Processo nº - Portal do Ministério Público do Estado de ...



EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE GOIÂNIA, DO ESTADO DE GOIÁS

Distribuição urgente, pedido liminar

Preferência na tramitação – acima 60 anos

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, CNPJ nº 01.409.598/0001-30, por seu promotor infra signatário, em substituição processual ao Sr. ALAOR SOARES DE ANDRADE, 61 anos de idade, aposentado, nascido aos 29.04.1949, portador da Cédula de Identidade nº 238517 SSPGO, CPF nº 096.038.591-68, telefones de contato (62) 9972-3500, residente e domiciliado à Rua 33,A nº 145 St. Aeroporto, Goiânia-GO, com fulcro nos preceitos cingidos pelos arts. 127, 129, III e 196, todos da Constituição da República; pelo art. 25, IV, al. “a”, da Lei nº 8.625/93; pelo art. 46, VI, al. “a”, da Lei Complementar do Estado de Goiás nº 25/98; Lei nº 8.078/90 (CDC); Lei nº 10.741/03; e pela lei do mandado de segurança nº 12.016, de 07 de agosto de 2009, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, IMPETRAR

MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR,

face a ato abusivo e lesivo a direito e líquido e certo praticado pelo Dr. SIZENANDO DA SILVA CAMPOS Jr., DD. Diretor-Presidente da UNIMED GOIANIA-COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO Av. T-7, esquina com Av. T-1, n.º 650, Pça Gilson Alves Sousa, Setor Bueno, Nesta., pessoa jurídica de direito privado, CNPJ nº 024760670001-22 ,telefone (62) 3216-8000, consoante fundamentos de fato e de direito que passa a discorrer:

I - DOS FATOS

O senhor Alaor Soares de Andrade, portador de linfoma não Hodgkin difuso (CID 10 C83.0), conforme relatório médico anexo. Assiste-lhe a Dra. Renata Zanzoni Rodrigues CRMGO 9090, cooperada da UNIMEDde Radioterapia, Oncologia e Mastologia - CEBROM.

Em decorrência do diagnóstico, foi prescrito ao paciente tratamento quimioterápico com o uso dos medicamentos Mabthera (Rituximab) 500mg e Ciclofosfamida, 800mg por 06(seis) ciclos. Cada ciclo quimioterápico está orçado no valor aproximado de R$ 8.000,00 (oito mil reais).

O idoso é segurado da UNIMED-NITEROI, apesar de ser morador do município de Goiânia. Acontece que por ser funcionário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE a instituição centralizou o seguro saúde na Unidade carioca

Com seu quadro tento se agravado, o paciente fora internado no Hospital Santa Helena para tratamento, quando sua médica assistente prescreveu a medicação pertinente. Ato contínuo, foi solicitado pelo próprio profissional à UNIMED (guia em anexo) dia 08.10.10, sendo que até o presente momento não houve qualquer resposta.

Irresignada com a negativa do Órgão, compareceu ao Ministério Público em 12/10/2010, o senhor JOSÉ SOARES (termo de declarações anexo), neto da substituída, narrando a este Parquet o ato abusivo oriundo da UNIMED, clamando pela liberação do tratamento que fora prescrito ao seu irmão.

Consigne-se que a substituída é aposentada e possui renda mensal de R$ 765,00 (setecentos e sessenta e cinco reais) para arcar, mensalmente, com sua subsistência.

Além das despesas com o plano de saúde e os cuidados contra a doença, a idosa ainda possui gastos com medicamentos, transporte e alimentação.

A paciente já iniciou o seu tratamento, tendo custeado os primeiros ciclos quimioterápicos mediante grande sacrifício patrimonial, utilizando-se de recursos próprios e com a ajuda de amigos e familiares. Entretanto, ainda precisa ser submetida a outras sessões de quimioterapia, não possuindo mais disponibilidade financeira para dar continuidade ao tratamento. Sua renda encontra-se totalmente comprometida.

Por esta razão, necessária se faz a concessão da medicação prescrita pela médica, já que o contrato de seguro contratado prevê o atendimento completo ao segurado.

Ressalte-se que a doença instalada na substituída em muito lhe subtrai as últimas forças física e espiritual, a resistir ao forte ataque neoplásico. Associa-se a todo este quadro desesperador, a idade avançada do idoso – 61 anos.

II - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A) LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição da República incumbe ao Ministério Público o dever de defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e, mais ainda, explicita como uma de suas funções institucionais o zelo pelo efetivo respeito pelos Poderes Públicos aos direitos assegurados nessa norma fundamental (arts. 127, caput, e 126, inc. II, CF).

De outro modo não poderia dispor nossa Lei Complementar nº 25/1998, do Estado de Goiás o preceito constitucional, verbis:

Art. 58 – Além das atribuições previstas na Constituição Federal, na Constituição Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em outras leis, compete aos Promotores de Justiça:

(…) XV- atuar como substituto processual, na defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis, bem como aos hipossuficientes, nos casos previstos em lei; (…)

Art. 91 – São deveres do membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei:

(…) XVI – atuar como substituto processual, na defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis, bem como aos hipossuficientes, nos casos previstos em lei e atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes, prestando-lhes orientação jurídica; (...)

Portanto, esta é a posição central do Ministério Público no sistema de tutela dos interesses difusos e coletivos, entre eles, o direito fundamental à saúde, consagrado pela Constituição Federal (art. 129, II e 197) e levado a cabo por outras legislações, como, por exemplo, a Lei Complementar nº 25/1998 do Estado de Goiás.

E não apenas a lei e o texto constitucional respaldam essa legitimidade. Destarte, não se pode olvidar, a jurisprudência tem seguido nessa direção. Senão, vejamos:

Ementa: LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIO PELO ESTADO. O Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada. (STF. RE 407902/RS. Relator(a): MARCO AURÉLIO. Julgamento: 26/05/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-162 DIVULG 27-08-2009 PUBLIC 28-08-2009. EMENT VOL-02371-04 PP-00816. RF v. 105, n. 405, 2009, p. 409-411) Grifo nosso.

A Lei nº 10.741/03, reconhecendo a vulnerabilidade da pessoa idosa, garante a atenção especial quando se trata dos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, traz mecanismos para o Ministério Público buscar a efetividade destes direitos, ver arts. 15 e 74 e ss., do mencionado Estatuto do Idoso, respectivamente.

B) SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

Proclama a Constituição Federal, em especial nos seus arts. 1º, inciso III e art. 6º, o enquadro do direito à saúde no âmbito dos direitos sociais. Os direitos sociais são fruto da constatação de que a liberdade, preconizada pelos direitos fundamentais de primeira dimensão, só é passível de concretização se enxergada sob o olhar da igualdade. Mais que isso, os direitos sociais são resultado do reconhecimento da extrema desigualdade financeira da nossa população.

Porquanto consistem em prestações materiais, requerem ações positivas do Estado, materializadas em políticas públicas voltadas a desnivelar as desigualdades sociais.

Pontue-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal atribui ao direito à saúde o aspecto de essencialidade, tendo em vista seu teor indisponível e inerente à vida humana. Ilustre-se, a seguir, com julgado paradigmático nesse sentido:

EMENTA: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO. PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196). PRECEDENTES (STF). RE CONHECIDO E PROVIDO.

(…) O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República.

O sentido de fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.

Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais – que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) –, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. (...) (RE 393175-RS, STF-Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello) Grifo nosso

Não é demais lembrar que a idosa substituída filiou-se ao plano de saúde IPASGO para obter cobertura de despesas na assistência à saúde quando necessário fosse. Hoje, contrariando o disposto nos julgados deste Tribunal e Resolução 167, do colegiado da Agência Nacional de Saúde Suplementar, criada pela Lei nº 9.656/98, insiste em impor barreiras para não honrar sua obrigação no contrato, com inserção desta cláusula abusiva da co-participação.

A existência da co-participação nos tratamentos de alto custo, como radioterapia ou quimioterapia, beira a má-fé. Contraria a boa-fé objetiva que se espera nas relações de consumo. O estado não está obrigado a criar ou oferecer “planos de saúde”, mas quando o faz, submete-se às regras da ANS e da Lei nº 9.656/98. Assim, jamais poderá estabelecer regras de exceção, como pretende in casu, sob pena de transformar seus planos em réplica do SUS.

Se investissem Estado e Municípios com vigor no SUS, jamais criariam planos de saúde ou incentivariam seus servidores, dependentes e agregados a filiarem-se, para, depois, criarem os mesmos entraves de acesso ao serviço público de assistência à saúde.

Temos aqui uma lógica perversa de exclusão ou engodo, dada a baixa remuneração dos filiados ao Instituto de Saúde gerido pelo Estado (IPASGO) ou Institutos Municipais de Saúde (IMAS), que, às duras penas, mal conseguem pagar as mensalidades.

Infeliz surpresa ocorre ao descobrirem que existe “co-participação” em procedimentos de alto custo. Logo, impossível se torna o recolhimento antecipado aos cofres do IPASGO, neste caso, no valor de R$ 2.672,72 (dois mil seiscentos e setenta e dois reais e setenta e dois centavos), para cada ciclo de quimioterapia, quando, então, ao ouvirem a resposta de que não dispõem do valor para recolher, são orientados laconicamente a procurarem assistência na rede SUS.

C) DA RELAÇÃO DE CONSUMO

A prestação de serviço público de saúde pelo regime de filiação facultativa, ainda que exercida por entidade de natureza jurídica pública, é regida pelas diretrizes do Código de Defesa do Consumidor.

De um lado, o IPASGO, entidade responsável pela prestação do serviço e, de outro, o segurado, que custeia o funcionamento do sistema, através de contribuições periódicas, cuja cota de participação é paga mensalmente sob pena de sequer conseguir a “guia” de autorização para realizar até mesmo consulta ambulatorial.

Alinha-se a tal concepção o ilustre entendimento jurisprudencial:

DIREITO CIVIL. PLANOS DE SAÚDE. COBERTURA. LIMITAÇÃO CONTRATUAL/ESTATUTÁRIA AO NÚMERO DE SESSÕES DE QUIMIOTERAPIA. IRRETROATIVIDADE DA LEI Nº 9.656/98. RELAÇÃO DE CONSUMO. NATUREZA JURÍDICA DA ENTIDADE. DESINFLUÊNCIA. ABUSIVIDADE DA RESTRIÇÃO.

I – A relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, no caso a cobertura médico-hospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano de saúde remunerado (REsp 469.911/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJe 10/03/2008).

II – Reconhecida a incidência do Código de Defesa do Consumidor, impende reconhecer, também, a abusividade da cláusula contratual/estatutária que limita a quantidade de sessões anuais de rádio e de quimioterapia cobertas pelo plano. Aplicação, por analogia, da Súmula302/STJ. Recurso Especial a que se nega provimento. (Resp 1115588-SP,STJ,Terceira Turma,Rel. Min. Sidnei Beneti, DJU 16/09/2009).

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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. RELAÇÃO DE CONSUMO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. RECUSA DE IMPLANTAÇÃO DE STENTS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DESPESAS ARCADAS PELO AUTOR. DANO MATERIAL E MORAL. CABÍVEIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO.

I. A relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, no caso a cobertura médico-hospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano de saúde remunerado. (STJ, 4T, REsp 469.911/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, j 12.02.2008, DJ 10.03.2008). (…) ( AC 33362008 MA, TJMA, São Luís, Rel. Des. Antônio Guerreiro Júnior, DJU 23/09/2008).

Resta demonstrada, portanto, a configuração de relação de consumo, devendo todo o regramento concernente ao IPASGO submeter-se ao jugo do Código de Defesa do Consumidor, inclusive no que tange à abusividade das cláusulas contratuais.

Ressalte-se que há, no exame desta causa, a ampla incidência do princípio da boa-fé objetiva, um dos corolários de maior relevância no âmbito do direito privado.

A boa-fé objetiva é, talvez, o mais importante princípio do direito contratual contemporâneo. Da boa-fé objetiva decorre o dever de cooperação. Surgem, a cada dia, inovadores e bem articulados estudos e monografias a propósito dela.

Pondera Paulo Luiz Netto Lobo:

Além dos tipos legais expressos de cláusulas abusivas, o Código de Defesa do Consumidor fixou a boa-fé como cláusula geral de abertura, que permite ao aplicador ou intérprete o teste de compatibilidade das cláusulas ou condições gerais dos contratos de consumo. No inciso IV do art. 51, contudo, a boa-fé está associada ou alternada com a equidade (‘... com a boa-fé ou a equidade’) (Deveres Gerais de Conduta nas Obrigações Civis, in Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005, p. 80).

O que vem a ser a boa-fé objetiva? É o dever, imposto a quem quer que tome parte na relação negocial (fornecedor), de cooperar para o bom termo da relação obrigacional, de agir com lealdade, abstendo-se de condutas que possam esvaziar as legitimas expectativas da outra parte (consumidor), evitando práticas que importem abusos ou lesões a direitos.

A jurisprudência tem desenvolvido, em inúmeros casos, o conteúdo do princípio. Veja-se, como exemplo:

A empresa que explora plano de saúde e recebe contribuições de associado sem submetê-lo a exame, não pode escusar-se ao pagamento da sua contraprestação, alegando omissão nas informações do segurado (STJ, REsp. 229.078, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 09/11/99). Grifo nosso.

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O simples atraso no pagamento de uma das parcelas do prêmio não se equipara ao inadimplemento total da obrigação do segurado, e, assim, não confere à seguradora o direito de descumprir sua obrigação principal, que, no seguro-saúde, é indenizar pelos gastos despendidos com tratamento de saúde (STJ, Resp. 293.722, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3 T., j. 26/03/01, p. DJ 28/05/01)

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Os princípios da boa-fé e da confiança protegem as expectativas do consumidor a respeito do contrato de consumo (STJ, Resp. 590.336, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 07/12/04, p. DJ 21/02/05)

Contrariando o princípio da boa-fé, aliás sem lhe demonstrar nenhuma reverência, o IPASGO negou à substituída o tratamento que lhe foi prescrito, inclusive violando o que tem entendido a jurisprudência do nosso Tribunal acerca da ilegalidade na cobrança da co-participação.

Fica patente, diante disso, a abusividade da negativa do IPASGO em liberar o tratamento à Sra. Zofia Rosiak sem a co-participação e a necessidade de intervenção desse juízo para que o direito em comento não seja violado.

D) DO DIREITO À ISENÇÃO À CO-PARTICIPAÇÃO

Nesse diapasão, é imperioso perscrutar sobre o que dispõe o art. 12, § 7º, da Lei Estadual nº 14.081/02, cuja transcrição se faz importante, a fim de se analisar com detalhes o que traz seu conteúdo:

Art. 12 O Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de Goiás – IPASGO SAÚDE – consiste na cobertura das despesas decorrentes dos procedimentos previstos em tabelas próprias do Instituto para os atendimentos médicos, ambulatoriais, hospitalares, odontológicos, psicológicos, fonoaudiológicos, nutricionais e fisioterapêuticos, bem como dos atos necessários ao diagnóstico e ao tratamento prestados aos usuários do sistema, na forma que vier a ser estabelecida em Regulamento.

(...)

§ 5º O usuário do sistema IPASGO SAÚDE contribuirá com uma parte das despesas com consultas, exames complementares, serviços ou procedimentos especiais realizados em âmbito ambulatorial, a título de co-participação, em percentual de até 30% (trinta por cento) do valor de tabela de procedimentos do IPASGO.

§ 6º Ressalvado o disposto no § 7º, a co-participação pode ser reduzida, nos casos de tratamentos crônicos e onerosos, assim definidos em ato normativo interno, para o servidor público estadual ativo ou inativo e seus dependentes do grupo familiar, após avaliação sócio-econômica caso a caso, levando-se em consideração, entre outros fatores, a renda familiar e o valor das despesas do titular, conforme procedimento administrativo constante do Programa de Apoio Social, instituído para atendimento exclusivo ao servidor público estadual.

§ 7º O benefício da redução do valor da co-participação não alcança o dependente do usuário de que trata o § 6º inscrito por tabela de cálculo atuarial, bem como os usuários inscritos na condição de ex-servidores, de conveniados e todos os respectivos dependentes.

E mencione-se, ainda, fragmentos da Instrução Normativa nº 15/03, que regulamenta a aplicação dos dispositivos supra:

Art. 2º Poderão ser inscritos no Programa de Apoio Social – PAS, do Ipasgo Saúde, com a finalidade de obtenção da redução ou isenção da co-participação devida ao Instituto os segurados das seguintes categorias:

I - servidores estaduais ativos;

II - servidores estaduais inativos e seus pensionistas;

III - pensionistas vítimas do Césio 137.

§ 1º Ao grupo familiar dos segurados mencionados no caput é permitida a inscrição no PAS, com vistas à obtenção do benefício de que trata a presente instrução.

§ 2º O grupo familiar do segurado regularmente inscrito no PAS abrange exclusivamente:

I - o cônjuge ou companheira (o);

II - os filhos menores de 18 (dezoito) anos;

III - o filho solteiro maior universitário, menor de 23 (vinte e três) anos;

IV – o filho solteiro maior de 18 (dezoito) anos, inválido ou incapaz, desde que a invalidez ou incapacidade tenha ocorrido até o atingimento dessa idade.

(...)

§ 4º Não será permitida a inscrição no PAS de usuários titulares conveniados, ex-servidores e respectivos dependentes, bem como de todos aqueles usuários ou dependentes que contribuem com base em tabela de cálculo atuarial, excepcionado o disposto no § 6º.

(...)

Art. 3º O benefício de redução ou isenção, concedido pelo PAS, alcança somente os procedimentos e exames complementares de beneficiários do IPASGO SAÚDE relativos:

I - aos portadores das seguintes patologias:

a) neoplasias malignas;

b) insuficiência renal crônica;

c) imunodeficiência adquirida ou congênita;

d) doenças auto-imunes que necessitem de Terapia Quimioterápica (lúpus eritematoso sistêmico e outras);

II - aos seguintes procedimentos:

a) hemotransfusão;

b) procedimento de litotripsia;

c) tratamento de alto custo a nível ambulatorial, em sequelas de patologias graves, após avaliação técnica da Auditoria do Ipasgo.

Em primeiro lugar, ressoa manifesta a abusividade dos regramentos adrede, ante o art. 51, I, do CDC. Isso porque, contrariando o que impõe a lei consumerista, os referidos artigos implicam renúncia ou disposição de direitos, exonerando a responsabilidade do fornecedor.

Outro aspecto que enseja afastamento das disposições insertas nesses dispositivos refere-se à premente inconstitucionalidade do que dispõem. Ora, o que se vê, e com perplexidade, é o tratamento diferenciado a pessoas na mesma situação jurídica. Há isonomia no que diz respeito às contribuições, uma vez que conveniados, dependentes, titulares, considerados ou não no âmbito do chamado “grupo familiar”, contribuem, na conformidade dos planos a que aderiram, de igual modo. Noutra via, paradoxalmente, há tratamento diferenciado no que tange à percepção do benefício de que trata o § 6º, do art. 12, da Lei Estadual nº 14.081/02.

Entremostra-se patente a inconstitucionalidade do § 7º, do art. 12, da Lei Estadual nº 14.081/02, uma vez que afronta peremptoriamente o princípio da igualdade, insculpido no art. 5º, da Constituição da República e tão caro à história do Direito Constitucional.

Não é possível erigir, no caso em tela, qualquer argumento que fundamente o fator de discriminação, porquanto resida pura e simplesmente na origem do segurado. Há, assim, e não é demais reafirmar, inconstitucionalidade no critério eleito para se discriminar o usuário do serviço, cuja declaração, em sede de controle difuso, se coloca como medida inafastável.

Corrobora nossa argumentação o julgado deste Egrégio Tribunal de Justiça, decidindo em direção análoga a que aqui propugnamos:

EMENTA: DUPLO GRAU DE JURISDICÃO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. INCLUSÃO DE SEGURADA DEPENDENTE NO PAS – PROGRAMA DE APOIO SOCIAL DO IPASGO SAÚDE. ADMISSIBILIDADE. Constitui ilegalidade e ofensa a direito líquido e certo da segurada, passível de reparo via mandado de segurança, a negativa de seu pedido de isenção da co-participação, bem como de sua inscrição no PAS – Programa de Apoio Social do IPASGO, uma vez que restou demonstrado que a mesma é detentora dos requisitos exigidos para fazer jus ao benefício. Remessa obrigatória e apelação conhecidas e desprovidas. (TJGO. Processo nº 200902236142, TJGO, Segunda Câmara Cível, Juiz convocado Dr. Jeronymo Pedro Villas Boas, 01/09/2009) Grifo nosso

Reconhecida a supremacia da norma constitucional, princípio de ampla baliza na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, qualquer ato que ultraje aquilo que dispõe a Constituição deve ter sua incidência afastada, ainda que apenas no âmbito do controle difuso – com julgamento preliminar ao mérito e efeitos inter partes. A respeito, é válido transcrever como já colacionou o STF:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DA RECLAMATÓRIA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS AO SEU CABIMENTO. DECISÕES EM CONTROLE DIFUSO NAS QUAIS O RECLAMANTE NÃO FOI PARTE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE ENTRE O ATO RECLAMADO E O OBJETO DA DECISÃO DESTE TRIBUNAL QUE SE ALEGA DESRESPEITADA. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. 1. As decisões proferidas em controle difuso têm efeito vinculante apenas para as partes litigantes e para o próprio órgão a que se dirige. Precedentes. 2. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, por meio de reclamação, a verificação da ocorrência ou não de quebra de ordem cronológica para pagamento de precatórios, por suposta afronta ao que decidido na ADI n. 1.662. Precedentes. 3. Não há identidade ou similitude de objeto entre o ato impugnado e a decisão tida por desrespeitada. A via processual eleita é inadequada para atender a pretensão do reclamante. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. Rcl 6416 AgR - SP , Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 23/09/2009) Grifo nosso

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EMENTA: - Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade. 2. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal. 3. Entendimento desta Corte no sentido de que "nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local." 4. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério Público. (STF. RE 227159 - GO, Segunda Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 12/03/2002) Grifo nosso

Ante o que foi exaustivamente abordado, salta aos olhos a preponderância do direito líquido e certo da idosa Zofia Rosiak em obter a isenção de co-participação em seu tratamento contra o linfoma, afastando-se, assim, as vedações contidas no art. 12, §§ 6º e 7º, da Lei Estadual nº 14.081/02 e art. 2º, §§ 1º, 2º e 4º, da Instrução Normativa nº 15/03, seja em razão da abusividade no âmbito da relação de consumo, seja com fundamento na manifesta inconstitucionalidade da norma.

E) DA LIMINAR OU EFEITO DA TUTELA ANTECIPADA

No atual estágio do Direito Processual Civil, marcado pelo paradigma da busca da conciliação entre a efetividade, celeridade e a segurança jurídica, ligado à concepção de ação como direito à tutela jurisdicional efetiva, um instituto de inegável importância reside sobre a tutela antecipada. De fato, a antecipação da tutela vem de encontro com esse novo olhar processualista e é aplaudida por doutrinadores do calibre de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

Em última análise é correto dizer que a técnica antecipatória visa apenas a distribuir o ônus do tempo no processo. É preciso que os operadores do direito compreendam a importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há motivos para timidez em seu uso, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o autor que tem razão. É necessário que o juiz compreenda que não pode haver efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal. Prudência e equilíbrio não se confundem com medo, e a lentidão da justiça exige que o juiz deixe de lado o comodismo do antigo procedimento ordinário (...) para assumir as responsabilidades de um novo juiz, de um juiz que trata dos “novos direitos” (…) (ARENHART, Sérgio Cruz & MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. V. 2, ps. 199-200) Grifos nossos.

No caso em comento, convém demonstrar que o requisito genérico da “verossimilhança” debruça sobre o confronto entre o direito fundamental, líquido e certo à saúde e a abusividade e inconstitucionalidade que repousam sobre o que dispõem o art. 12, §§ 6º e 7º, da Lei Estadual nº 14.081/02 e art. 2º, §§ 1º, 2º e 4º, da Instrução Normativa nº 15/03.

No que tange ao requisito específico do periculum in mora, não é necessário recair sobre detalhes. Ora, como já restou demonstrado, a substituída é portadora de linfoma não Hodgkin, doença que reclama tratamento urgente e cuja demora na tutela jurisdicional poderá causar-lhe dano irreparável ou de impossível reparação.

Cumpre ressaltar, por oportuno, a colação jurisprudencial nesse mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, § 3º E 461, § 5º). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. OFENSA AO ART. 535. INOCORRÊNCIA. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NA AQUISIÇÃO DO MEDICAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. (REsp 900458/RS, STJ, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 26/06/2007). Grifo nosso

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PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. PAGAMENTO DE DESPESAS COM TRATAMENTO MÉDICO DE MENOR PELO ESTADO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO PARQUET. ART.127 DA CF/88. PRECEDENTES. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, § 3º E 461, § 5º). BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NO TRATAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (REsp 901289/RS, STJ, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 01/10/2007). Grifo nosso

III - DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer o Ministério Público:

a) a concessão da liminar pleiteada, sem a oitiva da parte contrária, a fim de ordenar ao impetrado, imediatamente, o fornecimento à idosa substituída ZOFIA ROSIAK de todo o tratamento que lhe vier a ser prescrito, inclusive exames e quimioterapia com o uso dos medicamentos Oncovin (Sulfato de Vincristina), Genuxal (Ciclofosfamida), Prednisona e Mabthera (Rituximab), tudo em conformidade com o relatório médico que segue em anexo, isentando-a do pagamento da co-participação, comunicando-se, urgentemente do deferimento, em razão da situação grave do estado de saúde da substituída;

b) a procedência do pedido, com a confirmação da liminar, para condenar o impetrado à prestação do serviço à idosa de forma integral sem a exigência de co-participação;

c) a notificação do impetrado para prestar informações, caso lhe aprouver, advertindo-o das consequências de eventual revelia.

IV - VALOR DA CAUSA

Atribui-se à causa o valor de R$ 2.672,72 (dois mil seiscentos e setenta e dois reais e setenta e dois centavos).

Goiânia, 17 de setembro de 2010.

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