Capas na mídia impressa: a primeira impressão é a que fica

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o XXX Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Santos ? 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

Capas na m?dia impressa: a primeira impress?o ? a que fica1

Karenine Miracelly Rocha da Cunha2 Unitoledo (Centro Universit?rio Toledo)

Resumo

As primeiras p?ginas na m?dia impressa atuam como um instrumento de valoriza??o do conte?do de jornais e revistas, ao chamarem a aten??o do leitor e o convidarem ? leitura. Assim, justamente quando o jornalismo rende-se ?s regras do mercado e a not?cia transforma-se em mercadoria, a primeira p?gina re?ne duas fun??es essenciais: a s?ntese do conte?do, que destaca o que h? de mais importante, in?dito e exclusivo em determinada edi??o; e a est?tica, que chama a aten??o do leitor gra?as ? simbiose entre informa??o e diagrama??o, fruto do desenvolvimento tecnol?gico aplicado ? comunica??o midi?tica.

Palavras-chave

Comunica??o visual; Jornalismo impresso; Edi??o; Linguagens Jornal?sticas

Introdu??o

As nuances econ?micas da sociedade moderna deram ao jornalismo um car?ter comercial, em que a informa??o ? produzida e comercializada pelas empresas midi?ticas como uma mercadoria, e da mesma forma consumida pela audi?ncia. Enquanto mercadoria, a not?cia ? ou seja, a informa??o transformada em produto jornal?stico

1 Trabalho apresentado no VII Encontro dos N?cleos de Pesquisa em Comunica??o ? NP Jornalismo, do Intercom 2007 (XXX Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o), realizado em Santos/SP, de 29 de agosto a 2 de setembro de 2007. 2 Jornalista, mestre em Comunica??o Midi?tica pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Bauru/SP e professora de Edi??o Jornal?stica do Unitoledo (Centro Universit?rio Toledo) - Ara?atuba/SP. E-mail: karenine.prof@toledo.br.

1

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o XXX Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Santos ? 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

mediante a aplica??o de v?rias t?cnicas de edi??o, que lapidam o fato e lhe d?o a forma

como ? publicado - est? submetida a press?es comerciais e ? l?gica do capital da

sociedade de consumo, traduzida em uma ampla concorr?ncia entre produtos, que disputam consumidores e transformam o jornalismo em news business3. Como qualquer

produto ou servi?o colocado ? venda, o jornalismo submete-se, pois, ?s leis de mercado

da oferta e da demanda e, sobretudo, do lucro, que deve ser o imperativo maior em toda

a a??o, conforme escreve Ramonet (1999, p. 15):

A m?dia est? sujeita a uma concorr?ncia cada vez mais feroz; as press?es comerciais intensificam-se. Muitos quadros dirigentes da m?dia v?m doravante do universo empresarial e n?o mais do mundo jornal?stico. Eles s?o menos sens?veis ? veracidade da informa??o. Aos olhos deles, o news business, o mercado da informa??o, ? antes de tudo um meio de gerar lucros.4

Destarte, no jornalismo, o apelo ao consumo torna-se semelhante a qualquer

outro produto colocado ? venda. O jornalismo disponibiliza not?cias em vitrines comunicacionais, cuja fun??o ? a mesma de um mostru?rio comum: incitar o consumo5.

No caso da m?dia impressa, as capas de jornais e revistas atuam como uma vitrine para

chamar a aten??o do leitor para o conte?do interno apresentado por determinada

publica??o. A primeira p?gina ? essencial para cumprir o processo comercial do

jornalismo, isto ?, fazer com que o produto midi?tico feito por jornalistas seja

consumido por leitores, conforme as regras da sociedade capitalista centrada no

consumo.

A m?dia televisiva tamb?m disp?e de artimanhas com fun??o semelhante: utiliza chamadas no meio da programa??o de entretenimento, escalada6 no in?cio dos telejornais e teasers7 para atrair e prender a aten??o do telespectador. No jornalismo digital, hiperlinks8 e pop-ups9 incrementam a p?gina inicial de navega??o, em uma

tentativa de capturar a aten??o do internauta, inclusive dos que passam rapidamente

3 Conceito explorado pelo comunic?logo franc?s Ign?cio Ramonet. Ver A tirania da comunica??o. Tradu??o de L?cia Mathilde Endlich Orth. 3. ed. Petr?polis/RJ: Vozes, 1999. p. 15. 4 Ibidem., grifo nosso. 5 Sobre esse ponto de vista, consultar MEDINA, Cremilda Araujo de. Not?cia, um produto ? venda... 4. ed. S?o Paulo: Summus, 1988. 6 Escalada ? o conjunto de manchetes anunciadas, por um apresentador, de forma r?pida e contundente, com ou sem imagens, no in?cio de um telejornal. 7 Termo origin?rio da Publicidade e Propaganda que se refere a um recurso utilizado para lan?amento iminente de novos produtos ou inova??es em outros j? conhecidos. No jornalismo, refere-se ao an?ncio de determinada not?cia que s? ser? transmitida em outro bloco, quase sempre no final do telejornal, com o objetivo de criar expectativa e garantir a audi?ncia at? o desfecho do programa. 8 Palavra, frase, ?cone ou caixa de texto completa que remete a outra parte do notici?rio on-line. 9 No jornalismo digital, refere-se ? p?gina independente da que foi iniciada a navega??o e que ? aberta sem a necessidade de controle volunt?rio do internauta. A pop-up pode ter conte?do informativo ou publicit?rio, assim como o hiperlink.

2

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o XXX Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Santos ? 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

pelos sites, em uma navega??o descompromissada e sem rumos pr?-determinados, cujo destino nem sempre est? relacionado aos endere?os noticiosos.

As capas de jornais e revistas atuam como a "recep??o" da m?dia impressa. Vale ressaltar que a fun??o de recepcionar, aqui, ? na acep??o de acolher o leitor. Assim, a fun??o de uma capa ? mais compar?vel ? reparti??o dos estabelecimentos comerciais e afins que se encarrega de receber os clientes e dar informa??es b?sicas sobre o que eles procuram. Responsabilidade muito apropriada quando se reconhece o car?ter mercadol?gico assumido pelo jornalismo contempor?neo: a capa seria o aporte f?sico para o primeiro contato entre leitor e jornal e/ou revista. Ou melhor, a primeira impress?o entre consumidor (o leitor) e o produto a ser consumido (a edi??o do jornal e/ou revista) produzido por uma empresa midi?tica.

Cabe destacar, ainda, que a capa enquanto recep??o da m?dia impressa n?o deve ser confundida com o ato de receber a mensagem, que, no esquema mais b?sico de comunica??o ? midi?tica ou n?o ? corresponde ? parte final da transmiss?o da informa??o ou outro produto. A capa enquanto recep??o na m?dia impressa atua, ao contr?rio, como o in?cio do processo de comunica??o midi?tica, uma vez que sua fun??o ? justamente chamar a aten??o do leitor e estabelecer um contrato fiduci?rio, que vai garantir a aquisi??o do produto jornal?stico (quando essa etapa ocorre nas bancas) e a leitura de seu conte?do.

Esse contrato fiduci?rio estabelecido pelas capas da m?dia impressa ? essencial na chamada sociedade da informa??o, onde os t?tulos de jornais e revistas s?o numerosos, atendendo mais uma vez um pressuposto do news business que ? a grande concorr?ncia. O leitor precisa encontrar um apelo visual nas numerosas capas de jornais e revistas expostas nas bancas para assinar o contrato fiduci?rio com a m?dia e consumir a not?cia-produto. ? a lei da oferta e da procura, v?lida para qualquer produto industrial, e as artimanhas para conquistar a demanda. Da mesma forma, o leitor que ? assinante de determinado(s) jornal(is) ou revista(s) precisa se sentir atra?do pela capa para efetuar a leitura das p?ginas internas, embora isso n?o seja a garantia de que o consumo repetirse-? em novas assinaturas ? boa capa nem sempre ? sin?nimo de informa??o de qualidade, segundo as t?cnicas jornal?sticas e valores ?ticos.

Faz-se necess?rio apontar um problema ?tico que envolve o jornalismo brasileiro em geral. A fim de conquistar leitores e fazer valer a m?xima popular que diz que a primeira impress?o ? a que fica, a m?dia impressa comumente utiliza artimanhas sensacionalistas, que transformam o jornalismo em espet?culo, para atrair a aten??o

3

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o XXX Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Santos ? 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

para a not?cia deflagrada como um grande show. ? mister, para compreender melhor tais proposi??es, invocar o que diz Ramonet (1999 apud KAPUSCINSKI, 1997, p. 2526):

Outrora, a veracidade de uma not?cia representava seu maior valor. Nos dias de hoje, o redator-chefe ou o diretor de um jornal n?o pergunta mais se uma informa??o ? verdadeira, mas se ela ? interessante. Se for constatado que ela n?o ? interessante, n?o ? publicada. De um ponto de vista ?tico, ? uma mudan?a consider?vel.10

Leitura garantida; cidadania e responsabilidade social quase sempre deixadas de lado: escolha justificada pela l?gica de mercado em que o imperativo maior ? seduzir, vender e gerar lucro, at? mesmo quando o produto a ser comercializado s?o not?cias. Para atrair o consumo, as not?cias s?o embrulhadas em aportes f?sicos ou ideol?gicos que priorizam o car?ter espetacular e sensacional, num apelo que interrompe o processo informativo e, em muitos casos, deturpa o verdadeiro significado do fato noticiado.

Edi??o das capas: sele??o e hierarquiza??o

Ao almejar a captura da aten??o do leitor, a capa ? o espa?o de s?ntese do jornal e da revista. Cabe a ela veicular, como se fosse um display ou cartaz publicit?rio, o que h? de diferente no conte?do da m?dia em quest?o e a informa??o que o leitor n?o deve ficar sem consumir. ? a assinatura do contrato fiduci?rio entre empresa jornal?stica e leitor. A capa deve, portanto, estampar o que h? de in?dito, de exclusivo, de interessante para o p?blico-alvo da m?dia. Ou seja, a capa traduz todos os pressupostos essenciais da not?cia enquanto produto jornal?stico. ? o momento da venda do produto feito por jornalistas na reda??o, a hora da conquista do consumidor.

Em se tratando de jornalismo impresso di?rio, a capa deve abordar o que h? de mais importante naquele dia ? ou melhor, no dia anterior, j? que essa ? a caracter?stica da m?dia impressa. ? capa o assunto que agrega um valor-not?cia maior, ou seja, que ? capaz de mobilizar mais leitores, de atender a demanda do p?blico-alvo do ve?culo, como ocorre com um produto qualquer. Em uma compara??o simplista, embora eficaz,

10 RAMONET, op. cit., grifo nosso.

4

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o XXX Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Santos ? 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

a primeira p?gina atua de maneira semelhante ? fun??o do r?tulo de qualquer produto exposto em uma g?ndola.

Logo, a capa traduz muito bem a linha editorial da m?dia. Ve?culos que praticam o jornalismo popular, com notici?rio mais local e pr?ximo ao cotidiano do seu leitor, como ? o caso do jornal Di?rio de S. Paulo, destacam em sua capa quase sempre not?cias sobre concurso ou dicas (do tipo "fa?a voc? mesmo" ou "tire suas d?vidas"). Assim, garantem a "assinatura" do contrato fiduci?rio pelo leitor, que se sente atra?do pela primeira p?gina (anunciadora do conte?do interno) e adquire o produto.

A sele??o e hierarquiza??o de fatos do dia ? o esquema de conte?do de capa mais comum no jornalismo brasileiro, seja local, regional ou de car?ter nacional. Eles s?o distribu?dos no espa?o da primeira p?gina conforme o grau de import?ncia e hierarquizados em manchete e chamadas, com ou sem fotos e ilustra??es.

N?o ? diferente no ?mbito do jornalismo impresso em revistas. Os fatos da semana, ou seja, os assuntos do momento, a serem discutidos nos pr?ximos sete dias (ou durante o m?s, no caso de revistas mensais), s?o elementos de capa na certa. Acompanhados de uma boa diagrama??o, garantem atra??o em bancas ou na casa dos anunciantes. A primeira p?gina, portanto, tem papel fundamental no agendamento11 dos temas sobre os quais os leitores devem pensar.

O segundo esquema mais convencional para a confec??o das capas de jornal ? a sele??o de um ?nico fato que atenda todos os crit?rios de noticiabilidade do dia, denominado, aqui, de assunto dominante ou foco de tens?o. Essa tend?ncia ? origin?ria do jornalismo impresso em revista, onde ? mais comum eleger um ?nico tema para sintetizar o foco de tens?o a ser passado ao leitor, e diminuir o n?mero de chamadas hierarquicamente menos importantes que a manchete.

No jornalismo brasileiro, esse segundo esquema ? adotado quando um acontecimento ? t?o importante que, unanimemente, chama a aten??o coletiva. Da? n?o ser necess?rio apostar em v?rias chamadas de outra natureza para chamar a aten??o de outros leitores, visto que a coletividade j? deu sinais, seja pela a??o de outras m?dias ou por interesse subjetivo, de se informar mais sobre o assunto.

A aplica??o desse esquema ? recorrente. Em maio de 2006, por ocasi?o dos ataques criminosos ocorridos em v?rias cidades do interior de S?o Paulo e da capital,

11 Conforme a hip?tese do agenda-setting, a m?dia diz sobre o que a audi?ncia deve pensar. Para mais esclarecimentos sobre a quest?o, consultar PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. S?o Paulo: Contexto, 2005, passim.

5

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download