REPUBLICAÇÃO Polarização epidemiológica no Brasil*

[Pages:6]REPUBLICA??O Polariza??o epidemiol?gica no Brasil*

doi: 10.5123/S1679-49742012000400002

Epidemiological Polarization in Brazil

Jos? Duarte de Ara?jo (in memorian)

Introdu??o

No transcorrer dos ?ltimos cem anos, os pa?ses industrializados, p?los centrais da economia mundial, observaram uma profunda transforma??o em seu perfil epidemiol?gico, caracterizada pela gradual e progressiva queda das doen?as infecciosas e parasit?rias e pela ascens?o das doen?as cr?nico-degenerativas e, particularmente, das doen?as cardiovasculares, como principal causa de morte.

Os pa?ses chamados `em desenvolvimento', situados na periferia do sistema econ?mico mundial, sofreram, tamb?m, nos ?ltimos 30 a 40 anos, uma transforma??o em seus perfis de morbidade e de mortalidade semelhante, por?m n?o id?ntica, ?quela verificada nos pa?ses centrais.

No Brasil, essas transforma??es tornaram-se evidentes a partir de 1960 e se acentuaram progressivamente de modo que, ao chegar ? d?cada dos noventa, o pa?s apresentava um perfil epidemiol?gico polarizado, cujas causas e consequ?ncias para a atual pol?tica de sa?de devem ser analisadas.

A transi??o epidemiol?gica nos pa?ses desenvolvidos

A gradual e progressiva melhora nos n?veis de sa?de dos pa?ses do hemisf?rio norte se acentuou a partir das transforma??es sociais associadas ? revolu??o industrial, que resultaram em mudan?as sens?veis na disponibilidade de alimentos, nas condi??es de moradia e em medidas de saneamento b?sico. As altera??es nos padr?es de morbidade e mortalidade desses pa?ses correspondem a uma fase mais recente de um processo hist?rico secular, ao qual Omram, em 1971, denominou de `transi??o epidemiol?gica'.1

Segundo a teoria de OMRAM, a humanidade teria atravessado tr?s fases epidemiol?gicas ao longo da sua hist?ria: a) A `Era da Fome das Pestil?ncias', que durou desde o in?cio dos tempos hist?ricos at? o fim da Idade M?dia, foi

caracterizada por altos ?ndices de natalidade, altas taxas de mortalidade por doen?as infecciosas end?micas e epidemias que assumiam, com frequ?ncia, car?ter pand?mico, devastando as popula??es. Nessa fase, a expectativa de vida estava em torno de 20 anos e o crescimento demogr?fico foi lento. b) A `Era do Decl?nio das Pandemias', correspondendo historicamente ao per?odo que vai da Renascen?a at? o in?cio da Revolu??o Industrial, foi caracterizada pelo progressivo desaparecimento das grandes pandemias, embora as doen?as infecciosas continuassem a ser a principal causa de morte. Nesse per?odo verificou-se uma gradual melhora no padr?o de vida e a expectativa de vida alcan?ou os 40 anos. Como as taxas de mortalidade declinaram at? n?veis de 30 por 1000 e a natalidade continuava acima de 40 por 1000, iniciou-se um longo per?odo de crescimento populacional. c) A `Era das Doen?as Degenerativas e das Causadas pelo Homem' estende-se da Revolu??o Industrial at? os tempos modernos. Caracterizou-se por uma progressiva melhora do padr?o de vida das popula??es (habita??o, saneamento, alimenta??o, educa??o) e um correspondente decl?nio das doen?as infecciosas, que se iniciou v?rias d?cadas antes do aparecimento das sulfas e dos antibi?ticos e se acentuou ap?s esses progressos da medicina. A expectativa de vida foi aumentando at? atingir os 70 anos, nos meados deste s?culo. As principais causas de mortalidade passaram a ser doen?as cardiovasculares e as neoplasias malignas. Nessa fase, houve uma desacelera??o no crescimento demogr?fico.

* Ara?jo JD. Polariza??o epidemiol?gica no Brasil. Informe Epidemiol?gico do SUS. 1992; 1(2): 6-15. Epidemiol. Serv. Sa?de, Bras?lia, 21(4):533-538, out-dez 2012

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Polariza??o epidemiol?gica no Brasil

Em 1986, Olshansky e Ault,2 analisando as tend?ncias nos padr?es da morbidade e da mortalidade nos Estados Unidos, sugeriram o in?cio de um quarto est?gio da transi??o epidemiol?gica, ao qual denominaram de `A Era do Retardamento das Doen?as Degenerativas', caracterizado por um decl?nio da mortalidade nas idades mais avan?adas, em decorr?ncia de um retardamento nas mortes causadas pelas doen?as cr?nicas e degenerativas. Nessa fase, a expectativa da vida superaria o limite dos 80 anos. O consequente r?pido aumento na propor??o de pessoas idosas apresentaria novos desafios para os sistemas de seguridade social e de aten??o ? sa?de.

A transi??o epidemiol?gica nos pa?ses em desenvolvimento

Nos pa?ses que n?o foram beneficiados pelos aspectos positivos da Revolu??o Industrial e nos quais s? tardiamente tiveram in?cio as tentativas de desenvolvimento econ?mico aut?nomo, tamb?m se verificaram, nas ?ltimas cinco d?cadas, mudan?as importantes nos padr?es de morbidade.

Como a melhoria das condi??es de vida nesses pa?ses tem sido gradual e descont?nua, o decl?nio das doen?as infecciosas deu-se de forma mais lenta e s? se acentuou ap?s o advento da era dos antibi?ticos e de outros avan?os da medicina moderna. Nessa fase, a queda r?pida da mortalidade, associada ? persist?ncia de taxas elevadas de natalidade, levou a uma acelera??o do crescimento populacional. Com o aumento gradual da expectativa de vida, a propor??o de pessoas com mais de 60 anos passou a crescer de modo constante. De modo semelhante ao que ocorreu nos pa?ses industrializados, as doen?as cardiovasculares, as neoplasias malignas e as causas externas (sobretudo os acidentes de tr?nsito) passaram a assumir maior import?ncia como causas de morte. Todavia, ao contr?rio do que ocorreu nos pa?ses centrais, persistem ainda, nos pa?ses `em desenvolvimento', taxas comparativamente altas de morbidade e de mortalidade por doen?as infecciosas e parasit?rias.3

Alguns epidemiologistas que se dedicaram ao estudo do padr?o de morbidade e mortalidade desses pa?ses, como Frenk4 e Bobadilla,5 demonstraram que o modelo linear da transi??o demogr?fica, observado nas na??es centrais, n?o se aplicava aos pa?ses da periferia do sistema econ?mico, da mesma forma que a concep??o de desenvolvimento econ?mico de Rostow,6 pressupondo etapas sucessivas e pr?-determinadas no processo de desenvolvimento, n?o foi comprovada pela experi?ncia dos pa?ses da Am?rica Latina, onde predominam os exemplos de processos interrompidos e at? de retrocessos. O mesmo vem ocorrendo com os padr?es de morbidade e mortalidade nesses pa?ses. Ser? visto adiante, h? um nexo entre os percal?os na busca frustrada do desenvolvimento econ?mico e os atrasos e retrocessos no perfil epidemiol?gico desses pa?ses.

A experi?ncia do Brasil

As estat?sticas de mortalidade no Brasil7 mostram que, at? 1940 (Figura 1), havia um n?tido predom?nio das doen?as infecciosas e parasit?rias como principal causa de morte (43,5% do total de ?bitos). As doen?as do aparelho circulat?rio correspondiam a 14,5% e as neoplasias malignas a apenas 3,9% dos ?bitos com causa definida. Trinta anos depois, em 1970, as doen?as do aparelho circulat?rio j? surgiam como a primeira causa de mortalidade (24,8%); as doen?as infecciosas e parasit?rias como a segunda (15,7%); e as neoplasias malignas como a terceira (9,7%).

Dados recentes, de 1986,8 mostram que as Doen?as do Aparelho Circulat?rio j? eram respons?veis por 33,5% dos ?bitos, vindo em segundo lugar as Causas Externas (14,85%) e, em terceiro lugar, as neoplasias malignas (11,9%). Aparentemente, esses ?ndices indicariam que se estava verificando no Brasil, de forma tardia, o terceiro est?gio de transi??o epidemiol?gica, na teoria de Oram. Todavia, o exame mais cuidadoso dos pr?prios dados de mortalidade, associado ? considera??o dos escassos dados de morbidade, bem como a uma an?lise do comportamento desses indicadores em diferentes regi?es do pa?s, mostra que se est? diante de um quadro bastante diverso e que pode ser caracterizado como polariza??o epidemiol?gica, de acordo com o conceito apresentado por Frenk e colaboradores.4 Apresenta-se a seguir, fatos e dados em apoio a esse ponto de vista.

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100,0

80,0

Percentual de ?bitos

60,0

40,0

20,0

0,0

1930

1940

1950

1960

1970

1980

1986

Outras causas

21,3

19,8

29,4

29,2

30,8

24,5

16,7

Causas externas

2,6

2,4

3,3

4,8

7,5

7,7

14,8

Neoplasias mal?gnas

2,7

3,9

5,7

8,1

9,7

11,2

11,9

Aparelho digestivo

4,4

3,8

2,4

2,5

2,5

4,3

4,7

Aparelho respirat?rio

11,5

12,1

9,1

8,0

9,0

10,1

10,3

Aparelho circulat?rio

11,8

14,5

14,2

21,5

24,8

30,8

33,5

Infec??es parasit?rias

45,7

43,5

35,9

25,9

15,7

11,4

8,0

Fontes: Dados n? 7, RADIS, Fiocruz a) Estat?sticas de mortalidade/MS

Figura 1 - Distribui??o das mortes por grupos de causas. Brasil e capitais, 1930-1986a

A persist?ncia da morbidade e da mortalidade por doen?as infecciosas e parasit?rias no Brasil

Embora as estat?sticas de morbidade sejam sabidamente deficientes no Brasil, as estimativas mais recentes indicam que continua muito alta a preval?ncia das antigas `endemias rurais', tais como: a doen?a de Chagas9 e a esquistossomose.10 No caso da mal?ria,11 enfrenta-se uma situa??o grave na Amaz?nia, onde se concentra 95,0% dos 533.360 casos confirmados em 1990/91. Acrescente-se a esses problemas os surtos de dengue, em 1986/87 e em 1990/91;11 a reintrodu??o da c?lera12 em 1991 na Amaz?nia e sua penetra??o no Nordeste, em 1992; e o aumento na incid?ncia e na preval?ncia da hansen?ase, nos ?ltimos 20 anos.11

Verifica-se, assim, ao lado da perman?ncia e do agravamento de problemas sanit?rios antigos, o reaparecimento de "velhos fantasmas"13 como a c?lera.

A esse quadro soma-se o novo drama da S?ndrome da Imunodefici?ncia Adquirida (SIDA/AIDS), cujo primeiro caso ocorreu em 1980 e cuja incid?ncia vem aumentando em progress?o geom?trica, tendo atingido um total acumulado de 25.000 casos registrados em 1992, afetando n?o apenas os chamados grupos de risco, mas a praticamente todos os segmentos da popula??o.14

No que tange as taxas de mortalidade por doen?as infecciosas e parasit?rias, embora tenha havido um acentuado decl?nio na mortalidade proporcional, de 45,7% em 1930 para 7,97% em 1986, quando se considera a mortalidade por 100.000 habitantes, verificamos que no Brasil ainda ? de 33 por 100.000 habitantes, mais do dobro verificada no Chile e quase quatro vezes a verificada em Cuba (Tabela 1).

Desta forma, ao enfrentar o problema emergente do aumento da morbidade e da mortalidade pelas doen?as cr?nicodegenerativas, cujo custo social vem sendo destacado,15 o Brasil defronta-se com a perman?ncia ou at? mesmo com o recrudescimento das doen?as infecciosas e parasit?rias, ao contr?rio do que se deu nos pa?ses industrializados, onde as doen?as cr?nicas s? passaram a assumir papel preponderante ap?s o virtual controle das doen?as transmiss?veis.

Verifica-se assim, no Brasil, uma polariza??o epidemiol?gica com a exist?ncia simult?nea de elevadas taxas de morbidade e mortalidade por doen?as cr?nico-degenerativas e de incid?ncia e preval?ncia de doen?as infecciosas e parasit?rias, cuja mortalidade ainda ? elevada em compara??o com as taxas de pa?ses desenvolvidos e de outros pa?ses da Am?rica Latina.

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Polariza??o epidemiol?gica no Brasil

Tabela 1 - Taxa de mortalidade por doen?as infecciosas e parasit?rias por 1000 habitantes

Ano

Pa?s

1986

Argentina

1986

Brasil

1988

Canad?

1987

Chile

1984

Col?mbia

1988

Costa Rica

1988

Cuba

1985

Suriname

Fonte: Health Conditionsin the Americas, 1990 edition

Taxa bruta 25,2 37,2 4,3 19,2 31,7 11,8

9,1 36,3

A disparidade dos n?veis de sa?de entre as regi?es do pa?s

Taxa ajustada a composi??o et?ria

29,1 33,0 2,0 16,0 34,3 11,9 8,8 34,7

Outra caracter?stica marcante dos ?ndices da morbidade e mortalidade no Brasil ? a disparidade entre as regi?es Sul, Sudeste e Nordeste, que representam os extremos em termos de indicadores de sa?de.

Em 1980, a mortalidade infantil era de 48,9% por 1.000 nascidos vivos, na regi?o Sul, e de 122,5, no Nordeste. Analisando as principais causas de morte segundo grupos de causas (Tabela 2), observa-se, de in?cio, que as causas `mal definidas' - um indicador de falta de assist?ncia m?dica - correspondem a 45,5% no Nordeste e apenas a 8,9% na regi?o Sudeste. As enfermidades do aparelho circulat?rio, embora sejam a primeira causa de morte em ambas as regi?es, corresponde a 35,7% dos ?bitos com causa definida na regi?o Sudeste e a 27,4% na regi?o Nordeste, enquanto as enfermidades infecciosas e parasit?rias correspondem a 14,3% dos ?bitos, na regi?o Nordeste, e apenas a 5,7% dos ?bitos no Sudeste.

Observa-se assim, no Brasil, ao lado da polariza??o entre tipos de agravos ? sa?de (doen?as cr?nico-degenerativas versus doen?as infecciosas e parasit?rias), um outro tipo de polariza??o, a geogr?fica, significando a exist?ncia de regi?es com padr?es de sa?de compar?veis aos dos pa?ses desenvolvidos e regi?es com ?ndices de mortalidade compar?veis aos dos pa?ses mais pobres do hemisf?rio sul. Existe ainda a polariza??o social que se manifesta pelos desn?veis nos indicadores de mortalidade e morbidade entre diferentes grupos populacionais, dentro de uma mesma regi?o, estado ou cidade. Ela ? uma express?o das desigualdades de renda, da car?ncia, de alimenta??o, moradia, saneamento, educa??o e, tamb?m, da dificuldade de acesso aos servi?os de sa?de.

Vale destacar que, atualmente, o quadro epidemiol?gico apresentado pelo Brasil guarda grande semelhan?a com o observado em outros pa?ses da Am?rica Latina.4 Este quadro ao lado de causas hist?ricas mais remotas tem, pelo menos no que diz respeito ? deterioriza??o verificada nos ?ltimos anos, uma n?tida rela??o com um processo

Tabela 2 - Mortalidade proporcional (%) segundo grupos de causas nas regi?es Nordeste e Sudeste do Brasil em 1986

Principais causas

Sinais, sintomas e afec??es maldefinidas Causas definidasa

Enfermidades do aparelho circulat?rio Causas externas Tumores malignos Enfermidades infecciosas e parasit?rias Afec??es do per?odo perinatal Outras causas

Nordeste

45,5 100,0 27,4 (1) 15,7 (2) 7,8 (6) 14,3 (3) 9,7 (4) 15,6

Fonte: Divis?o Nacional de Epidemiologia/Secretaria de A??es B?sicas de Sa?de/Minist?rio da Sa?de. a) Os n?meros entre par?nteses indicam o n?mero de ordem entre as seis causas principais. As porcentagens est?o baseadas no total de disfun??es por causas definidas.

Sudeste

8,9 100,0 35,7 (1) 14,0 (2) 11,7 (3) 5,7 (5) 6,4 (6) 15,6

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econ?mico comum a toda a Am?rica Latina na d?cada de oitenta: a pol?tica de ajuste econ?mico, resultante do endividamento externo. Tal fato ? destacado com clareza em recente documento da Organiza??o Pan-Americana de Sa?de,10 do qual s?o extra?das as seguintes cita??es:

A `crise da divida', que causou um fluxo negativo de capitais nos pa?ses devedores, ? um aspecto da crise universal e profunda da economia global, que amplia seus efeitos sobre as sociedades perif?ricas, as quais incluem a maioria das sociedades das Am?ricas.

"Como resultado, o conjunto do contexto econ?mico social e pol?tico durante o ?ltimo quadri?nio foi duplamente desfavor?vel para as condi??es de sa?de nas Am?ricas".

"As taxas de crescimento econ?mico ca?ram, o desemprego aumentou e, em geral, a "qualidade de vida" foi prejudicada por aumentos nos custos de vida e pela degrada??o ambiental".

"Os recursos dispon?veis para a Sa?de P?blica diminu?ram na mesma propor??o que o disp?ndio p?blico total". Essas constata??es estabelecem um nexo entre as causas da chamada `d?cada perdida', no processo de desenvolvimento da Am?rica Latina e as causas da deteriora??o do quadro de sa?de desses pa?ses, da qual ? um exemplo a polariza??o epidemiol?gica registrada no Brasil.

Os desafios para a pol?tica de sa?de

O quadro epidemiol?gico descrito apresenta, para os respons?veis pela formula??o e pela execu??o pol?tica de sa?de brasileira, um duplo desafio.

O primeiro desafio ? o da luta em duas frentes: o Minist?rio da Sa?de, ao tempo em que enfrenta a batalha contra a c?lera, a dengue, a aids e as antigas e ainda persistentes endemias (mal?ria, esquistossomose, doen?a de Chagas, hansen?ase, etc.), n?o pode negligenciar o problema dos novos agravos, cuja incid?ncia aumenta ano a ano e cujas taxas de mortalidade ocupam os primeiros lugares.

As doen?as cardiovasculares podem ser prevenidas e isso j? foi demonstrado nas tr?s ?ltimas d?cadas nos Estados Unidos e na Europa. Trata-se, aqui, de tomar medidas de promo??o da sa?de (combate ao fumo, est?mulo ao exerc?cio f?sico, restri??o de sal e de gorduras saturadas na alimenta??o) e de medidas simples de preven??o secund?ria (diagn?stico precoce e tratamento da hipertens?o, profilaxia da febre reum?tica), que podem e devem ser incorporadas na rotina da aten??o prim?ria ? sa?de no SUS.

No caso das neoplasias malignas, particularmente do c?ncer ginecol?gico, as medidas de preven??o s?o de baixo custo e facilmente incorpor?veis ? rotina do SUS. J? a quest?o das causas externas (particularmente as mortes por acidentes de tr?nsito e homic?dios), embora o problema transcenda os limites do setor sa?de, cabe aos epidemiologistas dar o alerta para a gravidade crescente da quest?o social.

O segundo desafio ? o da equidade. Trata-se aqui tanto a equidade entre indiv?duos, como entre as regi?es. As disparidades dos ?ndices de morbidade e mortalidade entre diferentes grupos sociais refletem n?o apenas a conhecida rela??o entre pobreza e doen?a, mas tamb?m um aspecto negativo do nosso sistema de aten??o ? sa?de: a dificuldade de acesso a servi?os eficazes de sa?de por partes das camadas mais desfavorecidas da popula??o, em flagrante desobedi?ncia ao preceito constitucional do direito ? sa?de.

As desigualdades regionais s?o uma extens?o geogr?fica dos desn?veis sociais. Aos servi?os p?blicos, particularmente aos servi?os de sa?de, caberia, em tese, um papel redistribuidor, de corrigir ou atenuar os desn?veis regionais, exatamente o contr?rio do que vem sucedendo no pa?s, onde a distribui??o regional dos servi?os e dos recursos humanos na ?rea de sa?de ? terrivelmente desigual.

Para enfrentar esses desafios ? fundamental a informa??o epidemiol?gica. Sem uma vigil?ncia epidemiol?gica moderna e adequada a nova din?mica da morbidade e da mortalidade no Brasil ser? imposs?vel encaminhar solu??es oportunas e adequadas aos graves problemas apontados.

A informa??o epidemiol?gica ? a base do planejamento de sa?de. O processo decis?rio, a defini??o das prioridades, em um contexto t?o complexo quanto o da sa?de no Brasil, tem que se fundamentar em dados confi?veis e atualizados n?o s? de mortalidade, mas tamb?m de morbidade, incluindo a? atendimentos ambulatoriais, hospitaliza??es e seus respectivos custos por agravos. Acredita-se que as informa??es oriundas do sistema de atendimento

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Polariza??o epidemiol?gica no Brasil

ambulatorial e hospitalar do SUS possam fornecer o material de que o Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi) necessita para prover o Minist?rio da Sa?de com as informa??es epidemiol?gicas indispens?veis. O lan?amento do Informe Epidemiol?gico do SUS refor?a esse ponto de vista.

Permanece aberto o espa?o para a comunidade acad?mica de epidemiologistas prestam a sua colabora??o aprofundando a an?lise dos dados oferecidos pelo Cenepi e tomando iniciativa de realizar, com o apoio do Minist?rio da Sa?de ou das ag?ncias de fomento ? pesquisa, estudos especiais de preval?ncia de determinadas doen?as como foi feito recentemente para o diabetes16 e para a hipertens?o, que encontra-se em andamento,17 ou ent?o estudos de fatores de risco, como a determina??o do perfil lip?dico da popula??o brasileira.18

Cabe ainda ? comunidade acad?mica, particularmente ?queles grupos mais interessados na Epidemiologia Social, o aprofundamento da an?lise das causas da polariza??o epidemiol?gica, como um reflexo nos n?veis de sa?de da crise econ?mica e social na Am?rica Latina, tal como transparece da colet?nea de trabalhos organizada por Leal e colaboradores19 para a Confer?ncia das Na??es Unidas para o Meio Ambiente.

Refer?ncias

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15. Lessa I. Years of productive life lost to premature mortality from cardiovascular disease. Bulletin of the Pan American Health Organization. 1991; 25(3):229-236.

16. Minist?rio da Sa?de. Estudo multic?ntrico sobre a preval?ncia do diabetes mellitus no Brasil: resultados. Bras?lia: Minist?rio da Sa?de; 1991.

17. Minist?rio da Sa?de. Estudo multic?ntrico sobre a preval?ncia da hipertens?o arterial no DF. Bras?lia: Minist?rio da Sa?de; 1991.

18. Minist?rio da Sa?de: Aspectos preliminares do perfil lip?dico na popula??o brasileira economicamente ativa: manual de opera??o. Bras?lia: Minist?rio da Sa?de; 1989.

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