Habitação Saudável:



Habitação Saudável:

(Re)pensando os impactos da moradia no tratamento do câncer de mama

Resumo

O artigo discute a importância da moradia no tratamento das pessoas com câncer de mama, compreendendo que a questão habitacional pode afetar a qualidade de vida dos sujeitos e impor limites à realização do tratamento proposto. É resultado de pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, tendo como procedimentos metodológicos pesquisa bibliográfica e documental e revisão crítica da literatura com base no método materialista histórico-dialético. A moradia é uma variável importante na atenção à saúde em todos os seus níveis. Contudo, seu acesso ainda não foi universalizado, pois o Estado brasileiro tem priorizado o desenvolvimento econômico em lugar do humano. Acredita-se que o presente trabalho poderá contribuir para uma nova abordagem da questão no tratamento oncológico, bem como para outros estudos que contemplem os demais níveis de atenção à saúde.

Palavras-chave

Questão Habitacional; Direito à Cidade; Direito à Saúde; Câncer de Mama.

Abstract

The article discusses the importance of housing in the treatment of people with breast cancer, understanding that the housing issue can affect the quality of life of individuals and impose limits on completion of treatment. It is the result of exploratory research with a qualitative approach, with the methodological procedures bibliographical and documentary research and critical review of the literature based on historical and dialectical materialist method. The housing is an important variable in the health care at all levels. However, access has not been universalized because the Brazilian government has prioritized economic development rather than human. It is believed that this study may contribute to a new approach to the issue in cancer treatment, as well as other studies that include other levels of health.

Keywords

Housing issue; Right to the City; Right to health; Breast cancer.

Introdução

O câncer de mama é uma doença crônica não transmissível que incide majoritariamente na população feminina, cuja estimativa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) para o biênio 2016/2017 foram previstos 57.960 casos novos. É considerada a maior causa de morte em mulheres em todo mundo, a segunda causa de morte por câncer nos países desenvolvidos atrás do câncer de pulmão, e a maior causa de morte por câncer nos países em desenvolvimento (INCA, 2015).

São considerados como fatores de risco para o desenvolvimento dessa neoplasia: o envelhecimento, os fatores relacionados à vida reprodutiva da mulher, a história familiar de câncer de mama, o consumo de álcool, o excesso de peso, o sedentarismo, a exposição à radiação ionizante, a alta densidade do tecido mamário e a idade, que continua sendo um dos mais importantes fatores de risco (INCA, 2015). Contudo há estudos que destacam que a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, como o câncer de mama, afeta de forma mais intensa os pobres, por estarem mais expostos aos fatores de risco e por terem menor acesso à saúde e às demais políticas sociais (BRASIL, 2011).

O câncer de mama exige tratamento continuado e curso prolongado, que pode envolver diferentes modalidades terapêuticas, como cirurgia quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e cuidados paliativos (INCA, 2011) Ainda que o tratamento seja realizado no Sistema Único de Saúde, gratuito e universal, acaba onerando os usuários, suas famílias e/ou sua rede social de apoio, já que há custos agregados que reduzem a disponibilidade de recursos para necessidades, tais como alimentação, moradia, educação, entre outras, contribuindo para o seu empobrecimento (BRASIL, 2011).

Segundo a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros: a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais (BRASIL, 1990, grifo nosso). Além disso, a Constituição Federal de 1988 reconhece como direito sociais: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Apesar destes marcos legais, o direito à moradia não se encontra universalizado devido à desigualdade entre ricos e pobres no acesso à terra, como também ao alto custo da sua produção e manutenção, que empurra os pobres cada vez mais para as periferias, dando origem à questão social da moradia, ou como vem sendo denominada, a questão habitacional (LIMA & RODRIGUES, 2012; LIMA, 2004; PINTO, 2004/2005). Ao mesmo tempo, observa-se que há poucos estudos que discutem a relação entre saúde e moradia e, dentre os existentes, tal relação vem sendo abordada a partir do conceito de habitação saudável (COHEN, 2004a; 2004b; 2007; 2010; 2011), que atribui à moradia papel importante para a prevenção de risco ou agravo à saúde, estando relacionada não apenas ao seu espaço físico, de infraestrutura e de saneamento, mas, ao uso desse espaço e onde está situada, mas ainda limitados ao universo das doenças transmissíveis.

No campo da oncologia, a moradia vem sendo considerada relevante para o tratamento de apenas alguns tipos de câncer, como o de cabeça e pescoço, pois há grande incidência em usuários moradores de rua, bem como o de medula óssea, pois o usuário se torna imunosuprimido após o transplante. Contudo, observa-se que o elo entre saúde e habitação é relevante em todos os tipos, na medida em que o espaço urbano pode acarretar impactos, quando relacionado às possibilidades de acesso ao diagnóstico e às diferentes modalidades de tratamento. A partir de nossa atuação como assistentes sociais em um hospital de referência para o tratamento do câncer de mama, situado na cidade do Rio de Janeiro, foi possível observar como a questão habitacional vem afetando a qualidade de vida dos sujeitos com este tipo de neoplasia e, em alguns casos, impondo limites à realização do tratamento proposto.

Neste sentido, o artigo tem como objetivo discutir a importância da habitação no tratamento das usuárias com câncer de mama. Consiste no resultado de uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, tendo como procedimentos metodológicos pesquisa bibliográfica de produções relacionadas às temáticas de saúde, questão social, questão habitacional e habitação saudável, bem como pesquisa documental de legislações, planos e programas dos Governos Federal, Estadual e Municipal relacionados às políticas de saúde e de habitação, a partir dos quais foi realizada revisão crítica da literatura com base no método materialista histórico-dialético, que permite compreender a realidade através de suas múltiplas e contraditórias determinações, suscetíveis ao movimento da história e passíveis de transformação.

Para tanto, está organizado em quatro itens: o primeiro aborda o direito à moradia e a questão habitacional no Brasil; o segundo discute os nexos entre saúde e moradia; o terceiro aponta a questão habitacional se expressa no tratamento oncológico; o quarto apresenta algumas reflexões sobre a atuação frente a esta demanda, com vistas à atenção integral e intersetorial à pessoa com câncer de mama; e o último, as considerações finais.

Direito à moradia e questão habitacional no Brasil

Para Stefaniak (2010), moradia vem sendo historicamente entendida como sinônimo de habitação, residência, domicílio, entre outras expressões. Inclusive, habitação foi o termo escolhido para designar um dos direitos fundamentais previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem promulgada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948. Por outro lado, moradia foi o termo escolhido para designar um direito social incorporado tardiamente à Constituição Federal de 1988 (Art. 6º), através da aprovação da Emenda Constitucional nº 26/2000.

Contudo, o autor destaca que o termo moradia é mais adequado, pois expressa uma compreensão que ultrapassa a dimensão física, ao contemplar as dimensões econômica, social e cultural, dando um sentido ampliado à palavra. Assim, defende que a melhor conceituação de moradia é aquela definida pela Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Assentamenos Humanos, realizada em Instambul no ano de 1996:

Moradia adequada significa algo mais que ter um teto sob o qual abrigar-se. Significa também dispor de um lugar privado, espaço suficiente, acessibilidade física, segurança adequada, segurança da posse, estabilidade e durabilidade das estruturais, iluminação, calefação e ventilação suficientes, uma infra-estrutura básica adequada que inclua serviços de abastecimento de água, saneamento e eliminação de dejetos, fatores apropriados de qualidade do meio ambiente e relacionados com a saúde, e uma localização adequada e com acesso ao trabalho e aos serviços básicos (ONU apud STEFANIAK, 2010, p.241).

Neste sentido, compreendemos que o direito à moradia encontra-se relacionado às condições de acesso à terra, à infraestrutura, aos equipamentos e aos serviços urbanos e, portanto, um dos elementos que compõe a pauta do direito à cidade. De acordo com HARVEY (2014), o direito à cidade não se restringe ao acesso e ao uso da cidade enquanto obra acabada, mas ao direito do cidadão exercer poder sobre o processo de urbanização e, assim, decidir o destino da sua cidade. Ou seja, seguindo a tradição de LEFEBVRE (2008), um direito humano superior e, portanto, condição para realização de outros tantos direitos.

Importa lembrar que o país passou por um longo período de ditadura militar e, somente após a abertura democrática realizada na década de 1980, pode iniciar um processo de reformas, cujo ponto de partida foi a Constituinte de 1987, que resultou na Carta Magna de 1988. Apesar dos avanços legais alcançados naquela década, o país mergulhou na conjuntura da crise internacional durante década de 1990, tendo em vista a sua posição de país situado na periferia do capitalismo, para o qual passou a implementar medidas de caráter neoliberal.

Ainda que a questão de moradia esteja prevista como um dos direitos sociais na Constituição Federal, o que remete à idéia de que todos têm garantido o direito de pertencer à cidade em condições dignas de moradia, o acesso a esse direito não vem ocorrendo de forma igualitária. Embora a Constituição Cidadã tenha avançado ao incorporar um capítulo dedicado à política urbana (Art. 182º e 183º), estabelecendo que tanto a cidade quanto a propriedade devem cumprir sua função social prevista no instrumento democrático do plano diretor, não vem conseguindo confrontar os interesses econômicos do capital imobiliário.

Dessa maneira, observa-se que o direito à moradia encontra-se constrangido pelo valor que o cidadão é capaz de pagar pelo direito de viver “legalmente” na cidade, o que pressupõe uma relação direta com a propriedade privada (a dele ou a de outros), estabelecendo assim um claro recorte de classe. Este Fato torna a questão habitacional, uma das expressões da chamada questão social, muito mais aguda nas grandes metrópoles, como no caso da cidade do Rio de Janeiro. Por questão social entende-se as contradições resultantes da exploração do trabalho pelo capital, uma vez que, no modo de produção capitalista, a maioria da população produz riqueza para que apenas a minoria se aproprie dela. Na concepção de Iamamoto e Carvalho (1983):

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão (idem, p.77).

Ao utilizar esse entendimento sobre questão social, é possível considerar que a diferença a produção coletiva e a apropriação privada da riqueza é o que suscita as desigualdades no que se refere ao acesso a direitos, tais como o acesso à terra, à infraestrutura, aos equipamentos e aos serviços urbanos, dando origem a demandas oriundas da questão habitacional. Nesta linha de raciocinio, convem destacar o papel desempenhado pelo Estado burguês, garantindo a proteção, consolidação e expansão do modo de produção capitalista. Durante o capitalismo monopolista, o Estado ampliou suas funções e seu aparato, tendo em vista a o aumento da influência política do movimento da classe operária e a ampliação da legislação social, utilizando o fundo público tanto para a reprodução do capital, por exemplo, investimento em infraestrutura urbana, quanto para a reprodução da força de trabalho, por exemplo, investimento em políticas sociais (BEHRING, 1998). Contudo, no capitalismo tardio (ou maduro), o Estado incorporou também a função de administração das crises, através de um arsenal de políticas governamentais anticíclicas, inclusive políticas sociais. Porém, diferentemente do período anterior, busca-se a diminuição dos custos da reprodução da força de trabalho, através do corte de gastos com as políticas sociais e seu redirecionamento para a lógica do consumo, por exemplo, a opção pelos programas de transferência de renda (BEHRING, 2009).

Além disso, no atual contexto de Estado mínimo para o social e máximo para o capital, observa-se também a fragmentação e a focalização das políticas sociais, evidenciando o quanto o sistema de proteção social existente ainda é insuficiente para responder a complexidade da questão social, o que gera agravamento da pobreza e das desigualdades sociais (MONNERAT e SOUZA, 2014).

O papel do Estado brasileiro frente à questão habitacional na atualidade é bastante exemplar com relação ao que foi aludido nas linhas anteriores: o exercício do direito à moradia vem sendo garantido através do acesso à propriedade privada, portanto através de uma política habitacional direcionada para o consumo, fragmentada com relação às demais políticas sociais, e focalizada em um determinado segmento da população. A “solução” para o déficit habitacional existente não considera o perfil socioeconômico, as necessidades dos cidadãos de acesso à infraestrutura, aos equipamentos e aos serviços urbanos, e muito menos, sua participação efetiva na formulação e fiscalização desta política pública.

Segundo Lima (2012) as políticas nacionais de habitação tem, historicamente, buscando uma articulação entre o capital financeiro e imobiliário. Os recursos federais de financiamentos e subsídios para habitação concentram-se na produção e no consumo de uma mercadoria, fortalecendo a centralidade da propriedade privada no ideário da população brasileira. Neste sentido, o Programa Minha Casa Minha Vida revela e consagra essa tendência, que surge como tentativa de superação da crise econômica mundial de 2008, oriunda do boom econômico provocado pela expansão e a ampliação do credito imobiliário nos EUA.

O Programa Minha Casa Minha Vida, que tem como meta a construção de moradias para diferentes público-alvos que são atendidos por meio de empreendimentos habitacionais, na tentativa de acabar com o déficit habitacional. Atualmente, o programa se encontra em sua terceira fase de implementação, que prevê como beneficiários os cidadãos com renda mensal de até R$ 6.500,00[1] com prioridade para as famílias que residem em área de risco, insalubres ou que tenham sido desabrigadas bem como as famílias monoparentais chefiadas por mulheres e com pessoas com deficiência.

Muitas críticas têm sido tecidas por acadêmicos e militantes ligados, direta ou indiretamente, ao Movimento Nacional pela Reforma Urbana. A principal delas é que a política habitacional dos Governos Lula e Dilma consiste basicamente no Programa Minha Casa, Minha Vida, destacando que o mesmo está voltado prioritariamente à aquisição da casa própria pela classe média, reforçando a ideologia da propriedade privada mediante endividamento deste segmento da população. E que o programa atende principalmente aos interesses dos setores privados, buscando aumentar os investimentos e os lucros do capital imobiliário no país, a fim de combater os efeitos oriundos da crise econômica mundial.

Além de não contribuir para a reversão do déficit habitacional brasileiro, estes fatores representam a continuidade de uma política habitacional voltada apenas para os que podem vender e para os que podem pagar, em lugar dos que mais necessitam. Esses sujeitos permanecem tentando exercer o seu direito à moradia através: da ocupação de terrenos, prédios ou moradias que não cumprem função social e, algumas, em áreas com risco de desastres naturais; da autoconstrução de moradia durante seu tempo livre e com materiais improvisados; da coabitação familiar, muitas vezes sem vínculo de afeto ou solidariedade e, em alguns casos, com situações de violência, e da adesão involuntária ao ônus dos aluguéis, inflacionados pela transformação das cidades brasileiras em mercadoria, processo que Harvey (1986) denomina como empresariamento urbano[2].

A relação entre saúde e moradia

A atuação do Estado brasileiro sobre a questão habitacional brasileira tem suas raízes no elo entre moradia e saúde. As primeiras iniciativas, tanto em termos de política de saúde quanto de política urbana, tinham o propósito de higienizar e modernizar as cidades. Durante a colônia e o império, destaca-se a preocupação com a inspeção dos portos, o comércio de alimentos, o saneamento e o controle de endemias. E na República, a preocupação com a questão social, enfrentada através da repressão policial, códigos sanitários, campanhas sanitárias e reformas urbanas, tendo os pobres como principal alvo[3].

Nas últimas décadas foi construído um importante acúmulo de conhecimento na área da saúde, a partir do qual a saúde passou a ser compreendida enquanto resultado de diferentes fatores relacionados às condições de vida e trabalho dos sujeitos. Como um dos principais marcos de referência no país, podemos citar o Relatório Final da 8ª Conferencia Nacional de Saúde de 1986, que sintetizou o acúmulo dos movimentos sociais em torno da construção do conceito ampliado de saúde.

Esse documento foi a referência para a construção do conceito de saúde presente na Constituição Federal de 1988, no qual a saúde é reconhecida como direito do cidadão e dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas para redução do risco de doenças e agravos, garantindo ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Como também do conceito presente na Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8080/1990), que acrescenta a compreensão de que a saúde tem como determinantes e condicionantes a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, entre outros, expressando a organização social e econômica do País, dando origem ao Sistema Único de Saúde-SUS.

Estes marcos legais expressam o conceito ampliado de saúde, que busca a ruptura do modelo assistencial marcado pela medicina curativa, individual, assistencialista, que focava apenas na cura da doença. Como também, ponderar sobre as relações com a natureza, o espaço, o meio ambiente e o território, nos seus contextos sociais, culturais, políticos e econômicos (WUNSCH FILHO et al, 2008).

Mais recentemente, a relação entre saúde e moradia vem sendo contemplada a partir do conceito de habitação saudável, que atribui à moradia papel importante para a prevenção de risco ou agravo à saúde, como espaço de construção de saúde e de bem-estar das famílias. Portanto, a habitação saudável encontra-se relacionada não apenas ao seu espaço físico, de infraestrutura e de saneamento, mas ao uso que se dá a esse espaço e da localidade onde está situada (COHEN, 2004; COHEN et al 2004; 2007; 2010; 2011).

Para Cohen et al, o conceito de habitação saudável:

[...] está relacionado com o território geográfico e social onde a habitação se assenta, os materiais usados para a sua construção onde a habitação se assenta, os materiais usados para sua construção, a segurança e qualidade dos elementos combinados, o processo construtivo, a composição espacial, a qualidade dos acabamentos, o contexto global do entorno (comunicações, energia, vizinhança) e a educação em saúde ambiental de seus moradores sobre estilos e condições de vida saudável (Cohen,2003, p: 809)

Esse conceito encontra na promoção de saúde o espaço privilegiado para reflexão, tendo suas ações intersetoriais centradas, sobretudo, na atenção básica. Diversas instituições nacionais e internacionais têm chamado atenção para ações de vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental, pensando nos impactos ocasionados pelos ambientes na saúde dos sujeitos. Além disso, vêm fomentando o debate sobre os conceitos de

território de saúde na perspectiva de um olhar integral ao ambiente e sua totalidade, tendo como principal proposta o investimento de esforços e recursos voltados para programas como a Estratégia da Saúde da Família e a Rede Brasileira de Habitação Saudável.

Entretanto, o cerne deste paradigma encontra-se na promoção da saúde e para a prevenção de doenças infecto-contagiosas e, portanto, ainda encontra-se restrito à atenção básica. Dessa maneira, não contempla a esfera da recuperação da saúde, principalmente no que diz respeito às doenças crônicas não-transmíssiveis, que demandam ações intersetoriais no âmbito da atenção terciária. Assim, pretendemos ampliar o enfoque sobre a questão, ao considerar outros aspectos, tais como acesso à terra, produção de moradia, coabitação, localização, infraestrutura, acesso a equipamentos e serviços públicos etc. Compreendemos que estes aspectos podem interferir de diferentes formas no processo saúde-doença, influenciando o estado de saúde, o acesso oportuno ao diagnóstico e as possibilidades de adesão e de continuidade do tratamento da população. De acordo com Moken et al (2010), o espaço geográfico é considerado como lócus de interação entre a população específica que vive em tempo e espaço único, com suas necessidades de saúde específicas e os serviços de saúde que devem ser voltados para o atendimento dessas demandas.

A questão habitacional no tratamento oncológico

A produção do espaço urbano no país foi marcada por mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais, nas a condução do planejamento e da política urbana não contemplava os interesses do conjunto da população; ao contrário, priorizou os interesses dos proprietários de terras e do capital imobiliário. As atuação do Estado brasileiro tem buscado moldar o espaço urbano das cidades de modo a atender às necessidades da reprodução do capital e da força de trabalho. Por exemplo: o controle sobre o uso e ocupação do solo a partir da Lei de Terras de 1850, a remoção de moradias populares como os cortiços na década de 1920, as favelas até a década de 1970 e as ocupações até os dias atuais; e a ausência de políticas habitacionais para a classe trabalhadora durante toda história do país.

Observa-se que a desigualdade no acesso à moradia tem importante repercussões para as suas condições de vida e trabalho da maioria da população, contemplando vários aspectos da questão habitacional: a aquisição da terra da moradia ou sua autocontrução, a adequação aos padrões urbanísticos e/ou saudáveis, a regularização fundiária, a manutenção através de impostos e taxas, o custo relativo a compra ou aluguel, a localização no território, a infraestutura urbana, a acessibilidade, a mobilidade urbana, segurança pública, a coabitação familiar, o acolhimento/abrigo em razão de riscos ambientais ou sociais. Como também o acesso aos equipamentos, aos bens e aos serviços urbanos, dentre os quais, aqueles voltados para a atenção à saúde.

Dessa maneira, é fundamental recuperar alguns princípios presentes no texto da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), que destaca que a saúde é direito de todos e reforça o dever do Estado, mediante políticas econômicas e sociais para a redução de riscos e agravos à saúde, bem como para a garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, prevenção e recuperação da saúde, através da organização de uma rede regionalizada e hierarquizada, com vistas ao atendimento integral, intersetorial e participativo (BRASIL, 1988; 1990).

Um desses princípios, a regionalização de ações e serviços de saúde, possibilita a distribuição dos estabelecimentos de saúde em um dado território, organizados em níveis de complexidade diversificados em atenção primária, secundaria e terciária, objetivando oferecer uma cobertura de atendimento integral a população. Enquanto que a descentralização busca adequar as ações e serviços de saúde à realidade local, delimitando a base territorial de abrangência populacional e tranferindo a gestão do sistema de saúde para os municípios (PAIM, 2009; MOKEN, et al, 2010).

A atenção primária constitui a porta de entrada para o acesso e articulação de toda rede de atenção integral à saúde do cidadão, através da unidade básica de saúde de referência no teritório onde o usuário reside. Contempla os serviços de promoção e proteção da saúde, a prevenção de agravos e o tratamento, inclusive através da contrarreferência/regulação do acesso a outras unidades de saúde especializadas, de apoio diagnóstico e terapêutico, bem como internações eletivas. Esse nível de atenção tem como um de seus fundamentos o território de clientela adstrito para o planejamento, a programação e o desenvolvimento das ações a fim de garantir o acesso universal ao sistema único de saúde.

Entretanto, observa-se que a delimitação da área de abrangência dos equipamentos de saúde ainda tem ocorrido de maneira artificial, não considerando as relações sociais estabelecidas dentro do território, ao não incluir todos os moradores de determinadas localidades, estimular cisões até então inexistentes, ou mesmo aproximações incompatíveis entre os sujeitos. São alguns exemplos: a unidade básica de referência não é necessariamente a mais próxima do local de moradia do cidadão; ou está situada em localidade onde atua organização crimininosa (tráfico ou mílicia) diferente da que atua na localidade onde o usuário reside; ou não considera a migração pendular, temporária ou definitiva entre diferentes territórios da cidade, deixando a população trabalhadora e/ou sem comprovação de residência sem assistência.

Já a atenção secundária, contempla o atendimento ambulatorial especializado, com serviços de apoio diagnóstico e terapêutico. Desde os anos 2000, a principal forma de acesso a esses serviços vem ocorrendo pela regulação da assistência, estratégia de gestão implementada através de protocolos regionais e clínicos e do uso da tecnologia da informação para o atendimento oportuno às demandas dos usuários. Contudo, a regulação da assistência não vem sendo acompanhada pela ampliação dos serviços disponíveis e, portanto, tem se resumido à gestão de uma rede insuficiente e defasada diante das necessidades da população.

No que tange à atenção terciária, contempla o atendimento de recuperação da saúde, através de emergências, internações e serviços de maior complexidade tecnológica. Assim como a atenção secundária, está sujeita à regulação da assistência e dos limites que essa estratégia de gestão apresenta. Portanto, vem sendo desafiado cotidiamente pelo espaço e pelo tempo que o usuário leva da unidade básica de saúde até a unidade especializada, o que pode acarretar novas cormobidades ou impor limites à recuperação da saúde.

O padrão do planejamento urbano conduzido na maioria das cidades brasileiras, que tem priorizado o desenvolvimento econômico em lugar do desenvolvimento humano, tem resultado na concentração de infraestura, equipamentos e serviços urbanos em poucas áreas da cidade, sobretudo nas mais centrais. Portanto, não é de se estranhar o fato de que a maioria das unidades de saúde de alta complexidade voltadas para a assistência oncológica no Estado do Rio de Janeiro, estão situadas na capital e, em geral, nas áreas centrais dessa cidade.

De acordo com a homepage do INCA, no Estado do Rio de Janeiro há 25 serviços de assistencia oncológica no Estado do Rio de Janeiro, dos quais 2 são Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON)[4], 21 são Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), 2 são Hospitais Gerais com Cirurgia Oncológica[5] Desse universo, 13 serviços estão situados na cidade do Rio de Janeiro, dos quais os 2 CACON, 10 UNACON e 1 Hospital Geral com Cirurgia Oncológica[6].

É possível observar diferentes expressões da questão habitacional tomando-se como referência a atenção oncológica e, sobretudo aquela voltado ao câncer de mama, nas diferentes modalidades de seu tratamento, que podem ser divididas em tratamento local (cirurgia e radioterapia) e tratamento sistêmico (quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica). Sem qualquer propósito de esgotar a relação entre questão habitacional e tratamento oncológico ou estabelecer generalizações, serão apresentadas algumas delas.

O tratamento local pode contemplar a remoção do nódulo, do quadrante ou de toda a mama (mastectomia), bem como o esvaziamento axilar (linfanedectomia), podendo ser ainda complementado por radioterapia e por reconstrução mamária (INCA, 2011). Neste sentido, o saneamento ambiental é um item essencial à recuperação pós-operatória, pois a área abordada necessita de troca diária de curativo, esvaziamento de seroma do dreno, entre outras condutas, como vistas a uma melhor recuperação, bem como a uma diminuição da vulnerabilidade a outras doenças.

O saneamento ambiental está relacionado a ações que são desenvolvidas no ambiente com o objetivo de proteger a saúde do sujeito. Abrange os serviços de abastecimento de água, coleta, de tratamento e disposição de esgotos sanitários, de coleta de lixo e demais resíduos sólidos oriundos de atividades domésticas e/ou industriais, e de controle de empoçamentos e inundações (BOLOVATO, 2010). Segundo dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística-IBGE, 98% da população brasileira possui acesso à água potável, entretanto, 17% do total de domicílios existentes possui água sem canalização interna, cujo fornecimento é oriundo de outras fontes. Além disso, algumas áreas ainda não possuem serviços regulares de água e esgoto ou de lixo e resíduos sólidos, sendo muitas vezes necessário recorrer a serviços privados. Estes serviços são essenciais para que evitar a exposição a vetores, animais peçonhentos e insetos relacionados a doenças transmissíveis, como por exemplo, a miíase[7].

Outro aspecto relacionado à recuperação pós-operatória é a restrição da mobilidade, permanente ou temporária, devida a sequelas ou comorbidades resultantes do próprio tratamento, e que podem afetar a funcionalidade e a capacidade de realizar tarefas de modo independente. Em alguns tipos de cirurgia, como por exemplo, o esvaziamento axilar, os usuários podem enfrentar dificuldades para a realização de tarefas da vida diária, por exemplo, realização de atividades domésticas, cuidados de terceiros, trabalhos manuais, utilização do transporte público coletivo etc. Essas dificuldades podem estar relacionadas ao acometimento de edema ou linfedema, comorbidade resultante da interrupção da cadeia linfática, que pode ocasionar um aumento significativo nos membros superiores, em alguns casos irreversível.

A restrição à mobilidade pode afetar diferentes dimensões da vida dos adoecidos crônicos. Do ponto de vista da sua inserção no espaço urbano, a restrição à mobilidade também vem sendo potencializada pela inadequação do serviço de transporte público frente às necessidades desses sujeito que, na maioria das cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro, está organizada basicamente a partir do modal ônibus. Ainda que esse modal contemple, em alguma medida, as necessidades das pessoas com deficiencia, não garante a acessibilidade das pessoas com doenças crônicas, como as que realizam tratamento para cancer de mama que apresentam riscos, complicações ou agravos resultantes do tratamento ou do estádio avançado da doença como, por exemplo, no caso da fratura patológica em sujeitos com metástase óssea.

Cabe destacar que a acessibilidade não se restringe ao aspecto físico da questão, mas também ao aspecto social, cultural e econômico; envolve desde a compreensão sobre a doença e o tratamento proposto, como a disponibilidade de renda para sua efetivação (BRANDT, 2014a). Durante a radioterapia, tratamento muitas vezes complementar à cirugia e que exige frequência diária à unidade de saúde por semanas, esta questão assume grande expressão, haja vista as dificuldades enfrentadas para a obtenção da gratuidade nos serviços de transporte público, um direito das pessoas com doenças crônicas, cuja legislação carioca vem impondo limites ao estabelecer critérios clínicos, econômicos e rotinas burocráticas que restringem o acesso dos usuários (BRANDT, 2014b).

Nas diferentes etapas do tratamento oncológico, a moradia constitui um importante recurso social na vida dos sujeitos adoecidos e do seu núcleo familiar, independente de ser tratar de moradia individual, coletiva, própria, alugada, ocupada ou temporária. Contudo, nos momentos de crise econômica, pode ser ameçada por desemprego, desfasagem salarial, custo do financiamento, dos aluguéis, da manutenção de impostos e taxas, e retração do Estado nas políticas sociais. E somados aos custos da reprodução, estão os custos agregados ao tratamento, por exemplo, as adaptações da moradia às novas necessidades do adoecido, a necessidade de cuidador formal ou familiar em tempo integral, o uso de transporte particular adaptado etc. Por mais que seja realizado em uma unidade de saúde pública, os custos agregados acaba onerando e reduzindo a disponibilidade de recursos para necessidades básicas, contribuindo para o seu empobrecimento desses sujeitos.

Diante da ausência de uma política habitacional voltada para as necessidades da classe trabalhadora, uma alternativa encontrada pelos usuários tem sido a coabitação familiar nos mais diferentes tipos de moradia. Alguns deles apresentam alta densidade populacional, fruto de impactos economicos ou de arranjos familiares oriundos de uniões ou vínculos afetivos/solidários. Esta questão acaba influenciando a caracterização quanto à composição familiar ou das redes de apoio e/ou cuidados frente ao tratamento e, em alguns casos, constrangendo o acesso a políticas sociais utilizam a renda familiar como um de seus critérios de acesso, como por exemplo, benefícios assistenciais (BPC/LOAS) e de gratuidade no transporte (Riocard Especial).

Percursos da atenção integral e intersetorial

É necessário ampliar o olhar sobre as demandas dos usuários em tratamento de doenças crônicas não-transmissíveis para além do modelo biológico, entendendo o homem como sujeito que necessita de cuidado integral, através de ações conjugadas que materializem a saúde como direito e como serviço. Nesse sentido, ganha relevância o conceito de integralidade, um dos princípios do SUS, que considera que as ações relacionadas à prevenção, à promoção, à manutenção e à recuperação da saúde não sejam reduzidas ao atendimento das questões biológicas, mas sim, que contemple o conjunto das necessidades dos cidadãos, superando a fragmentação das atividades existentes no interior das unidades de saúde (PINHEIRO, 2008). Para tanto, é necessário que a equipe multiprofissional compreenda a realidade destes usuários e atue em conjunto para atender às múltiplas necessidades individuais ou coletivas dos usuários e dos seus familiares. E, dessa maneira, articule um conjunto de conhecimento e competências presentes em áreas de saberes distintas, com projetos de intervenção profissional diferenciados uns dos outros, mas que se complementam, através do trabalho coletivo e interdisciplinar.

Vale ressaltar que para a universalização do acesso, bem como da permanência dos usuários no sistema único de saúde é necessário compreender que a integralidade não ocorre apenas no interior das unidades de saúde, mas de forma articulada às demais políticas setoriais, para a atenção ao sujeito em sua totalidade. Para tanto, torna-se fundamental a unidade entre os diferentes sujeitos e saberes, em diferentes políticas públicas e níveis de governo, com vistas à materialização do conceito de integralidade, que deve ser entendida como “uma nova possibilidade para resolver os problemas que incidem sobre uma população em um determinado território [que] (…) aponta para uma visão integrada dos problemas sociais e também para a sua solução” (JUNQUEIRA, 2000, p. 42). Assim, a integralidade “ganha o sentido mais ampliado de sua definição legal, concebida como uma ação social que resulta da interação democrática entre os atores no cotidiano de sua atenção ao sistema” (PINHEIRO, 2008).

Os assistentes sociais que atuam na área da saúde devem orientar seu trabalho profissional em seis grandes eixos de ações: assistenciais; em equipe; socioeducativas; mobilização, participação e controle social; investigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profissional (CFESS, 2010). Assim, uma das ações desenvolvidas pelo assistente social em uma unidade de saúde consiste em prestar orientações quantos aos direitos e políticas sociais, assim como os caminhos a serem percorridos pelos usuários para o seu pleno exercício, com vistas ao alcance de condições mais dignas para o enfrentamento do processo saúde-doença. Entretanto, no exercício do seu trabalho profissional, o assistente social esbarra nos limites impostos pelo modelo de proteção social ainda restrito ao tripé da Seguridade Social: Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Nesse sentido, há que se buscar a aticulação entre políticas econômicas e sociais para a redução de riscos e agravos e atenção integral à saúde, o que pressupõe, por exemplo, contemplar a Política Urbana em seu conjunto: Planejamento Urbano e Acessibilidade, Habitação, Mobilidade Urbana e Saneamento Ambiental.

Nessa direção, cabe destacar a importância dos direitos sociais das pessoas com deficiência e (algumas) doenças crônicas que estão relacionados à política urbana, como importantes instrumentos para o exerício do direito à saúde, à moradia e à cidade. Por exemplo: isenção de Imposto de Propriedade Territorial (IPTU), isenção da Taxa de Incêndio no município do Rio de Janeiro, quitação do financiamento da casa própria em caso de invalidez, Riocard Especial e Vale Social. Eles fazem parte do repertório de orientações dos assistentes sociais que atuam na unidade de saúde que foi campo de estudo e prática onde foi desenvolvido o presente estudo (INCA, 2012). Contudo, o acesso aos direitos em razão de uma condição crônica de saúde encontram-se limitados por critérios de elegibilidade alheios à condição de saúde, como por exemplo, a necessidade de comprovação da existência de invalidez após o início da doença. Há que se ressaltar que as doenças crônicas não transmissíveis e, particularmente o câncer, não são consideradas como deficiência, apresentando restrições relacionadas a perda de funcionalidade e capacidade.

Há de se considerar também que o acesso ao tratamento de saúde ocorre de forma distinta entre os usuários com moradia na cidade do Rio de Janeiro e aqueles com moradia nos demais municípios do Estado que realizam o tratamento em uma mesma unidade de referência. Ora, ainda que a equidade seja preconizada como um dos principio do SUS, na prática traz implicações para a adesão ao tratamento proposto. Além disso, o acesso a tais direitos vem sendo burocratizado devido à necessidade de cadastro prévio, inclusive em sistemas informatizados da assistência e da saúde, devido à demora na análise dos pedidos e renovações e na emissão dos cartões magnéticos e devida à definição de outros critérios que não a doença crônica para a concessão das gratuidades (Brandt, 2014a)

Entendemos que para que se contemple o atendimento dessa demanda em sua totalidade é necessário que ocorra uma ação intersetorial entre as políticas públicas. Junqueira (2000) considera que ação intersetorial é a solução para a resolução dos problemas de forma integrada que existam na população de um território específico, enquanto Monnerat (2011) destaca que a intesetorialidade busca a construção de interfaces entre setores e instituições dentro ou fora do governo, para o enfrentamento de problemas sociais complexos que ultrapassem a alçada de um só setor de governo ou área de política pública.

Contudo, ainda há um longo percurso para a superação da fragmentação entre as as diferentes políticas públicas setoriais. Observa-se que cada política se desenvolve e se configura de forma autônoma e, quando há “interseção” entre as mesmas, ainda não contemplam o atendimento de toda a demanda apresentada.No Brasil, essa articulação está fundamentada principalmente no tripé da Seguridade Social formada pelas políticas de Saúde, Assistência Social e Previdência Social. No entanto, mesmo essa articulação ainda é insuficiente para o atendimento de todas as necessidades sujeitos, entendendo o homem como sujeito que necessita assistência integral, onde suas demandas não se dicotomizam.

Considerações Finais

A moradia é um dos fatores determinantes e condicionantes da saúde, como também um direito social expresso na Constituição Federal de 1988. Apesar desses marcos legais, o direito à moradia ainda não se encontra universalizado, devido à desigualdade entre ricos e pobres no acesso à terra, ao alto custo da produção e da manutenção da moradia e ao papel do Estado, que prioriza o desenvolvimento econômico em lugar do desenvolvimento humano.

A relação entre moradia e saúde pode ser observada através da própria atuação do Estado brasileiro ao longo da história do país, a partir de políticas públicas voltadas para higienizar e modernizar as cidades. Na atualidade, busca-se dar um outro sentido a essa relação, sobretudo através do conceito de habitação saudável. Contudo, observa-se que essa paradigma ainda se encontra restrito ao universo da atenção básica, o que torna necessária a discussão dessa temática, a fim de contemplar os demais níveis de atenção.

A inserção em uma unidade de saúde de nível terciário permitiu observar as diferentes formas como a questão habitacional pode impactar a vida dos sujeitos com câncer de mama, desde o acesso ao diagnostico até a adesão ao tratamento. Por exemplo, podemos citar as dificuldades de acesso ao tratamento de saúde, devida aos altos custos do transporte individual ou coletivo, ou aos longos deslocamentos entre a moradia e a unidade de saúde. Também as dificuldades diante dos altos custos das moradias que reduzem a disponibilidade de recursos financeiros das famílias para outras necessidades básicas. E ainda, a ausência de infraestrutura urbana ou de saneamento básico interfere na recuperação da saúde, na continuidade do tratamento e, sobretudo, no uso do espaço urbano enquanto manifestação do direito à cidade e à saúde.

A fragmentação e a focalização das políticas sociais públicas na atualidade evidencia como o sistema de proteção social brasileiro permanece desarticulado em suas diferentes esferas de governo e insuficiente para dar respostas à multiciplidade das demandas das pessoas com doenças crônicas não transmissíveis. Ainda que exista alguns direitos sociais relacionados as condições de moradia para acesso das pessoas com deficiência ou doenças crônicas, observa-se que há critérios de elegibilidade que acabam restringindo o acesso da população a estes benefícios.

Entendemos que para que se contemple o atendimento dessa demanda em sua totalidade é necessário que ocorra uma ação intersetorial entre as políticas públicas. Observa-se que na atualidade cada política se desenvolve e se configura de forma autônoma e, quando há “interseção” entre as mesmas, ainda não contemplam o atendimento de toda a demanda apresentada. Para a reversão desse quadro, defende-se uma abordagem multiprofissional na saúde que contemple a moradia como um dos fatores determinantes e condicionantes. Como também, que esteja baseada no prossuposto da intersetorialidade entre as políticas públicas, enquanto elemento estruturante da integralidade da saúde do sujeito.

A moradia constitui uma variável importante, a ser considerada na definição do plano de cuidado do usuário, bem como na formulação de políticas públicas voltadas para a atenção integral e intersetorial à saúde da população. Abordar essa relação a partir do cotidiano de tratamento de uma doença crônica não transmissível como o câncer de mama permite um olhar diferenciado sobre a questão, já que a moradia não constitui diretamente um fator de risco ou agravo para esta doença, mas a questão habitacional, sim. Acredita-se que o presente trabalho poderá contribuir para novas pesquisas sobre os impactos da moradia no tratamento, bem como para novos estudos que contemplem os demais níveis de atenção à saúde.

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[1]Conforme informações disponíveis na homepage da Caixa Econômica Federal, os beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida encontram-se divididos nas seguintes faixas de renda: 1) renda até R$ 1.800; 2) renda de R$ 1.800 a R$ 2.350; 3) renda de 2.350 a R$ 3.600 e 4) renda de R$ 3.600 a R$ 6.500.

[2] Para Harvey (1996) o empresariamento urbano consiste em uma estratégia de competição internacional conduzida por governos locais através do chamado city marketing, pelo qual buscam explorar as vantagens da cidade e atrair investimentos via parcerias público-privadas.

[3] A campanha de vacinação obrigatória contra a varíola proposta por Oswaldo Cruz, deu origem à manifestação popular denominada de “Revolta da Vacina”, e a reforma urbana do Prefeito Pereira Passos, conhecida como “Bota Abaixo”, que expulsou os pobres das áreas centrais para os subúrbios e deu origem às favelas.

[4]A Portaria nº 140 de 27 de fevereiro de 2014 define que os CACON são responsáveis por oferecer formação profissional e realizar consultas e exames para acompanhamento, diagnóstico definitivo de câncer e tratamento por cirurgia, radioterapia, oncologia clínica e cuidados paliativos a todos os tipos de câncer.

[5]A Portaria nº 140 de 27 de fevereiro de 2014 define que os UNACON são responsáveis por consultas e exames para acompanhamento, diagnóstico de câncer e tratamento por cirurgia, oncologia clínica e cuidados paliativos aos cânceres mais prevalentes no Brasil e pela referência formal para radioterapia de seus usuários.

[6] De acordo com a homepage do INCA, além dos 13 serviços situados no Rio de Janeiro, há 3 em Campos dos Goytacazes, 2 em Niterói, 2 em Volta Redonda, 1 em Cabo Frio, 1 em Itaperuna, 1 em Petrópolis, 1 em Teresópolis e 1 em Vassouras.

[7]A miíase é uma enfermidade que ocorre quando larvas de moscas acometem tecido cutâneo, podendo ocasionar também em espécie humana. Seu aparecimento é mais comum em moradores de zonas rurais. Já nas regiões urbanizadas, a miíase se desenvolve em pessoas que as condições habitacionais são precárias.

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