223 novos estabelecimentos.

De 1960 a 1967 - criados 265 novos estabelecimentos.

Unidades particulares em 67 - 309:

- 74 incorporadas às universidades privadas, - 42 agregadas

- 193 isoladas. (TEIXEIRA, 1998: 125)[2].

Estes números demonstram que quase a metade dos estabelecimentos, em 1967, portanto antes ainda da promulgação da lei, estava nas mãos da iniciativa privada. A situação foi agravada, após 1968; haja vista o crescimento de matrículas:

Ensino superior - Evolução da Matrícula

|ANO |Instituições públicas: |Instituições particulares: |

| |TOTAL | |

| | TOTAL | TOTAL |

|1960 | 53.624 | 42.067 |

|1965 | 88.986 | 66.795 |

|1970 | 210.613 | 214.865 |

|1975 | 410.225 | 662.323 |

|1980 | 492.232 | 885.054 |

|1985 | 556.680 | 810.929 |

|1990 | 578.625 | 961.455 |

|1994 | 690.450 | 970.584 |

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC

Pode-se comprovar que o aumento de matrículas das instituições particulares superou o das públicas entre 1965 e 1970, tendência essa que se confirmou e foi reforçada nos anos seguintes.

É possível se entender que, agregada ao descaso dos governos a respeito da real democratização do ensino superior, está a pressão e o poder político dos proprietários das instituições privadas somado a um grau de corporativismo existente nas públicas.

“Pode-se supor, inclusive, que foi justamente pelo fato de o setor privado ter atendido à demanda massiva por ensino, aliviando a pressão sobre o setor público, que este pôde ignorar as transformações que estavam ocorrendo nos outros países, justamente em virtude dessa pressão.” (DURHAM, Dez/1996: 45).

Há que se considerar, ainda, que “(...) a expansão do setor privado deu-se por meio de escolas isoladas e não de universidade” (DURHAM, Dez/1996: 42), contrariando, como já foi citado, a orientação legal. Foi maior nas instituições com características empresariais do que nas confessionais e comunitárias e concentrou-se nas regiões mais ricas do país.

Florestan FERNANDES denuncia que

(...) as linhas escolhidas para atingir o incremento (das matrículas] concorreram para aumentar, em vez de corrigir ou de atenuar, as contradições e as anomalias do padrão brasileiro de ensino superior. Elas propiciaram, em especial, a revitalização das escolas superiores isoladas, em um novo contexto de comercialização irrefreada e de degradação sistemática do ensino superior. (1979: 39).

Assim, a ampliação de matrículas não deixou de ocorrer no ensino superior brasileiro, embora em grau bem inferior ao reivindicado; além disso, concentrada na rede privada, “nada teve de democrática nem de democratizante”, nas palavras de Florestan FERNANDES. (Id. ibid.: 38).

Ora, uma vez que se presencia, também hoje, uma pressão por maior escolarização, o que vai, gradativamente, afetar o ensino superior, importa ter claro como o atual governo brasileiro está respondendo a essa situação.

Importa saber se, a partir de 1994, tem havido o cuidado de se reverter a tendência histórica acima pontada.

As políticas do atual governo brasileiro para as universidades têm raízes nas diretrizes internacionais para o ensino superior.

As duas mais importantes agências preocupadas em estudar a problemática da educação superior, em âmbito mundial, são a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e, por estranho que possa parecer, o Banco Mundial, o que ressalta o paradoxo apontado por Francisco OLIVEIRA: “(...) a situação de um Banco ditar políticas educacionais é como a de se encarregar a raposa de cuidar do galinheiro.” (Frase pronuciada em uma banca de defesa de tese, em 25/06/1998).

Acontece que a forma como a sociedade está estruturada e o direcionamento que o atual governo vem dando às políticas econômicas faz com que as idéias da UNESCO permaneçam como recomendações, enquanto que as do Banco Mundial se concretizem nas relações econômicas externas do Brasil, já que esse Banco encaminha as questões na direção dos problemas de ordem financeira que são frutos da crise atual do capitalismo mercadista de cunho neoliberal.

O Brasil ocupa uma posição de grande fragilidade nesse processo, pois suas políticas econômicas o tornam dependente de constante ajuda financeira. Tal situação, embora não tenha sido criada no momento presente, é reforçada pelo modelo econômico escolhido pelo atual governo, para o país, o qual “(...) torna a Federação mais endividada, as contas externas mais vulneráveis, o empresariado nacional mais fragilizado, o desemprego mais acentuado e as perspectivas de recuperação mais distantes.” (MARTINS, 24/11/1998: cad. 1 p. 3)[3].

Insere-se nesse contexto a oferta de vagas em instituições públicas de nível superior.

Hoje, segundo dados do MEC, cerca de 66% dos estudantes do ensino superior cursam instituições particulares, o que coloca o Brasil, conforme dados do próprio Banco Mundial, entre os oito países que apresentam um percentual mais elevado de estudantes em instituições privadas de nível superior. Assim, “(...) do ponto de vista puramente quantitativo, no que se refere ao número de alunos de graduação, o sistema de ensino superior brasileiro é dominado pelas Instituições Privadas”, (AMARAL, 1998: 74).

Em tal situação, pareceria óbvia a urgência de uma política de ampliação das vagas públicas. Não é essa, entretanto, a orientação do Banco, que acaba incentivando a aplicação de recursos públicos nas instituições privadas, sob a argumentação de que: “Os incentivos financeiros para estimular o desenvolvimento das instituições privadas só se justificam em razão de que eles constituem uma forma de aumentar a matrícula a um custo menor para o governo que o de ampliar as instituições públicas.” (B. Mundial, 1995: 41, sem grifo no original).

O Banco recomenda, ainda, que o Estado delegue, progressivamente, a instituições privadas, maior responsabilidade na manutenção da educação superior. Referindo-se à ajuda monetária que tem condições de repassar a países financeiramente fragilizados, afirma que “(...) seguirão recebendo prioridade os países dispostos a adotar, com relação ao ensino pós-secundário, marca normativa apoiada em uma estrutura institucional diferenciada e uma base de recursos diversificada, e que dê maior importância aos provedores e ao financiamento privados.” (Banco Mundial, 1995: 96).

Como tem se colocado o governo brasileiro, atualmente, nessas questões?

Em suas propostas de 1994, o atual Presidente demonstrou que a sua preocupação em relação às universidade públicas voltou-se principalmente para as federais e girou em torno de seus custos, que deveriam ser “racionalizados”, e da produtividade que “precisa aumentar”. (CARDOSO, 1994: 114). De fato, o documento Mãos à Obra, Brasil: Proposta de Governo inicia o tópico sobre o ensino superior enfocando em vários parágrafos o seu custo e as medidas propostas para diminui-lo. Não se refere, aí, à democratização do acesso.

Apenas nos itens em que trata de “uma nova política para o setor privado” refere-se a “uma maior democratização do acesso” (Id. ibid.: 115/116), permitindo a dedução de ser esta a via escolhida para a expansão das vagas à educação superior.

È preciso reconhecer, entretanto, que em seu plano para o segundo mandato, aceita a importância da ampliação das vagas públicas, apresentando a meta do aumento em quarenta por cento das matrículas do ensino superior federal. (1998: 129). Porém, como tal meta esbarra nas políticas de retenção de recursos impostas pela equipe econômica, em resposta às diretrizes internacionais de ajuste fiscal, os líderes governamentais indicam que tal objetivo pode ser atingido através de três políticas principais que eximem o Estado. Tais metas, portanto, devem ser assumidas pelas próprias universidades. São elas: - a racionalização no uso das atuais verbas; - a captação de recursos externos junto a órgãos públicos ou privados bem como através da cobrança de taxas dos estudantes; - o emprego de novas tecnologias em processos de educação à distância, inclusive na graduação. Esse último item permitirá que o governo economize, minimizando a necessidade de ampliação física das universidades, da atualização de seus laboratórios e de suas bibliotecas, bem como da contratação de novos professores.

SAVIANI, analisando a tendência do governo de se eximir progressivamente da manutenção da educação, afirma que

(...) a impressão que fica é que a solução das questões educacionais, em lugar de dever do Estado, como está inscrito em nossa Constituição,(...) estará afeta à boa vontade da população, sugerindo um regresso à época em que a educação, ao invés de responsabilidade pública, era considerada assunto da alçada da filantropia. (1997: 201).

O governo brasileiro propõe, também, cursos de menor duração, pós-médio, certificações parciais, cursos seqüenciais e modulados, cursos de aperfeiçoamento “(...) que permitirão uma expansão substancial da oferta, a um custo adicional razoável” (CARDOSO, 1998: 127, sem grifo no original), atendendo à diretriz do Banco Mundial de criação de institutos profissionais, politécnicos, colégios, cursos curtos e não presenciais, “menos dispendiosos para o Estado”, com ênfase, também, no fomento à iniciativa privada. (Banco Mundial, 1995: 17, sem grifo no original).

Ora, a partir desses pontos, pode-se compreender porque se acumularam em 95 e 96, no MEC 3.328 pedidos de autorização de criação de novos cursos de nível superior.

Até mesmo DURHAM, que em 1996 era assessora especial do Ministro da Educação e do Desporto, expressou uma considerável preocupação quanto a esse dado:

(...) é necessário estabelecer controles públicos sobre a qualidade do sistema, de forma a se evitar uma competição desenfreada, a qual, em lugar de promover uma melhoria de qualidade dos serviços educacionais, pode redundar numa guerra de preços e numa caça a candidatos que procurem facilidade na obtenção de diplomas e a deterioração das condições de trabalho do corpo docente, com claro prejuízo para o ensino. (1996: 66).

O problema é acrescido pelo fato de que a maior parte dos pedidos destina-se à região sudeste, onde já existe uma vaga para 1,3 egressos do ensino médio. (DURHAM, 1996: 66). Ocorre que a iniciativa privada, visando ao lucro, procura as regiões mais ricas, onde é mais fácil atrair candidatos capazes de arcar com os altos custos.

Quanto ao repasse de recursos para as universidades públicas, o governo acata a orientação de diversificá-lo, direcionando quantias maiores a poucas e selecionadas instituições. Incentiva dessa forma a competitividade entre as instituições.

Tal política implica em duas principais questões:

- institui um círculo vicioso, pois, dispondo de mais recursos, são sempre mais reforçados os mesmos grupos, das mesmas universidades e, por conseqüência, marginalizada a maioria das outras, que não consegue as mesmas oportunidades de crescimento; trata-se da falaciosa competição capitalista;

- embora a competitividade seja defendida por muitos como a panacéia para a melhoria da qualidade do ensino superior, há que se considerar que, se de um lado a competição tem, de fato, a característica de fomentar melhor empenho, de outro, não ocorre apenas aumentando-se a qualidade mas derrubando-se o competidor. Portanto, essa política estimula a instalação do boicote de informações entre as instituições, conseqüência de cada uma delas ver nas outras temíveis competidoras, ao invés de parceiras solidárias no aprofundamento e expansão do conhecimento.

Além disso, competitividade pressupõe iguais condições no ponto de partida, sem o que é desleal. Ora, tais condições igualitárias, se não estão presentes na sociedade capitalista, também não o estão nas universidades.

O lado problemático e perverso das recomendações competitivas do Banco Mundial está no fato de ser fator de aumento da desigualdade social do Brasil, que já apresenta uma das piores distribuições de renda mundiais[4] e onde os índices de pobreza são escandalosos. Trata-se de um país “(...) no qual 52,1% da População Economicamente Ativa, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA) de 1996, recebe até três salários mínimos (...) onde até hoje encontramos casos de trabalho escravo (...) e 70% dos aposentados recebem um salário mínimo por mês.” (JAKOBSEN, 1998, 3 cad.: 1).

Sintetizando-se, portanto, os pontos até aqui expostos das políticas governamentais para as universidades brasileiras, constata-se que elas se apóiam na contenção de gastos do poder público e no conseqüente incentivo à participação de recursos privados.

Tais políticas mergulham a universidade brasileira em uma situação que vem sendo definida por vários críticos como “sucateamento”. Para o renomado sociólogo Octavio IANNI, esse é “(...) um processo de satanização da universidade, de destroçamento do ethos acadêmico humanístico, que ocorre no interno de uma avassaladora reforma do Estado.” (1997: 30...).

GIANNOTTI, até então um defensor do atual governo, desta vez não compactua com ele. Ao invés, afirma que “(...) o que está acontecendo com a Universidade brasileira é um desastre, pois está sendo ameaçado seu processo de constituição”. Para ele, o MEC se equivocou “(...) ao ter aceito uma política de arrocho imposta pela equipe econômica, sem atentar para os efeitos desastrosos na ponta da rede”. (Maio/1998: 4).

Conclui-se, portanto, que a tendência histórica de incentivo à ampliação de vagas no ensino superior pela via das instituições privadas não está sendo revertida, mas, ao contrário, reforçada. Agora, somam-se aos fatores antes apontados: pressão dos proprietários das particulares e certo corporativismo ainda presente nas públicas, as orientações de ordem financeiras decorrentes das políticas econômicas escolhidas pelo atual governo, o que agrava o quadro.

A democratização da universidade pública é secundarizada nesse contexto. O direcionamento de cunho fundamentalmente financeiro dado às indicações de reforma universitária, no atual momento político, não tem como meta a melhoria de vida da população em geral, mas a economia de recursos para fazer cumprir os requisitos da situação globalizada do capitalismo mundial.

A partir de tais constatações, urge refletir sobre as possibilidades de ação da sociedade em geral e, particularmente, dos professores e estudantes universitários que não compactuam com tal situação e defendem a real democratização da educação, também de nível superior. As camadas da população que pressionam por maior escolarização e que vêm bater às portas da universidade pública necessitam de apoio e reforço às suas reivindicações.

Florestan FERNANDES entendia que “(...) as limitações existentes só são barreiras na medida em que não surgem forças sociais que atuem na direção oposta, desencadeando formas realistas de consciência social da situação e de atuação social inteligente.” (Id. ibid.: 199).

Há que se rever, portanto, os mecanismos de acesso de estudantes às instituições públicas e gratuitas, favorecendo sua ampla expansão, além de definir formas de luta contra as decisões anti-democratizantes do atual governo. Urge tentar-se evitar que, futuramente, estudando a história da democratização da universidade brasileira nos anos 90, constate-se dados iguais ou piores do que os que configuram as décadas de 50 e 60.

Convém lembrar ROCHABRÚN que afirma que “as crises são a máxima expressão das contradições”, (1974: 13) o que as torna inevitáveis em um sistema profundamente contraditório como este em que se vive. Representam, entretanto, um momento propício à reflexão, às revisões e ao crescimento das pressões.

Em seguida, são apresentadas tabelas demonstrativas da ampliação de vagas no ensino superior brasileiro, nos últimos 12 anos.

MEC/SESu/COSIN/DAIN

Série Histórica das IES - 1987 a 1998

Fonte : Evolução do Ensino Superior no Brasil - SAG

Ano Nº Cursos Nº IES Docentes Matrícula Concluintes Vagas Inscrições

1987 4.188 853 121.228 1.470.555 224.809 447.345 2.193.861

1988 4.288 871 125.412 1.503.560 227.037 463.739 1.921.878

1989 4.453 902 128.029 1.518.904 232.275 466.794 1.818.033

1990 4.712 918 131.641 1.540.080 230.271 502.784 1.905.498

1991 4.908 893 133.135 1.565.056 236.410 516.663 1.985.825

1992 5.081 893 134.403 1.535.788 234.288 534.847 1.836.859

1993 5.280 873 137.156 1.594.668 240.269 548.678 2.029.523

1994 5.562 851 141.482 1.661.034 245.887 574.135 2.237.023

1995 6.252 894 145.290 1.759.703 254.401 610.355 2.653.853

1996 6.644 922 148.320 1.868.529 260.224 634.236 2.548.077

1997 6.132 900 165.964 1.947.504 274.384 699.198 2.715.776

1998 6.950 973 174.289 2.125.958 776.031 2.858.016

MEC/SESu/COSIN/DAIN

Série Histórica das IES - 1987 a 1998 - Vagas por Dependência Administrativa

Fonte : Evolução do Ensino Superior no Brasil - SAG, SEEC/INEP

Ano Vagas

Federal Estadual Municipal Particular Total

1987 67.146 47.620 33.001 299.578 447.345

1988 68.370 52.480 28.943 313.946 463.739

1989 68.465 53.019 27.146 318.164 466.794

1990 70.881 55.232 28.896 347.775 502.784

1991 78.502 53.313 30.691 354.157 516.663

1992 80.411 56.292 34.345 363.799 534.847

1993 81.462 56.500 33.665 377.051 548.678

1994 85.017 58.501 33.935 396.682 574.135

1995 84.814 61.352 31.979 432.210 610.355

1996 84.197 63.603 35.713 450.723 634.236

1997 88.704 64.323 40.794 505.377 699.198

1998 90.788 70.670 44.267 570.306 776.031

Referencial Bibliográfico

AMARAL, Nelson C. - Gestão Financeira de Universidades Públicas. Texto foto-copiado, Goiás, 1998

ARAPIRACA, José Oliveira - A USAID e a Educação Brasileira: um estudo a partir de uma aobrdagem crítica da Teoria do Capital Humano. Dissertação de mestrado, FGV, 1979 - micro-filmada.

BANCO MUNDIAL - La enseñanza superior: Las lecciones derivadas de la experiencia. Fotocopiado. EUA, 1995.

CANUTO, Vera R. A. - Políticos e Educadores. A Organização do ensino Superior no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolis, 1987

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[1] Cf.: FÁVERO, M. L. - Da Universidade “Modernizada” à Universidade Disciplinada: Atcon e Meira Mattos. Cortez, São Paulo, 1991. E in: ARAPIRACA, J. O. A USAID e a educação brasileira. Cortez, São Paulo, 1982.

[2] Texto reeditado, organizado e apresentado por FÁVERO e BRITTO em 1998).

[3] Ives Gandra Martins, nesta data, é presidente da Academia Internacional de Direito e Economia.

[4] No Brasil, os 10% mais ricos detêm mais da metade da renda nacional. Já os 40% mais pobres detêm apenas 7% da renda nacional. (Jornal do Brasil, R. J., 05/07/1996).

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