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Roteiro para uma visão sistêmica de logística e transportes no Brasil

Ladislau Dowbor

2 de maio de 2016

I – Um território mal articulado

Argumento 1 – (imagem: visibleearth.) A américa do sul se desenvolveu a partir do sistema colonial, em que a racionalidade principal era de se fazer chegar os produtos aos portos, para proveito das metrópoles. Ou seja, na herança estrutural da era colonial, formaram-se ilhas de produção conectadas com canais de exportação. Esta característica se mantém até hoje, e quando olhamos uma foto de satélite sobre o planeta de noite, constatamos que na Europa e nos Estados Unidos há uma densidade bastante equilibrada de iluminação, enquanto na América latina aparecem luzes nas costas, tanto do oceano Atlântico como do Pacífico, enquanto o interior do subcontinente aparece escuro. A América do Sul, em termos de desenvolvimento econômico, e no que pode coincidir a iluminação com o desenvolvimento, continua sendo um continente “ôco”, com imensa subutilização do interior.

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Argumento 2 – (imagem: visibleearth., centrada sucessivamente na bacia econômica do Atlântico e do Pacífico) A distribuição das atividades no mundo está se deslocando. Onde antigamente havia forte dominância do Atlântico Norte, hoje assume importância maior a bacia econômica do Pacífico, com a pujança das economias asiáticas, em particular da China. Nos EUA, ainda que predomine a força do Leste, reforça-se o polo do Pacífico, acompanhando a nova dinâmica, e criando os acordos comerciais Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) e Trans-Pacific Partnership (TTP). A América latina, e o Brasil em particular, têm de se adequar à nova realidade como visão estratégica.

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Argumento 3 – (imagem: rede ferroviária EUA, conexão Leste-Oeste, Wikipedia “First Transcontinental Railroad, event. foto Trans-siberiano) Os Estados Unidos inauguraram a conexão das duas costas, do Atlântico e do Pacífico, já em 1869, (imagem wikipedia foto locomotiva e inauguração) com duplo impacto: primeiro, integrava o Oeste Selvagem com a economia mais dinâmica do Leste, abrindo o potencial para um desenvolvimento territorial mais equilibrado. Segundo, abria o caminho para a expansão da economia nos contatos com o Japão que se moderniza a partir da restauração dos Meiji em 1868 e a Ásia em geral. A conexão integradora ferroviária assegurava assim uma articulação dos diversos espaços econômicos. A ferrovia transiberiana é concluída no início do século XX, conectando a Rússia mas também a Europa em geral por ferrovia com a China e com o Pacífico, tendo também um forte impacto de integração da Sibéria no desenvolvimento de toda a região.

Argumento 4 - (imagem: mapa da conexão Leste-Oeste na América do Sul, artigo FSP) A América do Sul mal tem uma conexão rodoviária entre o Atlântico e o Pacífico, tendo uma carga de São Paulo, por exemplo, contornar de navio pelo canal de Panamá. Um país como a Bolívia, privada de acesso ao mar, e na realidade muitas regiões do “miolo” da América do Sul se vêm pouco dinamizadas. Um primeiro projeto de conexão ferroviária ainda está em estudo. Apesar da barreira natural que constitui a cordilheira dos Andes, tende a pesar mais o pouco interesse histórico em se criar no subcontinente latino um espaço econômico integrado, inclusive por particularismos nacionais. Nesta era de globalização, a articulação entre os dois oceanos, e a valorização desta imensa região central se torna essencial.

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Argumento 5 – (imagem: mapa demográfico, relativo vazio do interior do país, apesar de Brasilia, e evolução relativamente recente com o agro, Mapa 52 Influência) O impacto deste desequilíbrio no Brasil é uma dinâmica articulada: regiões distantes têm sistemas de articulação mais fracas, e atraem menos atividades econômicas, o que resulta em pouco interesse em desenvolver infraestruturas que viabilizariam as atividades e melhor equilíbrio demográfico. O resultado foi o êxodo rural do final do século passado, que reforçou o desequilíbrio demográfico e gerou as periferias pobres nas grandes cidades do país. Já nos anos 1950, com a construção de Brasília, tentou-se esta “interiorização” do desenvolvimento, com fracos resultados. E a mais recente expansão da monocultura agoexportadora gera poucos empregos e busca apenas eixos de escoamento de produção, pouco contribuindo para o desenvolvimento integrado das diversas regiões do interior do país. A expansão dos eixos de transporte integradores para o interior do país tornou-se essencial.

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Argumento 6 – (imagem: centralidade econômica do Sudeste) Uma terceira característica da organização espacial da economia brasileira é o desequilíbrio estrutural que resulta da dominância econômica do Sudeste do país. Isto pode ser constatado inclusive na presença da gestão federal no Brasil (mapa 50, gestão federal, Brasil 2006), na centralidade da gestão empresarial (mapa 51, 2004), nas atividades bancárias (mapa 55, mostrar o contraste Itaú e Banco do Brasil) e inclusive no ensino superior tanto de graduação (mapa 58, 2005) como em particular de pós-graduação (mapa 59, 2005) A concentração dos serviços de saúde (mapa 60 2005) e de domínios de Internet (mapa 61, 2006 é particularmente chocante. Aqui torna-se essencial gerar, com forte iniciativa do Estado, um conjunto de infraestruturas de transporte que contribuam para o equilíbrio regional.

Uma forma importante de constatar o desequilíbrio está na localização das atividades financeiras:

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Muito interessante também é ver a diferença do segmento privado de atividades financeiras, com o Banco Itaú muito centrado na região já rica, enquanto um banco público como o Banco do Brasil tem uma distribuição mais equilibrada em termos de Nordeste, mas igualmente pouco presente no imenso interior.

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Igualmente expressiva é o desequilíbrio de atividades em termos de acesso à banda larga da internet, um dos principais desequilíbrios nesta era a economia do conhecimento, e que será central para o desenho do Plano Nacional de Banda Larga:

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Argumento 7 – (tabela: peso econômico das grandes cidades, problema das metrópoles) A combinação de fracas infraestruturas no interior do país, da expansão da monocultura pouco geradora de empregos, e do poder de atração das atividades das grandes cidades gerou uma outra característica da organização espacial do país, que tem sido chamada de macrocefalia urbana, com a formação de grandes regiões metropolitanas com núcleos relativamente prósperos, ou até pujantes, cercados de periferias pobres, gerando dramáticos problemas de organização espacial interna e em particular de mobilidade das pessoas entre as periferias e os centros de emprego. Hoje, com 85% de população urbana, e a concentração de grande parte da população em 16 regiões metropolitanas, a mobilidade urbana tornou-se um dos principais gargalos do desenvolvimento. (imagens de congestionamento, lotação de transporte coletivo) Com a desigualdade de renda e de patrimônio que caracteriza as nossas metrópoles, a questão da mobilidade constitui uma questão de justiça social, necessitando de uma transição espacial que permita a integração efetiva dos espaços urbanos.

O adensamento da rede de transportes para o interior e sua capilaridade são aqui essenciais para a gradual construção de um equilíbrio espacial tanto demográfico como econômico. É no sul do país apenas que vemos uma distribuição espacial urbana mais equilibrada, com numerosas cidades pequenas e medias.

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Argumento 8 – (mesma imagem: IBGE “Influências” mapa 47 acima, atividades de comércio, 2004, buscar no CD) Por herança histórica, o Brasil se tornou essencialmente uma economia atlântica, e é dotado de grandes rios navegáveis. Quando olhamos as capitais estaduais, constatamos que com exceção de Belo Horizonte, os centros econômicos significativos são portuários (mapa político do Brasil). Manaus, mas também o interior amazônico com o rio Madeira, cidades como Belém, São Luiz, Fortaleza e todos as capitais costeiras, inclusive Rio de Janeiro, o sistema São Paulo Santos, até Curitiba com o seu porto em Paranaguá, e até Porto Alegre, praticamente todas as capitais podem ser conectadas por um sistema de transporte de cabotagem, que conecta em permanência os diversas centros e permite construir complementariedades econômicas ao facilitar as trocas com um meio de transporte barato. (imagem principais portos do país). Assim, os portos e o sistema de transporte por água devem servir não só para o nosso comércio internacional, mas para a integração nacional das diversas bacias econômicas. (imagens de Ibge Regiões de influência, p. 142, ou Mapa 64 na p. 162 2007)

Argumento 9 – (Imagem 64 “centros de gestão do território” manter) Desenha-se assim uma visão ampla da visão da infraestrutura de transportes: 1) como elemento importante de integração da América do Sul, conectando melhor o Brasil com o mundo globalizado; 2) como elemento de integração do próprio território nacional, investindo na criação de uma malha de transportes que conecte melhor as regiões do interior com os centros econômicos mais dinâmicos; 3) como vetor de correção de desequilíbrios entre o Sudeste e o conjunto do território nacional numa visão proativa de promoção do desenvolvimento; 4) enfim como articulador dos centros urbanos portuários ao aproveitar o imenso potencial do transporte por água; 5) como vetor de reordenamento da mobilidade urbana em particular nas grandes metrópoles.

II – As opções da matriz de transportes

Argumento 1 – (imagem: tabela Ideal p. 14) Os transportes fazem parte dos sistemas de infraestruturas que devem funcionar em rede: todas as unidades produtivas de um país, unidades domiciliares, cidades e regiões precisam ser conectadas por redes de infraestruturas, basicamente de energia, transportes, telecomunicações e água/saneamento. Estes de certa maneira constituem “fluidos”, e articulam o conjunto de atividades econômicas. Neste sentido, o seu desenvolvimento deve ser planejado, com forte participação do Estado para assegurar o interesse público. A gestão pode ser confiada sob forma de concessão a grupos privados, mas no quadro de convênios que assegurem a supervisão e o interesse geral. “A aproximação do planejamento de transportes com o planejamento do setor de energia é de fundamental importância para lograr um planejamento mais eficiente das intervenções nos rios. Os benefícios do planejamento integrado podem ser ainda maiores ao juntar mais setores envolvidos (como portos, gestão de recursos hídricos, meio ambiente, Marinha, rodovias e

ferrovias, dentre outros)”(TEH p.64).

Argumento 2 – (Imagens: fotos de infraestruturas mencionadas: represa hidroelétrica, trem, pessoas acessando wifi, estação de tratamento de água) Constatamos o forte aumento generalizado de investimentos em infraestruturas na América Latina. A densidade, racionalidade e eficiência da rede de infraestruturas permite que funcionem melhor as cidades, os estabelecimentos agrícolas, a indústria, as escolas, os hospitais – enfim, todas as atividades ligadas ao nosso cotidiano e ao desenvolvimento do país. O seu bom funcionamento permite que seja se tornem mais baratas e eficientes todas as nossas atividades, as suas insuficiências geram o chamado “custo Brasil”. Energia, transporte, telecomunicações e água e saneamento costumam ser planejadas em conjunto, pois a mesma calçada pode encobrir cabos elétricos e de fibra ótica bem como redes de água e esgotos, e em todo caso estes “fluidos” têm de chegar a cada de forma capilar a cada ponto de atividades humanas. As infraestruturas exigem planejamento público, com visão sistêmica e de longo prazo, de maneira a otimizar a produtividade social. A América latina tem expandido fortemente os investimentos em infraestruturas a partir de 2004, conforme se pode ver no gráfico abaixo:

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Argumento 3 – (imagem: tabela de transportes de carga segundo os modais; PNLT tabela 2 p. 30) A priorização adequada e diferenciada no próprio sistema de transportes é essencial. No Brasil, desde o Plano de Metas do Governo de Juscelino Kubitschek foram priorizados o caminhão para o transporte de carga e o automóvel individual para o transporte de pessoas. Ficaram relegados os sistemas ferroviário e de transporte de cabotagem (navios costeiros) para carga, e o transporte coletivo de massa para a mobilidade urbana. Os cerca de 30 mil quilómetros de ferrovias que tínhamos já em 1930 ficaram em grande parte abandonados, estaleiros navais foram desativados, os trilhos e equipamentos de bondes nas cidades foram arrancados ou desativados, tudo em proveito da indústria de caminhões e de automóveis que se instalava no país. Esta deformação das opções provoca perdas de produtividade sistêmica de todo o sistema produtivo, e grandes desconfortos em termos de qualidade de vida urbana.

Argumento 4 – (imagem dos segmentos ferroviários no país – mapa – mostrando a pouca integração) Por sua vez, como a infraestrutura de transportes visa assegurar a fluidez da circulação de mercadorias e de pessoas, torna-se essencial a complementariedade e articulação dos diversos subsistemas. As infraestruturas de transporte de carga por rodovia, ferrovia e sistemas fluvial e marítimo ainda constituem fragmentos em grande parte pouco articulados, tornando-se necessária uma integração do conjunto, como se constata por exemplo na Europa com a integração do sistema portuário com a rede ferroviária, utilizando-se o caminhão para trajetos mais curtos de distribuição final de carga fracionada. No caso da mobilidade urbana, constata-se, além da priorização errada, a mesma frágil articulação entre os diversos modais de transporte de carro, ônibus, metrô e trens suburbanos, enquanto as ciclovias apenas dão os primeiros passos.

Argumento 5 – (os avanços tecnológicos de gestão e acompanhamento, pnlt 46) Ao mesmo tempo que a globalização aproxima os espaços econômicos mundiais, estimulando e acelerando os intercâmbios, um conjunto de tecnologias de informação com comunicação permite uma gestão em tempo real, acompanhamento de cargas e integração intermodal que tendem a mudar a própria cultura do setor.

Argumento 6 – (avanços tecnológicos e conectividade: mudança de deslocamentos, os bits viajam) mapa internet mapa 61

Argumento 7 – (imagem PHE tabela comparativa emissões p. 31, eventualmente . fotos engarrafamento, emissão de fumaça de veículo, e dados de emissões) A matriz de transportes hoje e cada vez mais deve se adequar a recomendações ambientais. O aquecimento global já está não só comprovado como já sentimos os seus impactos. O Brasil apresenta 47% de energia renovável na sua matriz, enquanto a média mundial é de 12,98%, e a média dos países desenvolvidos (OCDE) é de 6,7%. No Brasil, com a vantagem de uma matriz energética particularmente limpa, os avanços devem se dar tanto na área de redução do desmatamento, como na racionalização dos transportes. O fato de dispor de energia hidroelétrica, limpa e renovável, favorece a opção de ferrovias eletrificadas, de metrô e ônibus elétricos nas cidades, bem como de veículos individuais ou de uso compartilhado elétricos.

Argumento 8 – (imagem: inversion publica e inversion privada, IDEAL) Aparece como central, nesta visão de uma busca do desenvolvimento equilibrado, assegurar um papel decisivo ao setor público, pois do caos da interesses privados é que surgiram as profundas deformações como o custo-Brasil nas atividades econômicas e o travamento geral no caso das atividades urbanas, e em particular das grandes metrópoles. Assim na última década foi resgatado o papel da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o desenvolvimento do PNLT – Plano Nacional de Logística e Transportes, que “representa o marco inicial da retomada do planejamento setorial estratégico, em caráter contínuo e dinâmico, destinado a orientar, com embasamento técnico e científico, a implantação das ações públicas e privadas no Setor de Transportes de forma a atender as demandas políticas de integração, desenvolvimento e superação de desigualdades.” Na tabela a baixo sobre a américa Latina, se constata a importância da participação pública, com o Estado contribuindo com o maior esforço, em particular nas áreas de água e saneamento e de transportes, menos na área da energia onde o lucro privado é mais imediato, e menos ainda nas telecomunicações onde predominam os cartéis privados. (IDEAL, p. 27)

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Argumento 9 – O setor de transportes tem um peso muito grande no PIB. Em particular a indústria de veículos automotores representa algo como 20%, e com o peso político adquirido, além da sensibilidade relativamente aos empregos do setor,k gerou-se uma rigidez que dificulta a racionalização da composição intermodal de transportes. A realidade é que a reconversão de empregos, não necessariamente perda de empregos. O plano hidroviário, por exemplo, contempla um conjunto de atividades ligadas à modernização da frota de barcos, construção e adequação de portos e outras atividades que os empregos se deslocam e não se perdem. (PHE p.70)

III – O transporte de carga

Argumento 1 - A lógica sistêmica do transporte de cargas no Brasil seria de uma composição intermodal equilibrada entre os transportes rodoviário, ferroviário, de cabotagem (navios costeiros) e hidroviário (fluvial). Mas o que se constatou foi uma dominância muito grande do transporte por rodovia. A mensagem que encontramos frequentemente nos caminhões, “Sem caminhão o Brasil para”, é lamentavelmente verdadeira. Na figura abaixo (Plano Nacional de Logística e Transportes, 2012, p.28) constamos o desequilíbrio. O PNLT apresenta duas cifras, pois o transporte ferroviário só adquire certa importância, 30%, pelo peso em toneladas do minério de ferro, simples dreno de um recurso natural. Descontando o minério, temos 68% de transporte por caminhão, um motorista a cada pequena fração de carga, gastando combustível não renovável, gerando grande quantidade de gazes de efeito de estufa, exigindo gastos permanentes de manutenção de estradas e de reposição de equipamento. Na carga diversificada, o transporte ferroviário participa com a penas 10%, e o transporte de cabotagem, num país onde quase todos os centros econômicos são portuários ou semi-portuários, também com 10%. E neste país que tem 29 mil quilómetros de rios navegáveis, o hidroviário participa com apenas 6%.

Distribuição modal da matriz brasileira de transportes regionais de cargas em 2011- PNLT 2012, p. 28

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Uma comparação internacional é aqui bastante útil. Olhando em particular os países de grandes dimensões, particularmente propícios ao transporte ferroviário, constatamos que na Rússia a ferrovia apresenta 81% de participação relativa no transporte de carga, os Estados Unidos 43%, o Canadá 46%, a Austrália 43%. Veja-se também a forte participação da hidrovia no caso dos Estados Unidos, 25%.

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Os custos segundo o modal são muito diferentes. “De acordo com os modelos de custo, o THI representa cerca de 10% a 17% dos custos do transporte rodoviário, sem considerar os custos de transbordo10. O custo do transporte ferroviário é aproximadamente duas vezes mais elevado do que o transporte hidroviário.”

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Fonte: Relatório Plano Estratégico Hidrovias 2013, MT, p. 32

Uma outra razão de primeira importância no quadro do aquecimento global, é o impacto ambiental, em termos de emissões de gazes de efeito de estufa: veja-se que as diferenças são impressionantes.

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Fonte: Relatório Plano Estratégico Hidrovias 2013, MT, p. 32

Argumento 2 – O Brasil já tinha 30 mil quilómetros de ferrovia em 1930, e praticamente não evoluiu deste então, em que pese o abandono de certos trechos e construção de eixos ferroviários mais modernos constituindo essencialmente corredores de exportação. Na figura abaixo se constata a evolução dos dois principais modais de transporte de carga: enquanto o modal rodoviário passava de 150 para 210 mil quilómetros de estradas pavimentadas, a extensão de ferrovias permanece imóvel. Aqui o desequilíbrio se mantém ou se aprofunda, não por falta de análises técnicas, mas pela simples pressão política das grandes montadoras de veículos automotores.

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Argumento 3 - Esta priorização deformada e o interesse das montadoras resulta naturalmente da presença política das empreiteiras, das empresas que comercializam combustíveios, e em particular da “galáxia” econômica que constitui o setor automobilístico no país, responsável por quase 20% do PIB brasileiro. Mas aumentar o PIB elevando os custos do transportes não é solução, e se traduz numa perda de competitividade internacional e sobrecustos internos. Na tabela abaixo se constata o impressionante crescimento da produção de veículos, em particular dos caminhões. Aqui os impactos serão evidentemente também sobre a mobilidade urbana e interurbana.

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Argumento 4 – O resultado são elevados custos de transporte: por mais que uma empresa produza de maneira eficiente, se o transporte do produto é mais caro, a competitividade se reduz. Uma comparação internacional dos custos de logística em diversos países nos dá uma ideia do desequilíbrio. Constatamos que no Brasil estes custos representam algo da ordem de 20% do PIB, enquanto mal ultrapassam 10% nos EUA, ou 12% no Canada. Aqui o custo Brasil onera a todos, problema se se encontra naturalmente também no caso da opção de transporte individual por automóvel nas grandes cidades.

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Fonte: Plano nacional de logistica e transportes 2012. pdf

Argumento 5 – A expansão ferroviária é muito recente, mas avança claramente no sentido de mudar profundamente as prioridades. Na tabela abaixo, constatamos que estão em curso de contratação ou construção 10.373 quilómetros de ferrovias, sendo que apenas 6% na região Leste, e uma grande prioridade dada ao Centro-Norte, Centro-Sudeste e Nordeste. Os impactos deste tipo de investimentos, que tipicamente têm um tempo de maturação (entre planejamento, decisão, contratação e entrega) de dez anos ou mais, será fundamental para o Brasil, tanto pela racionalização da matriz intermodal, como pelo fato de integrar o interior do país e assegurar uma conexão com a bacia econômica do Pacífico.

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Os resultados devem gerar, com esta visão, uma integração muito mais significativa das grandes regiões do país, sobretudo se considerarmos que se prevê uma integração econômica maior da região norte pela articulação entre o transporte ferroviário e o hidroviário, e que o transporte entre as capitais costeira poderá ser complementado com o transporte de cabotagem.

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Argumento 6 – O hidroviário – Outra forma de reduzir os desequilíbrios é aproveitar o grande potencial do transporte hidroviário, hoje com amplo plano de desenvolvimento para o ano de 2031, o Plano Hidroviário Estratégico (PHE). “O Brasil possui uma extensa rede de rios e lagos, com aproximadamente 63.000 km de extensão, distribuídos em doze bacias. Apesar da amplitude da rede hidroviária brasileira, atualmente apenas cerca de 21.000 km dos 29.000 km de rios navegáveis fazem parte do sistema logístico. Atualmente, são transportados nas hidrovias 25 milhões de toneladas de carga e 6 milhões de passageiros por ano.” (PHE, p.11)

Os dados mostram uma evidente a subutilização deste modal de transporte, em particular porque a racionalização do seu uso, com instalações portuárias fluviais, sinalização e dragagem em algumas partes, pode ser generalizada com baixos custos. Nas áreas de necessária preservação ambiental, como na região amazônica, ampliar o uso deste modal tem vantagens evidentes relativamente à abertura de rodovias ou ferrovias. Constatamos que no quadro do PAC estão sendo viabilizados 11.726 quilómetros de hidrovias, o que deve, junto com as iniciativas ferroviárias, contribuir para a melhor integração do interior do país, articulação entre os diversos subsistemas econômicos nacionais, e redução geral dos custos logísticos.

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O transporte hidroviário pode desempenhar um papel particularmente importante para a interiorização do desenvolvimento, pois grandes bacias navegáveis encontram-se justamente no interior do país. Além disso, este modal de transporte é importante para o comércio e logística transfronteiriços, no sentido de melhor integração com os países vizinhos. A disponibilidade de bons meios de transporte por sua vez atrai investimentos empresariais: “Exemplos são a planta de aços laminados em Marabá, as fábricas de celulose em Três Lagoas e o sistema de etanol nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, todas construídas (ou em fase de construção) nas cercanias dos rios para utilizar o transporte hidroviário. Isso aumentará significativamente o transporte hidroviário no Rio Tocantins, Rios Paraná-Tietê e na Lagoa dos Patos. É muito provável que, uma vez realizados esses investimentos para ampliar o uso do transporte hidroviário interior, outras empresas também serão incentivadas a investir em projetos próximos às hidrovias.” (PHE, 25)

O PHE identifica como principais potenciais de transporte os produtos seguintes:

• Produtos agrícolas: soja, farelo de soja, milho, cana, açúcar, etanol, algodão, fertilizantes;

• Madeira e celulose;

• Produtos químicos e petróleo;

• Minério de ferro, manganês, aço e carvão;

• Materiais de construção e areia;

• Contêineres e reboques Ro-Ro.

(Imagem: mapa p. 14) As bacias estudadas para o plano estratégico são as seguintes: Amazonas/Solimões – curso principal e rios tributários; Madeira; Tapajós, Juruena e Teles Pires; Tocantins e Araguaia; São Francisco; Parnaíba; Tietê e Paraná; Paraguai; e Lagoa dos Patos e Mirim; rio Uruguai. É importante notar que a racionalidade do transporte hidroviário está diretamente ligada à modernização dos portos. “A escolha do porto marítimo define a rota que será usada para transportar a carga e, portanto, defini a cadeia logística.”(34) “A participação do THI atualmente para as principais commodities (soja, farelo de soja, milho e fertilizantes) é de aproximadamente 9% em termos de toneladas-km (volume e distância). A perspectiva para 2031, considerando estas commodities, é de um aumento da participação do THI para 38%-39%, em toneladas-km, mais do que quatro vezes superior à participação atual.” (35)

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Argumento 7 – Cabotagem –

“Feita de modo organizado e corrigindo-se eventuais assimetrias, a abertura do mercado de cabotagem nos moldes da UE pode significar mais um passo rumo à integração das nações latino-americanas, como historicamente desejaram seus povos e grandes líderes. Alguns pontos essenciais para o desenvolvimento do setor são:

( Pensar a cabotagem sempre de modo integrado aos diversos modais, e como um serviço porta-a-porta;

( Regulamentar o processo de transbordo de cargas de modo a desburocratizar procedimentos e facilitar o surgimento de serviço feeder para o Brasil e a América Latina;

( Investir em tecnologia de informação para integrar modais, facilitar o acompanhamento e o desembaraço da carga e permitir a tomada de decisão otimizada pelo transportador de carga;

( Investir na integração de sistemas de comunicação entre os portos latinoamericanos visando o serviço feeder e um possível mercado integrado no médio prazo;

( Realizar campanhas institucionais sobre as vantagens do transporte de cabotagem para o usuário e para operadores de transportes interessado em entrar no setor” (Moura, p. 613)

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Argumento 9 - O conceito de multimodalidade: “É necessário aproveitar o potencial que cada modal pode contribuir para uma operação integrada de transporte nacionalmente. A operação de transporte multimodal é caracterizada por um único contrato de transporte. Utilizam-se duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino. Esta tarefa é executada sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal – OTM. Este operador é uma empresa contratada para realização do transporte multimodal da carga da origem até o destino, por meios próprios ou por intermédio de terceiros.” (Moura, p. 602) (Imagem: p. 606) O PNLT 2012 informa: “Em consonância à Resolução ANTT nº 794/2004, em 2013, houve a habilitação de 63 empresas brasileiras como Operadores de Transporte Multimodal OTM, dentre as quais, uma foi amparada pelo Acordo Sobre Facilitação do Transporte Multimodal, entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, perfazendo um total de 447 habilitados.” (ANTT p. 56) “ Na Europa, polos de carga foram desenvolvidos nas proximidades de portos marítimos e, especialmente no que se refere ao transporte de contêineres, para os quais é necessária concentração de carga para viabilizar o transporte hidroviário. A formação de um polo viabiliza conquistas que seriam difíceis de serem obtidas por uma só empresa, tais como melhores acessos e conexões intermodais ferroviário-hidroviárias. Isto funciona como um círculo virtuoso que, por criar melhores condições e acessos, tende a atrair mais empresas para a região,

fortalecendo ainda mais o polo.” (PHE p. 66)

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Fonte: Relatório Plano Estratégico Hidrovias 2013, MT, p. 49

IV- A mobilidade urbana

Uma pessoa que mora na periferia levanta tipicamente antes das cinco, volta às nove, adormece no sofá vendo bobagens, e dentro de pouco já são cinco horas de novo. Que vida de família, que qualidade de vida se pode esperar? Que cuidado com os filhos? E se acedeu finalmente a um carro, ficará parado nos engarrafamentos, com gastos maiores, e deverá sair de casa cada vez mais cedo. A questão da mobilidade urbana não pode se resumir à dinamização da produção automobilística, da construção de viadutos e da realização de bons negócios imobiliários. Trata-se de humanizar a cidade, de promover o bem estar das pessoas, e de reduzir os custos. Em termos econômicos, é uma questão de bom senso: a racionalização da mobilidade urbana gera economias para todos.

Há mudanças profundas de contexto, e situações demasiado variadas para receitas universais. Alguns eixos de mudança, no entanto, aparecem de maneira relativamente clara:

1) Há uma profunda mudança demográfica que impacta toda a problemática do desenvolvimento urbano, com fortes implicações em como pensamos a mobilidade urbana. Em particular, o grande movimento de êxodo rural que caracterizou as últimas décadas se reduziu significativamente, o que significa que as cidades passaram a crescer de maneira vegetativa, reduzindo-se a pressão expansionista das periferias pobres. Com a queda da natalidade esta relativa estabilização se viu reforçada. Outra dinâmica demográfica é o crescimento urbano ter se deslocado das metrópoles para as cidades médias, o que tende a equilibrar a organização do espaço urbano, e também para as beiradas das periferias metropolitanas, gerando problemas localizados mas críticos. Estes deslocamentos e a relativa estabilização demográfica significam que hoje é possível pensar a estruturação planejada das cidades buscando a racionalidade do seu funcionamento em torno ao objetivo geral da qualidade de vida. A mobilidade, além de enfrentar a sua função específica, tem portanto de ser vista como estruturadora da cidade no sentido mais amplo. A recomendação aqui é de se trabalhar de maneira diferenciada as políticas de mobilidade, segundo as características estruturais herdadas nas diferentes cidades, suas distintas dinâmicas de crescimento recente e as novas dinâmicas demográficas, articulando sempre mobilidade à posse e uso do solo urbano. (tabela urbanização no Brasil) (ver plano nacional de mobilidade urbana)

2) Um segundo eixo de mudanças estruturais está evidentemente ligado à ascensão social e econômica de pessoas que representam cerca de um quarto da população brasileira. Enquanto o desenvolvimento incluía apenas elites, as soluções de transporte individual eram naturais, pois se tratava de um segmento da população com capacidade de compra e de pressão política. O resultado foram sistemas de infraestruturas e de equipamento de transportes centradas no individual e no motorizado, sistemas que por definição funcionam apenas para minorias. Com a inclusão de uma ampla massa da população no mercado de consumo, a visão da mobilidade urbana se viu colocada em cheque, em particular pela insuficiência dramática de infraestruturas e equipamentos de transporte coletivo de massa e pelo acesso de novos consumidores ao transporte individual (carros e motos). É importante salientar que não se trata de falta de recursos – uma cidade como São Paulo, com uma renda per capita quase 40 mil reais, é uma cidade muito rica – e sim da sua captação tributária e aplicação profundamente deformadas. É essencial um profundo redirecionamento dos financiamentos das infraestruturas e dos equipamentos, priorizando uma nova composição intermodal do transporte de massa. (tabela multimodal das viagens em sampa)

3) As mudanças tecnológicas já têm uma importância grande na organização do sistema de mobilidade urbana. O Wifi urbano instalado em muitas cidades, permitindo acesso gratuito em qualquer parte da cidade, está mudando uma série de atividades, no sentido de serem os bits que viajam, e um pouco menos as pessoas. Por outro lado, os próprios processos produtivos urbanos lidam crescentemente com a chamada economia “imaterial”, com as relações de trabalho frequentemente dispensarem presença física das pessoas. E também se desenvolvem práticas colaborativas como as caronas, ou sistemas compartilhados de carros elétricos como em Paris. Segundo o relatório do IESE, “apesar das cidades não poderem prosperar apenas por meio da tecnologia, as TICs (tecnologias de Informação e Comunicação) fazem parte do eixo estratégico de qualquer sociedade que queira se considerar “esperta”.

A opção pelo transporte eletrificado é muito importante em grandes cidades do mundo, mas pode também ser opção importante para cidades médias. Aqui, o exemplo do tipo de bonde em Reims, na França. Lembremos que toda a infraestrutura de trilhos de bondes de que São Paulo dispunha foi destruída, no início dos anos 1960, com o objetivo de priorizar o automóvel individual, com fortes campanhas da mídia que apresentava o bonde como “ultrapassado”.

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Não faltam também inovações hoje encontradas em numerosas cidades, como este bicitaxi elétrico em Genebra, na Suiça:

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A visão básica em termos estratégicos é uma nova composição intermodal, compondo, na imagem, uma parte arborizada, ampla calçada, ciclovia, uma faixa de estacionamento, e apenas uma faixa para circulação de automóveis.

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A incorporação da bicicleta no conjunto da sinalização horizontal, inclusive estacionamento, pode até ser exagerada, mas mostra uma mudança sistêmica de visão do uso múltiplo e integrado do espaço viário.

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A irracionalidade do uso do espaço urbano pode ser constatada nesta subutilização de um viário em plena região central da metrópole:

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A dimensão estética do viário urbano não pode ser relegada, é vital para a qualidade de vida urbana. A incorporação das soluções das diversas redes que precisam ser articuladas de forma inteligente, inclusive com sistemas de calçadas que tornam o acesso fácil à manutenção, é muito importante. Veja-se esta imagem de emaranhados de fios que deveriam fazer parte de um sistema subterrâneo. Não se trata aqui seguramente de um bairro que não possa financiar a dimensão coletiva do conforto urbano. E o IPTU progressivo deverá permitir que toda a cidade possa usufruir.

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4) Uma terceira visão sugerida, é que o acesso ao automóvel por parte da grande massa da população constitui um dado estrutural. Isto envolve tanto a cultura herdada e profundidade da aspiração das massas excluídas deste tipo de conforto, como a importância da galáxia econômica que a indústria automotiva no seu conjunto adquiriu na economia do país. Na realidade, não é o automóvel que está no centro do problema, e sim a radical insuficiência, durante décadas, de investimento no transporte coletivo de massas. O uso diversificado do automóvel para grandes compras ou lazer familiar é perfeitamente viável. O que é inviável é o fato cotidiano de milhões de pessoas se dirigirem basicamente para as mesmas regiões e nos mesmos horários na rotina do trabalho, cada uma com o seu carro, entulhando as regiões mais densas em emprego, para recomeçar o mesmo drama no fim do dia. Não faz sentido criminalizar a posse do automóvel, o que se deve é priorizar de maneira radical política nacional de transporte coletivo de massa para o fluxo diário no triângulo domicílio-escola-trabalho, em todas as cidades do país, com um olhar especial para as cidades médias dinâmicas onde tais investimentos são menos vultosos que nas grandes metrópoles. (imagem: aumento frota de veículo, exemplo São Paulo 7,5 mi de veículos, mais de 3 mi saem às ruas)

5) No quadro desta visão geral de democratização e racionalização da mobilidade urbana através da priorização das soluções de transporte coletivo de massa, a diversidade das situações urbanas do país exclui a adoção de regras estritas e padronizadas para todos. Haverá que buscar equilíbrios distintos de composição intermodal de transporte em cidades médias ou pequenas, áreas centrais das cidades e grandes regiões metropolitanas e assim por diante. O que há de comum na busca de soluções é a necessidade de realizar os estudos correspondentes, de se adotar uma visão sistêmica de médio e longo prazos, de identificar e priorizar as situações mais críticas, e de se assegurar o acesso democrático. A partir deste denominador comum, no entanto, segundo as situações se deverá priorizar o trilho, o ônibus, o BRT, as faixas exclusivas, os espaços melhorados para o transporte não motorizado e os pedestres e assim por diante. Esta adequação diversificada das soluções segundo a condições estruturais de cada cidade é importante. Neste sentido, adquire papel fundamental o apoio técnico para a elaboração dos planos locais de transporte. A recomendação é de se exigir de cada cidade o seu plano de racionalização dos transportes, condição para acesso às diversas formas de financiamento, mas com apoio técnico para a elaboração. Aqui pode se constatar a diferença radical de custo energético, e por tanto do custo econômico para as cidades e para os cidadãos, entre os diversos modais.

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Fonte: Plano de mobilidade, Prefeitura de São Paulo, p. 77

Outra dimensão longamente subestimada, é a tragédia humana em termos de acidentes. em São Paulo, por exemplo, morrem 1,5 motoqueiros por dia, sem falar dos feridos e os que se tornam paraplégicos ou tetraplégicos, com a vida arruinada. A cidade também pertence aos pedestres e ciclistas. Os atropelamentos constituem uma desastre permanente e fonte de imenso sofrimento. Hoje temos todas as informações necessárias sobre o massacre, mas cada iniciativa de mudança da lógica intermodal enfrenta fortes reações dos que hoje dominam o espaço de mobilidade, que são os automobilistas. Vejam no mapa que estão devidamente mapeadas inclusive as principais regiões de atropelamentos e sua intensidade de ocorrência:

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Fonte: Plano de mobilidade pref. SP.pdf, p. 116

Os custos da reconversão de infraestruturas é outra dimensão das deformações herdadas. Grande parte da dificuldade da mudança da matriz de transportes urbanos de pessoas, é o fato de décadas de orientação das infraestruturas para servir o transporte automobilístico individual, sobre tudo quando se tratava de privilégio de elites, terem deixado heranças de capital fixo que precisa ser reconvertido. Hoje há ampla, discussão, por exemplo, sobre o que fazer com o “minhocão”, herança de quando se considerava viável fazer dois andares de carros como solução. Em Toronto, pode-se ver colunas de concreto do que era antes um elevado, e que hoje recebe apenas trepadeiras floridas.

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Nas colunas, ainda pode se ver retratos de como era antes, tipo de memorial à besteira humana e à força dos interesses das empreiteiras e das corporações do automóvel. O desmonte do elevado, na foto abaixo, foi realizado em 2001.

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7) Não se pode ignorar que o conjunto do parque industrial ligado aos transporte e herdado de prioridades anteriores, envolve cerca de 20% do produto do país, nos diversos segmentos tanto de peças, de montagem, de comercialização e de manutenção, como de infraestruturas e abastecimento em combustível. Ou seja, não se trata apenas de planejamento urbano, se trata também da progressiva negociação, com o conjunto da cadeia produtiva, de uma transição para um novo conjunto de prioridades. O parque industrial existente pode perfeitamente adaptar-se, produzindo veículos com menos emissões e outra matriz energética, inclusive com veículos automotores elétricos, mas pode também expandir as suas capacidades na linha de ônibus mais confortáveis, de ônibus elétricos e assim por diante. Há cerca de 100 mil ônibus que podem ser convertidos desta maneira. Na China, por exemplo, hoje há poucas motocicletas que não sejam elétricas, mudando radicalmente tanto os custos como a poluição sonora e os gases de efeito de estufa. O que temos pela frente é a reconversão intermodal que exige outro perfil de investimentos, acesso a financiamentos correspondentes, processo que deverá produzir tensões mas também uma nova parceria para sistemas mais eficientes. O esgotamento do modelo atual, com a virtual paralisia de tantas cidades, tende a gerar espaço político para este tipo de reconversão.

8) Na linha da reconversão estrutural da mobilidade, há evidentes impactos sobre a matriz energética, o ordenamento espacial da cidade, o uso do solo, a priorização de eixos de adensamento, a articulação dos diversos subsistemas de mobilidade com a redução das desigualdades e outras dinâmicas. Das discussões sobre a mobilidade, resultou claramente a visão das políticas integradas que a mudança implica. A racionalização da mobilidade impacta o valor dos imóveis, a localização dos empregos, a lógica do acesso às infraestruturas e serviços sociais de forma geral. Os planos urbanos de mobilidade precisam se fundamentar no estudo dos custos relativos, mas também na produtividade sistêmica do espaço urbano, e nas diversas lógicas que a mudança da mobilidade afeta, com particular atenção para o uso do solo.

9) Frente aos desafios atuais frequentemente explosivos, fica claro o atraso em termos de pesquisa, de sistemas adequados de informação e de formação de pessoas para enfrentar as mudanças necessárias. Com 85% de população urbana, constatamos hoje este déficit importante na capacidade de gestão, no conjunto do que podemos chamar de funcionamento do sistema. Em termos de pesquisa, há um conjunto de iniciativas indispensáveis para gerar maior racionalidade na construção de políticas de mobilidade. Em particular, trata-se de desenvolver pesquisas, através de parcerias com instituições locais e regionais, sobre os custos ambientais e econômicos das diversas opções de transporte, os custos do tempo perdido no trânsito, as dinâmicas de mobilidade intermunicipal em particular nas regiões metropolitanas, as inovações tecnológicas, de gestão e de composição intermodal adotadas em diversas cidades do mundo e assim por diante. Recomenda-se uma iniciativa do governo federal e em particular do ministério das cidades, no sentido de se estimular pesquisas e de promover a realização de estudos aplicados às próprias cidades e regiões interessadas.

10) Constata-se igualmente um grande déficit de informações municipais suficientemente organizadas, divulgadas e apropriadas pelas comunidades das cidades e regiões interessadas. Torna-se necessária a elaboração de um conjunto de indicadores que permitam aos gestores municipais dispor de informação gerencial indispensável para uma gestão racional. Recomenda-se uma iniciativa no sentido de ajudar os gestores urbanos a desenvolver, através de apoio técnico e de parcerias, um sistema transparente de informações sobre a mobilidade urbana, inclusive para gerar melhor compreensão por parte da população, e para assegurar a possibilidade de realização de estudos comparativos entre cidades e o seguimento e avaliação dos progressos.

11) A formação de gestores capacitados para a análise integrada das dinâmicas do território urbano, nas diversas dimensões, apresenta-se como uma das iniciativas mais importantes no médio e longo prazos. Os estudos do ordenamento do território, de gestão urbana e regional, que têm longa tradição em países de urbanização mais antiga – veja-se o estudo de aménagement du territoire e semelhantes na Europa – apresentam um grande atraso no país, o que prejudica a capacidade de elaboração de planos integrados de desenvolvimento, nos quais a mobilidade representa um aspecto estruturante fundamental. Iniciativas pontuais como as que existem na Bahia, no Estado de Pernambuco e outras regiões são pontuais. Uma região da dimensão da metrópole paulistana não dispõe de um sistema efetivo de formação de gestores para a organização racional do território. Recomenda-se uma iniciativa conjunta do Ministério das Cidades, do Ministério da Educação, do Ministério de Ciência e Tecnologia e das associações de prefeitos para promover um programa de formação de gestores urbanos.

12) A dimensão institucional adquire importância de primeira linha. Aproveitando o PAC Transporte e o conjunto de iniciativas do governo federal, torna-se imprescindível racionalizar o processo decisório relativamente ao planejamento e uso dos recursos disponíveis. Esta visão envolve o reforço das capacidades de planejamento em todos os níveis de tomada de decisão. Envolve também a geração da capacidade de articulação intermunicipal com o desenvolvimento de consórcios e outras formas de gestão destinada a racionalizar os fluxos de mobilidade , inclusive instituições supramunicipais – veja-se por exemplo o Greater Johannesburg City Council que articula os municípios metropolitanos na África do Sul – e outras soluções institucionais. Um Código Nacional do Transporte Urbano deveria fixar padrões e indicadores de qualidade e desempenho dos ônibus e do sistema de mobilidade. Um Fundo Nacional de Subsídio ao Transporte Urbano Chegaria apenas aos municípios que observassem o Código. Recomenda-se que o Ministério das Cidades passe a desempenhar um papel mais amplo de apoio à racionalização do conjunto do processo decisório na área, envolvendo ainda a logística de abastecimento e outras áreas que disputam o espaço de mobilidade.

13) As parcerias envolvendo o Estado, as empresas e as organizações da sociedade civil, e a construção sinergias locais, assumem papel mais importante. O debate por vezes excessivamente ideológico em torno do papel relativo do setor privado e do setor público precisa evoluir para uma visão equilibrada em função do interesse público maior, da qualidade de vida da população. Uma infraestrutura de transportes pode ser pública (propriedade), mas concedida para uma administração privada ou mista (gestão), e sob supervisão de uma entidade reguladora local, estadual ou federal (controle), no quadro de leis e decretos que podem ser de diferentes níveis (marco jurídico). As parcerias envolvendo diferentes composições possíveis devem ser experimentadas, tendo como referencial básico, naturalmente, o interesse da população. Recomenda-se o estudo comparado e aplicação flexível das diversas soluções possíveis, na linha do que funciona melhor para o bem comum.

14) No plano financeiro, o fato é que a composição intermodal de mobilidade urbana no Brasil levou a que tenha passado a dominar a opção mais cara, que é o transporte individual por automóvel, opção que além de mais cara se paralisa a si mesma quando adensada, e paralisa inclusive o transporte coletivo de superfície. O “norte” da mudança da matriz de mobilidade deve ser a produtividade sistêmica do território, ou seja, a maior mobilidade a menor custo com melhor conforto para o conjunto da população. O custo maior de investimento na rede de metrô e no sistema ferroviário suburbano é amplamente compensado pelo custo muito menor de uso. O valor do tempo do usuário deve ser incluído no cálculo de viabilidade dos investimentos, representando, por exemplo, 25 milhões de reais de perdas diárias na cidade de São Paulo para cada hora passada no trânsito, se adotarmos o valor do PIB per capita da cidade. Esta contabilidade permite equilibrar as opções de investimentos, ao levar em conta o impacto maior para a população. Recomenda-se aqui elaborar e tornar transparentes os custos reais das diversas opções, em termos de quilómetro/passageiro, inclusive os custos do sistema logístico de abastecimento das cidades. (imagem: tabela de custo tempo Sampa)

15) As regiões metropolitanas devem ser objeto de uma estratégia especial. Elas não têm governabilidade no padrão necessário posto que cada município que as integra aponta para diferentes rumos sem racionalidade e articulação na gestão e nos investimentos. As competências legais sobre transporte urbano, uso do solo, saneamento, coleta de resíduos sólidos, são municipais e no caso das metrópoles, a CF de 1988 prevê arranjos estaduais. A gestão metropolitana, no Brasil, com raras exceções, está no limbo. Há consenso entre os técnicos de que uma política de mobilidade urbana deve ser tratada em dois tempos: a curto prazo investir em corredores de ônibus para atender a demanda emergencial existente, e a médio e longo prazo investir em trilhos, modos não motorizados e controle no uso e ocupação do solo.  Recomenda-se a aplicação de uma política integrada para regiões metropolitanas. Existe um PL-Estatuto da Metrópole no Congresso. Seria importante apoiá-lo.

V – Passageiros média distância

Argumento 1 – transporte de passageiros média distância – aéreo, rodoviário, ferroviário, hidroviário. Aqui também se trata de diversificar a matriz de transportes. A Europa já conectou praticamente todas as suas capitais com TGV (Trens de Grande Velocidade). A China está construindo 13 mil quilómetros. No nosso caso, o TGV conectando capitais é perfeitamente viável, em particular considerando a densidade do eixo Rio-São Paulo. No caso Chinês, com a forte componente de carvão na matriz energética, é uma aposta complicada, mas no Brasil, que produz muita hidroeletricidade, a viabilidade é muito grande.

Como se vê nos mapas abaixo, temos eixos particularmente densos em passageiros interurbanos, e poderiam ser dotados de transporte deste tipo. Mas é outra dimensão da questão dos transportes o fato de inúmeras viagens podem ser substituídas por teleconferências, conectividade em banda larga de verdade. Os bits viajam de graça nas ondas eletromagnéticas, e um investimento forte neste plano deverá economizar muitas viagens, em particular de negócios. São os novos rumos.

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Hdroviário passageiros: (Mapa p. 87, terminais de passageiros no Amazônas) “O transporte de passageiros desempenha papel importante em especial na Região Amazônica, local onde se concentra grande parte dos terminais hidroviários de passageiros. A maioria destes terminais não atende a alguns requisitos básicos, que variam desde a acessibilidade (em termos de áreas específicas para pontos de parada de táxi ou de ônibus, linhas de ônibus que se conectam com o terminal e outros) até a disponibilidade de instalações e serviços (posto policial, assistência médica e outros), conforme apontado em estudo da ANTAQ16.”(PHE p. 67)

A dimensão estética das estradas é outra dimensão que precisa voltar a ser considerada. Estrada não é apenas fluidez. Veja-se como uma bela viagem pela Anhanguera pode se tornar poluída:

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A imagem da Anhanguera, pertinho de São Paulo, pode ser comparada com esta estrada do interior da Bahia, onde a publicidade parece ainda não ter chegado:

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Conclusões

Altos custos

Baixa produtividade sistêmica

Visão articulada e planejada nos governos recentes

Bibliografia

ANTP, SPtrans, PMSP – Premissas para um Plano de Mobilidade Urbana – São Paulo, 2013

ANTT – Relatório de Gestão 2013, Brasília, 2014

IBGE – Regiões de influência das cidades – Rio de Janeiro 2008

Contel, Fábio Bertioli – Os sistemas de movimento do território brasileiro – in Santos, Milton, 2006

IDEAL – Infraestructuras en el Desarrollo de América Latina2014 – Banco de Desarrollo de América Latina, 2014

Ministério dos Transportes – Plano Nacional de Logística de Transportes – Projeto de Reavaliação, Brasilia, 2012

Ministério dos Transportes – Plano Hidroviário Estratégico (PHE) – Brasília 2013

Moura, Delmo Alves de, Rui Carlos Botter – O transporte por cabotagem no Brasil - Revista Produção Online. Florianópolis, SC, v.11, n. 2, p. 595-617, abr./jun., 2011.

Portal Brasil – Programa de Investimento em Logística – PIL – 2015,

Santos, Milton, e Maria Laura Silveira – O Brasil : território e sociedade no início do século XXI – Ed. Record, São Paulo 2006

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