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A percepção dos adolescentes sobre a vivência com diabetes mellitus

The perceptions of adolescents about their experiences with diabetes mellitus

La percepcíon de los Adolescentes acerca de la experiencia con diabetes mellitus

Venâncio de Sant`Ana Tavares. Enfermeiro. Professor mestrando em Saúde Materno-Infantil-IMIP docente da disciplina Saúde da Mulher, Universidade Federal do Vale do São Francisco- UNIVASF, membro do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Administração e Informática em Saúde, R. Ana Telma Alves de Souza, 130, AP 04 87-88392163. E-mail: venancio_santana@.br.

Cláudia Priscila Carvalho Batista. Enfermeira. Graduada pela Universidade Federal do Vale do São Francisco. Petrolina- PE, Brasil. R. Ana Telma Alves de Souza, 130, AP 03, 87-88145409.E-mail: claudya_pryscylla@

Iracema Mirella Alves Lima. Graduanda em de Enfermagem pela Universidade Federal do Vale do São Francisco. Petrolina- PE, Brasil. Rua Souza Júnior, 187D, AP 104, Centro, Petrolina- PE, (87) 99952222. E-mail: mirellaalima@

Sara Soares dos Santos. Graduanda em de Enfermagem pela Universidade Federal do Vale do São Francisco. Petrolina- PE, Brasil. Avenida da Integração, nº451, Gercino Coelho, Petrolina-PE, (87)88283647. E- mail: s.ss.sol@.

Djulian Diego Ribeiro. Graduando em de Enfermagem pela Universidade Federal do Vale do São Francisco. Petrolina- PE, Brasil., n°462, Areia Branca, Petrolina-PE, (87)9965-8656, djulianribeiro@.br.

Gittanha Fádja de Oliveira Nunes. Discente do curso de Enfermagem pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, Rua das Algarobas, n°26, Bairro Centenário, Juazeiro-BA, (74) 8819-0373, gittanha_fadja@.

Resumo

Objetivo: Compreender a percepção dos adolescentes sobre a vivência com Diabetes Mellitus. Método: pesquisa descritiva qualitativa, com oito adolescentes cadastrados na Associação de diabéticos do Vale do São Francisco (ADISF), a coleta de dados foi a partir de entrevista semiestruturada em maio de 2010 e após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e aprovação pelo Comitê de Ética em Estudos Humanos e Animais da UNIVASF, com parecer n° 0025.0.099.000-10. A análise dos discursos foi através da técnica de Análise Conteúdo de Bardin. Resultados: divididos em três categorias: O perfil dos sujeitos avaliados, Como o adolescente está vivendo com Diabetes Mellitus e Mudanças na vida cotidiana frente ao diagnóstico. Conclusão: evidenciou-se que maioria dos adolescentes: aceitam a convivência com a patologia, as principais dificuldades do convívio com a doença são as restrições alimentares e as condutas terapêuticas. Descritores: Diabetes mellitus; Comportamento do adolescente; Acontecimentos que mudam a vida. 

Abstract

Objective: To understand the perceptions of adolescents about living with Diabetes Mellitus. Method: Descriptive qualitative, with eight adolescents with diabetes enrolled in the Association of the São Francisco (ADISF), data collection was from semi-structured interview in May 2010 and after signing the consent and approval Ethics Committee on Human Studies and Animal UNIVASF with opinion No 0025.0.099.000-10. The discourse analysis was through the technique of content analysis of Bardin. Results: divided into three categories: The profile of the subjects evaluated, as the teenager is living with diabetes and changes in daily life before the diagnosis. Conclusion: it was observed that most teenagers: accept living with the disease, the main difficulties of living with the disease are the dietary restrictions and treatments. Descriptors: Diabetes mellitus; Adolescent behavior; Life change events.

Resumen

Objetivo: Entender las percepciones de los adolescentes sobre cómo vivir con diabetes mellitus. Método: Estudio cualitativo descriptivo, con ocho adolescentes con diabetes de la Asociación del São Francisco (ADISF), la recolección de datos fue de entrevista semi-estructurada en mayo de 2010 después de firmar el consentimiento y la aprobación del Comité de Ética de Estudios Humanos y UNIVASF animal con la opinión No 0025.0.099.000-10. El análisis del discurso fue a través de la técnica de análisis de contenido de Bardin. Resultados: dividido en tres categorías: El perfil de los sujetos evaluados, ya que el adolescente está viviendo con la diabetes y los cambios en la vida diaria antes del diagnóstico. Conclusión: se observó que la mayoría de los adolescentes: aceptar vivir con la enfermedad, las principales dificultades de vivir con la enfermedad son las restricciones dietéticas y los tratamientos. Descriptores: Diabetes mellitus; Conducta del adolescente; Eventos que cambian la vida.

Introdução

O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica que caracteriza-se pela elevação da glicose (açúcar) no sangue acima da taxa normal (hiperglicemia). A taxa considerada aceitável é de aproximadamente 60 a 110 mg/dL.1

É definido como estado hiperglicêmico crônico que apresenta complicações agudas e crônicas entre elas dano, disfunção ou falência de órgãos, mais especificamente de rins, nervos, coração e vasos sangüíneos. Essa doença é classificada de acordo com suas causas em: tipo 1, diabetes gestacional, tipo 2 e aqueles que são conseqüência de defeitos genéticos da função das céluas beta, defeitos genéticos da ação da insulina, doenças do pâncreas exócrino, endocrinopatias, efeito colateral de medicamentos, infecções e outras síndromes genéticas associadas ao diabetes.2

“O DM é considerado um sério problema de saúde pública tanto no Brasil como em todo mundo, seja devido o crescente número de pessoas atingidas ou ainda pela complexidade que constitui o processo de viver com essa doença”.3 .Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o número de acometidos pela doença em todo o mundo então de 177 milhões em 2000,tem uma expectativa de alcançar 350 milhões de pessoas em 2025. No Brasil estima-se que são cerca de seis milhões de portadores, a números de hoje, e devendo alcançar 10 milhões de pessoas em 2010. 2

“No estado de Pernambuco de acordo com o Banco de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), a média anual de casos de diabetes cadastrados em 2009, incluindo os tipos (I, II e Diabetes gestacional) foi de 129.428 casos”.4 No Município de Petrolina-PE a média anual em 2009 foi de 3.479 casos cadastrados de diabetes .5

“O DM tipo 1 é considerado como uma das doenças crônicas mais comuns na infância e uma das que mais exige adaptação nos âmbitos psicológico, social e físico, tanto por parte da criança como da família”.6

Damião e Pinto (2007)7 partem da premissa que “a criança, que apresenta uma doença crônica, ao entrar na adolescência precisa lidar com as questões pertinentes à faixa etária que, por si só, já são estressantes, tendo ainda que conviver com as mudanças e efeitos irreversíveis trazidos pela situação de doença”.

Tais dificuldades representam um problema de relevância para a Enfermagem haja vista que assistência de Enfermagem consiste de um conjunto de orientações para a saúde, visando à conscientização e mudança de comportamento frente ao DM, diminuindo os danos decorrentes da evolução natural da doença, investindo no desenvolvimento da capacidade e das habilidades do indivíduo para o auto–cuidado. Desta forma, o Enfermeiro pode contribuir ativamente para que ele leve uma vida mais independente.8

O fato de o DM ter atingido um contexto mundial e considerando o expressivo número de casos de adolescentes no Brasil, além da dificuldade encontrada pela família, portador e profissionais de saúde no tratamento dessa doença levou o presente estudo a compreender a percepção dos adolescentes sobre a vivência com a doença, bem como conhecer que acontece na vida cotidiana dos adolescentes com essa doença. 

Objetivo

Compreender a percepção dos adolescentes sobre a vivência com Diabetes Mellitus.

 

Metodologia

O presente estudo, de natureza descritiva e qualitativa. Os sujeitos deste estudo foram 08 adolescentes cadastrados na Associação dos Diabéticos do São Francisco (ADISF) em Petrolina-PE e selecionados conforme os seguintes critérios de inclusão: ter no mínimo um ano de diagnóstico de DM, estar cadastrado na ADISF há no mínimo um ano, concordarem com a realização desta pesquisa e estarem autorizados pelos responsáveis, através da assinatura, de ambos, no Termo Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada abordando questões relacionadas aos sentimentos, às preocupações, as dificuldades e mudanças no estilo de vida de portadores de DM. Das oito entrevistas, três foram realizadas na associação e cinco nas residências. 

Os dados foram analisados através da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2004)9. A análise das entrevistas constou da leitura exaustiva dos dados (pré-análise) em que foram transcritas as entrevistas, em seguida houve a exploração do material agrupando as entrevistas em 02 (duas) categorias temáticas e  02 (duas) subcategorias e ainda a interpretação das informações estabelecendo as relações entre os dados empíricos e o referencial teórico no sentido de atingir os objetivos.

Em todo desenvolvimento da pesquisa foram preservados a privacidade dos sujeitos envolvidos na pesquisa, diretamente ou indiretamente, através de códigos de identificação (personagens egípcios), conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que norteia as práticas em pesquisas com seres humanos.10 Por se tratar de uma pesquisa com adolescentes, os seus responsáveis legais tomaram conhecimento do TCLE e o assinaram autorizando a participação dos menores, bem como os próprios adolescentes envolvidos na pesquisa. 

Esta pesquisa foi apreciada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Instituto de Medicina Integral Profº Fernando Figueira (CEP/IMIP), com parecer de aprovação registrado sob (CAAE- 0025.0.099.000-10).

Resultados 

Os resultados foram divididos em 3 partes sendo que o primeiro é o perfil dos sujeitos avaliados, e os dois subseqüentes são as análises e discussões de cada categoria e subcategorias encontradas nas falas dos adolescentes: Como o adolescente está vivendo com Diabetes Mellitus (Dificuldade de conviver com a doença e Controle da glicemia), Mudanças na vida cotidiana frente ao diagnóstico do Diabetes Mellitus.

Perfil dos sujeitos do estudo

Constituem de um total de oito adolescentes, destes cinco são do sexo feminino, com idades entre 11 e 17 anos e três são do sexo masculino com idades entre 13 e 18 anos. Todos os sujeitos são estudantes, com nível de escolaridade variando do ensino fundamental ao médio, com exceção de um adolescente que já se encontra no nível superior. Apenas um dos sujeitos não residia em Petrolina, mas em Juazeiro, município da BA.

Tabela 1: Caracterização dos adolescentes, cadastrados na associação de diabéticos do Vale do São Francisco, segundo dados sócio econômicos. Idade/estado civil/ tempo de diagnostico/Tipo de tratamento/atividade física.

|Participante |Idade |Estado civil |Tempo de diagnóstico |Atividade Física |

|Ramsés III |18 |Solteiro |3 a 5 anos |Sim |

|Nefertite |17 |Casada |3 a 5 anos |Sim |

|Nefertari |14 |Solteira |3 a 5 anos |Sim |

No tocante ao diabetes, todos os jovens eram portadores do diabetes Tipo 1, utilizavam a insulina como forma de tratamento e praticavam alguma atividade física na sua vida cotidiana, com exceção de uma jovem.

Tabela 2: Caracterização dos adolescentes, segundo dados sócio econômicos. Cadastrados na associação de diabéticos do Vale do São Francisco. Responsável pela manutenção da casa/ ocupação/ renda mensal familiar (SM= Salário Mínimo).

|Participante |Responsável pela casa |Ocupação do responsavel |Renda Mensal |

|Menés |Pai |Professor |3 e 4 SM |

|Cleopátra |Pai |Autônomo |3 e 4 SM |

|Ramsés III |Pai |Engenheiro |> de 4 SM |

|Hórus |Mãe |Diarista |1 e 2 SM |

|Nefertite |Companheiro |Faz bico |< 1 SM |

|Trifena |Mãe |Diarista |1 e 2 SM |

|Nefertari |Pai |Vigilante |3 e 4 SM |

|Tiye |Pai |Comerciante |1 e 2 SM |

Conforme demonstra a tabela 2, todos os entrevistados são dependentes financeiramente de algum membro da família, sendo em sua maioria o genitor, com exceção de uma adolescente, única jovem casada, que dependia do seu companheiro. No que tange a renda mensal das famílias 37,5% relataram possuir renda entre três e quatro salários mínimos, 12,5% afirmaram ter renda superior a quatro salários mínimos e outros 37,5% possuem renda entre um e dois salários mínimos e apenas 01 família referiu ter renda inferior a um salário mínimo.

Como o adolescente está vivendo com o diabetes

Essa categoria reflete a experiência do adolescente frente o Diabetes Mellitus. Retrata ainda as dificuldades destes jovens de conviver com a doença e de manter o controle da glicemia cotidianamente.

Neste estudo verificou-se que a maioria dos adolescentes, mesmo sendo portadores de uma doença crônica, convive e aceita de forma satisfatória a patologia em suas vidas cotidianas. Outros ressaltaram a dificuldade da alimentação e do tratamento como fatores de compensação negativa diante da aceitação, como se pode perceber nas falas abaixo:

Eu vivo bem, convivo normal como todas as pessoas são... todo mundo me trata bem, todo mundo cuida de mim, me sinto muito bem....(Rainha Tiye).

Eu me sinto como se fosse uma pessoa normal, tudo que eu preciso, que eu como, meu pai bota a insulina e eu como normal. Eu me sinto até mais saudável que as outras pessoas. (Faraó Menés).

Ai eu fiquei normal, pois tinha que lidar com aquilo, tinha que aceitar! (Rainha Nefertari).

Nos seus relatos, os sujeitos entrevistados falam sobre o desconhecimento e desespero diante do diagnóstico e de como se sentem despreparados quando recebem o diagnóstico. À medida que o tempo vai passando adaptam-se a nova realidade:

Bom eu não sabia o que era diabetes [pausa, muda o tom de voz] sei que minha mãe começou a chorar, meu pai não chora... Ai minha mãe começou a explicar o que era diabetes. (Rainha Tiye).

Anormal, (risos)... Mas com o tempo fui entendendo que dava para viver com aquilo (DM)... No começo eu queria a todo custo escapar, sei lá, não ter isso, mas já que é pra ser assim então tem que aprender a conviver “né”? (Faraó Ramsés III).

No discurso a seguir observamos como o diagnóstico afetou a saúde desta jovem, partir daí ela não tinha apenas uma patologia, mas sim duas, pois a depressão a acompanha mesmo depois de quatro anos de diagnóstico de DM.

No início eu achava assim, que o mundo ia acabar porque eu achava que só tinha eu criança com diabetes, tive depressão foi muito ruim até hoje tomo remédio depressivo, por conta do diabetes, é muito difícil. (Rainha Nefertiti).

Na subcategoria: Dificuldades de conviver com a doença, os problemas de uma patologia endócrino metabólica são os mais diversos, especialmente quando esta atinge indivíduos que se encontram em formação física e mental, como os adolescentes.

É um pouquinho difícil porque é cansativo todo dia tomar insulina, "furar" dedo é chato! Ficar olhando os outros comer doce e não poder comer também... (Rainha Trifena).

A dificuldade é só eu tomar insulina, assim, por deixar meu braço marcado, mas sara rápido, mas me incomoda um pouco. Pela manhã tomo duas insulinas, meio-dia tomo outra, tomo quando vou lanchar e de noite quando vou jantar, são muitas...(Rainha Tiye).

Nas falas, as restrições alimentares e as condutas terapêuticas requeridas pela enfermidade despontam como principais fatores de desconforto na experiência com a doença.

Não é uma das melhores coisas. Ainda sou jovem e... Também acho difícil para viajar, para ir para casa de outra pessoa, pois tem que levar o remédio e tem que conservar no gelo, né? Ainda bem que eu consigo fazer tudo sozinha! (Rainha Nefertari).

Diabetes é um pouco difícil de conviver porque tem várias pessoas com pré-conceito com diabetes e é muito difícil para quem é adolescente. (Rainha Nefertite).

...é um pouco diferente! Porque você vê os outros fazer as coisas e não poder fazer...(Rainha Trifena).

Uma das adolescentes (Rainha Cleópatra), portadora da doença há doze anos, teve uma visão diferente dos demais entrevistados, não enxergando dificuldades em conviver com a doença, mesmo diante de todas as suas peculiaridades do tratamento:

Pelo fato de eu dizer a todo mundo eu não vejo dificuldade nenhuma! Assim, eu não vejo dificuldade em tomar insulina... O fato de usar insulina ou ter que fazer o HGT direto, não me atrapalha em nada, para mim é normal. (Rainha Cleópatra).

De acordo coma fala da mesma, percebe-se que a doença é parte real do seu cotidiano e que a mesma busca não esconder da sociedade sua condição e que o tratamento não é penoso ou doloroso, tornou-se algo trivial que não atrapalha ou dificulta o seu dia a dia.

A subcategoria: Controle da glicemia remete a dificuldade dos adolescentes de manter os níveis de glicemia adequados. Dentre os entrevistados, a maioria referiu não conseguir manter o equilíbrio do nível de glicemia e durante as entrevistas apresentaram expressões faciais de sofrimento e incertezas em relação à descrição do controle da taxa glicêmica.

...estando na minha situação [pausa, expressão de sofrimento], como eu “to” aqui, que está descontrolado (taxa de glicemia), não é tudo que posso comer! (Rainha Nefertari).

Faço sempre os testes, os testes vão ajudando a controlar (a taxa da glicemia) “to” conseguindo controlar mais ou menos, às vezes vai para 200, 300. (Rainha Tiye).

Preocupo-me mais com o controle, porque ela “tá” muito descompensada e a tipo 1 é mais difícil de controlar, em tudo. Manter controlada é a minha maior preocupação. (Rainha Nefertiti).

O relato de preocupação destes jovens com a descompensação da glicemia pode ser explicado pelas complicações graves geradas ao portador de diabetes insulinodependente, dentre elas destacamos a cetoacidose, que está diretamente relacionada ao aumento nos níveis de glicemia.

Àquela hora lá de fazer os testezinhos e ver lá aquela altura toda (taxa de glicemia), tenho medo de ver que o valor esta alto, a taxa me assusta mais que a picada, não tenho medo da furada e sim do resultado! (Rainha Nefertari).

Nesta subcategoria, é relevante destacar o relato da Rainha Nefertari que diante do descontrole da glicemia se negava a fazer o controle da glicemia através do teste de HGT (hemoglicotestes), ela preferia se arriscar e não encarar a realidade do regime terapêutico ineficaz realizado por ela. Diante de tal fato a mãe desabafou relatando que estava prestes a pedir demissão do trabalho para se dedicar ao tratamento da filha.

Mudanças na vida cotidiana frente ao diagnóstico do Diabetes Mellitus

Tendo como referência o que estas pessoas dizem sobre seu viver com DM tipo 1, compreendemos que esta doença não é somente uma alteração do organismo, mas é uma realidade social, que implica em várias alterações ao longo da vida.

Mudou a alimentação e o modo de viver porque eu não gostava muito de esportes! Eu gostava de andar (na casa das amigas), depois que eu descobri (a doença) ficava mais em casa, não queria comer as coisas por que achava ruim, tive que mudar muito na alimentação, foi mais na alimentação. (Rainha Nefertiti).

Acho que principalmente a alimentação! (Faraó Ramsés III).

No discurso abaixo a mudança foi além dos padrões alimentares, com apoio da família, a jovem inseriu em sua vida cotidiana a atividade física de forma prazerosa, ressaltando que após a doença sua vida ficou melhor pela inserção de hábitos saudáveis no seu dia a dia.

Comecei a usar insulina, comecei a fazer dieta, entrei na academia, comecei a fazer educação física, ficou bem melhor para mim depois da doença, meu pai me “bota” (atividades) em tudo agora natação, academia, comprou uma bicicleta para mim e agora ele vai comprar uma esteira. Antes eu não fazia nada! (Rainha Tiye).

Não é muito fácil não, é meio difícil tem que tomar muito cuidado com alimentação tem que ser toda diferente e é difícil ver as outras pessoas comendo o que agente não pode comer. (Faraó Hórus).

No relato abaixo a jovem descreve seus motivos para não se alimentar de forma adequada, enfocando as atividades domésticas diárias. Tais fatores tornam-se um empecilho para realização do regime dietético adequado.

É se alimentar mesmo! Porque eu pela manhã tenho que cuidar do meu irmão e tenho que ajudar aqui em casa, à tarde eu “to” na escola ai, não tem aquela coisa do lanche como deve ser, à noite também não “to” em casa e acabo comendo qualquer coisa, o mais difícil é alimentação mesmo. Fora isso é tranqüilo... (Rainha Nefertari).

Esta vertente de falta de alimentos voltados para os portadores de diabetes também se faz presente no depoimento abaixo, uma das entrevistadas mais jovens do estudo, com apenas 11 anos, descreve a ida a uma festa de aniversário e ressalta as restrições alimentares:

quando sou convidada para um aniversário não posso comer nada! Não pode tomar refrigerante, não pode comer massa, não pode comer um brigadeiro, só pode ficar olhando, só ficar olhando! (Rainha Trifena).

Nos relatos abaixo observa- se que o primeiro entrevistado, Faraó Hórus, compreende que a alimentação específica para o tratamento para o diabetes é mais saudável, porém o fato de não poder transgredir esta alimentação o faz ressentir e finaliza enfatizando que a alimentação para não diabéticos lhe é prejudicial. No outro depoimento, o jovem fala sobre a adaptação à nova dieta e reconhece que antes do diagnóstico da DM tipo 1 cometia exageros em sua dieta.

Como comidas mais saudáveis que é bom para saúde, as outras pessoas podem comer também delas (pessoas não diabéticas), mas também podem comer de outras, que são melhores, mas que fazem mal para minha saúde. (Faraó Hórus).

...já me acostumei com os alimentos que antes consumia e hoje não posso mais, por exemplo, doce, refrigerantes e massas. Precisei dar uma diminuída e principalmente nos doces e refrigerantes que eu comia e bebia muito. (Faraó RamsésIII).

Discussões

De acordo com os resultados encontrados houve um maior número de participantes do sexo feminino em relação ao sexo masculino, sendo respectivamente 05 (cinco) e 03 (três). É importante frisar que o DM Tipo 1  desenvolve-se, com maior freqüência, entre crianças e adolescentes concordando com os relatos da literatura.11

Quanto a renda mensal e classe social, a mais afetada no DM tipo 1 foi a média  e apenas 12,5 % possuíam salários superior a quatros salários mínimos.Entretanto outros estudos afirma o oposto, mostrado uma maior incidência nas classes de renda mais alta.12

O perfil psicológico e o grau de aceitação do DM tipo 1 parecem exercer influência direta nos níveis glicêmicos do paciente. Os autores referem ainda que a presença de uma doença crônica degenerativa gera sentimentos diversos como angústia, temor e incerteza nos diabéticos e em seus familiares.13

Para Santos e Enumo (2003)11:

Os adolescentes demonstram maiores dificuldades para aceitar a doença quando comparados às crianças, enquanto que os adolescentes tendem a querer se responsabilizar pela própria saúde e que as estratégias de enfrentamento da doença mudam à medida que o indivíduo se desenvolve.

Ressalta ainda que o fato de estar no início, no meio ou no fim da adolescência também diversifica as estratégias de enfrentamento. Em contrapartida na categoria, Como o adolescente está vivendo com o diabetes, observou-se que a maioria dos adolescentes não tiveram dificuldades para aceitar a doenças, ou por desconhecer a doenças ou pelo apoio da família, ressaltando apenas dificuldade no tratamento e na dieta.11

Em relação a vivência após o diagnóstico de diabetes, este estudo encontrou que a maioria dos adolescentes entrou em estado de desespero e outros até depressão,dado este, compatível com a literatura quando diz que o diagnóstico de diabetes lança o adolescente e os familiares numa situação assustadora e desconhecida. Aos poucos, tomam conhecimento da extrema gravidade da doença.14

O primeiro impacto da notícia em ser diabético pode deixá-lo confuso e assustado, o adoecer agrava o processo de adolescer. Por seu caráter crônico, necessita de um redirecionamento e reflexão acerca de suas rotinas e projetos, o relato abaixo denota bem esta afirmação.15

A partir dos depoimentos foi possível evidenciar que a maioria dos entrevistados sentem dificuldade em conviver com a tratamento do diabetes, como defende Maia e Araújo (2004)13, que a constante necessidade de automonitorização, aplicações diárias de insulina, podem se mostrar extremamente desconfortáveis, frustrantes e preocupantes, levando muitas vezes a omissões de doses de insulina, com maior incidência de complicações agudas graves.13

Em apenas uma das entrevistas houve opinião contrária, quando a mesma afirma que não ter dificuldade no seu cotidiano para o uso da insulina. A postura desta jovem diante da enfermidade se encaixa no estudo de Oliveira (2009)16, onde os autores afirmam que a oportunidade de discutir dificuldades e vivências entre pessoas que possuem problemas semelhantes ou não, amplia a compreensão a cerca da doença e o compromisso para assumir mudanças.

Os adolescentes demonstraram uma preocupação quanto a descompensação da glicemia que entre outros fatores, pode ser ocasionada pela cetoacidose que de acordo com o Ministério da Saúde (2006)2, ocorre particularmente em pacientes tipo 1 acometendo principalmente indivíduos em mau controle, hiperglicêmicos ou instáveis. Pode ser potencialmente letal, com índices de mortalidade entre 5% e 15%.2

Nesse estudo encontrou-se uma adolescente que se negava a controlar a taxa de glicemia pelo teste de HGT levando mais preocupações a seus familiares o que de acordo com Almino, Queiroz e Jorge (2009)17 ao referirem que a condição de saúde, que exige restrição dietética, aplicação de insulina diariamente, controle rigoroso de níveis glicêmicos, requer adaptação as mudanças, não só do paciente, mas também de sua família.17

As literaturas expressam que a transição abrupta entre a infância e a idade adulta pode resultar em conflito pessoal e familiar; na medida em que, possivelmente, o adolescente ainda não tem maturidade suficiente para assumir tais responsabilidades decretadas pela enfermidade. 18 

A adaptação a um novo estilo de vida, com a necessidade de educação alimentar, à dificuldade de se adaptar a uma rotina de compromissos sociais (escola, festas e baladas) face às freqüentes idas a médicos e postos de saúde para exames, e as dificuldades de se manter em dieta estando em companhia de amigos não diabéticos, são comportamentos e atitudes relevantes que impactam a vida dos adolescentes.19

Dentre as mudanças citadas neste estudo a alimentação é o fator que gera maior aflição por parte dos depoentes. Nas falas dos pacientes denota-se uma sensação de frustração, pois eles ressentem de não poder desfrutar do prazer da alimentação. Outro fator condicionante é a falta de atenção aos portadores de diabetes em instituições como a escola, visto que estes ambientes não elaboram cardápios voltados para atender a necessidade desta parcela da população, deixando estes jovens correr o risco da dieta inadequada. 19 

O desejo por vezes desenfreado de se alimentar faz o paciente sofrer, mentir, negar, admitir, sentir prazer, controlar e sentir culpa. 20 Corroborando com esta afirmação, Zanetti (2008)21, considera que:

A restrição alimentar é uma constante no cotidiano da pessoa diabética e alcançar a meta de reeducação alimentar é um fator marcante na vida do paciente. Nessa direção, a educação em diabetes é essencial para a compreensão da necessidade de repensar o planejamento alimentar.

Diante do exposto, podem-se analisar tais depoimentos e compreender que é, sobretudo por meio das restrições no comportamento alimentar que o diabético toma consciência de suas limitações. Por essa razão, o conflito entre o desejo alimentar e a necessidade imperiosa de contê-lo está sempre presente na vida cotidiana do paciente diabético.

Conclusão

No presente estudo, evidenciou-se que os adolescentes acometidos pelo Diabetes Mellitus aceitavam a convivência com a patologia, alguns demonstraram aceitação pelo desconhecimento da doença, outros se fortaleceram pelo apoio familiar e alguns ressaltaram a dificuldade da alimentação e do tratamento como fatores de compensação negativa ante a aceitação. Diante do diagnóstico relataram estar despreparados e assustados para conviver com a doença, porém à medida que o tempo foi passando adaptaram-se a nova realidade e prosseguiram suas vidas.

  Em relação às principais mudanças na vida cotidiana, percebeu-se que após diagnóstico do DM, a alimentação foi citada como a maior dificuldade para a readaptação frente sua enfermidade, seguido da inserção da atividade física e das condutas terapêuticas empregadas no tratamento (uso da insulina e realização do teste HGT).

Outra dificuldade apontada pelos adolescentes foi a manutenção dos níveis de glicemia adequados, o que gera angústia e medo em relação às crises hiperglicêmica e/ou hipoglicemias. Constatamos ainda que os jovens muitas vezes deixam de realizar o teste HGT por medo encarar o valor real da taxa glicêmica, pois este fato implica cobranças do próprio adolescente em relação ao seu auto cuidado com a enfermidade. 

Tal abordagem, portanto, nos faz analisar a falta de políticas atuantes voltadas maiores incentivos e conscientização da população, para que se pense nos diabéticos no momento de idealizar restaurantes, lanchonetes, na elaboração do cardápio escolares, nas festas e balados a fim de garantir o direito destas pessoas de realizar o seu tratamento de maneira plena e satisfatória onde quer que estejam.

Referências

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3. Francioni FF, Silva DG. O processo de viver saudável de pessoas com Diabetes Mellitus através de um grupo de convivência. Texto contexto - enferm.  Florianópolis. 2007 mar.; v. (16),  n. 1, Disponível em :.Acesso em 18 Out. 2009.

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8.Vasconcelos LB. et al. Consulta de enfermagem como oportunidade de conscientização em diabetes. Rev. Eletr. Enf. [Internet] 2000.; 2 (2) .Disponível em: . Acesso em 04 dez. 2009.

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