PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo



O MONITORAMENTO ELETRÔNICO E OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS

(Publicado em Revista dos Tribunais, v.100, n.904 , fev.2011. p.475-493)

JULIANA BURRI

Mestranda em Direito Penal pela PUC/SP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ciências Criminais da PUC/SP. Advogada em São Paulo.

RESUMO: O monitoramento eletrônico é uma realidade recente no Brasil, conquistando contornos legais apenas em 2010, com a lei 12.258, não obstante alguns Estados brasileiros já utilizarem do recurso. Muito embora as inúmeras críticas tecidas em relação a esse novo modelo de execução penal, o fato é que o sistema de vigilância não fere os direitos e garantias fundamentais do condenado. A depender de como implantado na sociedade, o monitoramento pode ser uma grande alternativa à superlotação carcerária, como ocorre em muitos países alienígenas, como também um moderno e interessante mecanismo de ressocialização. Nada mais natural que, em pleno século XXI, a tradicional concepção das penas seja tocada pelas novas tendências tecnológicas.

PALAVRAS-CHAVE: monitoramento eletrônico – lotação carcerária – ressocialização – sistema de vigilância – redução de custos – saída temporária – pena privativa de liberdade

ABSTRACT: The electronic monitoring is a recent reality in Brazil, winning legal outlines only in 2010 with the law 12.258, despite some Brazilian states already use the resource. While the many criticisms against this new execution model, the fact is that the monitoring system does not hurt the rights and guarantees of the offender. Depending on how the society deployed, monitoring can be a great alternative to prison overcrowding, as in many aliens countries, but also a modern and interesting mechanism of socialization. Nothing more natural in the XXI century, the traditional conception of sentences to be played by new technological trends.

KEYWORDS: electronic monitoring – prison overcrowding – resocialization – surveillance system – cost reduction – temporary exit – custodial sentence

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Gênese do Monitoramento Eletrônico e Experiências Mundiais - 3. Conceito e Modelos de Monitoramento Eletrônico - 4. Críticas Favoráveis e Desfavoráveis ao Sistema de Vigilância - 5. O monitoramento eletrônico no direito brasileiro - 5.1. A Lei Federal 12.258 de 2010 - 5.2. O Monitoramento em Âmbito Estatal - 6. Conclusão - 7. Bibliografia

1. INTRODUÇÃO

O aumento exponencial da criminalidade e a falência do sistema prisional, versos de uma mesma moeda, ensejaram um dos fenômenos mais característicos da sociedade moderna, a superlotação carcerária, verdadeiro câncer social.

Questiona-se, hoje, a eficácia das penas privativas de liberdade, consubstanciadas pelo encarceramento, no tocante ao cumprimento das finalidades da pena, em especial, a não observância satisfatória da finalidade reeducativa (ressocializadora) da pena.

Nos moldes contemporâneos, é cediço que o sistema carcerário não espelha as diretrizes constitucionais, tampouco corresponde com o idealizado pelo legislador ao instituir a lei de execução penal (lei 7.012 de 1984).

Em verdade, diante da realidade prisional atual, a pena se destina somente a retirar de cena o condenado, para não se dizer que, em muitos casos, além de isolá-lo da sociedade, contribui para o seu ingresso em organizações criminosas ou degrada ainda mais sua personalidade e dignidade, bem como sua noção de humanidade.

Por outro lado, vivemos um século em que a globalização e a tecnologia se infiltraram não só no cotidiano dos cidadãos, mas, principalmente, na organização e estrutura dos órgãos estatais, vide a informatização progressiva do Poder Judiciário.

Nessa linha, nada mais natural que o sistema prisional também seja influenciado pelas novas tendências tecnológicas. Miguel Angel Iglesias Río e Juan Antonio Pérez Parente[1] nos alertam nesse sentido, “ciertamente, el imparable avance técnico de lãs últimas décadas há introducido um interesante debate político-criminal, que há despertado importantes esperanzas y agrias críticas doctrinales desde los años ochenta, en torno a la posibilidad de incorporar determinados mecanismos de vigilância electrónica al marco tradicional de las sanciones penales.”[2]

É nesse contexto que surge o instituto do monitoramento eletrônico que, em apertada análise, configuraria uma possível solução para o aumento dos contingentes carcerários, alternativa capaz de potencializar a ressocialização do condenado, afastando-o das maléficas consequências do encarceramento, uma vez que funcionaria como uma substituição para a pena privativa de liberdade, em certos casos predeterminados por lei.

O monitoramento eletrônico está sendo utilizado por alguns países desde a década de 80 do século passado, tendo sua raiz nos Estados Unidos e, posteriormente, ganhou espaço em outros lugares como a Austrália, Canadá, Inglaterra, Portugal, Itália, Bélgica, entre outros.

No Brasil, o tema é relativamente recente, tendo sido implantado por alguns Estados brasileiros como, por exemplo, o Estado de São Paulo que, no dia 14 de abril de 2008, disciplinou o instituto por meio da lei 12.906, publicada no dia seguinte à sua sanção.

Em âmbito nacional, a discussão sobre o monitoramento eletrônico perdurou durante muitos anos no Congresso Nacional, ganhando sua primeira roupagem legal em 2010, quando publicada no dia 16 de junho, sob o número 12.258.

2. GÊNESE DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO E EXPERIÊNCIAS MUNDIAIS

A primeira notícia sobre o monitoramento eletrônico deve-se a um professor de psicologia da Universidade de Harvard, Ralph Schwitzgebel, que, nos idos de 1960, propôs medidas eletrônicas para controlar delinqüentes e doentes mentais. A idéia do professor, em verdade, foi implantar tal artefato tecnológico de vigilância em pessoas com problemas sociais, o que poderia alcançar qualquer um, não só os condenados, com o intuito de controlar o comportamento humano.[3]

Em 1970, L. Barton Ingraham e Gerald Smith idealizaram a vigilância eletrônica como uma alternativa real ao cárcere privado.[4]

Entretanto, o monitoramento eletrônico foi efetivamente implantado pela primeira vez pelo magistrado norte-americano Jack Love, de Albuquerque, Novo México, que, inspirado por um episódio de desenho em quadrinhos do Homem-Aranha, em que o vilão da história colocava um bracelete eletrônico no braço do herói de modo que pudesse localizá-lo onde quer que estivesse[5], persuadiu o perito em eletrônica, Michael Gloss, para que criasse um novo sistema que permitisse supervisionar o comportamento dos delinqüentes de sua jurisdição.

Dessa feita, Michael Gloss fabricou o primeiro dispositivo de supervisão consistente em um bloco de bateria e um transmissor capaz de transmitir sinal a um receptor e passou a ser chamado de “Gosslink”, união da palavra link e do sobrenome do engenheiro inventor. [6]

Em 1983, o Juiz Love sentenciou o primeiro criminoso a usar o monitoramento eletrônico. A partir de então, muitos Estados Norte-Americanos seguiram os passos do magistrado e começaram a determinar o uso do monitoramento em suas jurisdições de modo que, em 1988, já haviam 2.300 condenados usando o dispositivo de supervisão.[7]

Essa experiência, introduzida por um magistrado norteamericano, foi exportada e ganhou adeptos mundialmente, tendo sido consolidada em inúmeros países como uma alternativa concreta para a execução da pena, com expresso reconhecimento legal.[8]

Conforme argumentos encontrados em países que já vivenciam tal sistema, o monitoramento eletrônico persegue tríplice finalidade, qual seja, redução da superlotação carcerária, redução nos custos decorrentes do encarceramento e combate à reincidência criminal. Nesse diapasão, seguem comentários de Miguel Angel Iglesias Río e Juan Antonio Pérez Parente, “em primer plano, desde uma perspectiva prioritariamente pragmática, se sostiene que la vigilância electrónica contribuye a uma diminución de la población carcelaria y a um ahorro de costes ligados a la administración penitenciaria. Em segundo lugar, ocupando um inmerecido puesto secundário, desde uma perspectiva político-criminal, el control electrónico evita o reduce la privación de libertad em prisión, por lo que contribuye a favorecer y acelerar el processo de resocialización del condenado, evitando al mismo tiempo los efectos negativos inherentes a la prisionalización.”[9]

Mundialmente, em termos gerais, as mais diversas formas de vigilância eletrônica têm sido usadas para substituir prisões processuais, para sentenciados a uma pena curta de prisão, para prisões domiciliares, para reincidentes e substituição do restante da pena privativa de liberdade a ser cumprida, como meio de potencializar a reinserção do condenado à sociedade.

Os variados modelos de monitoramento eletrônico se agrupam, basicamente, em dois distintos sistemas: o front-door system e o back-door system[10].

A forma mais comum e usual é o sistema front-door que impede o ingresso do condenado ao cárcere, servindo como pena principal ou uma alternativa à pena privativa de liberdade. O Monitoramento é empregado nos casos, por exemplo, de prisão domiciliar, prestação de serviços à comunidade e suspensão condicional da pena.

O sistema back-door, por seu turno, busca reduzir o tempo de encarceramento sem implicar na redução da pena, ou seja, substitui-se o restante do cumprimento da pena privativa de liberdade (a depender do país, permite-se a substituição restando 1 ano para o cumprimento da pena privativa de liberdade) pelo sistema de vigilância. Esse sistema cresce cada vez mais entre os países adeptos da vigilância eletrônica, pois sua principal finalidade é a reinserção gradual do condenado à vida em sociedade.

Os sistemas acima apresentados são adotados mediante algumas peculiaridades a depender do país em questão. A Inglaterra, por exemplo, introduziu a vigilância eletrônica como pena principal para crimes não graves os quais permitam a prisão domiciliar.

A França, espelhando-se no modelo sueco, utiliza o monitoramento eletrônico como uma modalidade de execução da pena privativa de liberdade, isto é, no sistema front-door, faculta-se o uso do aparelho para condenados em até 1 ano de prisão e, no sistema back-door, para os condenados que restam cumprir até 1 ano de privativa de liberdade. Ressalta-se que o sistema penal francês estabelece que preenchidos tais requisitos objetivos, o juiz das execuções pode de ofício ou a pedido do membro do Ministério Público ou do condenado substituir a privativa pelo monitoramento eletrônico desde que o condenado consinta com tal substituição, sempre na presença de seu advogado.[11]

Na Itália e em Portugal, a prisão domiciliar com vigilância eletrônica se introduziu como uma alternativa à prisão processual, em 2001 e 1999, respectivamente. Na Alemanha, a prisão domiciliar com o monitoramento configura uma nova pena principal no contexto da suspensão condicional do processo.[12]

3. CONCEITO E MODELOS DE MONITORAMENTO ELETRÔNICO

Em linhas gerais, o monitoramento eletrônico, mais adotado mundialmente, nada mais é do que um aparelho tecnológico de supervisão acoplado em tempo integral no indivíduo e ligado a uma central de recebimento de informações, de modo que seu hospedeiro será vigiado 24 horas por dia.

O monitoramento eletrônico é, em verdade, a versão moderna da pena privativa de liberdade que, hoje, é cumprida num recinto fechado, mas com o avanço tecnológico e sua incorporação na sociedade, será cumprida além dos muros, preservando a vigilância integral como se encarcerado estivesse, obviamente, com as devidas variações.

Conforme dito anteriormente, a vigilância eletrônica tem por finalidade precípua a diminuição do contingente carcerário[13], pois que seria uma alternativa à pena privativa de liberdade em certos casos expressamente regulados por lei. Secundariamente, a proposta para introdução de tal recurso visa à redução dos custos estatais gerados pelo encarceramento.[14]

Há três sistemas tecnológicos de monitoramento eletrônico, a saber: o sistema passivo, ativo e o sistema de posicionamento global (GPS).[15] Os dois primeiros visam à localizar o usuário em um determinado local. O último permite localizar o usuário aonde quer que ele esteja, em tempo real, mediante dispositivos de localização global (Global Positioning System).

No sistema passivo, os condenados são acionados periodicamente via aparelho telefônico a fim de se verificar o local onde se encontram. A identificação do indivíduo se dá mediante senhas ou reconhecimento de voz.[16]

O sistema ativo é o mais conhecido e o mais empregado, notadamente na França. Consiste na utilização de um bracelete[17] que transmite informações para um receptor em uma central de vigilância. Com essa tecnologia, é possível identificar ininterruptamente a localização do usuário, sem sua colaboração, e, com isso, evitar-se que o condenado freqüente determinados lugares e até se encontre com específicas pessoas como, por exemplo, a vítima.[18]

A última geração tecnológica, desenvolvida pelo Departamento de Defesa norte-americano, é formada por satélites, estações de terra conectadas em rede e dispositivos móveis como braceletes ou tornozeleiras eletrônicas. Esse sistema permite uma precisa localização do usuário em tempo real e integral. Como também, conta com a possibilidade de soar um alarme toda vez que o usuário se aproximar de algum local proibido ou uma pessoa determinada.[19]

4. CRÍTICAS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS AO SISTEMA DE VIGILÂNCIA

O sistema de monitoramento eletrônico é um assunto ainda tímido no Brasil comparado aos países estrangeiros em que se discute tal alternativa à pena privativa de liberdade desde os anos 80 do século passado.

O Congresso Nacional começou a debater a questão a partir de 2007, com algumas propostas de lei, mas foi apenas no presente ano de 2010 que a casa legislativa aprovou a medida e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no dia 15 de junho, a Lei 12.258, conforme analisaremos no tópico a seguir.

A vigilância eletrônica já é uma realidade no Brasil e necessário se faz a análise de seus pontos favoráveis e desfavoráveis para melhor compreensão e aplicação do sistema.

O principal argumento contrário à implantação do monitoramento é a violação a alguns direitos individuais, consagrados por nossa Carta Magna, em seu artigo 5°, como a violação à intimidade, risco à integridade física e moral do usuário, bem como ingerência do Estado na vida privada do indivíduo. Além disso, há quem aponte pelo elevado custo da implantação e respectivo impacto no orçamento estatal.

Por se tratar de um mecanismo de difícil ocultamento, a utilização de pulseiras ou tornozeleiras exporia o usuário aos diversos tipos de constrangimentos, podendo sofrer ofensas à sua integridade física e moral, bem como dificultaria sua reinserção social.

Nesse sentido, protesta o Defensor Público do Estado de São Paulo, Carlos Weis, a saber, “a primeira ponderação diz respeito à preservação do direito fundamental à intimidade, visto que o sistema, tal como apresentado ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (...), expõe publicamente a pessoa processada ou condenada criminalmente, reforçando o estigma que impede a integração social a que se referem tratados internacionais de direitos humanos e o artigo 1° da Lei de Execução Penal.”[20]

A respeito dos custos a que esse sistema se submete, o referido Defensor Público adverte, “(...) há dúvidas quanto o custo e a operação do sistema, sendo certo que não foi feita auditoria oficial para saber exatamente se a propalada economia operacional é verdadeira. Ademais, a tecnologia é privativa de umas poucas empresas privadas, o que pode deixar a Administração refém quando da renovação dos contratos, no caso de haver milhares de pessoas sendo monitoradas. Acaso seria feito o “recall” dos usuários se fosse suspensas a operação ou trocado o fornecedor dos serviços?”[21]

A par desses argumentos, remanesce o postulado da intervenção mínima em que a finalidade do Direito Penal é proteger bens considerados relevantes desde que os demais ramos do Direito, comprovadamente, não estiverem aptos a tutelá-los, por isso se dizer que o Direito Penal deve ser a última ratio.

Desta feita, argumenta-se no sentido de que a vigilância eletrônica seria uma forma de ingerência do Estado na vida privada do cidadão, interferência essa vedada constitucionalmente. Nessa esteira, segue comentário tecido por Carlos Weis, quando do parecer feito na condição de conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em resposta aos Projetos de Leis sobre o monitoramento eletrônico em trâmite no Congresso Nacional, “a respeito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já teve oportunidade de se pronunciar sobre os limites do exercício do jus puniendi pelos Estados, restando consagrado que “um Estado tem o direito e o dever de garantir sua própria segurança, mas deve exercê-los dentro dos limites e conforme aos procedimentos que permitam preservar tanto a segurança pública como os direitos fundamentais da pessoa humana.”[22]

Em contrapartida às críticas tecidas sobre essa nova perspectiva tecnológica de combate à criminalidade e ressocialização do sentenciado, muitos são os defensores do monitoramente eletrônico, sobretudo porque, além de já existirem experiências positivas em diversos países do mundo, é uma alternativa a não contaminação do processado ou condenado às mazelas prisionais.

Ora, se é cediço que o sistema prisional já é um instituto falido, devemos nos afastar do conservadorismo enraizado em nossa Ciência Criminal e abrir a possibilidade para que a tecnologia e as novas possibilidades de execução de pena se integrem em nossa sociedade. Muitos são os que criticam, mas poucos os que ofertam soluções.

Com rigor, Cezar Roberto Bitencourt assevera acerca da necessidade de se implantar novas alternativas à pena de prisão, a saber, “embora se aceite a pena privativa de liberdade como um marco na humanização da sanção criminal, em seu tempo, a verdade é que fracassou em seus objetivos declarados. A reformulação do sistema surge como uma necessidade inadiável e teve seu início com a luta de Von Liszt contra as penas curtas privativas de liberdade e a proposta de substituição por recursos mais adequados. Nas alternativas inovadoras da estrutura clássica da privação de liberdade há um variado repertório de medidas, sendo que algumas representam somente um novo método de execução da pena de prisão, mas outras constituem verdadeiros substitutivos. A exigência, sem embargo, de novas soluções não abre mão da aptidão em exercer as funções que lhes são atribuídas, mas sem o caráter injusto da sanção substituída.”[23]

Com prioridade, chega a ser uma ilusão acreditar que de um ambiente hostil, estressante, mal organizado, superlotado, carente de recursos humanizatórios, saiam indivíduos pacificados e com a capacidade de conquistar o próprio sustento de forma honesta. Em razão disso, deve-se evitar que processados ou condenados em certas situações ingressem no sistema carcerário para, assim o evitando, se consiga trabalhar de forma eficaz e correta, à luz da reintegração social e reeducação do prisioneiro, com aqueles que lá precisam estar (por serem considerados perigosos pela Justiça, por exemplo), de igual forma, com àqueles que fora dos muros carcerários se encontram. Ao enxugar o ingresso desnecessário de alguns condenados (ou processados), retira-se desses uma possível chance de se infiltrarem ainda mais no mundo criminal.

Faustino Gudín Rodríguez-Magariños, em seu artigo sobre o monitoramento eletrônico, nos aponta renomados juristas penais que compactuam com o sistema de vigilância como alternativa ao cárcere privado, a seguir, “Roxín preconizo que se podia pensar em el arresto domiciliário como uma nueva pena atenuada frente a la privación de libertad, cuyo control ya no será ningún problema a la vista de los modernos sistemas electrónicos de seguridad. Nistal Burón apunta lãs notables ventajas del sistema: bajo coste, evita la sobrecarga de los centros penitenciários, que no entren em prisión indivíduos poços peligrosos, que el sujeto no pierda su trabajo y pueda atender lãs necesidades econômicas de su víctima, que eluda los efectos desocializadores y que, a su vez, este controlado por la sociedad. A los que cabría añadir que se elimina el peligro de contagio criminal y que dota a la privación de libertad de uma forma perceptiblemente más humana.”[24]

O Presidente da Ordem dos Advogados de São Paulo (OABSP) e advogado criminalista, Luiz Flávio Borges D’Urso, é favorável ao monitoramento eletrônico de presos sob a alegação de que “toda e qualquer alternativa para evitar o aprisionamento é bem vinda”. Segue afirmando, “as pessoas condenadas ou que aguardam julgamento ficam, hoje,  sujeitas às mazelas comuns do sistema carcerário que não garante a integridade física do preso, como superlotação, sevícias sexuais, doenças como aids e tuberculose e rebeliões. O monitoramento eletrônico traria duas vantagens: evitaria o confinamento e os problemas dele decorrentes e manteria a responsabilidade do Estado diante de uma condenação de pequena monta ou prisão antes da condenação.”[25]

Não obstante a alegação de violação à intimidade, bem como a intervenção do Estado na vida privada dos usuários, é certo que os direitos e garantias individuais consagrados pelo artigo 5° da Constituição Federal não são absolutos e, dessa forma, a análise em questão deve ser feita à luz da ponderação dos princípios.

Ora, se de um lado é assegurada a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem das pessoas, do outro, é dever do Estado zelar pela segurança da sociedade, não submeter ninguém a tratamento desumano ou degradante. Dessa ponderação e, tendo em vista a realidade prisional brasileira, creio ser mais benéfica ao réu e à sociedade a introdução de medidas que evitem ao máximo o ingresso do agente em penitenciárias.

Aliás, não procede o argumento de que o usuário será estigmatizado pela sociedade porque ele já é, estando na prisão e quando sai dela. A diferença é que tendo a oportunidade de cumprir sua condenação além dos muros prisionais, o condenado poderá continuar em seu seio familiar, não estará submetido à subcultura carcerária, poderá continuar trabalhando ou estudando, terá a oportunidade de ressarcir sua vítima, etc.

Importante constar que os avanços tecnológicos permitem o desenvolvimento de dispositivos pequenos os quais podem se mostrar como acessórios frequentemente usados por qualquer pessoa. Os EUA já desenvolveram um bracelete que se assemelha a um relógio qualquer, por exemplo.

Não se pode deixar de vista que o monitoramento eletrônico é proposto como uma alternativa à prisão e, dessa forma, o usuário não está isento de privações. Nessa perspectiva, é óbvio que, de uma forma ou de outra (estando ou não na prisão, propriamente dita), o condenado terá sua privacidade mitigada.

Então, para àqueles que sustentam ser a vigilância eletrônica uma forma de violação à intimidade e à vida privada, urge indagar se a privação da liberdade em cadeias públicas não é de igual modo violar a intimidade e a vida privada dos indivíduos? Obviamente a resposta é positiva porque esses indivíduos não se encontram em situação de pleno gozo de seus direitos e garantias individuais, bem como trata-se de privações.

5. O MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO DIREITO BRASILEIRO

5.1. A LEI FEDERAL 12.258 DE 2010

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal iniciaram o debate acerca da introdução do sistema de vigilância eletrônica na sociedade brasileira em 2007, quando alguns projetos foram apresentados em cada casa por seus respectivos representantes. Embora o sistema já tenha se instalado em inúmeros países alienígenas, a inovação ganha contornos recentes no direito interno, conquistando o ordenamento jurídico apenas em 2010, com a Lei 12.258 de 15 de junho.

A lei federal, entre outras alterações concernentes ao regime semi-aberto e à saída temporária, introduz a Seção VI ao Título V da lei 7.210 de 1984, sob a rubrica “Da Monitoração Eletrônica”, acrescentando os artigos 146-B, 146-C e 146-D à lei de execução penal.

O artigo 146-B prevê a possibilidade de vigilância eletrônica em duas situações: no caso de saída temporária no regime semiaberto e prisão domiciliar.

A lei dispõe sobre os deveres[26] a serem observados pelos usuários acerca da utilização do equipamento e, de igual modo, institui as sanções em caso de descumprimento, após ouvidos o Ministério Público e a defesa: regressão de regime, revogação da autorização de saída temporária e revogação da prisão domiciliar.

A monitoração eletrônica poderá ser revogada quando “se tornar desnecessária ou inadequada” (artigo 146-D, inciso I), quando da ocorrência de “falta grave” (inciso II, 2° parte) e pela violação dos deveres previstos no parágrafo único, do artigo 146-C.

Por fim, a lei deixa a cargo do Poder Executivo a função de regulamentar a implantação do monitoramento eletrônico.

Tecnicamente, a lei em questão não padece de vício constitucional já que os direitos fundamentais dos presos condenados e provisórios foram preservados, bem como compete à União legislar sobre execução penal (competência privativa) e direito penitenciário (competência concorrente), nos moldes do artigo 22, inciso I e artigo 24, inciso I, ambos da CF.

O Presidente da República vetou algumas previsões como, por exemplo, no que consiste o sistema de vigilância indireta no qual, no projeto de lei 1.288 de 2007, de autoria do senador Magno Malta, estabelecia em seu parágrafo único, do artigo 146-A que a “vigilância indireta” será realizada “por meio da afixação, ao corpo do apenado, de dispositivo não ostensivo de monitoração eletrônica que indique, à distância, o horário e a localização do usuário, além de outras informações úteis à fiscalização judicial”. Parece-nos que o legislador preferiu, corretamente, não ingressar na seara tecnológica do dispositivo em si, deixando a cargo do Poder Executivo fazê-lo.

Além desse veto, houve a redução do alcance dessa nova forma de vigilância, excluindo de seu rol os condenados em regime aberto, penas restritivas de direito, livramento condicional e suspensão condicional da pena sob o argumento de que “a adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso.”[27]

Muito embora uma das finalidades do sistema de monitoração seja o combate à superlotação carcerária, parece que não foi essa a primordial intenção do nosso legislador, tendo em vista que as hipóteses elencadas para a concessão da fiscalização englobem apenas presos já em liberdade.

Verifica-se que houve uma maior preocupação em aumentar a fiscalização estatal sobre o condenado do que enxugar a massa carcerária. Em verdade, a única finalidade do monitoramento eletrônico, no Brasil, mostrou-se ser para fins de fiscalização, pelo menos nesse primeiro momento de previsão legal.

Nessa esteira de entendimento, não há sentido em retirar a vigilância indireta nos casos, pelo menos, de livramento condicional e suspensão condicional da pena. Já que o propósito da implantação do sistema é a fiscalização, não assiste razão o argumento de que o monitoramento comprometeria a “individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal.”[28] Muito pelo contrário, se a fiscalização realizada pelos agentes do Estado é de certa forma ineficaz, a única maneira eficiente de se controlar o cumprimento das condições impostas pelo juiz será pelo referido modelo de vigilância.

Não obstante a falta de previsão legal expressa, sensato é concluir ser do juiz do processo a competência para determinar a utilização do equipamento no caso de prisão domiciliar e, do juiz das execuções, no caso de saída temporária.

De modo acertado o legislador acrescentou uma nova seção à Lei de Execução Penal regulando as hipóteses em que o sistema de vigilância poderá ser imposto pelo juiz.

O legislador optou por deixar a cargo do juiz a faculdade de aplicação do equipamento, nas hipóteses previstas, a depender da análise do caso concreto. Ou seja, parece que não serão em todos os casos de prisão domiciliar e saída temporária que o condenado será fiscalizado por meio de um sistema de vigilância, já que o artigo 146-B utiliza a expressão “poderá”. No entanto, referida faculdade poderá resultar numa ofensa ao princípio da igualdade no âmbito prisional uma vez que qual ou quais seriam os critérios utilizados por cada juiz a fim de se impor o sistema a um condenado e não impor a outro, estando ambos autorizados a saírem temporariamente da prisão, por exemplo? A fim de se evitar tal ofensa, acertado seria a utilização obrigatória do equipamento nas hipóteses legais.

Havendo a disponibilidade do equipamento naquela Comarca ou penitenciária, o juiz deverá impor a medida a todos os condenados que obtiverem a saída temporária ou estiverem sob a prisão domiciliar.

Muito embora o artigo 146-D não preveja de forma expressa a oitiva do Ministério Público e da defesa no tocante à revogação por desnecessidade e inadequação da medida, bem como no caso de falta grave, entende-se que ambas as partes devem ser ouvidas, à luz do devido processo legal.

Atina-se pela abstração de uma das hipóteses de revogação contida no inciso I, do artigo acima mencionado: desnecessidade e inadequação. Acredito que o equipamento não se torna desnecessário ou inadequado ao longo da saída temporária ou prisão domiciliar, tendo em vista que a permanência ou não desse equipamento não se deve condicionar ao bom comportamento do condenado, ensejando assim a sua revogação, conforme sugere a lei.

A lei não prevê a utilização do monitoramento para presos cautelares, pois, conforme os dizeres do Relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, quando da análise do projeto de lei 1.288 de 2007, Deputado Flávio Dino, “opomo-nos apenas à possibilidade de converter a prisão preventiva em liberdade vigiada. A prisão cautelar tenciona, sobretudo, salvaguardar eventuais provas de um fato, e esta função não é sobejamente cumprida mediante vigilância eletrônica. Ademais, há projeto específico sobre o tema da prisão preventiva em tramitação na Casa, aguardando votação em plenário.[29]

De fato, uma das hipóteses de imposição da prisão preventiva é por conveniência à instrução criminal e, nesse caso, a tecnologia não teria como impedir o condenado de alterar as provas, por exemplo. No entanto, nos demais casos, o sistema cumpriria perfeitamente a função do cárcere. Ressalta-se que o risco de linchamento não autoriza a prisão preventiva de ninguém. Cabe ao Estado tutelar a integridade física do condenado. Assim, pecou o legislador em não deixar a critério do juiz, na avaliação do caso concreto, a possibilidade de determinar a vigilância eletrônica para presos cautelares.

Conforme dito anteriormente, pecou o legislador em excluir a utilização do equipamento nos casos de livramento condicional e sursis, bem como no caso de trabalho externo no regime fechado. O deputado Flávio Dino, relator do projeto já referido, expressamente se opõe à possibilidade sob o argumento de que “a gravidade dos delitos e a inferida periculosidade dos detentos não permite tal abrandamento”.[30]

O sistema de monitoramento não espelha um abrandamento de pena. Nenhuma das hipóteses previstas na lei federal reflete a utilização do sistema como uma forma de amenizar a pena do condenado. O réu continuará a cumprir o que lhe fora determinado com ou sem o dispositivo eletrônico.

No caso do trabalho externo no regime fechado, a utilização desse sistema seria importante para evitar fugas e, quiçá, o cometimento de novos delitos durante o período em que os presos estiverem fora da prisão. Além do mais, é cediço que essa permissão no regime fechado não é empregada na prática exatamente pela falta de fiscalização. Portanto, com a devida vênia, o argumento do deputado não prospera.

Conclui-se pela análise da presente lei que o monitoramento eletrônico possui natureza jurídica de fiscalização. Tal recurso não substitui a pena privativa de liberdade; constitui verdadeiro sistema de vigilância a fim de dar maior segurança social a certos benefícios concedidos.

5.2. O MONITORAMENTO EM ÂMBITO ESTATAL

Alguns Estados brasileiros, inspirados pelas experiências estrangeiras, já tinham iniciado um projeto experimental de implantação do dispositivo de controle à distância de presos, antes do advento da referida lei.

O Juízo das Execuções Penais da Comarca de Guarabira, na Paraíba, foi o primeiro a testar essa nova tecnologia por meio do projeto “Liberdade vigiada, sociedade protegida”[31], liderada pelo juiz Bruno César Azevedo Isidro.

O projeto se iniciou em 13 de julho de 2007 e, mediante tecnologia nacional, seis detentos em regime fechado se voluntariaram para usar a tornozeleira.

A respeito da tecnologia usada, o juiz Bruno Azevedo nos fornece maiores detalhes, “(...) fazendo uso de tecnologia nacional, desenvolvida para atender as especificidades do sistema de presos do nosso universo carcerário e voltada para duas formas de execução. A primeira, inaugurada com o projeto, que foi denominada de tornozeleira on line, e que propicia o acompanhamento do preso, onde ele estiver, em tempo real. E a segunda, uma ano depois de iniciado o projeto, denominada tornozeleira domiciliar, destinada a levantar uma outra discussão, a da aplicação da pena em regime domiciliar, e com um tipo de tecnologia que acompanha o monitoramento do preso no ambiente de sua casa, propiciando a ele, de acordo com as determinações do juízo das Execuções Penais, não sair em hipótese alguma dos limites de sua residência, ou se for o caso, se distanciar até 400 metros, tudo acompanhado em tempo real. A bateria deste tipo de tornozeleira, não precisa de carga por três anos. Aquela é recarregável a cada 48h, no entanto, quanto a esta, o preso retorna diariamente para a unidade prisional, oportunidade na qual, será retirada a sua tornozeleira para recarga. Ressalta-se que ao longo deste projeto, as duas formas de tornozeleiras estão sendo utilizadas.”[32]

O governo do Estado de São Paulo, em 2008, publicou a Lei 12.906, regulando o uso da vigilância eletrônica. Muitas críticas e elogios cercaram a iniciativa paulista.

A lei estadual prevê o uso do monitoramento nos casos de prisão domiciliar, de proibição de freqüentar determinados lugares, livramento condicional, saída temporária e prestação de trabalho externo.

Logicamente, com o advento da lei federal, percebe-se um conflito entre as duas leis no tocante à aplicação da vigilância eletrônica, visto que a lei federal não prevê a fiscalização nos casos de livramento condicional, trabalho externo e benefícios condicionados à proibição de freqüentar determinados lugares. O conflito já se inicia nesse primeiro momento.

No entanto, o conflito é apenas aparente uma vez que o §1°, do artigo 24 da Constituição Federal estabelece que a competência da União se limita às normas gerais. Dessa feita, resulta inaplicável a lei estadual, ressalvado o disposto nos artigos 8° e 9°[33] da referida lei, por não tratarem de normas gerais e não conflitarem com o previsto na lei federal.

De qualquer forma, a lei estadual apresenta falhas, tais como condicionar o uso do sistema de vigilância ao consentimento do condenado. Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, “primeiro ponto a ser observado: se a implementação da vigilância eletrônica depende de consentimento do sentenciado, por que este concordaria em ser vigiado à distância? Inexiste motivo para tanto (...) a lei estadual errou ao estabelecer a facultatividade. A atividade de fiscalização é cogente e não depende de concordância do condenado, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana, vale dizer, se o sistema utilizado não implicar em qualquer forma de humilhação ou exposição. Da maneira como posta, entretanto, a Lei 12.906/2008 será ineficiente, quando aplicada. Segundo ponto: em hipótese alguma poderá o juiz condicionar a concessão de qualquer benefício à concordância do condenado em aceitar a vigilância eletrônica. Esta nova situação não está prevista em lei federal e não é condição fixada para o deferimento de qualquer benefício. O ideal seria o magistrado conceder o benefício, quando preenchidos os requisitos previstos no Código Penal e na Lei de Execução Penal. Depois, o Estado simplesmente alertaria o condenado de que a vigilância às condições estabelecidas seria eletrônica.”[34]

Outra crítica eficaz à lei paulista é a aplicação obrigatória do monitoramento aos crimes mais graves, arrolados pelo §2°, do artigo 2°, e a dispensa do sistema para os demais delitos. Com rigor, assevera Guilherme de Souza Nucci, “(...) o disposto no artigo 2°, §3°, permitindo o afastamento dessa forma de vigilância (como se outra houvesse em seu lugar, o que não existe), é um contra-senso, sem qualquer justificativa plausível. A execução penal, em sua efetividade, volta-se a todos os condenados e não a um particular grupo.”[35]

Por fim, seja pela inconstitucionalidade formal da lei estadual, tendo em vista o advento de lei federal dispondo sobre normas gerais, seja por outro entendimento que não esse, é certo que o artigo 7° da lei paulista é totalmente inaplicável, pois não é da competência dos Estados regular sobre matéria concernente à Execução Penal (competência privativa da União). Na precisa lição do já referido doutrinador, “outro aspecto irregular é a previsão de falta grave pela lei estadual (artigo 7°). Se o condenado, por exemplo, afetar o normal funcionamento da vigilância eletrônica, quebrando o aparelho, segundo a disposição estadual, pratica falta grave e será motivo para a revogação do livramento condicional. Essa previsão não diz respeito a Direito Penitenciário, mas à Execução Penal e somente lei federal pode dela cuidar. Por isso, é inaplicável. Associada à anterior lei estadual paulista, que permitiu a utilização de videoconferência, já considerada inconstitucional pelo STF, a atual lei 12.906/2008 transbordou a atividade legislativa autorizada pela Constituição Federal e deve ter a sua aplicação cautelosamente analisada pelo Poder Judiciário.”[36]

6. CONCLUSÃO

O monitoramento eletrônico de presos já é uma realidade mundial, adotado por muitos países tidos como de primeiro mundo. No Brasil, somente no ano de 2010, houve lei federal (Lei 12.258) dispondo sobre o tema.

Não se trata de ferir a dignidade da pessoa humana, tampouco violar a intimidade, à vida privada, à honra e a imagem do condenado, mesmo porque, qualquer tentativa de inovação na área do direito penitenciário, haverá sempre aqueles que rejeitarão a proposta com esses mesmos argumentos.

O fato é que o sistema carcerário, nos moldes em que se encontra atualmente, degrada por si só qualquer dignidade que um ser humano possa ter. A superlotação, a precária higienização, o desrespeito à individualização da pena que faz com que condenados de diferentes graus de periculosidade se enfrentem numa mesma área, o alto índice de reincidência, já configura uma violação grave à dignidade da pessoa humana e inviabiliza qualquer tentativa ressocializadora.

É com base nisso que surge a idéia de implantação do sistema de monitoramento eletrônico, justamente para aliar a modernidade do século XXI com a falência da pena privativa de liberdade cumprida em penitenciárias degradantes.

Logo, o monitoramente eletrônico certamente não ferirá mais a dignidade da pessoa humana do que as penitenciárias já se encarregam desse papel.

Infelizmente, a Lei federal 12.25810 não se utilizou desse mecanismo, pelo menos em princípio, como forma de substituição da pena privativa de liberdade, como ocorre em outros países. O monitoramento eletrônico, conforme a própria lei ventila, é um sistema de vigilância indireta, o que nos faz entender que a natureza de tal mecanismo é puramente fiscalizatória, apenas se agregando a alguns benefícios legais.

De igual modo, pecou o legislador em não ampliar o alcance do sistema para benefícios como o livramento condicional, suspensão condicional da pena e para o trabalho externo em regime fechado, bem como para a pena restritiva de direito. O sistema de vigilância seria um ótimo aliado e uma eficiente maneira de se controlar o cumprimento das condições impostas pelo magistrado.

Dessa feita, o sistema de vigilância, nos moldes implantados, não minimizará as mazelas prisionais, tanto já citadas, uma vez que não retira quem lá está, conforme já analisado. No entanto, aprimorará a segurança social, bem como ajudará no cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz quando da aplicação da pena.

A implantação gradual e consciente de dispositivos de vigilância é claramente um mecanismo positivo à execução penal e, quem sabe futuramente, esse sistema não se torne um verdadeiro aliado à substituição da pena privativa de liberdade em alguns casos, constituindo uma opção moderna e melhorada ao cárcere privado.

7. BIBLIOGRAFIA

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BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos Pragmáticos e Dogmáticos do Monitoramento Eletrônico. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e perspectiva no Brasil. Ministério da Justiça.

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GARCIA, Roberto Soares. Pulseirinhas, tornozeleiras e inconstitucionalidade da Lei 12.906/08. Boletim IBCCRIM, São Paulo, a. 16, n. 187, junho de 2008.

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MACHADO, Nara Borgo Cypriano. O Monitoramento Eletrônico e a Viabilidade de sua Utilização no Ordenamento Jurídico-Penal Brasileiro. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e perspectiva no Brasil. Ministério da Justiça.

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WEIS, Carlos, Corregedor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e membro do CNPCP. O Big Brother Penitenciário. Disponível em:

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[1] La pena de localización permanente y su seguimiento com médios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México.

[2] Traduzi: Certamente, o crescente avanço tecnológico das últimas décadas introduziu um debate político-criminal interessante, que despertaram esperanças e amargas críticas doutrinárias desde a década de oitenta, sobre a possibilidade de incorporar alguns mecanismos de vigilância eletrônica na tradicional concepção das sanções penais.

[3] Cf. RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. La cárcel electrónica. El modelo del derecho norteamericano. Revista La Ley Penal – número 21, año II, noviembre 2005.

[4] Cf. RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. La cárcel electrónica. El modelo del derecho norteamericano. Revista La Ley Penal – número 21, año II, noviembre 2005.

[5] Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e perspectiva no Brasil. Ministério da Justiça. Página 14.

[6] Cf. RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. La cárcel electrónica. El modelo del derecho norteamericano. Revista La Ley Penal – número 21, año II, noviembre 2005.

[7] John Howard Society of Alberta. Electronic monitoring. Disponível em: . Acesso em 14.03.2010.

[8] A Grã-Bretanha, em 2002, alcançou 1750 condenados a pena de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico. (RÍO, Miguel Angel Iglesias; PARENTE, Juan Antonio Pérez. La pena de localización permanente y su seguimiento com médios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México.)

[9] La pena de localización permanente y su seguimiento com médios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México.

Traduzi: Em primeiro plano, a partir de uma perspectiva essencialmente pragmática, sustenta-se que a vigilância eletrônica ajuda a diminuir a população carcerária e a reduzir os custos associados com a administração prisional. Em segundo lugar, ocupando uma injusta posição secundária,sob uma perspectiva político-criminal, o controle eletrônico evita ou reduz a privação da liberdade em prisões, o que contribui para facilitar e acelerar o processo de ressocialização do condenado, evitando os efeitos negativos inerentes ao encarceramento.

[10] RÍO, Miguel Angel Iglesias; PARENTE, Juan Antonio Pérez. La pena de localización permanente y su seguimiento com médios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México.

[11] Cf. RÍO, Miguel Angel Iglesias; PARENTE, Juan Antonio Pérez. La pena de localización permanente y su seguimiento com médios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México.

[12] Idem.

[13] “Sob este aspecto, pode-se mencionar o caso francês, em que condenados a uma pena inferior a um ano representam por volta de um terço da população carcerária”. (JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e perspectiva no Brasil. Ministério da Justiça. Página 16)

[14] “Trata-se de medida econômica: estudos realizados na França indicam que o dia na prisão custa por volta de R$ 180,00 (cento e oitenta reais), ao passo que a utilização de um bracelete eletrônico estaria estimada em valor equivalente a R$45,00 (quarenta e cinco reais) por dia.” (JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e perspectiva no Brasil. Ministério da Justiça. Página 15)

[15] Em seu artigo, Faustino Gudín Rodríguez-Magariños nos traz, ainda, um sistema o qual denomina de sistema de 3° geração, em seus dizeres: “Por último, La tecnologia de tercera generación se caracteriza por que al control por sistema GPS de permanencia o presencia que ofrecen los anteriores sistemas apuntados se añade también la possibilidad de que la central de vigilancia reciba informaciones psicológicas, frecuencia de pulsaciones, ritmo respiratorio para medir el nível de agresividad de um delincuente violento, la excitación sexual en delincuentes sexuales, cleptómanos o psicopatas. Así mismo, ante cualquier incumplimiento de lãs obligaciones acordadas judicialmente, algunas versiones tienen capacidad para realizar una intervención corporal directa en el vigilado por medio de descargas eléctrica programadas, que repercuten directamente en el sistema nervioso central o por medio de la apertura de una cápsula que le inyecta un tranqüilizante u outra substancia, para el caso de neuróticos agresivos, esquizofrênicos o adictos al alcohol.” (RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. La cárcel electrónica. El modelo del derecho norteamericano. Revista La Ley Penal – número 21, año II, noviembre 2005)

[16] Cf. RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. La cárcel electrónica. El modelo del derecho norteamericano. Revista La Ley Penal – número 21, año II, noviembre 2005.

[17] “O bracelete emissor, utilizado durante todo o tempo em que durar a medida imposta, emite continuamente sinais, permitindo-se atestar a presença do condenado no lugar designado. O sistema emissor é preto, semelhante a um relógio retangular, com ou sem mostrador de horas, geralmente fixado no tornozelo ou no punho.Dotado de uma bateria, emite sinais de alarme específicos caso haja baixa de carga ou mau funcionamento. Da mesma forma, possui fibras óticas que permitem detectar qualquer tentativa de arrombamento ou deteriorização. O emissor produz por trinta segundos um sinal com alcance de cinqüenta a setenta metros aproximadamente em direção a um receptor que delimita o local de emissão do sinal.” (JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e perspectiva no Brasil. Ministério da Justiça. Página 25.)

[18] Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e perspectiva no Brasil. Ministério da Justiça. Página 25

[19]Idem.

[20] O Big Brother Penitenciário. Disponível em: . Acesso em 14.03.2010.

[21] Idem.

[22] Estudo sobre o monitoramento eletrônico de pessoas processadas ou condenadas criminalmente. Disponível em . Acesso em 14.03.2010.

[23] Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 7° edição, 2002, pág. 442-443.

[24] La cárcel electrónica. El modelo del derecho norteamericano. Revista La Ley Penal – número 21, año II, noviembre 2005.

Traduzi: Roxin defendeu que se poderia pensar em prisão domiciliar como uma nova pena em substituição à pena privativa de liberdade, cujo controle não seria um problema tendo em vista os modernos sistemas de segurança eletrônica. Nistal Burón aponta as notáveis vantagens do sistema: baixo custo, evita a sobrecarga da prisão, impede o ingresso de indivíduos pouco perigosos, o sujeito não perde o seu emprego e pode atender às necessidades econômicas de sua vítima, contorna os efeitos dessocializadores e, por sua vez, está controlado pela sociedade. Isso soma-se ao fato de que o sistema de vigilância eletrônica elimina o perigo de contágio criminal e concede a pena privativa de liberdade uma forma mais humana.

[25]Fonte: site da OABSP. Disponível em . Acesso em 14.03.2010.

[26] Artigo 146-C, inciso I: receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; inciso II: abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça.

[27] Disponível em: . Acesso em 17.06.2010.

[28] Disponível em: . Acesso em 17.06.2010.

[29] Disponível em . Acesso em 14.03.2010.

[30] Idem.

[31] “Através do monitoramento eletrônico de presos, possibilitamos uma atuação rápida e eficaz da vara das Execuções Penais de Guarabira, na problemática do sistema carcerário, que resultou em uma maior efetividade e eficácia no acompanhamento dos presos em semiliberdade e redução da violência. O que representou celeridade e eficácia da justiça, em dá respostas exitosas, em uma das principais questões que aflige a sociedade, a questão carcerária. Dessa forma, implementamos o projeto Liberdade vigiada, sociedade protegida, que resultou no uso do monitoramento eletrônico de presos, pela primeira vez no Brasil”. Disponível em . Acesso em 14.03.2010.

[32] Disponível em . Acesso em 14.03.2010.

[33] Artigo 8°: Compete ao Poder Executivo adotar as providências necessárias à implantação da vigilância eletrônica e, notadamente: I – planejar sua implementação progressiva; II – adquirir os meios e sistemas tecnológicos necessários para realizá-la; III – providenciar o apoio logístico e administrativo para seu funcionamento.

Artigo 9°: Caberá ao diretor do estabelecimento penal apresentar ao juiz, de modo motivado e com a consideração de seus antecedentes e de sua personalidade, a relação dos condenados cuja submissão a esse controle lhe pareça mais conveniente se, por insuficiência dos meios técnicos, não for possível a vigilância eletrônica de todos os condenados.

[34] Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista do Tribunais, 4° edição, página 555.

[35] Idem.

[36] Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista do Tribunais, 4° edição, página 555.

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