Assim é, se lhe parece



Assim é, se lhe parece

(Revista da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, 2003)

Ricardo Noblat (*)

O que é o que é?

Formado em jornalismo, vive entre jornalistas, entrevista pessoas, apura, escreve e publica notícias, mas não é jornalista?

É o assessor de imprensa.

Durmo com um – ou melhor, com uma – há 26 anos.

Sempre que digo que um assessor de imprensa faz tudo menos jornalismo, ela fecha a cara, sai de perto de mim e leva algum tempo para se reconciliar comigo.

Há muito que ela desistiu de bater boca em torno do assunto. Nem a convenci do que penso, nem ela de que estou errado.

Antes que seja esfolado vivo, digo que respeito o assessor de imprensa como respeito todo tipo de profissional sério, digno e que sua a camisa para sobreviver.

Se não fossem as assessorias de imprensa haveria um número muito maior de jornalistas desempregados no país da mídia falida, dos juros estratosféricos e do presidente que ganhou pela esquerda e que por ora governa pela direita.

Reconheço também que assessores de imprensa muitas vezes facilitam o trabalho dos jornalistas. E até evitam que eles cometam mais erros do que seria habitual.

Mas que assessores de imprensa fazem jornalismo, não fazem não, sinto dizer. Pelo menos o que entendo por jornalismo. Ou melhor: o que é definido como jornalismo em qualquer conversa de botequim e nos salões acadêmicos mais vetustos.

Para que seja considerado como tal, o jornalismo tem de ser livre, crítico e, se necessário, impiedoso.

O escritor Millor Fernandes acha que jornalismo de verdade tem de ser de oposição – o resto é armazém de secos e molhados.

O jornalismo supostamente praticado nas assessorias de imprensa pode ser livre? Pode ser crítico? E impiedoso, pode ser?

Se for qualquer uma dessas coisas ou todas ao mesmo tempo não será um jornalismo de assessoria de imprensa. Porque não haverá assessoria de imprensa que sobreviva com um jornalismo desses. Ela simplesmente não terá clientes – nem de esquerda, nem de direita, nem de centro.

Mesmo que a verdade não seja algo claramente identificável, e mesmo se admitindo que não exista uma única verdade, o dever número um do jornalista é persegui-la à exaustão.

O dever número um do assessor de imprensa é oferecer para divulgação a verdade que melhor sirva ao seu assessorado. E, se preciso, ocultar a verdade quando ela lhe for nociva.

O dever número dois do jornalista é com o jornalismo independente.

O do assessor de imprensa é com o jornalismo que depende dos objetivos do seu assessorado.

O dever número três do jornalista é com os cidadãos. Não se deve ter vergonha de tomar partido deles.

O do assessor de imprensa passa pelos cidadãos desde que seja para que seu assessorado fique de bem com eles. Ou desde que os cidadãos não atrapalhem a vida do assessorado.

O quarto dever do jornalista é com sua própria consciência.

Vá lá: o do assessor de imprensa é também com sua própria consciência.

Em última instância, quem paga o salário do jornalista é o público que consome o que ele apura e divulga.

Quem paga o salário do assessor de imprensa é a empresa, entidade, governo ou figura pública que o contratou.

No dia em que um assessor de imprensa for capaz de distribuir notícias contra seus clientes estará fazendo jornalismo - e deixará de ser assessor de imprensa.

O que ele faz tem mais a ver com relações públicas e propaganda do que com jornalismo.

(* Ricardo Noblat é autor do livro “A Arte de Fazer um

Jornal Diário” e consultor do jornal A Tarde, de Salvador.)

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