Processo 2008



Processo 2008.001.179165-7

S E N T E N Ç A

EDILSON ALEXANDRINO DOS SANTOS ajuizou AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS contra DETRAN e HOT CAR AUTOMÓVEIS LTDA, alegando que no dia 05/12/2002 efetuou negócio jurídico de compra e venda de um automóvel com o segundo réu, dando como entrada um veículo no valor de R$ 4.250,00 e mais um cheque de R$ 3.250,00. Afirma que o segundo réu não providenciou junto ao DETRAN, ora 1º réu, a regularização da transferência da propriedade do veículo. Sustenta que em março de 2003 começou a receber diversas notificações de multas referentes ao veículo que havia dado na troca para a aquisição do novo automóvel.

Requer a concessão de antecipação de tutela para determinar que o 2º réu proceda à transferência do veículo junto ao 1º réu e para que o DETRAN suspenda a anotação, junto ao seu prontuário, das infrações cometidas com o veículo citado posteriores à venda do mesmo; que o segundo réu seja responsabilizado por tais multas e a condenação do 2º réu à indenização a título de danos morais. Protesta por todos os meios de provas.

Cópia do recebimento do automóvel supra pelo segundo réu a fs. 10. Cópia das multas a fls. 12/16. Cópias dos valores do IPVA referentes aos anos de 2003/2008 a fls.17/22.

Decisão de fls. 24 que defere a gratuidade de justiça.

O segundo réu a presenta sua contestação a fls. 31/37, arguindo, no mérito, que até a data da ação, o autor não fornecera os documentos necessários à realização da transferência de propriedade do veículo em questão, bem como não comunicou a venda ao DETRAN, ora 1º réu. Afirma que em momento algum pretendeu causar dor, sofrimento ou angústia, a fim de interferir no comportamento psicológico da parte autora, sendo abusivo o pedido de dano moral, e que não demonstrou prática ilícita alguma. Requer a extinção da responsabilidade civil e protesta por todos os meios de provas.

A fls. 45/47, manifesta-se novamente o segundo réu em reconvenção, requerendo que o autor-reconvindo efetue a entrega do documento de transferência de propriedade do veículo mencionado, seguido da imediata comunicação de venda ao DETRAN para que este proceda à transferência e a condenação do autor-reconvindo a indenização de danos morais, em até 20 salários mínimos. Protesta pela produção de prova documental, pericial, inspeção judicial e depoimento pessoal do autor-reconvindo.

A fls. 48/53 manifesta-se o DETRAN, ora 1º réu, arguindo, no mérito, que o autor não encaminhou nenhuma documentação comprovando a mencionada venda do veículo, encontrando este em nome do autor. Aduz, ainda, que o aludido veiculo apresenta débito de IPVA relativo aos exercícios dos anos de 2003/2007, de Seguro Obrigatório e taxas dos meses de 2007 e 2008 e multas por infração de trânsito aplicadas pelas Prefeituras do Rio de Janeiro e de São João de Meriti. Esclarece que o autor deveria ter providenciado a inclusão de Comunicação de Venda no cadastro do veículo, fornecendo cópia autenticada do CRV – Certificado de Registro de Veículo – devidamente preenchido para o novo adquirente, cabendo ao mesmo providenciar a transferência para o seu nome, no prazo de 30 dias.

Aduz que, ao não fazê-lo, o autor não pode lhe imputar a obrigação de fazer. Alega, também, não haver cabimento ao pedido de danos morais e multa pecuniária, visto que o autor não procedeu com sua responsabilidade, sendo os aborrecimentos causados pelas multas e a aplicação de pontos em sua Carteira de Habilitação inerentes a sua inércia. Requer que o pedido seja julgado improcedente, bem como a condenação dos honorários em favor da Defensoria Pública, visto que esta é órgão do Estado. Protesta pro todos os meios de provas.

Contestação à reconvenção a fls. 63/66, onde é arguido que a ré-reconvinte, como pessoa jurídica experiente na venda e compra de veículos, deveria ter exigido do autor a apresentação de tal documentação, bem como não esperasse sete anos sem cobrá-los. Afirma que qualquer pedido indenizatório por parte do réu-reconvindo está prescrito, no que tange o art. 205, § 3º, V do CC.

Instadas a manifestarem-se em provas, segundo despacho de fls. 68, o segundo réu, a fls. 70, requer produzir prova documental e oral; o 1º réu, a fls. 71, pretende produzir prova documental suplementar e a autora, a fls. 72, prova documental superveniente.

A fls. 73 manifesta-se o MP pelo julgamento improcedente do pedido autoral, bem como improcedente a reconvenção.

Decisão saneadora a fls. 77 deferindo prova documental superveniente, desde que presentes os requisitos do art. 397 do CPC, e indefere prova oral, eis que desnecessária.

Novos documentos juntados pelo DETRAN a fls.81/84. Manifestação do DETRAN a fls. 91, em resposta ao despacho de fls. 89, informando que não consta no sistema registro de anotação de comunicação de venda, mas sim processo administrativo com a finalidade de solicitar a realização do serviço de comunicação de venda especial, formulado pelo autor, tendo sido indeferido diante da ausência de documentação.

Cópia do procedimento necessário para a comunicação de transferência de propriedade junto ao DETRAN a fls. 94/97.

Os autos vieram conclusos nesta data.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

De inicio há que se deixar claro que nem autor nem segundo réu ostentam qualquer direito a indenização por danos morais considerando que ambos negligenciaram em sua obrigação legal de informar ao primeiro réu a venda do veículo apresentando os documentos necessários a que seja regularizada tal transferência, nos termos do artigo 134 do Código de Transito Brasileiro.

Dessa forma, se alguma espécie de dano moral experimentaram se deve a própria conduta negligente.

No que diz respeito a pretensão de ver as multas e valores referentes a IPVA transferidos para o segundo réu procede a pretensão autoral, uma vez que tais encargos decorrem da propriedade do veículo e esta se transferiu no momento da tradição – 05 de dezembro de 2002 (fls. 10).

Veículo automotor. Propriedade. Posse. Transferência. Tradição. Registro. Providência administrativa. Custas processuais. Isenção. Taxa judiciária. Honorários advocatícios. A transferência de propriedade dos bens móveis se dá com a tradição. A troca de titularidade realizada junto aos "DETRAN" não caracteriza transferência de propriedade, mas sim regularização administrativa da situação do veículo. No caso, cuida-se de transferência de automóvel realizada no ano 2000 através de documento particular (fls. 11/12), cuidando o adquirente de recuperar o bem móvel ao longo de sete anos (fls. 13/15). Finalizada a lenta e minuciosa recuperação do veículo - fotos (fl.18) - e tentada a regularização do mesmo, esta foi obstada, tendo o cidadão de ingressar com medida judicial. A legalidade estrita a que se junge a atividade da Administração no que diz respeito à propriedade e sua transferência em relação aos veículos automotores se traduz no fato de que o registro da transferência da titularidade do veículo junto ao órgão de trânsito responsável, constitui pura e simplesmente uma formalidade administrativa para o direcionamento de multas e penalidades correspondentes às infrações que tenham sido cometidas. Inteligência dos art. 120, 121, 123, 124 e 134 do Código de Trânsito Brasileiro. Não obstante tenha a Administração, mediante a atuação da autarquia a que cabe a função, de observar a estrita legalidade na prática dos atos administrativos que lhe correspondem, não podem ser ignorados os dispositivos da lei substantiva civil que regulamentam a matéria. Muito embora o veículo automotor seja um bem móvel, que pelo Código Civil tem o domínio transferido pela tradição, a sua peculiaridade foi objeto de normatização específica pelo Código de Trânsito Brasileiro. É de todo irrelevante o fato de o automóvel não haver sido transferido imediatamente para o nome do adquirente junto ao DETRAN-RJ, já que embora tal inação ou omissão constitua infração à legislação de trânsito, isto não descaracteriza a compra e venda e tampouco a tradição, que se faz mediante a simples entrega do bem ao comprador. Inteligência dos art. 1.226 e 1.267 do Código Civil. De fato, para a Administração, enquanto não houver a comunicação prevista no art. 134 do CTB ou a expedição do novo certificado de registro, o que envolve a inserção de dados no banco da repartição de trânsito, a titularidade da propriedade será de quem consta no registro antigo. Ao não se desconstituir a prova documental reunida pelo autor, na qual sobressai a certidão de "nada consta" que tisnasse a posse na origem (fl. 16), deve ser reconhecido o direito do autor. Correta a sentença quando impôs condicionantes ao autor, como bem destacado pelo Órgão Ministerial (fl. 120). No que tange à condenação às verbas sucumbenciais, cabe pequeno reparo à sentença, apenas para reconhecer a isenção quanto às custas e despesas processuais, mas determinar o pagamento da taxa judiciária pela autarquia, visto ser este tributo exigível, à vista do enunciado nº 76 da súmula deste Tribunal de Justiça. Sentença mantida quanto ao mais. Provido parcialmente o recurso da autarquia e desprovido o recurso do autor. (AC 0155451-35.2008.8.19.0001, Rel. Des. MARIO ASSIS GONCALVES, 3ª CC, julgado em 17/01/2012).

Consumidor. Compra e venda de veículo. Atraso na entrega da documentação para transferência de propriedade. Recebimento de multa por infração atribuída ao autor quando já não se encontrava na posse do automóvel entregue como parte do pagamento. Ausência de elementos que justificassem o atraso de mais de seis meses para o agendamento da vistoria junto ao Detran, compromisso assumido pela ré. Dano moral configurado. Verba reparatória que merece redução para observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Recurso parcialmente provido, de plano. (AC 0031831-22.2009.8.19.0204, Rel. Des. MARCO ANTONIO IBRAHIM, 20ª CC julgado em 19/10/2011).

Direito Processual Civil. Embargos de Declaração. Efeitos infringentes. Descabimento. Não configurada qualquer omissão, obscuridade ou contradição no julgado. Direito do Consumidor. Concessionária de automóveis. Compra e venda de veículo automotor. Ausência de transferência da propriedade junto ao DETRAN. Responsabilidade da concessionária. Dano moral configurado. Reforma da sentença que acolheu a arguição de coisa julgada. As ações intentadas no Juizado Especial não guardam identidade com esta demanda, ante a ocorrência de fato dando ensejo a nova causa de pedir. Quando o consumidor deixou seu veículo na concessionária como parte do pagamento para o novo carro adquirido, esta passou a ser a proprietária do bem, por força da regra "res perit dominum", sendo irrelevante que seu nome não tenha figurado no DUT, cujo registro é meramente declaratório. Por isso, não lhe cabe agora esquivar-se da obrigação anteriormente assumida de resolver os trâmites burocráticos decorrentes da alienação, sob o argumento de que o veículo foi logo transferido à terceiro pessoa. Se com o intuito de atrair clientes e realizar a negociação, a concessionária assumiu esta responsabilidade, deverá responder pelos riscos inerentes ao exercício da sua atividade empresarial, sobretudo porque obteve lucro com a compra e venda realizada. Aplicação da teoria do risco do empreendimento, consubstanciada no art. 927, parágrafo único do Código. Desse modo, a responsabilidade pelas multas, IPVA, bem como por todos os gravames que impedem a transferência da propriedade no Detran após a alienação é da concessionária, por ter, na qualidade de alienante, transferido o veículo a terceiro sem providenciar a devida alteração junto ao órgão competente, descumprindo o compromisso que havia assumido com seu cliente. Dano moral caracterizado pela legítima expectativa frustrada do consumidor e pelo longo período que vem se aborrecendo com esta pendência. Arbitramento em R$ 7.000,00 (sete mil reais). Observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ausência de vício no acórdão impugnado, o qual expôs de forma clara as razões que influíram no convencimento do julgador, sendo certo que esta via não se presta para rediscutir a causa simplesmente porque a decisão foi contrária às pretensões do recorrente e, sim para sanar eventual omissão, obscuridade ou contradição, inexistentes no julgado. Rejeição dos embargos. (AC 0001997-90.2009.8.19.0036, Rel. Des. NAGIB SLAIBI, 6ª CC julgado em 06/07/2011).

Da mesma forma prospera, em parte, a pretensão expendida na peça reconvencional de forma a criar para o autor a obrigação de assinar, reconhecer firma e emitir o documento de transferência do veículo hábil a sua regularização junto ao Detran.

Inexiste qualquer obrigação legal descumprida por parte do primeiro réu uma vez que a não transferência do domínio se deu por não terem sido apresentados os documentos necessários a realização de tal ato administrativo.

Por tais motivos JULGO PROCEDENTES em parte os pedidos contidos na peça exordial e na reconvencional para CONDENAR o segundo réu a arcar com todos os débitos tributários ou originados de autuações de trânsito verificadas a partir de 05 de dezembro de 2002 e, ainda, CONDENAR o autor a entregar ao primeiro réu o documento de transferência veicular no prazo de 10 dias contados da data da publicação da presente com a firma devidamente reconhecida.

DEFIRO o pedido de antecipação de tutela para determinar a IMEDIATA expedição de oficio ao Detran para que seja a responsabilidade pelo pagamento de todas as multas, IPVA e tudo o mais que possa existir no período posterior a 05 de dezembro de 2002 para a empresa segunda ré.

Por força da sucumbência recíproca cada parte arcará com os honorários de seus advogados sendo rateadas as custas processuais e taxa judiciária entre o autor e o segundo réu. Condeno o autor, no entanto, ao pagamento de honorários advocatícios ao primeiro réu no valor de R$ 1.000,00 em aplicação do artigo 20 par. 4º do CPC cuja execução mantenho suspensa por cinco anos em razão da gratuidade de justiça deferida.

P.R.I.

CUMPRA-SE.

Dê-se ciência pessoal à Defensoria Pública.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 2012.

MAURO NICOLAU JUNIOR

Juiz de Direito

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