Refl ections on Brazilian National Health Reform after 20 ...

1614 F?RUM FORUM

A reforma sanit?ria brasileira ap?s 20 anos do SUS: reflex?es Reflections on Brazilian National Health Reform after 20 years of experience with the Unified National Health System

Am?lia Cohn 1

1 Mestrado em Sa?de Coletiva, Universidade Cat?lica de Santos, Santos, Brasil.

Correspond?ncia A. Cohn Mestrado em Sa?de Coletiva, Universidade Cat?lica de Santos. Rua Carvalho de Mendon?a 144, 4o andar, Santos, SP 11070-100, Brasil. saudecoletiva@unisantos.br amelcohn@.br

Abstract

This article provides some reflections on the challenges that have arisen during 20 of experience with the implementation of Brazil's Unified National Health System and the significance of Constitutional provisions related to health for both academic research and health sector managers. The article discusses the main issues during these 20 years and how they are currently managed, and concludes by inquiring into the need for reconnecting health sector projects to a broader project for Brazilian society, without which the original proposals for health run the risk of becoming merely managerial ones.

Health Care Reform; Single Health System; Health Policy

A Constitui??o Federal de 1988 foi, sem d?vida, um marco na hist?ria da democracia brasileira, em particular no que diz respeito aos direitos sociais. A partir da?, no caso da sa?de, contava-se com um marco legal que desenhava o organograma institucional do sistema de sa?de brasileiro, com seus princ?pios e diretrizes, e que viria a ser constru?do a partir de ent?o.

Mas o desafio residia exatamente a?: muito embora embri?es de experi?ncias de descentraliza??o da sa?de, de novas modalidades de repasses de recursos entre os entes federados para financiamento do sistema j? viessem sendo experimentados desde o in?cio daquela d?cada, as propostas que compunham o Sistema ?nico de Sa?de (SUS) estavam sobretudo genericamente no papel e nas mentes dos sanitaristas, e tratava-se, a partir de ent?o, de coloc?-las em pr?tica numa realidade s?cio-econ?mica e institucional extremamente diversificada.

Desde ent?o muito se avan?ou nesses 20 anos, como testemunham os dados epidemiol?gicos, sobre distribui??o de infra-estrutura de servi?os, de cobertura, de acesso, dentre v?rios outros. No entanto, esses avan?os n?o foram lineares, nem tampouco uniformes, como mostram igualmente outros dados, como aqueles referentes ? equidade, ? integralidade do acesso, ? regula??o do setor privado da sa?de, ao financiamento, dentre igualmente tantos outros.

N?o basta, por?m, creditar esses avan?os e retrocessos ? simples natureza dos processos

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hist?ricos, se n?o quisermos nos condenar ao conforto das vit?rias passadas e delas viver. H? que sobre elas se debru?ar de forma cr?tica na busca de suplantar os limites e dificuldades que esses mesmos processos nos imp?em para que se avance na pr?pria implementa??o dos princ?pios e diretrizes do SUS, agora aggiornados ? "nova" realidade de 20 anos depois.

Nesse sentido, minha tese ? a de que, diante do esgotamento exatamente devido ao seu sucesso, mas tamb?m pela sua insufici?ncia constatada nesses 20 anos, da Reforma Sanit?ria original, h? que se enfrentar com galhardia essas insufici?ncias hoje relegadas, na maior parte dos casos, ao tabu de um buraco negro.

Lembro a prop?sito uma quest?o apresentada por Paim 1 (p. 388): "se na ditadura era preciso coragem para tal exerc?cio [apontar as quest?es que ent?o comprometiam a exeq?ibilidade do Plano Nacional de Sa?de/1967], na democracia trata-se de um imperativo ?tico-pol?tico". Referese o autor aos planos nacionais de sa?de de 1967 e de 2004 ? Um Pacto pela Sa?de no Brasil; no entanto, ? esse pacto pela sa?de que hoje cristaliza da forma mais expl?cita o "conte?do atual da reforma sanit?ria". Em decorr?ncia, a tarefa, portanto, que se imp?e para a nossa comunidade ? a de pelo menos apontar as insufici?ncias da Reforma Sanit?ria dos anos 70, 80 e parte dos 90 para, a partir desse quadro, retomar o que foi uma de suas principais caracter?sticas: sua capacidade propositiva, que surpreendeu os demais setores quando da Assembl?ia Nacional Constituinte, com sua proposta organizacional para a sa?de: o SUS.

Mas por que a necessidade de se enfrentar a tarefa de pensar criticamente essa experi?ncia desses 20 anos de SUS e da Reforma Sanit?ria?

Em primeiro lugar, pela freq??ncia na literatura sobre o tema da presen?a do termo "implementa??o do SUS". Resta a quest?o: o SUS proposto h? 20 anos pode continuar prevalecendo enquanto proposta hoje? A resposta obviamente ? negativa. Mas diante disso, o que se coloca? Limitar-se-? a discuss?o ? lauda??o das conquistas alcan?adas nesse per?odo e ? condena??o dos constrangimentos para a viabiliza??o do "bom SUS", tal como originalmente pensado ou intu?do?

Em segundo lugar, porque como apontam Viana & Dal Poz 2, no caso dos sistemas de sa?de deve-se distinguir dois tipos de reforma: a do tipo big bang e a incremental. E qualificam os autores a reforma de 1988 como do tipo big bang porque introduziu mudan?as significativas no

modo de opera??o do sistema, com o princ?pio do universalismo para as a??es de sa?de; com a descentraliza??o municipalizante; com um novo formato organizativo para os servi?os de sa?de sob a l?gica da integralidade, da regionaliza??o e da hierarquiza??o, originando-se da? o novo modelo de um sistema nacional de sa?de descentralizado, com novas formas de gest?o.

No entanto, trata-se da reforma do sistema de sa?de brasileiro. Resta a quest?o, no caso, de se perguntar se isso ? sin?nimo de Reforma Sanit?ria tal como proposta h? 20 anos. E n?o se trata de um exerc?cio de preciosismo acad?mico ou da busca t?o em voga do autoconhecimento e de auto-ajuda. ? que essas mudan?as trazem consigo conseq??ncias concretas e graves para os sujeitos ? n?s ? envolvidos com a pr?tica te?rica e concreta da defesa dos preceitos do SUS, e, portanto, da Reforma Sanit?ria. E eis algumas delas: ? A partir da d?cada de 90, e mais acentuadamente nos anos recentes, verifica-se um deslocamento na produ??o, acad?mica e n?o acad?mica, das grandes quest?es envolvidas na proposta original da Reforma Sanit?ria ? democracia, papel do Estado, dimens?es estruturais do processo sa?de/doen?a, projeto nacional de na??o ? para estudos de car?ter pragm?tico e tecnicista. N?o se trata aqui de atribuir ju?zos de valor a um e outro, mas t?o somente de apontar a perda do car?ter reflexivo da produ??o do campo, subsumida pela vis?o tecnicista da implanta??o, ou implementa??o do SUS. ? Em decorr?ncia, verifica-se uma tend?ncia a se tomar como sin?nimos conceitos com conte?dos distintos, tais como: (i) universaliza??o: confundido como simples expans?o de oferta; (ii) acesso e acessibilidade: ambos confundidos como oferta de servi?os; (iii) acesso: tamb?m confundido como cobertura e oferta de servi?os; (iv) gest?o: confundido como ger?ncia de servi?os, enquanto aquele se refere ao conte?do da ger?ncia, e esta ? dimens?o administrativa propriamente dita; (v) controle social e participa??o social: sem diferenciar controle da sociedade e promo??o e fortalecimento de novos espa?os p?blicos para a cria??o de novos sujeitos sociais.

Ou ent?o, o que ? extremamente freq?ente na ?rea, a cria??o de novos conceitos, alguns deles de extrema infelicidade, indo de encontro a todo o ide?rio da Reforma Sanit?ria e aos preceitos constitucionais da sa?de e do SUS, como o t?o utilizado na bibliografia atual ? t?cnica e acad?mica: o conceito de SUS dependente. Ora, esse conceito remete exatamente ? exclus?o social, uma vez que se refere ?queles sujeitos sociais que n?o t?m acesso ? aten??o ? sa?de que n?o seja por meio dos servi?os p?blicos de sa?de, quando o SUS se prop?e a ser universal e equ?nime.

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Trata-se, enfim, da evid?ncia de que a Reforma Sanit?ria nos tempos atuais comparece na agenda p?blica fundamentalmente ?s custas de uma esteriliza??o desses conceitos anteriormente t?o prenhes de conte?do emancipat?rio. Inquieta, portanto, o fato de que o processo de implanta??o do SUS, nesse per?odo, induziu ? com todos os seus m?ritos j? apontados nos textos que acompanham este ? os militantes da ?rea a abdicarem da Reforma Sanit?ria enquanto um projeto emancipat?rio, e que tem que ser retomado com urg?ncia.

H? ainda um segundo grupo de conseq??ncias: com a crescente tecnifica??o das propostas e an?lises correntes, embora a democratiza??o da sa?de seja um termo presente e constante na literatura, verifica-se um processo efetivo de despolitiza??o da participa??o social e o relegar ao esquecimento alguns temas ?quela ?poca centrais, tais como: ? O conte?do da universaliza??o. H? que se indagar: universalizar para qu?, em termos de qual efic?cia social (conte?do) social? ? A regula??o do setor, quando se verifica que ela vem se dando segundo a f?rmula da regula??o do setor privado da sa?de pela pr?pria l?gica desse setor, e n?o pela l?gica dos preceitos do SUS; isso quando n?o se constata a pr?pria aus?ncia dessa regula??o. ? Ignora-se uma dimens?o a mim particularmente t?o cara, por dizer respeito ? tessitura da rede das rela??es sociais propriamente ditas e ? rela??o Estado/sociedade: a rela??o p?blico/ privado n?o somente no que diz respeito ? produ??o e regula??o dos servi?os de sa?de, mas sobretudo no que diz respeito ?s esferas p?blica e privada da vida social.

Reforma Sanit?ria hoje: reforma da reforma ou uma contra reforma?

A bem da verdade, o tema da Reforma Sanit?ria vem perdendo visibilidade na literatura do campo da Sa?de Coletiva, a n?o ser em alguns espa?os, como o Centro Brasileiro de Estudos de Sa?de (CEBES), na muito oportuna republica??o dos n?meros iniciais da cole??o da revista Sa?de em Debate , trazendo a p?blico o debate original que construiu e conformou o ide?rio desse movimento. Mas retomar a quest?o hoje n?o se configura uma atitude de saudosismo, mas sim de buscar deslindar e localizar os fios que foram sendo deixados ao longo da caminhada, para retom?-los e a ?rea passar a construir uma postura propositiva e n?o tecnicista ou reativa para o setor. Claro est?, em minha defesa, que a tarefa que me impus aqui ? de t?o somente deslindar alguns

desses fios, at? porque proposi??es de processos e projetos s?o constru??es coletivas.

O que se coloca, nesses termos, como quest?o de fundo, ? se atualmente o problema de se pensar novos rumos para a sa?de e a retomada das vit?rias de 1988 e da experi?ncia da Reforma Sanit?ria de ent?o significa pensar uma "reforma da reforma" ou uma "contra reforma"? A primeira alternativa significaria a condena??o ? n?o inova??o, e ? tend?ncia atual ? tecnifica??o da pol?tica, como aponta Nogueira 3. A segunda significaria resgatar a dimens?o da pol?tica e do conte?do social da sa?de como objeto de a??es emancipat?rias versus a tend?ncia atual de tecnifica??o da pol?tica.

Em ambos os casos, h? que se levar em conta v?rios fatores de car?ter estrutural e institucional, e saber discrimin?-los. Em primeiro lugar, do ponto de vista institucional, a sa?de ? um dos componentes de um sistema de prote??o social h?brido, tanto do ponto de vista da universaliza??o dos direitos quanto do ponto de vista do seu financiamento. Do ponto de vista do financiamento, ela conta com v?rias fontes, de natureza distinta, tais como impostos, contribui??es e fundos patrimoniais. Em segundo lugar, do ponto de vista da oferta de servi?os, ela se configura como uma oferta fragmentada, segmentando a clientela, em que pese o discurso mais recente dos avan?os da aten??o b?sica e da "cobertura" (entendida como acesso), promovendo uma segmenta??o do p?blico-alvo.

Do ponto de vista da implanta??o desse sistema de prote??o social, calcado na concep??o de seguridade social, num ambiente mundial de desmonte dos Estados de Bem-Estar Social, o que se verificou nessas d?cadas p?s-constitui??o foi uma fratura dessa concep??o e uma segmenta??o de seus tr?s componentes ? previd?ncia social, sa?de e assist?ncia social ? abrindo caminho para retrocessos nos processos de avan?os experimentados por esses segmentos. E neste caso, talvez o que pese mais seja o fato de a previd?ncia social, segundo maior or?amento do pa?s, ser o objeto do desejo tanto do Estado quanto do mercado.

Do ponto de vista mais estrutural, h? pelo menos tr?s fatores que devem ser destacados. De um lado, a propalada crise do Estado, quando na realidade o que est? em quest?o ? muito mais uma indefini??o atual ? pela aus?ncia de projetos mais amplos para a sociedade, e em conseq??ncia para a sa?de ? sobre o papel do Estado. Em contraposi??o, a aus?ncia de um debate e de um questionamento ? a n?o ser pelo d?b?cle econ?mico atual ? sobre a crise do mercado.

Em segundo lugar, nas an?lises e reflex?es, bem como nas propostas de formula??o de pol?-

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ticas e programas de sa?de, a n?o diferencia??o ? e em conseq??ncia a n?o integra??o entre elas ? entre as v?rias dimens?es que caracterizam o Estado no setor: o de ser simultaneamente um Estado produtor de servi?os, provedor do direito ? sa?de, e regulador dos servi?os (p?blicos e privados) e produtos de sa?de. Como conseq??ncia, tem-se um esvaziamento da dimens?o da pol?tica a favor da dimens?o t?cnica na formula??o e implementa??o dessas mesmas pol?ticas e programas, privilegiando-se a dimens?o da ger?ncia em detrimento da dimens?o da gest?o, a dimens?o da rela??o custo/efetividade em detrimento da dimens?o da efic?cia social, e das metas de cobertura em detrimento da dimens?o do acesso e da acessibilidade aos servi?os e produtos de sa?de.

A isso somam-se a baixa capacidade regulat?ria do Estado e sua baixa capacidade de promover a integra??o inter e intra setorial na gest?o da ?rea social, e mais que isso, a incapacidade de articular a dimens?o econ?mica e social das pol?ticas sociais. Mais grave que isso, mesmo com o destaque atual do discurso do desenvolvimento com dimens?o social, a enorme dificuldade de se reconhecer investimentos na ?rea social como geradores de din?micas econ?micas virtuosas, quer do ponto de vista de gera??o de empregos, quer do ponto de vista de gera??o de novos circuitos econ?micos que n?o aqueles circunscritos ao grande capital, em particular ao capital financeiro.

Em decorr?ncia, o Brasil, tido na Am?rica Latina como um baluarte e exemplo de reforma bem sucedida na ?rea da sa?de, configura-se hoje como uma experi?ncia peculiar: o setor abra?a a proposta t?o cara ?s ag?ncias multilaterais de fomento ao desenvolvimento ? a aten??o b?sica ? mas pelo seu avesso. De fato, s?o dois os grandes fatos tidos como novos do per?odo mais recente, dos anos 90 e 2000: a estrat?gia sa?de da fam?lia e a terceiriza??o da ger?ncia dos servi?os de sa?de. No primeiro caso, ela nos vem travestida de uma estrat?gia de mudan?a do modelo hospitaloc?ntrico de aten??o ? sa?de, desconhecendo-se a composi??o p?blico/privado dos equipamentos de sa?de no pa?s, e mesmo a distribui??o altamente desigual dos equipamentos p?blicos de sa?de, sobretudo quando se leva em conta os equipamentos de maior complexidade. No segundo caso, parte-se do principio que essas novas organiza??es gestoras dos servi?os contar?o com uma capacidade regulat?ria do Estado que impedir?o que transplantem ? em nome da racionalidade do custo/efetividade ? a racionalidade pr?pria do mercado para o interior dos servi?os p?blicos estatais de sa?de.

Essa l?gica, por sua vez, dissemina-se como um efeito domin? por outras dimens?es t?o caras das propostas originais a Reforma Sanit?ria dos anos 70 e 80. Tomemos uma delas, como exemplo: a descentraliza??o. Textos daquela ?poca apontavam a descentraliza??o como fator de democratiza??o da sa?de, de facilitador da maior adequa??o entre as pol?ticas de sa?de e as necessidades reais de sa?de da popula??o, pela maior proximidade entre ambos, bem como, e talvez principalmente, como fator que possibilitaria maior exerc?cio da participa??o social, e em conseq??ncia, da democratiza??o da sa?de. ? medida que se avan?a pela d?cada de 90 come?a a se introduzir na literatura o tema da descentraliza??o e do pacto federativo brasileiro. Atualmente, o que prevalece ? a descentraliza??o vista da ?tica funcional e organizacional, que se n?o s?o dimens?es menos importantes, n?o podem no entanto borrar uma vez mais a dimens?o da consolida??o da esfera p?blica na implanta??o do SUS, sob pena de seu preceito maior ? a sa?de como um direito ? ser comprometido.

Nesse ponto tr?s quest?es de fundo devem ser apontadas, porque evidenciam a necessidade de se retomar a discuss?o sobre o conte?do das reformas na ?rea da sa?de. Uma delas diz respeito ? focaliza??o como estrat?gia de universaliza??o, materializada na Estrat?gia Sa?de da Fam?lia. H? que se definir, e propor, focaliza??o e universaliza??o, com qual conte?do social, e n?o apenas na sua dimens?o enquanto cobertura. Outra diz respeito ao controle p?blico, talvez a heran?a mais marcada pela experi?ncia do passado na ?rea, nem sempre a favor da proposta de inova??o. Evidenciam-se nos estudos a respeito, apesar de alguns dos achados da an?lise que acompanha este texto, v?cios nos processos de representa??o, falta de rotatividade dos representantes da sociedade, e a proemin?ncia do Executivo na din?mica do funcionamento dos Conselhos de Sa?de.

O terceiro ponto vem em destaque porque retoma quest?o j? apontada anteriormente, e que diz respeito ao tra?o brasileiro de abra?ar propostas neoliberais "pelo avesso": adotar programas sociais que tenham como base de interven??o a fam?lia, fato t?o ao gosto das ag?ncias multilaterais, exatamente porque no geral se configuram como pol?ticas conservadoras, normativas do comportamento dos "pobres" (da? a nocividade do conceito SUS dependente), e que invadem a esfera privada da vida social dessas fam?lias, exercendo sobre elas um controle quase que absoluto por parte do poder p?blico 4. ? o caso do cadastramento e do acompanhamento do Sa?de da Fam?lia, em que os agentes comunit?rios de sa?de monitoram as fam?lias (os domic?-

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lios) a partir da legitimidade social que lhes confere o fato de a? residirem, sendo por?m naquele momento agentes do Estado; como tamb?m ? o caso do monitoramento das condicionalidades em sa?de e educa??o do Programa Bolsa Fam?lia, do Programa de Assist?ncia Integral ? Fam?lia, dentre outros.

Um outro ponto diz respeito ? necessidade de se distinguir dois tempos distintos quando se reflete e se prop?e projetos para o setor da sa?de: o tempo de governo, e o tempo dos projetos de m?dio e longo prazo, tempos estes que n?o podem e n?o devem ser nem estanques nem muito menos conflitantes. Mas h? que se entender o que fica expresso, por exemplo, no discurso de posse do Ministro da Sa?de Jos? Gomes Tempor?o, que governos t?m por objetivo e miss?o dar respostas efetivas a curto prazo, vale dizer, a velha quest?o da governan?a (recorde-se que no seu discurso de posse ele apresenta 9 cenas e 22 pontos, quase como metas a serem cobertas); enquanto as atividades de car?ter mais reflexivo e propositivo levam em conta o curto prazo sim, mas t?m por refer?ncia o m?dio e o longo prazo, possibilitando que se formulem projetos mais efetivos para o setor da sa?de, respaldados por sua vez por um projeto para a sociedade. O que, ali?s, ocorreu no movimento da Reforma Sanit?ria dos anos 70 e 80, e foi se perdendo ao longo das d?cadas subseq?entes.

Para tanto, faz-se necess?rio retomar a perspectiva cr?tica da an?lise sobre os inquestion?veis avan?os da Reforma Sanit?ria, porque s?o exatamente eles que nos imp?em a tarefa de se formular um novo projeto para a sa?de que saia das amarras da implementa??o do SUS ? "daquele" SUS ent?o proposto nos anos 80, ainda abstrato e idealizado ? e reconquiste a dimens?o emancipat?ria no novo contexto ? do setor da sa?de, do sistema de sa?de atual, e do pa?s ? numa conjuntura de profundas mudan?as no perfil de atua??o do Estado na ?rea social, marcado por pol?ticas e programas sociais com enorme capi-

laridade social e que tendem por isso a borrar as fronteiras entre as dimens?es p?blica e privada da vida social e dos setores p?blico estatal e privado de produ??o de servi?os.

Essa tarefa, no entanto, n?o se reveste de pouca monta. Em 1989, publiquei um artigo ? Caminhos da Reforma Sanit?ria 5 ? em que questionava a insist?ncia de um qualificativo ? necess?rio(a) ? em textos que eram um vigoroso ter?ar de armas num debate entre Sonia Fleury e Gast?o Wagner de S. Campos 6. O importante a destacar aqui ? que ent?o se verificava que aquele qualificativo subentendia um projeto de interven??o na realidade com conte?dos distintos, a partir de recortes pol?ticos (projetos) de distintas propostas partid?rias. J? hoje a produ??o e o debate continuam com a mesma marca de estarem vinculados ? interven??o na realidade, mas, no entanto, sem a chama da disputa, no campo progressista ou de esquerda, de projetos distintos, para o setor e para a sociedade. Talvez o que esteja ocorrendo, no ?mbito da reforma sanit?ria, nesse sentido, seja a busca da "reforma da reforma", ou de se perseguir uma "reforma incremental", sendo que nesse processo a dimens?o da pol?tica vem sendo subsumida pela dimens?o t?cnico-cientifica, levando, o que parece mais grave, a uma pasteuriza??o da pr?pria dimens?o pol?tica. E talvez a? a explica??o de fundo seja a incapacidade da comunidade do campo sanit?rio de formular um novo projeto para sa?de articulado com um projeto para a sociedade.

Nesse sentido talvez o grande desafio resida em n?o cair nas armadilhas p?s-modernistas dos individualismos e subjetivismos, mas buscar identificar quem s?o e onde se constroem novas redes de sociabilidade e novas identidades sociais, para tentar deslindar como fazer para que o mundo da vida, na vertente habermasiana, n?o sucumba ao mundo do sistema, na vertente tecnicista, re-qualificando a dimens?o da pol?tica de tal modo que se rearticulem as dimens?es t?cnica e social nos projetos para a sa?de.

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