Apelação Criminal (Réu Preso) n



Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2011.046106-8, de Porto Belo

Relator: Des. Substituto Carlos Alberto Civinski

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A). ESTUPRO (CP, ART. 213). CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71). AGENTE QUE PRATICA ATOS SEXUAIS COM A FILHA DA SUA COMPANHEIRA DESDE OS 7 ANOS DE IDADE, OCASIONANDO, INCLUSIVE, A GRAVIDEZ DA VÍTIMA. PATERNIDADE RECONHECIDA. EXAME DNA ANALISADO NO CONTEXTO DOS AUTOS. PALAVRA DA VÍTIMA FIRME E COERENTE, CORROBORADA, ADEMAIS, PELO PLEXO PROBATÓRIO. DOSIMETRIA ADEQUADA. SENTENÇA MANTIDA.

- Nos crimes sexuais, que geralmente não deixam vestígios materiais, o depoimento da vítima é de extrema importância para a condenação do agressor.

- O depoimento da vítima de violência sexual, abusada desde 14 anos de idade apontando o seu próprio padrasto como agressor, harmônico e em sintonia com os demais elementos de prova, inclusive pelo exame de DNA, autoriza a condenação pela prática do crime de estupro de vulnerável e estupro, respectivamente previstos no art. 217-A e art. 213 do CP.

- Comete o crime de ameaça, tipificado no art. 147 do CP, o agente que intimida sua companheira, prometendo-lhe mal maior se o crime por ele praticado for denunciado.

- Parecer da PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

- Recurso conhecido e desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2011.046106-8, da comarca de Porto Belo (2ª Vara), em que é apelante D. A. de B., e apelado M. P. do E. de S. C.:

ACORDAM, em Quarta Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de D.A. de B. por infração ao disposto nos artigos 217-A c/c 226, II, por um número indeterminado de vezes, na forma do art. 71, e em concurso material, na forma do art. 69, com os art. 213 c/c 226, II, por um número indeterminado de vezes, na forma do art. 71, bem como em concurso material, na forma do art. 69, com os artigos 126, parágrafo único, e 147, todos do Código Penal.

Sentença: acolheu em parte a pretensão acusatória e condenou o acusado à pena privativa de liberdade de 16 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por infração aos artigos 213, 217-A, c/c art. 226, II, do Código Penal, na forma do art. 71 do mesmo diploma, e mais 01 mês e 05 dias de detenção, em regime inicial semi-aberto, por infração ao disposto no art. 147 do Código Penal (fls. 220-246).

Recurso de apelação da defesa:

a) o fato imputado ao apelante não ocorreu, restando inúmeras dúvidas nos autos, principalmente quanto à concordância e aceitação da vítima na continuidade prolongada do suposto relacionamento sem sequer esboçar qualquer interesse em interrompê-lo, manifestando, assim, sua concordância e declaração de vontade nos atos praticados;

b) também ficou evidente a omissão e conivência da mãe da vítima em razão da constatação do relacionamento entre sua filha adolescente e seu companheiro, porém, estranhamente, não desejava denunciá-lo, passando a ameaçá-lo no intuito de obter vantagens na partilha de bens;

c) em todo momento o apelante negou a prática criminosa, pois todo relacionamento com a vítima ocorreu de livre e espontânea vontade de ambas as partes envolvidas, sem ameaças e pressões, inexistindo qualquer situação de violência, nem tampouco qualquer comprovação dos fatos alegados pela suposta vítima;

d) o apelante é primário, não possui antecedentes criminais, é pessoa idônea e trabalhador, não é violento, não é conhecido nos meios policiais, nem ficou apurado contra si qualquer evidência real e concreta de envolvimento ou participação no crime. Por isso, requereu o prequestionamento dos dispositivos relacionados ao devido processo legal, principalmente na dosimetria e na majoração exagerada da pena;

e) as testemunhas ouvidas não comprovaram o suposto envolvimento do apelante e a vítima Michele, bem como o exame DNA realizado não foi conclusivo;

Postulou, ao fim, a sua absolvição ou a minoração da reprimenda imposta (fls. 273-276).

Contrarrazões:

a) o caderno de provas amealhado aos autos é seguro ao apontar o apelante com sendo o autor dos crimes em apreço, comprovadas a materialidade e a autoria delitiva;

b) o argumento de que a vítima teria concordado e consentido com os atos praticados é descabido, haja vista a vulnerabilidade da menor e a presunção de sua incapacidade absoluta de decidir quanto à oportunidade e conveniência da relação carnal;

c) acerca da alegada dúvida, tem-se que também não procede, uma vez que dos atos praticados decorreu a gravidez da menor, tendo o exame de DNA comprovado a paternidade do réu em relação à filha da vítima;

Protestou, portanto, pelo desprovimento do recurso (fls. 279-283).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes opinou pelo conhecimento do recurso, porque adequado e tempestivo, mas pelo seu desprovimento (fls. 293-297).

VOTO

Inconformado com a sentença condenatória que lhe aplicou pena privativa de liberdade de 16 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por infração aos artigos 213, 217-A, c/c art. 226, II, do Código Penal, na forma do art. 71 do mesmo diploma, e mais 01 mês e 05 dias de detenção, em regime inicial semi-aberto, por infração ao disposto no art. 147 do Código Penal, D.A. de B. apresentou recurso de apelação a tempo e modo próprios, motivo pelo qual dele se conhece.

Os crimes de estupro e estupro de vulnerável imputados ao apelante estão capitulados no Código Penal:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: ../_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

O apelante busca a sua absolvição, argumentando, em apertada síntese, que não praticou os crimes contra si imputados.

Como é sabido, "as declarações da vítima assumem vital importância, constituindo-se em valioso elemento de convicção no que pertine à apuração de crimes contra a liberdade sexual, visto que são, quase sempre, perpetrados na clandestinidade, à vista unicamente de seus protagonistas. Por isso, gozam da presunção de veracidade quando encontram respaldo no elenco probatório, podendo alicerçar a condenação" (TJSC, Apelação Criminal 2011.004376-7, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 21.06.2011, v.u).

Daí o motivo pelo qual transcreve-se na íntegra o depoimento prestado pela vítima M.C.S. à autoridade judicial:

Que tinha meses de idade quando o réu passou a conviver com a sua mãe; que morou com réu, a mãe e o irmão no Rio Grande do Sul até os seis anos de idade, e nesse tempo sua convivência com o réu era com pai e filha; que o réu tratava a depoente e o irmão como filhos; que depois de um ano que estavam morando aqui, o réu começou a 'fazer essas coisas' com a depoente; que acredita que ele começou a 'fazer essas coisas' porque a mãe da depoente trabalhava muito; que o réu passava a mão nas partes íntimas, na 'pomba', nas penas, nas coxas, na bunda, no seio não, porque ainda não tinha; que o réu também mostrava filme pornô e se masturbava na sua frente; que o irmão da depoente, um ano mais novo, não era abusado pelo réu, mas certa vez ele chegou a ver; que isso acontecia dentro de casa; que o réu fechava toda a casa; que o réu fazia isso especialmente nos finais de semana, às vezes um sim, às vezes um não; que a mãe da depoente trabalhava direto, só ficando em casa de noite; que a depoente chorava e dizia que ia contar para a mãe, sendo que o réu dizia que se a depoente contasse ele iria matar ela (mãe da depoente) e ela não iria querer ficar com a depoente; que isso aconteceu até os quatorze anos, na frequência dita acima; que não contou para ninguém, nem na escola, porque tinha medo dele; que quando a depoente fez quatorze, a mãe fez uma cirurgia para tirar gordura embaixo do seio, e como não podia trabalhar na casa de praia da Dona Ivanilda, que mora em Florianópolis, o réu se ofereceu para fazer o trabalho na casa, sendo que a depoente também iria junto com o réu para trabalhar; que foi o réu que disse que era para a depoente ir junto; que a mãe da depoente precisou ficar quinze dias de repouso; que a mãe sempre ia com o réu e com a depoente para dizer e ver o serviço que eles fariam; que certa vez a depoente foi sozinha para a casa da Dona Ivanilda, porque o réu teria que levar sua mãe para trocar o curativo no posto de saúde; que ficou limpando a casa, tendo o réu voltado sem a mãe da depoente; que o réu agarrou a depoente dentro da casa e levou para o banheiro da casa; que no dia estava chovendo; que o réu amarrou a mão da depoente com plástico que era difícil de soltar; que o réu tirou a calça da depoente, abriu suas pernas, e 'tirou sua virgindade'; que mesmo gritando acredita que ninguém a escutou porque estava chovendo e a casa era grande, e era inverno, e pouca gente passava pelo local; que o réu dizia que se gritasse ele machucaria mais ainda; que não chegou a sangrar; que o réu não fez sexo anal na depoente; que o réu ejaculou dentro da vagina da depoente; que ficou brava com o réu e ele abriu a porta do banheiro; que depois disso foram para casa; que um mês depois não menstruou; que a primeira menstruação foi logo quando completou quatroze anos; que o réu perguntava para a depoente se já tinha menstruado; que demorou muito para a menstruação, abortou; que a mãe perguntou como tinha sido a viagem, e a depoente disse que tinha sido tudo bem; que como o comprimido não fez efeito, a depoente se viu obrigada a contar para a mãe que tinha perdido a virgindade com um amiguinho; que depois do teste de gravidez a mãe da depoente perguntava quem era o pai da criança, e a depoente não dizia; que a mãe da depoente disse que pensava que a depoente não queria dizer porque era um turista; que a mãe dizia que um dia ia querer saber quem era o pai da criança; que depois disso o réu não 'encostou' mais na depoente; que no dia 12 de junho a depoente fez um ultrassom para confirmar e a gravidez e saber se o neném estava bem; que a mãe da depoente não foi junto, mas o réu foi; que já estava com três meses de gravidez; que nunca namorou sério, apenas ficava com os guris; que quando contou que estava grávida os amigos ficaram surpresos, porque pensavam que a declarante era uma 'santa'; que perguntavam quem era o pai da criança, e a depoente não dizia; que depois contou para a mãe o nome do suposto pai do bebê, o Jardel, seu colega de aula; que a mãe da depoente disse que Jardel tinha que assumir a criança e o papel dele; que a depoente disse que não queria que Jardel assumisse, e que cuidaria da filha sozinha; que a mãe da depoente não insistiu para Jardel assumisse a criança, e contou para o réu o que a depoente tinha falado; que o réu disse que iria ajudar a criar o neném e ia tratar como se fosse filho dele e da mãe da depoente; que depois que ganhou a neném, em janeiro, contou para a mãe; que o réu e a mãe da depoente estavam para se separar; que a mãe da depoente estava se abrindo para a depoente sobre o relacionamento com o réu; que a depoente ficou com uma vontade de contar tudo; que se encorajou a contar porque uns dois dias antes, quando o réu estava trocando a fralda da neném, ele 'assoprou' a 'pomba' dela e disse: 'como ta calor aqui!'; que na hora a depoente pensou que ele podia fazer o mesmo que fez com a depoente com a neném; que então contou tudo para a mãe; que logo que terminou de contar para ela, o réu e o irmão da depoente chegaram em casa; que pediu para a mãe disfarçar, e fazer de conta que não sabia de nada; que tinha medo que o réu matasse a mãe; que a mãe da depoente tem problemas de nervos e estava muito nervosa, mas se segurou; que no outro dia de manhã, a mãe começou a pensar o que ia fazer com essa situação, e qual atitude tomar; que no outro dia, quando voltou para o trabalho, a amiga dela, Fátima, desconfiou que tinha alguma acontecendo porque a mãe da depoente só chorava; que então a mãe contou o que tinha acontecido para a Fátima; que Schmidt, o padeiro, também sabendo, disse para a mãe da depoente que era para falar para a polícia; que ela e Schmidt passaram no trabalho do irmão do depoente, na casa da depoente, e eles levaram o irmão da depoente, a depoente e a neném para se esconderem na casa de um parente de Dilse; que lá ficaram; que quem ficou de dar notícia para o réu, de que já sabiam de tudo, foi o irmão dele, o Marcos; que Dilse ligou para uma advogada, que orientou que era para darem um depoimento da delegacia, registrar um 'B.O' e virem no Fórum, porque daí o caso ocorreria mais rápido, o que fizeram; que Dilse é irmã do réu; que o réu ficou sabendo e foi para o serviço da mãe da depoente, em Porto Belo, para falar com ela; que ela não estava trabalhando; que ele saiu à procura da mãe da depoente; que o réu ligava várias vezes para o celular da mãe da depoente, mas ela não atendia; que o irmão da depoente, Felipe, acabou atendendo uma das ligações, e o réu disse que queria conversar com a depoente e os demais; que Felipe dizia que era para o réu ir embora, que ele tinha feito um 'mal' para a família; que o réu dizia que queriam que mudassem de cidade e ficassem juntos; que depois que soube o réu não ameaçou a família da depoente; que o irmão do réu, Marcos, contou que tinham visto o que o réu tinha feito com a depoente, isso para ele não saber que tinha sido a depoente que tinha contado.

Respondendo aos questionamentos da acusação, a vítima prosseguiu:

Que nas vezes que o réu fazia sexo com a depoente o réu sempre agarrava a depoente para começar o ato; que o réu era bem mais forte que a depoente, e não tinha como medir forças com ele; que o réu sempre usava de força física para fazer sexo com a depoente; que quanto ao Citotec, o réu dizia para a depoente que tinha que tomar porque se não todo mundo ia saber que estava grávida; que tomava por vontade própria o Citotec, já que era adolescente e não podia cuidar de uma criança; que cada vez o réu a tocava, tinha nojo, queria sumir, queria se matar; que uma certa vez o réu, um dia antes de tirar a virgindade com o pênis, introduziu dois dedos com esperma dentro da vagina da depoente; que antes o réu se masturbou e depois enfiou descer, e por isso o réu comprou um teste de gravidez de farmácia, que deu positivo; que o réu comprou um comprimido ' citotec' para abortar, num camelô em Balneário Camboriú; que depois que levou a mãe da depoente para o trabalho, o réu voltou para casa para a depoente fazer o aborto; que a depoente introduziu dos comprimidos e tomou mais dois; que o réu ainda colocou uma bolsa de água quente em cima da barriga da depoente para ajudar no aborto; que por volta de meio-dia abortou; que era um domingo; que a mãe voltou para casa por volta das dez horas da manhã, e perguntou para a depoente se estava bem, já que estava na cama, tendo a depoente dito que estava um pouco enjoada e com ânsia de vômito, dizendo para a mãe que devia ser uma virose; que o réu estava em casa nessa hora; que a mãe não se importou muito, apenas disse que era para chamar se sentisse alguma coisa; que na hora do aborto sentiu como se tivesse 'mijando' sem vontade; que correu para o benheiro, que ficava fora da casa, na área; que no banheiro estava o réu; que logo que ele saiu entrou correndo e disse que era para ele cuidar da mãe; que quando foi mijar no vaso saiu o feito; que dava para ver o bracinho e a perninha, que só não tava 'definido' ainda; que o aborto aconteceu uns dois meses e meio após a relação sexual; que botou a calça de molho, porque estava manchando do líquido que saiu com o feito; que a mãe da depoente cobrou o porque do molho, tendo a depoente dito que era mancha de manga que tinha comido, tendo a mãe da depoente não dado importância; que ainda saía muito sangue, e por isso tinha que trocar de roupa constantemente; que dizia para a mãe que estava menstruada, e ala achou normal; que uns dias depois do parto o réu levou a depoente para praia e deixou a depoente umas duas horas na água, pois sangrava muito; que estava com as unhas roxas por conta da hemorragia; que depois disso o réu disse que não ia mais fazer isso com a depoente, que não ia mais 'encostar' na depoente; que uns dois meses depois ele voltou a ter relações, sexo com a depoente; que era sempre nos finais de semana, quando a mãe da depoente estava trabalhando e o irmão da depoente estava brincando com os amiguinhos; que a depoente perguntava para o réu por que ele fazia 'aquilo' com ela, e ele dizia que era porque s depoente não era filha dele e porque a mãe da depoente tinha mentido para ele sobre o pai verdadeiro da depoente; que o réu dizia que se a depoente contasse para a mãe ela iria abandoná-la; que a depoente acreditava que fosse abandonada pela mãe, já que via no jornal que nessas situações muitas mães abandonavam suas filhas; que no ano passado, quando tinha quinze anos, engravidou de novo do réu; que nessa vez que engravidou novamente o réu não usou camisinha; que nas outras relações ele usava camisinha; que o réu não tinha dinheiro para comprar citotec, e que teriam que esperar para o próximo mês; que o réu disse que era para a depoente fingir que tava menstruada; que o réu tirava sangue da veia dele e colocava no absorvente, e a depoente colocava o absorvente no lixo do banheiro para a mãe achar que estava menstruada; que no mês seguinte, ainda sem dinheiro, o réu disse para a depoente que era para dizer para a mãe que tinha perdido a virgindade com um guri da escola; que uma semana depois a depoente contou isso para a mãe, tendo a mãe da depoente perguntado se tinha usado camisinha; que a mãe da depoente xingou a depoente e ficou preocupada; que a mãe da depoente contou para o réu que a depoente tinha perdido a virgindade com um amiguinho, tendo o réu feito uma encenação; que a mãe comprou um teste de farmácia para a depoente fazer, tendo dado positivo; que já tinha feito um outro teste de farmácia sem a mãe saber; que antes de contar para a mãe que tinha perdido a virgindade, o réu disse que tinha um curso para fazer em Curitiba no final de semana, e que queria que a depoente fosse junto dessa vez, porque no outro curso foi o irmão da depoente; que na verdade o reu iria para o Paraguay; que a depoente falou inclusive para amiguinhas que iria com o réu para Curitiba; que foram numa sexta-feira de tarde, direto para o Paraguay; que foram de carro; que chegaram no Paraguay num sábado; que compraram o comprimido no camelô, e esconderam dentro do carro onde vai a garrafinha de água; que compraram outros itens para despistar a polícia na fronteira; que o réu comentou que era melhor irem juntos, porque seria mais difícil de desconfiarem de 'um pai e uma filha'; que quando chegaram de volta em Bombas, domingo, de 'manhãzinha'; o réu disse que ia ser a última vez que ia encostar na depoente e não ia fazer mais nada com a depoente; que burra, acreditou; que o réu teve relação com a depoente sem camisinha de novo, no carro; que depois que terminou foram para casa; que antes de descer em casa tomou dois comprimidos e introduziu mais dois, só que dessa vez não dois dedos, com esperma, na vagina; que não sangrou; que isso aconteceu na mesma casa da Dona Ivanilda, no banheiro.

Às perguntas formuladas pela defesa, a vítima assim respondeu:

Que não é de ir em tudo que é festa, porque tem uma neném; que vai para escola; que chegou a sair duas vezes, na festa do Município e num baile em Bombas; que o réu tinha muito ciúmes de todo o guri que chegasse perto da depoente; que a depoente disse para o irmão, Felipe, que o réu tinha parado de fazer com a depoente; que fez isso porque Felipe dava muito na cara, e ia contar para a mãe; que não anuiu à relação sexual que tiveram no carro quando voltaram no Paraguay; que não tinha o que fazer, pois o réu tinha trancado a porta do carro; que o réu, em casa, pagava o carro, as contas do cartão, a ração dos cachorros, não sabendo mais direito; que o réu ajudava a depoente com os trabalhos escolares; que para as outras pessoas ele parecia ser o melhor pai do mundo; que não sabe o que passava pela cabeça do réu para fazer aquilo com a depoente; que o réu não gostava de ficar sozinho; que era a depoente que ficava com ele; que a psicóloga falou para a depoente que essa relação que o réu tinha com a depoente era para ele ter com a mãe da depoente; que a mãe sempre dizia que a depoente podia contar o que quisesse; que não conseguia falar com a mãe direito, porque sabia que estava escondendo uma mentira muito grande; que não conseguia olhar para a mãe; que tinha consciência pesada por causa da mentira; que em casa cada um tinha o seu quarto; que algumas vezes, quando estava chovendo, dando relâmpago, dormiam todos juntos, na mesma cama; que a depoente não dormia do lado do réu; que não viu o réu e a mãe tendo relação; que só sabe o nome do pai biológico, Luis; que a mãe da depoente que contou; que Luiz não é cunhado da mãe; que na certidão de nascimento da depoente não constava o nome do pai da depoente; que quando engravidou foram para o Sul, tendo réu dito para a depoente que iriam colocar o nome dele como pai na certidão da depoente; que ele queria isso para a neném ficar com o nome e os bens dele [...] (fls. 120-123).

Em resumo, a vítima disse que o apelante inicialmente começou a passar "a mão nas partes íntimas, na 'pomba', nas penas, nas coxas, na bunda", chegando a mostrar filme pornô e se masturbar na frente de uma menor de 14 anos. Certa ocasião, o apelante amarrou suas mãos com plástico, tirou suas calças, abriu suas pernas e "tirou sua virgindade", chegando a ejacular dentro da sua vagina, fazendo com que fosse necessário realizar aborto. Depois disso, o apelante voltou a ter relações sexuais com a vítima, sempre nos finais de semana, mas quando ela já tinha quinze anos, engravidou de novo do réu e como este não tinha dinheiro para comprar "cytotec" para realizar o aborto mais uma vez, ocorreu o nascimento de V.S. de B. (fl. 26). Ainda, merece referência o fato de que o apelante levou a vítima para o Paraguay e, quando retornaram da viagem, tiveram mais uma relação sexual forçada no carro. A vítima ainda fez questão de contar "que cada vez o réu a tocava, tinha nojo, queria sumir, queria se matar".

Como se vê, o depoimento da vítima é rico em detalhes, harmônico e coerente, o que reforça a credibilidade da versão apresentada. Mas, adiante-se, o decreto condenatório não se fulcrou apenas no depoimento transcrito, havendo outros elementos nos autos, todos concatenados, a apontar a prática criminosa, o que será analisado a partir de agora, sobretudo com a análise probatória em seu contexto factual.

A vítima foi enfática ao afirmar que o irmão dela, um ano mais novo, "não era abusado pelo réu, mas certa vez ele chegou a ver" (fl. 120) (grifado). Na fase policial, vale lembrar, a vítima já havia dito que "certa vez seu irmão, Felipe, dois anos mais novo, viu quando D.A. de B. abusou da declarante, mas a declarante pediu que ele não contasse nada porque D.A. de B. dizia que iria matar a mãe deles" (fl. 23) (grifado).

Pela importância do depoimento, vale a pena conferir o que disse o menor F.S. de B., irmão da vítima e filho do apelante, tratando-se, pois, de uma pessoa que convivia com as partes e conhecia muito bem os detalhes, merecendo realçar o fato de que, mesmo não sendo abusado pelo pai, ora apelante, sendo bem tratado por este, inclusive, confirmando a versão da irmã. Ele disse para o M.M. Juiz:

Que quando era bem pequeninho, quando o depoente tinha cinco anos e M.C.S. sete, viu o pai, ora réu, na cama de casal dele como M.C.S.; que o que conseguiu ver foi que M.C.S. estava com as calças abaixadas e o réu estava com o pênis na mão, em cima dela; que na hora disse '-pai!' [...] que sempre que o réu ia dormir ele chama M.C.S. para dormir com ele; que ele demonstrava ciúmes de M.C.S. quando o depoente estava com os amigos [...] que depois entrou devagarinho em casa para não acordar o pai, quando então viu no quarto dele que ele e M.C.S. estavam na cama, embaixo da coberta, sendo que a coberta mexia [...] (fls. 164-165) (grifado).

Importante destacar a coerência nos depoimentos prestados pelos menores. Lembre-se que a vítima destacou o ato sexual praticado contra ela na cada da Dona Ivanilda, instante em que perdeu a "virgindade", sendo depois reforçada pelo depoimento de seu irmão, este que afirmou que M.C.S "também sofreu abuso do réu quando estava nessa casa" (fl. 165).

Como foi sustentado pela vítima, em razão das relacões sexuais praticadas pelo apelante, ela ficou grávida, sem embargo do aborto anteriormente praticado com sucesso. Tal versão - verossímel - é reforçada pelo laudo pericial de conjunção carnal de fls. 65-66, e bem ainda pelo laudo pericial 201062 (exame DNA), no qual se concluiu que não se pode excluir D.A. de B. como genitor de V.S. de B. (fl. 189).

Aliás, sobre a paternidade, se o apelante não fosse o pai da criança, bastaria arrolar o verdadeiro genitor como testemunha, o que não foi providenciado pela Defesa, ou, ainda, se propor a realizar um novo exame de DNA, ainda que desnecessário diante da precisão desta espécie de prova, o que também não foi observado a tempo e modo próprios. Abre-se um rápido parêntese para afastar a alegação de que o exame de DNA não é conclusivo, pois ele deve ser lido em conjunto com os demais elementos probatórios colacionados, daí exsurgindo evidente a paternidade do apelante.

Importante frisar que o apelante tentou - sem sucesso – alegar que "essa história toda foi inventada por Reni [mãe da vítima e companheira do apelante]; que acredita que Reni fez isso porque o depoente queria se separar de Reni" (fl. 170), o que soa, no mínimo, estranho, pois os menores (além da vítima, o próprio filho do apelante) não teriam qualquer motivo para incriminá-lo, ainda que fosse para ajudar a mãe, sobretudo quando os autos revelam que a família tinha uma vida aparentemente "normal".

A alegação recursal de que a mãe da vítima foi conivente com as relações sexuais não encontra eco no acervo de provas, sendo facilmente rechaçada pelo próprio depoimento da vítima, repise-se, harmônico e coerente, que disse não contar nada sobre os crimes antes por temer pela vida de sua mãe, tudo confirmado depois pelo seu irmão.

A Defesa não conseguiu trazer aos autos nenhum elemento probatório que pudesse, ao menos, colocar em dúvida a versão apresentada pela vítima, corroborada, ademais, por dois laudos técnicos e pela prova oral, especialmente pelo depoimento do irmão da vítima e filho do apelante, este que, sem qualquer motivo para prejudicar o pai, contou em detalhes o que havia presenciado e ouvido na casa da família.

Assim, as provas colhidas durante a instrução processual são firmes em apontar a prática do crime de estupro de vulnerável, tipificado no art. 217-A do Código Penal, porquanto à época (inicial) dos fatos a vítima tinha menos de 14 anos, valendo, no ponto, invocar mais uma vez o depoimento do irmão da vítima e filho do apelante, mais especificamente quando ele disse que, quando M.C.S tinha sete anos viu ela na cama com o pai, sendo que este "estava com o pênis na mão, em cima dela" (fl. 164), estando bem comprovado, portanto, que os atos sexuais aconteceram antes de a vítima completar 14 anos.

Não se desconhece o entendimento segundo o qual "[...] a violência presumida prevista no núcleo do art. 224, “a”, do Código Penal, deve ser relativizada conforme a situação do caso concreto, cedendo espaço, portanto, a situações da vida das pessoas que afastam a existência da violência do ato consensual quando decorrente de relação afetivo-sexual [...]" (STJ, REsp 804.999/SC, Sexta Turma, Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, j. em 10.11.2009, v.u).

Ocorre, contudo, que esta relatoria acompanha a corrente jurisprudencial no sentido de que "é irrelevante o consentimento da ofendida menor de quatorze anos ou, mesmo, a sua eventual experiência anterior, já que a presunção de violência a que se refere a redação anterior da alínea a do art. 224 do Código Penal é de caráter absoluto (STF - HC 99993 / SP - Min. Rel. Joaquim Barbosa. j. 24/11/2009, DJ 10-12-2009)" (TJSC, Apelação Criminal 2011.011979-8, Primeira Câmara Criminal, Rel.ª Des.ª Marli Mosimann Vargas, j. em 27.04.2011, v.u) (grifado), desimportando, pois, eventual consentimento da vítima, o que, aliás, não se acredita!

Também está comprovado, de igual forma, o crime de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal. Aqui, invocando o que já se disse anteriormente e sem maiores digressões, importa apenas lembrar que a gravidez da vítima, depois de um aborto realizado com sucesso, aconteceu quando ela já havia completado 14 anos, não havendo qualquer dúvida, assim, de que as práticas sexuais (iniciadas quando a vítima tinha 7 anos) se prolongaram no tempo, inclusive depois que a vítima completou 14 anos.

Impossível, diante de tudo o que se disse até agora, falar em absolvição do apelante pelos crimes de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) e estupro (art. 213 do Código Penal), restando a análise apenas sobre a aplicação da pena, uma das insurgências recursais.

O apelante não demonstrou objetivamente qualquer equívoco ou exagero praticado pela Magistrada a quo ao fixar a reprimenda. De qualquer forma, passa-se à análise do pleito recursal, a começar pela dosimetria relacionada ao delito de estupro de vulnerável, em relação ao qual, na primeira fase, a pena não passou do mínimo legal, inalterada na etapa intermediária, à míngua de agravantes e atenuantes, sendo acrescida na fase derradeira à razão de 1/4 por força do previsto no art. 226, II, do CP, percentual, diga-se, aplicado em razão da irretroatividade da lei penal prejudicial e menor do que aquele trazido pela Lei 11.106/05. A pena ficou estabelecida em 10 anos de reclusão.

No que toca ao crime de estupro, a pena ficou no mínimo legal na fase inicial, acrescida de 1 ano (1/6) por conta da reincidência na segunda etapa, corretamente reconhecida, pois contra o apelante pesa uma condenação com trânsito em julgado de 20/07/2007 (fl. 17 dos autos em apenso), acrescida de 1/4 na terceira e última fase por conta do disposto no art. 226, II, do CPC, exatamente como se procedeu com relação ao crime anterior. A pena ficou estabelecida em 08 anos e 09 meses de reclusão.

Analisados os delitos individualmente, a autoridade judiciária reconheceu a continuidade delitiva, aplicando o art. 71 do Código Penal no percentual máximo a partir da pena do crime mais grave, que, no caso, é o crime de estupro de vulnerável, estando correta a aplicação da fração máxima (2/3) do art. 71, pois, de fato, "durante os 07 anos da prática de crimes pelo réu, no mínimo, foram 07 ou mais crimes na forma continuada, isso se considerarmos, ao menos, um crime por ano, resultando, então, a pena privativa de liberdade definitiva em 16 (dezesseis) anos e 08 (oito) meses de reclusão" (fl. 245).

Diante da habitualidade da conduta, poderia até se questionar a aplicação da continuidade delitiva na espécie, ainda mais que os Tribunais Superiores têm entendido que a reiteração criminosa indicadora de delinqüência habitual ou profissional é suficiente para descaracterizar o crime continuado, mas, não interposto recurso ministerial, impossível prejudicar a situação do réu.

Portanto, não há qualquer reparo a se fazer na aplicação da pena para os crimes de estupro de vulnerável e estupro.

Por fim, como a irresignação recursal busca a absolvição do apelante (sentido amplo), mesmo não fazendo menção expressa e específica ao crime de ameaça, é de rigor a sua análise.

O crime de ameaça está assim tipificado no Código Penal:

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Para Cezar Roberto Bitencourt,

O crime de ameaça consiste na promessa feita pelo sujeito ativo de um mal injusto e grave feita a alguém, violando sua liberdade psíquica. O mal ameaçado deve ser injusto e grave. A ameaça é a violência moral (vis compulsiva), que tem a finalidade de perturbar a liberdade psíquica e tranqüilidade do ofendido através da intimidação (Tratado de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 462).

A violação do bem jurídico tutelado, a liberdade psíquica do indivíduo, ficou bem evidenciado no caso concreto, pois D.A. de B. arrombou a porta da casa do Sr. Daniel Ignacio Bonavia e lá ameaçou por palavras a vítima R.M.S. (companheira dele e mãe da vítima dos crimes de estupro) de lhe causar mal injusto e grave, dizendo que "iria matá-la" e que "se ele fosse preso iria sobrar pra ela".

Ouvida em Juízo, R.M.S. declarou que "o réu invadiu onde a depoente estava escondida, quando então a polícia prendeu ele; que o réu pedia perdãio quando a polícia estava perto, e quando a polícia estava longe ele dizia: 'tu vai ver, o que é teu ta guardado'" (fl. 162), ratificando o que havia dito para a Polícia (fl. 18). Daniel Ignacio Bonavia, também em Juízo, disse que o réu estaria ameaçando ela (R.M.S) e chegou e quebrou a porta do apartamento gritando bastante (fl. 163).

Assim, bem comprovadas a autoria e a materialidade do crime de ameaça (CP, art. 147), principalmente pela prova oral colhida, não há como falar em absolvição, tampouco em redução da reprimenda, pois a pena mínima fixada em lei sofreu um pequeno aumento apenas na segunda fase, de 5 dias e em função da reincidência, ficando definitivamente fixada a pena em 1 mês e 5 dias de detenção.

Com base nesses fundamentos, o voto é pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

DECISÃO

Acordam os membros da Quarta Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

O conteúdo do presente acórdão, nos termos do § 2º do art. 201 do Código de Processo Penal, deverá ser comunicado pelo juízo de origem.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Desembargador Roberto Lucas Pacheco, com voto, e dele participou o Desembargador José Everaldo Silva. Funcionou como Membro do Ministério Público a Exma. Sra. Procuradora de Justiça, Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 04 de agosto de 2011.

Carlos Alberto Civinski

Relator

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download

To fulfill the demand for quickly locating and searching documents.

It is intelligent file search solution for home and business.

Literature Lottery

Related searches