FUTEBOL: FENÔMENO HISTÓRICO-CULTURAL E ARTE …



FUTEBOL: FENÔMENO HISTÓRICO-CULTURAL E ARTE COLETIVA COMO CONTEÚDO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA.

Pedro Henrique V. Medeiros; Sabrina de Melo Correia da Silva; Marcos Vinicius Francisco. Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP

RESUMO

Decorrente de um Trabalho de Conclusão de Curso da Licenciatura em Educação Física, da FCT-UNESP, essa pesquisa tem como objetivo apresentar que o futebol pode ser reorientado na escola de forma a não perpetuar valores negativos que se manifestam no futebol disseminado na mídia, assim como construir novos valores que auxiliem no processo de humanização dos escolares. A pesquisa é de revisão bibliográfica e de caráter qualitativo, sendo que procuramos referencias teóricos a respeito da Abordagem Crítico-Superadora em Educação Física, do futebol e sua historicidade, assim como autores que tratam das metodologias de ensino do futebol pautados na complexidade do jogo e que rompem com posturas tradicionais/ mecanicistas. Como resultados, apresentamos que não há como trabalhar um determinado assunto, em nosso caso o futebol sem considerar sua historicidade em consonância com os aspectos sociais para uma intervenção efetiva no processo da práxis-pedagógica.

Palavras -chave: Educação Física Escolar; Crítico- Superadora; Futebol.

INTRODUÇÃO

Este estudo surge de perguntas-problemas que emergiram durante minha práxis- pedagógica como estagiário em uma instituição social de ensino não-formal. A primeira delas refere-se à metodologia de ensino no futebol. Como ensinar na prática os conceitos do jogo de futebol de maneira que rompamos com a ideologia burguesa e neoliberal? Qual melhor forma de treiná-los? Qual método a ser usado? Quais atividades a serem trabalhadas? E, como atuar de uma forma a ir além do jogo em si, e fazer diferença no processo de humanização dos alunos?

A procura por estas respostas ainda não terminou, porém, são justamente elas que conduzem o presente artigo. A procura do método de ensino traz-nos à luz a íntima relação com conteúdo a ser ensinado. Leitão (2009, p. 58) afirma que a “A forma como era concebido o jogo, acabou influenciando então, a concepção do treino”.

Ou seja, a procura pela metodologia nos levou a analisar quais os procedimentos a serem trabalhados na escola, quando se trata da manifestação da cultura corporal de movimento, o futebol. Assim, tornou-se importante compreender o futebol como um todo, desde sua historicidade, evolução e relação com a sociedade brasileira, até a especificidade do jogo nas situações de vivências.

A compreensão do futebol como um fenômeno histórico-cultural, evidencia sua historicidade por meio de evoluções ao longo do tempo, além do fato do mesmo sofrer influências da sociedade e também influenciar a formação de subjetividades daqueles que dele se apropriam. Tais aspectos na perspectiva da abordagem Crítico-Superadora em Educação Física podem ser mediados, a fim de descontruir valores negativos disseminados na sociedade e reproduzidos pelos alunos.

Isto nos remete a questão de como ir além do jogo quando se ensina o jogo de futebol. Couto em entrevista com Carrano (2000) aponta que o futebol pode ser ferramenta para vida dependendo da intenção do professor:

Se o objetivo é desenvolver a técnica desportiva, o futebol vai servir só para isso. No entanto, se o objetivo é outro, se visa à aprendizagem do desporto em conjunto com a formação do cidadão, estará ajudando na sua vida futura. (CARRANO, 2000, p. 132)

Voltando a primeira pergunta, encontramos grande contribuição nos estudos que compreendem o jogo de futebol de acordo com o pensamento sistêmico, ou seja, o mesmo é um jogo complexo que não deve ser fragmentado em seus elementos técnico-tático-físico-psicológico para ser ensinado. Esta perspectiva vai contra o modelo tradicional e tecnicista utilizado no ensino do futebol (GARGANTA, 1995; GARGANTA, 2002; LEITÃO, 2009; LEONARDO; 2009).

Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo apresentar que o futebol pode ser reorientado na escola de forma a não perpetuar valores negativos que se manifestam no futebol disseminado na mídia, assim como construir novos valores que auxiliem no processo de humanização dos escolares.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa é de revisão bibliográfica e de caráter qualitativo, na qual procuramos referencias teóricos a respeito da abordagem Crítico-Superadora em Educação Física, do futebol e sua historicidade, assim como autores que tratam das metodologias de ensino do futebol pautados na complexidade do jogo e que rompem com posturas tradicionais/ mecanicistas.

A revisão bibliográfica, segundo Cervo e Bervian (1983, p. 55) é a que “explica um problema a partir de referenciais teóricos publicados em documentos”. Destacam-se os livros e os artigos científicos, como documentos utilizados para pesquisa.

A revisão é de caráter qualitativo, visto que procuramos qualificar por meio das literaturas já publicadas, quais são as bases de uma boa proposta pedagógica para se trabalhar o tema futebol nas aulas de Educação Física escolar. A avaliação qualitativa “centra-se especificamente no tratamento metodológico da dimensão qualitativa da realidade social” (DEMO, 1995, p. 241)

Para nortear a pesquisa, buscamos livros, artigos, dissertações e teses nos seguintes endereços: Scielo, Portal da Unicamp, Portal da Universidade do Porto, Google Acadêmico e Base Athena da Rede UNESP.

De posse desses materiais procedemos pela análise dos resumos para ver aqueles que seriam capazes de nos auxiliar nas respostas aos objetivos de nossa pesquisa dentro do referencial da abordagem Crítico-Superadora em Educação Física. Esses materiais foram lidos e fichados, a fim de utilizarmos posteriormente na elaboração de nosso Trabalho de Conclusão de Curso em Educação Física pela FCT/UNESP.

Dessa forma, os principais aspectos analisados nas diferentes literaturas sobre o tema foram:

1- Futebol como fenômeno histórico-cultural (surgimento, evolução e implicações à sociedade brasileira);

2- Relações do futebol com a Abordagem Crítico-Superadora em Educação Física/Teoria Histórico-Cultural;

3- Aspectos específicos do futebol como manifestação da cultura corporal de movimento a ser trabalhado na esfera escolar.

4- Conteúdos e objetivos do ensino do futebol; Defesa da não fragmentação do Ensino;

5- Metodologia do Ensino aplicado ao futebol.

RESULTADOS

A prática de algo parecido com o futebol já se vê desde os tempos dos maias, egípcios e romanos (MELO, 2000). Porém, quando se trata do surgimento do esporte como observado atualmente nos meios de comunicação, seu início se deu na Inglaterra, com a formação da Footbaal Association em 1863 (MELO, 2000; PARREIRA, 2000). No Brasil, relaciona-se o início do esporte a figura de Charles Miller. Porém, Melo (2000) demonstra que o paulista, filho de ingleses só teve rápido sucesso na propagação do esporte pelo Brasil, visto que, provavelmente, o futebol já era praticado nas escolas jesuítas.

Uma das explicações para a rápida propagação segundo Melo (2000) é a possibilidade de Miller ter estimulado a prática entre os operários, devido à falta de pessoas engajadas com a prática nos clubes aristocratas. Quanto à prática nas camadas populares Daolio (2000) ao analisar a teoria biológica, a qual relaciona a prática do esporte predominantemente pelos negros, devido à facilidade congênita que os mesmos têm em praticar o futebol, esporte que utiliza os pés, assim como o samba e a capoeira. Para o mesmo, esta teoria não deve ser aceita, devido a conceber que, portanto, exista um gene para o futebol, o que, por conseguinte não levaria em conta os aspectos sociais e culturais que interferem em nossa constituição como sujeitos histórico-sociais.

Outra possível teoria está relacionada à funcionalidade do esporte. Ambos os autores citados, assim como Freire (2006), citam que a popularidade do esporte pode ter influência da facilidade para se praticar o mesmo, devido ao baixo custo dos materiais, ou até mesmo a improvisação dos mesmos, bem como a possibilidade de praticar em qualquer lugar.

Por fim, Melo (2000, p. 21) cita que a familiaridade com o gosto popular facilitou a propagação do esporte. Daolio (2000, p.33) se aprofunda nesta questão, e até mesmo afirma ser esta a teoria mais provável. Ele cita que “o futebol demandaria um estilo de jogo, uma exigência técnica, uma eficácia e uma eficiência, que se adequaram às características culturais do povo brasileiro.”

Ou seja, o futebol tem origem histórica, sofrendo transformações, tendo íntima relação com a cultura do povo. Em outras palavras, o futebol influencia na cultura do povo e é influenciado pela mesma.

Neste processo de propagação do futebol pelo Brasil, Melo (2000) demonstra que houve uma relação preconceituosa até que o esporte chegasse ao público pobre e negro. A princípio, como vimos, o esporte era presente nos clubes aristocratas, mas com a necessidade de novos praticantes, os clubes começaram a receber os negros. Porém, o Fluminense, clube da época, só aceitava aqueles que através do pó de arroz, mascarassem sua raça. Além disto, o Vasco da Gama foi alvo de discriminação quando aceitou negros em suas equipes. Isto devido ao processo de transformação social que o país passava neste período.

Atualmente, na era pós-moderna, notamos que o futebol continua manifestando acentuadamente valores disseminados na cultura, especificamente os valores capitalistas. Ao tratar desta relação entre o futebol e a sociedade capitalista, Oliveira (2000, p. 66) descreve um embate entre os jogadores “‘santos guerreiros’, cada vez mais cercados e cerceados por regras e ditames da tecnocracia, do capitalismo e dos ricos e dos poderosos”.

Podemos ver este cerceamento do capitalismo ao futebol, quando a prática do desporto revela que devemos vencer/lucrar a qualquer custo, ou pelo individualismo presente no esporte (CARRANO, 2000); ou ainda, pelas diferenças socioeconômicas existentes entre o jogador que atua nos grandes clubes da Europa ou do Brasil, e os jogadores, por exemplo, que atuam nos pequenos clubes das divisões menores do Brasil. Daolio (2000, p.37) fala sobre estas diferenças salariais em outras palavras, o salário médio dos jogadores brasileiro é baixo, contrastando vultuosas somas ganhas por jogadores de grandes equipes, com os salários ridículos da maioria dos profissionais espalhados pelo País.

Tais diferenças também são notadas ao andar pela cidade de Presidente Prudente, onde nas periferias observam-se escolinhas de futebol oferecidas pela Prefeitura destinadas às classes baixas, com carência de qualidade profissional e de materiais desportivos. Enquanto, nos clubes particulares e condomínios fechados, encontramos escolinhas particulares destinadas à classe média e alta, que se não apresentam qualidade profissional, pelo menos se observa muitos materiais esportivos.

Portanto, o futebol é uma manifestação cultural, que ao ser contemplado podemos compreender os valores da sociedade. Quanto a isto é importante dizer que o futebol não é positivo ou negativo em si mesmo, mas aquilo que a sociedade faz dele. Digamos que o futebol é como o megafone para aquela criança que está diante de tantos adultos e pouco é ouvida, então ela sai em direção ao megafone e começa a falar com ele, gritar, se expressar. Entender isto é de suma importância, pois se a sociedade se expressa através do futebol, é possível ao oferecer a vivência do jogo às crianças, que as mesmas se expressem através do jogo. Nestas manifestações delas, iremos compreendê-las quanto a sua formação social em casa, e os valores que têm sido construídos nelas. Podendo, assim, reorientar estes valores, caso necessário, promovendo a humanização, conceito que discutiremos posteriormente baseando-se em Mello (2007).

Além de reorientar a forma como o aluno se relaciona e se manifesta no futebol, visando à humanização, se faz necessário que o professor reoriente o próprio futebol a ser ensinado. O futebol não só manifesta os valores da sociedade, como também é uma das forças que incutem valores nos indivíduos, principalmente no Brasil, sociedade extremamente influenciada pelo futebol, exemplo disto é a presença de expressões do cotidiano que nos remetem ao esporte: “gol de placa, bateu na trave, pisou na bola” (DAOLIO, 2000, p. 34).

Neste processo de propagação de valores, percebemos muitas vezes as crianças reproduzindo comportamentos disseminados pela mídia, alguns neutros, como por exemplo, a atual demanda de crianças que imitam os cabelos do Neymar e do Cristiano Ronaldo, e outros negativos, como o individualismo e a competitividade exagerada. Isto está de acordo com a Teoria Histórico-Cultural, em que concebe os signos e objetos culturais como carregados de valores, de modo que através da experiência com eles as pessoas internalizam-nos (MARTINS, s.d.).

Assim, quando se trata do futebol, a prática dele sem a orientação pedagógica, reforçará valores negativos que permeiam a sociedade moderna, como o individualismo, egoísmo, indiferença e, consequentemente, contribuirá para a manutenção das diferenças sociais e dos distúrbios presentes na sociedade.. Neste sentido, Carrano (2000, p. 133) diz que “o futebol pode ser uma coisa tremendamente cruel quando dissemina mitos ou promove desilusões”.

Corroborando com estas ideias, Melo (2000. p. 13) diz que nós não podemos “[...] menosprezar e ou deixar de abordar o fenômeno futebol, discutindo seus significados e reorientando seus sentidos” ao abordar o papel da escola e sua relação com o futebol.

Alguns autores tratam do futebol como uma arte. Temos Leal (2001) que explana sobre o futebol reconhecendo que este desporto é tanto uma arte, quanto um ofício.

Neste conceito de arte, o futebol não deixa de ser um esporte, nem mesmo perde sua expressão nacional, antes, além disto, o futebol torna-se uma atividade lúdica e prazerosa aos aprendizes. Aprofundando nisto, temos que o futebol, segundo Garganta (s.d., p.01) os jogos “desportivos coletivos (JDC), designação que engloba, entre outras, modalidades como o Basquetebol, o Handebol, o Futebol e o Voleibol, ocupam um lugar importante na cultura desportiva contemporânea”.

Assim, o futebol a ser ensinado é uma arte coletiva. O Brasil tem dificuldade em jogar e apreciar o futebol desta forma. A cultura brasileira do futebol valoriza muito mais o individualismo que o coletivismo.

Indo contra esta tendência, temos que o conceito de equipe segundo os estudos tornou-se central no processo de ensino-aprendizagem dos jogos desportivos coletivos. Vemos isto em Garganta (s.d., p. 03), que ao citar outros autores como o romeno Leon Teodorescu e o francês Claude Bayer, diz que

A partir das perspectivas destes autores, a equipa passa a constituir-se como elemento central do processo de ensino/aprendizagem dos JDC. A noção de interacção, de relação de forças entre os elementos constituintes do colectivo, adquire segundo esta perspectiva, a sua verdadeira dimensão (GARGANTA, s.d., p. 03).

Este conceito de equipe corrobora a ideia de que o futebol ensinado de forma eficaz levará os alunos a entender o que é jogar em equipe. Isto implica muito mais que o sucesso na vivência da atividade, mas em uma possibilidade que transcende o jogo e age nas questões sócio afetivas da criança.

Reforçando esta ideia, Garganta (s.d.) além de tratar dos aspectos concernentes ao jogo em si, acrescenta outro fator muito importante, ao tratar dos benefícios no ensino dos jogos desportivos coletivos, que é a dimensão sócio afetiva. Ou seja, o futebol ensinado como arte coletiva, não irá contribuir apenas para um sucesso na prática do esporte, assim como no desenvolvimento das relações sociais do indivíduo. Ele afirma que o jogo desportivo coletivo

[...] induz o desenvolvimento de competências em vários planos, de entre os quais nos permitimos salientar o táctico-cognitivo, o técnico e o sócio-afectivo [...]. Para cooperar levar de vencida a oposição dos adversários dever-se-á desenvolver nos praticantes o espírito de colaboração e de entreajuda, podendo o jogo constituir-se como um campo privilegiado para que os praticantes exprimam a sua individualidade, manifestem as suas capacidades e simultaneamente aprendam a subordinar os interesses pessoais ao interesses da equipa (GARGANTA, s.d., p. 1).

Nesta linha, Carrano (2000, p. 125) afirma ser a coletividade do futebol uma forma de se conhecer a sociedade. Isto é, o futebol como arte coletiva pode ser uma ferramenta para que os alunos compreendam o que é a sociedade e como viver nela, submetendo-se aos interesses do todo, deixando de lado o individualismo.

Outro aspecto a ser levado em conta sobre o futebol como arte coletiva, é a sua complexidade. Garganta (s.d.) trata da complexidade dos jogos esportivos coletivos da seguinte forma:

Os JDC são atividades ricas em situações imprevistas às quais o indivíduo que joga tem que responder. O comportamento dos jogadores é determinado pela interligação complexa de vários factores (de natureza psíquica, física, táctica, técnicas,...). (...) No decurso de um jogo surgem tarefas motoras de grande complexidade cuja resolução não existe um modelo de execução fixo (Faria & Tavares, 1992). Sendo os JC atividades férteis em acontecimentos cuja frequência, ordem cronológica e complexidade não podem ser previstas antecipadamente, aos jogadores é requerida uma permanente atitude táctico-estratégica. Na construção de tal atitude, a seleção do número e qualidade das acções depende obviamente do conhecimento que o jogador tem do jogo. (GARGANTA, s.d, p.2).

Ao considerar a complexidade do jogo de futebol, temos alguns conceitos como: situações-problemas; imprevisibilidade do jogo.

Como se vê na citação de Garganta, o jogo é rico em situações-problemas. Estas situações exigem do jogador respostas que os solucionam. Segundo Leitão (2009) o jogador mais inteligente dentro da complexidade do jogo irá obter maior sucesso nas respostas às situações-problemas.

Estas situações-problemas que surgem durante o jogo são imprevisíveis, ou seja, não podem ser previstas pelo jogador. Durante todo jogo e em todo momento surgem situações diferentes e novas. Por isto, segundo Leitão (2009), o jogador soluciona eficazmente o problema, não por conseguir prever com “sorte” a situação problema, mas porque compreende o jogo, e desta maneira, sua intenção/desejo na tomada de decisão diante da situação problema é eficiente. Ele diz que

O processo para tomada de decisão no jogo de futebol, requer que a complexidade que o envolve seja realmente compreendida sob uma perspectiva também complexa. Acertar ou errar, escolher essa e não aquela opção dentre tantas possíveis não pode ser uma atribuição dada a elementos que não estão contextualizados na complexidade das situações. (LEITÃO, 2009, p. 82)

Na perspectiva metodológica, diante da abordagem Critíco-Superadora o objetivo das aulas de Educação Física passa a ser a humanização. Assim, prevê-se que o “tipo” de futebol que deve ser selecionado como conteúdo para a humanização é aquele que a promove. Neste sentido temos que “através do coletivo do futebol é possível entender o que é o coletivo, numa sociedade” (CARRANO, 2000, p. 125). Portanto, o futebol como arte coletiva pode ser o conteúdo na escola de futebol. Porém, o que dizer de sua relevância e sua acessibilidade?

Quanto à relevância social dependerá de como o professor lida com o ensino do futebol. Já dissemos que ele deve lidar como uma arte coletiva, e também como meio educacional, como a seguir:

[...] como meio educacional e não como um fim em si mesmo. Utilizo o futebol como um agente da ação democrática. As experiências que os meninos e as meninas vivem, no clube, acabam servindo de base para denunciar atitudes negativas que são incentivadas pela mídia e que são absorvidas e reproduzidas pelos alunos.” (CARRANO, p. 125, 2000).

Assim se o professor relacionar o futebol com as realidades políticos sociais dos alunos, o que é perfeitamente possível, o ensino do futebol como arte coletiva terá relevância social (MELO, 2000). Por exemplo, o futebol é extremamente disseminado na mídia, assim, é frequente o aluno trouxer às aulas informações sócio-políticas a respeito de clubes profissionais e jogadores de futebol, podendo ser discutidas e relacionadas às realidades sociais dos alunos.

Se não for o caso de discutir a realidade social por meio do que eles trazem a aula, pode-se trabalhar por meio de temas geradores que o próprio professor leva a aula (MELO, 2000). Ainda outra possibilidade de trabalhar o futebol como arte coletiva de forma relevante socialmente, é mediar às manifestações dos alunos, de valores negativos, que ocorrem durante as aulas, de modo a levá-los a reorientação dos seus valores.

Quanto à acessibilidade do conteúdo, Libâneo (1990), define como a “dosagem” do mesmo, ou seja, nem muito difíceis, a ponto de desestimular os alunos através dos sucessivos fracassos, nem muito fáceis, a ponto de, também, desestimulá-los através da ausência de desafios. Este aspecto é tratado também por Martins e Abrantes (s.d.) que afirmam que os conteúdos devem ser selecionados a fim de atingir a Zona de Desenvolvimento Proximal, definida por Vigotski (1984, apud MARTINS & ABRANTES, s.d.), ou seja, a distância entre o que o individuo sabe fazer sozinho (Desenvolvimento Real) e aquilo que o indivíduo poderá fazer (Desenvolvimento Potencial). Em outras palavras, é aquilo que o indivíduo pode fazer com a ajuda de alguém mais experiente. Selecionar os conteúdos com base nesta zona de desenvolvimento corresponde a gerar desafios subsequentes aos alunos, estimulando a aprendizagem e por consequência o desenvolvimento.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao abordar o tema do futebol na esfera escolar devemos percebê-lo como uma dentre várias manifestações da cultura corporal de movimento. Entretanto, ao abordá-lo devemos contemplá-lo diante de uma perspectiva crítica e que rompa com o discurso presente na ótica neoliberal que fragmenta o futebol, e ao favorecer o processo de emancipação dos alunos.

Esta fragmentação no ensino do futebol é criticada por Leitão (2009). Em sua tese ele percebe o futebol como uma unidade sistêmica, afirmando, baseando-se em Morin (1997 apud LEITÃO, 2009), que a soma das partes não correspondem ao todo, antes podem ser maior ou menor que o todo. Ou seja, para ele, a soma dos elementos do jogo de futebol não corresponde ao jogo de futebol, concluindo que ensiná-los separados não é o mesmo que ensinar a jogar futebol.

Dessa forma, esta pesquisa não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre a temática, mas sim gerar discussões que possam auxiliar os futuros professores da área escolar que vão trabalhar com a Educação Física nos diferentes segmentos de ensino e a perceber o futebol como um produto histórico-cultural.

REFERÊNCIAS

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DEMO, P. Metodologias alternativas: algumas pistas introdutórias. In: ____ Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1995. p. 229-257.

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LEONARDO, L.; SCAGLIA, A.J.; REVERDITO, R.S. O ensino dos esportes coletivos: metodologia pautada na família de jogos. Motriz, Rio Claro, v.15, n.2, p.236-246, abr./jun. 2009

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MELLO, S. A. Infância e humanização: algumas considerações na perspectiva histórico-cultural. PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 25, n. 1, 83-104, jan./jun. 2007.

MELO, V. A. Futebol: Que história é essa?! In: Carrano, P. C. R. Futebol: Paixão e Política. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 11-28

OLIVEIRA, I. B. Futebol: os santos guerreiros contra o dragão da maldade. In: Carrano, P. C. R. Futebol: Paixão e política – Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p. 65-78

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