Direitos sociais na Constituição Federal de 1988: direito ...



1 INTRODUÇÃO

O modelo de desenvolvimento assentado nas premissas do capitalismo trouxe além de alguns avanços tecnológicos, profundas desigualdades econômicas, sociais, além de profundas mudanças na natureza e no meio ambiente, tudo em nome do lucro e do “progresso” da humanidade.

Diante a crise ambiental que se tornou evidente nos anos 60, pelo rápido crescimento econômico e a conseqüente degradação ambiental, pode-se perceber o surgimento da consciência ambiental, vindo a se expandir nos anos 70, depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em Estolcomo, no ano de 1972, sendo que nesse momento foram assinalados os limites da racionalidade econômica e dos desafios da degradação ambiental, pois percebeu-se que os recursos naturais não eram infinitos como se acreditava ser, e precisavam de medidas urgentes para proteger a humanidade do avanço predatório do capitalismo.

A ação do Estado brasileiro segue a lógica do desenvolvimento capitalista neoliberal, que traz como conseqüências o crescimento da desigualdade, da ilegalidade no uso e ocupação do solo e a degradação ambiental.

O modelo urbano-industrial intensivo e altamente predatório adotado pelo Brasil provocou profundas mudanças socioambientais, agravando a exclusão social e a degradação da qualidade ambiental das cidades. As conseqüências estão refletidas no processo de urbanização das cidades, extremamente rápido e desigual, levando as populações de baixa renda a ocupar terras periféricas, em geral desprovidas de qualquer tipo de infra-estrutura e impróprias para moradia como encostas dos morros, nas beiras dos córregos ou igarapés, nas áreas públicas que ainda não tem um uso público definido, nos loteamentos ilegais ou a se instalar em áreas ambientalmente frágeis. Pode-se observar que os grupos menos privilegiados estão mais expostos à degradação ambiental, isso revela uma profunda desigualdade na distribuição dos custos e benefícios da urbanização, gerados pelo padrão excludente e segregador do processo de urbanização nos países em desenvolvimento. As populações vítimas da exclusão social e econômica acabam sendo mais vulneráveis quanto à exposição desigual, por habitarem em condições ambientalmente inadequadas.

A falta de alternativas habitacionais, seja por parte do mercado privado que não disponibiliza moradias acessíveis para a população pobre, ou pelo diminuto alcance das políticas públicas sociais leva ao gigantesco crescimento de invasões de terra.

A cidade de Manaus não foge a regra, enfrenta sérios problemas sociais e ambientais, estando estes intimamente interligados como analisaremos no decorrer deste trabalho.

As ocupações desordenadas e ilegais fazem parte do cotidiano da cidade de Manaus, desde a década de 1970, quando houve um aumento populacional de mais de 500%, devido à implantação da Zona Franca de Manaus, que passou a atrair um grande número de migrantes que buscavam oportunidade de emprego e melhores condições de vida.

Por falta de políticas públicas voltadas para a questão habitacional e meio ambiente, uma grande parcela da sociedade pobre e marginalizada teve que invadir terras para fins de moradia, surgindo assim, por toda a cidade inúmeras invasões, sendo que, a maioria dessas invasões estão localizadas em áreas impróprias para moradia, como encostas, nascentes de igarapé, barrancos, antigos depósitos de lixo, e desprovidas de serviços essenciais urbanos.

O agravamento dos problemas ambientais presentes nas regiões e aglomerados urbano-industriais se superpõe aos problemas de infra-estrutura básica e exclusão social, principalmente nos países de industrialização recente e economia periférica. Com isso, ampliam-se os movimentos sociais que incorporam a discussão ambiental, sejam eles oriundos de grupos locais em áreas de risco industriais ou grupos ambientalistas organizados atuando em níveis regionais, nacionais e mesmo internacionais. Por outro lado, movimentos sociais - de trabalhadores e grupos sociais discriminados, como negros, mulheres e povos étnicos tradicionais-, passam a incorporar a questão ambiental em seus discursos e lutas, através do movimento de justiça ambiental.

O movimento por Justiça Ambiental vem denunciando os problemas das sociedades profundamente desiguais como a brasileira, que acabam por destinar a maior carga dos danos ambientais decorrentes do desenvolvimento às populações marginalizadas e vulneráveis.

Há pouco mais de cinco anos, diversas entidades da sociedade civil, entre elas ONG´s, movimentos sociais, sindicatos e pesquisadores, decidiram juntos fundar a Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Essa rede tem como objetivo principal divulgar o fato de que os impactos ambientais atingem de maneira diferenciada os diversos segmentos da sociedade, opondo-se, assim, à idéia, que por muito tempo permeou o movimento ambientalista, de que a degradação ao meio ambiente seria democrática e, portanto, um problema de igual importância para todos os membros da sociedade. Sem dúvida, a importância em se ter um desenvolvimento realmente sustentável deve ser uma preocupação de todos, mas, não é possível ignorar o fato de que os impactos de um desenvolvimento predatório atingem, na maioria das vezes, as populações mais vulneráveis. Esse enfoque faz com que as questões ambientais passem a ser pensadas em termos de distribuição, justiça e eqüidade.

A sociedade brasileira conquistou importantes garantias como os direitos fundamentais sociais expressos na Constituição Federal de 1988 e em convenções e tratados internacionais. Estando entre o rol dos direitos fundamentais sociais o direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado essencial a uma sadia qualidade de vida e garantido a todos. Porém a concretização e o acesso a esses direitos sociais é privilégio de poucos.

Nos países marcados pela extrema desigualdade social, como é o caso do Brasil, os impactos do processo de globalização econômica neoliberal geram a necessidade de elaborar formas de proteção dos direitos fundamentais sociais no âmbito do constitucionalismo contemporâneo.

É sem dúvida um avanço da nossa sociedade o reconhecimento dos direitos sociais, mas, tais direitos nunca foram objeto de um reconhecimento consensual, além de sempre terem sido tratados de forma diferenciada, especialmente quanto à sua efetivação através de políticas públicas insuficientes ou inexistentes.

As políticas públicas sociais no Brasil privilegiavam e priorizavam setores ligados ao desenvolvimento econômico - via industrialização - enquanto crescia rapidamente o número da população excluída e marginalizada. Nesse contexto as políticas públicas sociais surgiram para amenizar as mazelas da economia que elevava os índices de pobreza de grande parte da sociedade.

A Constituição Federal representou um importante avanço no que diz respeito aos direitos sócio-ambientais, mas a realidade nos mostra que a concretização desses direitos se encontra, ainda, muito distantes de serem alcançados, uma vez que, se faz imprescindíveis demandas de políticas públicas concretas e a participação direta da sociedade.

Nesse sentido, a proposta deste trabalho é inicialmente conhecer os Direitos sociais expressos na Constituição Federal de 1988, tratando de dois direitos sociais específicos - o direito a moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado -, verificando seus principiais aspectos teóricos relativos à sua proteção jurídica e posteriormente analisar alguns problemas práticos à sua efetivação.

Ao mesmo tempo, será feita uma contextualização do processo de urbanização acelerada e a intensificação das ocupações desordenadas no Brasil e especificamente na cidade Manaus, considerando que as ocupações são reflexos da violação dos direitos à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Tendo este trabalho como principal objetivo identificar de que forma as ocupações desordenadas em Manaus revelam injustiças ambientais. Utilizaremos para análise o caso da “invasão” Nova Vitória, que se constitui em um exemplo característico de ocupação desordenada, localizada na Zona Leste da cidade de Manaus, em uma área de propriedade da Superintendência da Zona Franca de Manaus, ocupação esta que teve início em 2003, estando atualmente composta por aproximadamente 5.000 famílias, que além de serem vítimas da exclusão social e econômica, não dispõem de acesso aos direitos sociais à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A escolha do tema justifica-se, pela importância que a garantia de uma sadia qualidade de vida representa à população, tendo em vista que o direito à vida é matriz de todos os direitos fundamentais do homem.

2 Direitos sociais na Constituição Federal de 1988: direito à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

2.1 Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais

Os termos “direitos fundamentais” e “direitos humanos” usualmente são utilizados de forma indiscriminada, como se fossem sinônimos. Paulo Bonavides explica que este último termo, “direitos humanos” ou “direitos do homem”, costuma ser mais empregado por autores anglo-saxões e latinos, enquanto que a expressão “direitos fundamentais” é de uso preferencial entre os publicistas alemães[1].

Esclarece J. J. Gomes Canotilho:

As expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaico-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. [2]

O processo de formação e consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos partiu das premissas de que os direitos humanos são inerentes ao ser humano, e, como tais, antecedem todas as formas de organização política, e de que sua proteção não se esgota na ação do Estado. A partir da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, ponto de partida do processo de generalização da proteção internacional dos direitos humanos, vem se multiplicando os tratados e instrumentos de direitos humanos, como resposta à expansão de cada vez mais necessidades e carências. [3] A partir de 1948, momento do surgimento do Direito Internacional de Proteção dos Direitos Humanos diversos países passaram a incorporar em seus textos constitucionais normas de proteção dos direitos humanos.

Do ponto de vista material, os direitos fundamentais variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Ou seja, cada Estado consagra um rol de direitos fundamentais específicos. Os direitos fundamentais são, na essência, os direitos históricos que o homem possui em face do Estado. [4]

Vários doutrinadores atribuem diferentes conceitos aos direitos humanos fundamentais, uma vez que resultam da evolução humana, sendo ampliados e modificados a cada nova conquista.

Norberto Bobbio, em “A Era dos Direitos” destaca a dificuldade de se definir os direitos humanos, ou seja, encontrar um conceito preciso, pois acredita que:

Direitos do homem é uma expressão muito vaga. Já tentamos alguma vez defini-los? E, se tentamos, qual foi o resultado? A maioria das definições são tautológicas (...). Ou nos dizem algo apenas sobre o estatuto desejado ou proposto para esses direitos, e não sobre o seu conteúdo (...) Finalmente quando se acrescenta alguma referência ao conteúdo, não se pode deixar de introduzir termos avaliativos: Direitos dos homens são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc. [5]

Não obstante as dificuldades de se chegar a um conteúdo preciso da expressão direitos humanos, Antonio Enrique Pérez Luño, define os direitos humanos como um “conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível humano e internacional”. [6]

José Afonso da Silva conceitua os direitos humanos fundamentais como o “conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”. [7]

Dada a sua historicidade, ou seja, o fato de variarem ao longo do tempo e do espaço, os direitos fundamentais foram sendo reconhecidos pelo ordenamento jurídico dos países de forma gradativa, num processo que pode ser observado através de sua evolução em gerações (direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira e quarta geração).

Vale ressaltar que, ainda que se fale em gerações, não existe qualquer relação de hierarquia entre estes direitos, mesmo porque todos interagem entre si, de nada servindo um sem a existência dos outros. Daí porque alguns autores prefiram classifica-los em “dimensões” ao invés de “gerações”.

Cançado Trindade ao argumentar sobre a universalidade dos direitos humanos, afirma:

O fenômeno que testemunhamos em nossos dias, em meu entendimento, não é o de uma fantasiosa e indemonstrável sucessão “generacional” de direitos (que poderia inclusive ser invocada para tentar justificar restrições indevidas ao exercício de alguns deles, como já ocorreu na prática), mas antes o da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, todos essencialmente complementares e em constante interação. [8]

A expressão "geração de direitos" tem sofrido várias críticas da doutrina nacional e estrangeira. Ingo Sarlet afirma que o uso do termo "geração" de direitos pode levar à falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra. O processo é de acumulação e não de sucessão. O autor prefere o termo “dimensões” dos direitos fundamentais, utilizada pela doutrina mais moderna. [9] Sendo assim, concordando com o autor Cançado Trindade utilizarei neste trabalho o termo “dimensões” ao invés de “gerações”.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, sob um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente[10].

No momento histórico marcado pelo liberalismo (século XVIII), deu-se o surgimento e o desenvolvimento dos direitos fundamentais de primeira dimensão, ou seja, direitos que cuidam da proteção das liberdades públicas - direitos dos indivíduos frente ao Estado como o direito à liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, ao voto, entre outros.

Pode-se observar que os direitos fundamentais de primeira dimensão estão intimamente ligados ao ideal de liberdade, sendo “(...) direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual”. [11]

A segunda dimensão de direitos fundamentais teve sua origem nos movimentos sociais do século passado, remetendo-se ao ideário de igualdade. Paulo Bonavides afirma que os direitos da segunda geração “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX”. [12] Complementa o autor que os direitos de segunda dimensão estão ligados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.

Os direitos fundamentais de segunda dimensão exigiram do Estado sua intervenção para que a liberdade do homem fosse protegida de forma efetiva (o direito ao bem estar social, o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve, entre outros).

Em seguida, encontram-se os direitos de terceira dimensão, que remetem à idéia da solidariedade voltada para a proteção de grupos indeterminados de pessoas, da humanidade e até mesmo das futuras gerações. Ao comentar os direitos fundamentais de terceira geração, Paulo Bonavides menciona que:

Um novo pólo jurídico de alforria se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta (...) Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. [13]

Há ainda autores que passam a identificar uma quarta geração de direitos, ainda que não reconhecida pela unanimidade dos doutrinadores. O constitucionalista Paulo Bonavides defende que esta quarta geração de direitos fundamentais seria resultado da globalização dos direitos fundamentais, em uma tentativa de universalizá-los no campo institucional, tendo como exemplos o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.

Previstos na Constituição Federal de 1988, os direitos sociais são compreendidos como garantias alcançadas ao longo do tempo e da história, através de lutas sociais e políticas, tornando assim o rol dos direitos sociais dinâmico e aberto, sujeito a novas ampliações.

Os direitos sociais são uma das dimensões que os direitos fundamentais do homem podem assumir. Seu objetivo é concretizar melhores condições de vida ao povo e aos trabalhadores, demarcando os princípios que viabilizarão a igualdade social e econômica, no que concerne a iguais oportunidades e efetivo exercício de direitos.

Nos países marcados pela extrema desigualdade social, como é o caso do Brasil, os impactos do processo de globalização econômica neoliberal geram a necessidade de elaborar formas de proteção dos direitos sociais no âmbito do constitucionalismo contemporâneo.

É sem dúvida um avanço da nossa sociedade o reconhecimento dos direitos sociais, mas, como afirma Ingo Sarlet “tais direitos nunca foram objeto de um reconhecimento consensual, além de sempre terem sido tratados de forma diferenciada, especialmente quanto à sua efetivação”. [14]

O autor ressaltar ainda que os efeitos nefastos da globalização econômica e do neoliberalismo, notadamente os relacionados com o aumento da opressão sócio-econômica e da exclusão social, somados ao enfraquecimento do Estado, têm gerado a diminuição da capacidade do poder público de assegurar aos particulares a efetiva fruição dos direitos fundamentais. Além disso, como conseqüência do reforço da dominação do poder econômico sobre as massas de excluídos, verifica-se uma situação em que até mesmo a noção de cidadania como “direito a ter direitos” econtra-se sob grave ameaça, processo sentido maior grau nos países periféricos e em desenvolvimento. Sendo assim, a crise do Estado Social leva a existência de uma “crise dos direitos fundamentais”. [15]

A opressão sócio-econômica tem gerado reflexos imediatos no âmbito dos direitos fundamentais, inclusive nos países desenvolvidos, levando a uma “crise dos direitos fundamentais”. Dentre esses reflexos destaca Ingo Sarlet:

a) a intensificação do processo de exclusão da cidadania, especialmente no seio das classes mais desfavorecidas, fenômeno este ligado diretamente ao aumento dos níveis de desemprego e subemprego, cada vez mais agudo na economia globalizada de inspiração neoliberal; b) redução e até mesmo supressão de direitos sociais prestacionais básicos (saúde, educação, moradia, previdência e assistência social), assim como o corte ou, no mínimo, a “flexibilização” dos direitos dos trabalhadores; c) ausência ou precariedade dos instrumentos jurídicos e de instâncias oficiais ou inoficiais capazes de controlar o processo, resolvendo os litígios dele oriundos, e manter o equilíbrio social, agravando o problema da falta de efetividade dos direitos fundamentais e da própria ordem jurídica estatal. [16]

Dessa feita, pode-se constatar que existe atualmente uma total descrença nos direitos fundamentais sociais, por parte da maioria da população excluída social e economicamente, que passam a encarar esses direitos como verdadeiros privilégios de certos grupos.

2.1.1 O regime jurídico aplicável aos direitos sociais na CF/88.

Os direitos sociais surgiram com o objetivo de atenuar e corrigir injustiças sociais pelo estabelecimento de um sistema de proteção direcionado prioritariamente àqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, especialmente nos países em desenvolvimento, cujas sociedades são profundamente marcadas por altos índices de exclusão social. [17]

A constitucionalização[18] dos direitos sociais teve como marco a Constituição de Weimar[19], de 1919, tendo representado, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos com os direitos econômicos e sociais.

Segundo Paulo Bonavides, os direitos fundamentais como direitos clássicos da liberdade foram gerados por uma sociedade que detinha o monopólio ideológico dos princípios a serem gravados nas Declarações de Direitos, ou seja, nas Constituições. [20] Complementa o autor que, no Estado liberal do século XIX, a Constituição disciplinava somente o poder estatal e os direitos individuais (direitos civis e direitos políticos) ao passo que hoje o Estado social do século XX regula uma esfera muito mais ampla: o poder estatal, a Sociedade e o indivíduo.

A mudança da realidade social e econômica da sociedade no século XIX fez com que a mera garantia de direitos a serem exercidos contra o Estado não fosse mais suficiente para permitir a plena realização do indivíduo em seu ambiente social, tendo em vista que os direitos somente eram exercidos por alguns membros da coletividade, sendo que para os menos favorecidos faltavam meios que permitissem adquirir tais prerrogativas. A acelerada industrialização da sociedade, decorrente da Revolução Industrial, e a conseqüente ampliação e mudança de perfil do mercado de trabalho trouxeram novas demandas dessa parcela da sociedade excluída e marginalizada.

            A decadência do modelo do constitucionalismo clássico começou a tornar-se mais evidente no fim do século XIX e início do século XX, sendo que esse período é tido como marco do constitucionalismo social.

A Constituição de Weimar representou decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o Ocidente, pois buscou formas de equilibrar o conflito ideológico entre o Estado liberal, em decadência, e o Estado social, em ascensão[21]. A referida Constituição se voltou basicamente para a sociedade e não para o indivíduo, buscando reconciliar o Estado com a sociedade.

           A importância desse texto constitucional é notável, vez que deu início a uma nova fase do constitucionalismo que é a fase do constitucionalismo social, tendo sido o primeiro texto constitucional que efetivamente concretizou, ao lado das liberdades públicas, dispositivos expressos, impositivos de uma conduta ativa por parte do Estado, para que este viabilize a plena fruição, por todos os cidadãos, dos direitos fundamentais de que são titulares.

            Fábio Konder Comparato, ao comentar a estrutura da Constituição de Weimar, ressalta o seu caráter claramente dualista: a primeira parte tem por objeto a organização do Estado, enquanto a segunda parte apresenta a declaração dos direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social. Os direitos sociais, afirma o autor, “têm por objeto não uma abstenção, mas uma atividade positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde, ao trabalho, e outros do mesmo gênero só se realizam por meio de políticas públicas, isto é, programas de ação governamental”. [22]

A Constituição Brasileira de 1934, seguindo a linha da Constituição de Weimar, representou um grande avanço no campo dos direitos sociais, delineando um Estado intervencionista, subordinando a ordem econômica ao princípio da justiça e da existência digna[23]. A Constituição de Weimar influenciou a elaboração de Constituições por todo o mundo, as quais passaram a sistematizar, em seus textos, os dispositivos pertinentes aos direitos econômicos e sociais.

Por influência da Constituição de Weimar, os direitos econômicos e sociais dos indivíduos foram introduzidos no constitucionalismo brasileiro, o que já se fez presente na Constituição de 1946.

Mas foi com o processo de redemocratização do Brasil, após vinte anos de Ditadura Militar, que culminou com a promulgação da Constituição de 1988, que os direitos sociais fundamentais como um todo receberam maior destaque. Além de apresentar um extenso rol de direitos e garantias individuais (direitos civis e políticos), a atual Carta consagra, ainda, uma série de direitos econômicos, sociais e culturais.

Os direitos sociais constituem, conforme José Afonso da Silva:

Prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações desiguais. Valem como pressuposto de gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. [24]

De acordo com Mello, a consagração dos direitos sociais retrata a ereção de barreiras defensivas do indivíduo perante a dominação econômica de outros indivíduos[25]. Complementa o autor, afirmando que o Estado ultrapassa o papel anterior de simples árbitro da paz, da ordem, da segurança, para assumir o escopo mais amplo e compreensivo de buscar, ele próprio, o bem-estar coletivo.

Pois bem, a Constituição de 1988 dedicou um Capítulo específico aos direitos sociais, estabelecendo, em seu artigo 6º: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia[26], o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição”.

Além dos direitos sociais acima descritos, a Constituição de 1988 previu, ineditamente, um capítulo próprio destinado à seguridade social, à ciência e tecnologia, à comunicação social, ao meio ambiente e aos índios, todos disciplinados no Título VIII – Da Ordem Social.

José Afonso da Silva sustenta que os direitos sociais poderiam ser classificados como direitos sociais do homem como produtor e como consumidor. Na primeira classificação, “direitos do homem como produtor”, teríamos a liberdade de instituição sindical, o direito à greve, o direito de o trabalhador determinar as condições de seu trabalho, o direito de cooperar na gestão da empresa e o direito de obter emprego. Na segunda classificação, “direitos sociais do homem consumidor”, teríamos o direito à saúde, à segurança social, ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à formação profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que estariam no título da ordem social[27].

Os direitos fundamentais sociais, afirma Ingo Sarlet, passaram a ser entendidos como uma dimensão específica dos direitos fundamentais, na medida em que pretendem fornecer os recursos fáticos para uma efetiva fruição das liberdades, de tal sorte que têm por objetivo a garantia de uma igualdade e liberdade reais, que apenas podem ser alcançadas pela compensação das desigualdades sociais. [28]

Destaca Jorge Miranda que por meio dos direitos sociais, objetiva-se atingir uma liberdade tendencialmente igual para todos, que apenas pode ser alcançada com a superação das desigualdades e não por meio de uma igualdade sem liberdade. [29]

O art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988, dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Ingo Sarlet entende que todas as normas relativas a direitos fundamentais são dotadas de um mínimo de eficácia[30] possível, outorgando-lhes, nesse sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais. Isso significa uma exeqüibilidade instantânea derivada da própria constituição, com a presunção de norma pronta, acabada, perfeita e auto-suficiente.

O legislador da constituinte outorgou às normas de direitos fundamentais sociais uma normatividade reforçada, e de modo especial, revela que as normas de direitos e garantias fundamentais não mais se encontram na dependência de uma concretização pelo legislador infraconstitucional, para que possam vir a gerar plenitude de seus efeitos. O constituinte pretendeu evitar um esvaziamento dos direitos fundamentais, impedindo que os mesmos “permaneçam letra morta na Constituição”. Além disso, destaca Sarlet que os direitos fundamentais sociais encontram-se protegidos não apenas contra o legislador ordinário, mas até mesmo contra a ação do poder constituinte reformador, já que integram o rol das “clausulas pétreas”, do art. 60, parágrafo 4º, inciso IV, da CF. [31]

Já o autor José Afonso da Silva afirma que a própria Constituição faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais e coletivos. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta. [32]

Diante as interpretações divergentes de vários doutrinadores sobre a eficácia dos direitos fundamentais sociais, optamos pelo posicionamento de Ingo Sarlet, o qual afirma que mesmo contrariamente ao que propugna boa parte da doutrina, as normas de direitos fundamentais não podem mais ser considerados meros enunciados sem força normativa, limitados a proclamações de boas intenções e veiculando projetos que poderão, ou não, ser objeto de concretização, dependendo única e exclusivamente da boa vontade do poder público, em especial, do legislador. O autor afirma ainda que, tal postulado – o princípio que impõe a maximização da eficácia e efetividade de todos os direitos fundamentais – não implica em desconsiderar as peculiaridades de determinadas normas de direitos fundamentais, admitindo, dadas as circunstâncias, alguma relativização. [33]

De acordo com Sarlet a norma contida no parágrafo 1º do artigo 5º da CF/88, aplicável a todos os direitos fundamentais – inclusive aos direitos sociais -, apresenta um caráter de norma-princípio que se constitui em uma espécie de mandado de otimização, impondo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem e imprimirem às normas de direitos e garantias fundamentais a maior eficácia e efetividade possível.

Nesse mesmo sentido, destaca Flavia Piovesan ao tratar da aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais:

Este princípio realça a força normativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias fundamentais, prevendo um regime jurídico específico endereçado a tais direitos. Vale dizer, cabe aos Poderes Públicos conferir eficácia máxima e imediata a todo e qualquer preceito definidor de direito e garantia fundamental. Este princípio intenta assegurar a força dirigente e vinculante dos direitos e garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais direitos e prerrogativas diretamente aplicáveis pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. [34]

Ainda no art. 5º, parágrafo 2º, da CF, está disposto que: “os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte”. Verifica-se nesse dispositivo a possibilidade da existência de outros direitos e garantias fundamentais inseridos ao longo de todo o texto constitucional, como também o fato de os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais receberem o mesmo tratamento dos direitos fundamentais, e passarem a ter aplicabilidade imediata no direito interno. [35]

Vale ressaltar o posicionamento defendido pela autora Flávia Piovesan em favor da natureza constitucional dos direitos enunciados em tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil seja parte, por força da natureza materializante aberta dos direitos fundamentais.

A autora afirma que por força do art. 5º, parágrafos 1º e 2º, a Constituição Federal de 1988 atribui aos direitos enunciados em tratados internacionais uma hierarquia de norma constitucional, incluindo-os no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos, que apresentam aplicabilidade imediata. A autora ressaltar que, enquanto os demais tratados internacionais têm força hierárquica infraconstitucional, nos termos do art. 102, III, “b” da CF, os direitos enunciados em tratados internacionais e proteção dos direitos humanos detêm natureza de norma constitucional. Os tratados internacionais de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não têm como objeto a proteção de prerrogativas do Estado. Já os tratados internacionais comuns buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados-partes. Essa distinção, na opinião da autora justificaria a força hierárquica diferenciada dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. [36]

Nesse sentido, Cançado Trindade afirma que os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos, pois do aparato de proteção existente, é possível utilizar, num caso concreto, aquele que melhor proteja a dignidade do ser humano. Afirma ainda o autor:

O critério da primazia da norma mais favorável às pessoas protegidas, consagrado expressamente em tantos tratados de direitos humanos, contribui em primeiro lugar para reduzir ou minimizar consideravelmente as pretensas possibilidades de “conflitos” entre instrumentos legais em seus aspectos normativos. Contribui em segundo lugar, para obter maior coordenação entre tais instrumentos em dimensão tanto vertical (tratados e instrumentos de direito interno), quando horizontal (dois ou mais tratados). (...) Contribui, em terceiro lugar, para demonstrar que a tendência e o propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos – garantindo os mesmos direitos – são no sentido de ampliar e fortalecer a proteção. [37]

Em síntese, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, adota-se o critério da norma mais favorável à vítima. Os direitos internacionais constantes dos tratados de direitos humanos apenas vêm a aprimorar, somar e fortalecer, nunca a restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo constitucional. [38]

De acordo com Alessandra Bontempo o princípio da primazia ou prevalência da norma mais benéfica à proteção dos direitos humanos é consagrado nos instrumentos internacionais, como pode ser observado no artigo 5º (2) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e no art. 5º (2) do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assim expresso: “não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado-parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamento ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça em menor grau”.

A Constituição Federal de 1988 assume expressamente os direitos provenientes dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil se obriga. E através da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, foi acrescentado no seu texto, o parágrafo 3º do art. 5º, dispondo: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

O catálogo de direitos fundamentais, fruto dos direitos expressamente previstos em nossa. Constituição, nos documentos internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro e aqueles decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados é bastante extenso. Assim, o maior problema hoje não está no campo da declaração de direitos, mas na sua concretização.

Norberto Bobbio defende que o principal desafio relativo aos direitos do homem encontra-se no campo de sua efetividade:

O problema fundamental em relação aos direitos do homem, não é tanto o de justificá-los, mais o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. (...) Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual a sua natureza e seu funcionamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. [39]

Trataremos, a partir de agora, de dois direitos sociais específicos: o direito a moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, verificando os principiais aspectos teóricos relativos à sua proteção jurídica para, no próximo capítulo, analisarmos alguns problemas práticos à sua efetivação.

2.2 O direito à moradia como um direito humano fundamental de natureza social

2.2.1 Os instrumentos normativos internacionais que reconhecem o direito à moradia como um direito humano

O direito à moradia é um direito humano protegido pela Constituição Brasileira e pelos instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos. Os cidadãos brasileiros são titulares desse direito e, como tais, estão aptos a exigirem sua promoção e o seu cumprimento junto aos organismos nacionais e internacionais de proteção[40].

O direito à moradia é reconhecido como um direito humano em diversas declarações e tratados internacionais dos quais o Estado Brasileiro é parte.

Antes de analisarmos os principais documentos que reconhecem, em seus textos, o direito à moradia como um direito humano necessário e indispensável para uma existência digna, faz-se necessário diferenciar, no aspecto jurídico, os efeitos que as declarações e os tratados e convenções internacionais possuem.

Nelson Saule Jr. afirma que as Declarações são estabelecidas por resoluções que não acarretam obrigações legais aos países signatários. As Declarações resultam em compromissos políticos, que não têm natureza vinculante para os Estados. Nos tratados e convenções, pelo contrário, os compromissos assumidos pelos países têm natureza vinculante, isto é, tem força legal, acarretando obrigações e responsabilidades ao Estado pela falta de cumprimento das obrigações assumidas. [41]

Uma particularidade relativa aos direitos enunciados em tratados internacionais de proteção dos direitos humanos incorporados pelo ordenamento jurídico brasileiro é o seu status de norma constitucional, integrando e complementando o catálogo dos direitos e garantias previstos na Constituição de 1988.

De acordo com o entendimento de Flavia Piovesan, por força do princípio consagrado no parágrafo 1º do artigo 5º da CF de 1988, torna-se possível a invocação imediata de tratados e convenções de direitos humanos, dos quais o Brasil seja signatário, sem a necessidade de edição de ato com força de lei, voltado à outorga de vigência interna aos acordos internacionais. Sendo que, essa incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Direito brasileiro traz como conseqüências: de um lado, permite ao particular a invocação direta dos direitos e liberdades internacionalmente assegurados e, por outro, proíbe condutas e atos violadores a estes mesmos direitos, sob pena de invalidação. Destaca ainda, a autora que, consequentemente, a partir da entrada em vigor do tratado internacional, toda norma preexistente que seja com ele incompatível perde automaticamente a vigência. [42]

Os tratados internacionais de direitos humanos fundamentam reconhecem o direito à moradia como um direito humano, passando a ser um direito integrado e positivado no direito brasileiro, em razão do Estado Brasileiro ser parte dos pactos e convenções internacionais.

Feita estas considerações preliminares analisaremos a seguir a proteção do direito à moradia no aparato internacional de proteção aos direitos fundamentais.

Carta das Nações Unidas

A Carta das Nações Unidas foi assinada por representantes de 50 países na Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, realizada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, entrando em vigor no dia 24 de outubro daquele mesmo ano, sendo ratificada em 21 de setembro de 1945 pelo Brasil.

A partir da Carta da ONU, processou-se uma onda de transformações no Direito Internacional, inaugurando-se um novo modelo de relações internacionais. A Carta da ONU é um importante documento deste século no tocante à matéria do reconhecimento e preservação dos direitos fundamentais do indivíduo do mundo pós-guerra, momento em que era preciso evitar que atrocidades ocorridas durante a guerra se repetissem, garantindo que as gerações vindouras não sofressem seus efeitos.

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVEMOS

preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indivisíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla . [43]

A Carta da ONU contém as principais disposições com relação à manutenção da paz e segurança internacionais, dando prioridade ao estabelecimento das condições necessárias para a efetivação da justiça e o respeito às obrigações decorrentes da assinatura dos tratados internacionais. A Carta também garante as condições necessárias ao progresso social e melhorias nas condições de vida, enfatizando a defesa dos direitos humanos e das liberdades pessoais, utilizando-se da cooperação internacional.

A criação da ONU teve como um de seus objetivos instituir a cooperação internacional para solucionar os problemas que afetavam a todos. A Carta da ONU é um documento de extrema importância na proteção do direito à moradia no Brasil, pois, apesar de não ter tratado expressamente, em seu texto, do direito à moradia como um direito humano fundamental, definiu uma estrutura internacional de proteção dos direitos humanos ligados à proteção dos direitos sociais.

Declaração Universal dos direitos humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembléia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, pela aprovação unânime de 48 Estados, com 8 abstenções. A Declaração Universal é uma das principais conquistas das Nações Unidas no campo dos direitos humanos, tendo sido proclamada “como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações...”. [44]

De acordo com Fábio Konder Comparato, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu preâmbulo[45], foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial. A Declaração, retomando os ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da solidariedade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I[46].

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, fonte inspiradora do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, reconhece o direito à moradia como um direito humano, com base no artigo XXV, que dispõe sobre o direito a um padrão de vida adequado[47]:

1. toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Sendo assim, pode-se afirmar que a pessoa humana somente terá um padrão de vida adequado se os direitos à alimentação, ao vestuário, à moradia, saúde e seguridade forem assegurados e respeitados.

Nelson Saule Jr. ressalta que a Declaração Universal não esgota e não elenca todos os direitos humanos[48], pois esses direitos foram constituídos num momento histórico da humanidade, em que se buscava recuperar um período de paz, com o final da Segunda Guerra Mundial[49].

Assegura o autor que o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e o direito ao desenvolvimento sustentável, embora não preconizados na Declaração Universal, são exemplos de direitos humanos que se constituíram face às transformações econômicas e sociais das últimas décadas[50]. Daí porque não foram reconhecidos naquele momento. Tal aspecto só comprova o caráter histórico dos direitos humanos, acima referido.

Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais

O Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais é o principal documento de proteção aos direitos sociais no âmbito da ONU – Organização das Nações Unidas.

O direito à moradia está incluído no rol dos direitos sociais e tem por objetivo garantir a todo ser humano o direito a uma moradia adequada, sadia e dotada de infra-estrutura e serviços públicos urbanos (água, esgoto, coleta de lixo, drenagem, iluminação pública, varrição, transporte, telefonia, etc).

O processo de especificação e de aperfeiçoamento dos direitos estabelecidos na Declaração Universal tem como marco os Pactos Internacionais de direitos civis e políticos e o Pacto dos direitos econômicos, sociais e culturais, ambos instituídos pelas Nações Unidas em 1966, e com entrada em vigor em 03 de janeiro de 1976, tendo sido ratificados pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.

O Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e cultural teve como objetivo incorporar os dispositivos da Declaração Universal sob a forma de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes. O Pacto criou obrigações legais aos Estados-partes, ensejando responsabilização internacional em caso de violação dos direitos que enuncia. [51]

Através do Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos previstos no artigo XXV, da Declaração Universal[52], passam a ter tratamento específico e força vinculante para os Estados signatários do documento.

O direito à moradia encontra-se expressamente reconhecido como um direito humano no artigo 11 do Pacto, que estabelece:

1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, neste sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

No artigo 2º. do Pacto, cada Estado Parte compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacional, que visem progressivamente, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto.

De acordo com Nelson Saule Junior, a adoção do termo “progressivamente” no Pacto Internacional de direitos econômicos, sociais e culturais, significa que os Estados devem tomar medidas, implementar políticas, programas e planos visando a realização contínua e gradual, sempre no sentido ascendente desses direitos. Destaca o autor que os Estados não podem se isentar das obrigações imediatas e responsabilidades decorrentes do Pacto, sob pena de descumprir e desrespeitar os compromissos que legalmente assumiram perante a comunidade internacional. Os Estados Partes têm a obrigação legal de instituir organismos e instrumentos para a promoção de políticas públicas de modo a tornar pleno o exercício desses direitos[53].

De acordo com Flávia Piovesan os direitos sociais, econômicos e culturais, nos termos que estão concebidos pelo Pacto (art. 2º, parágrafo 1º), apresentam realização progressiva, ou seja, são direitos que estão condicionados à atuação do Estado, que tem por obrigação adotar medidas econômicas e técnicas, isoladamente e por meio da assistência e cooperação internacional, até o máximo de seus recursos disponíveis com vistas a alcançar progressivamente a completa realização dos direitos previstos pelo Pacto. Os Estados-partes não se comprometem a atribuir efeitos imediatos aos direitos enumerados no Pacto, mas os Estado se obrigam meramente a adotar medidas, até o máximo de recursos disponíveis, a fim de alcançarem progressivamente a plena realização desses direitos.[54]

Sendo assim, o Estado Brasileiro tem a obrigação, no que diz respeito ao direito à moradia, de elaborar uma legislação, criar instrumentos, programas e planos de ação sobre política habitacional de modo a garantir esse direito para os seus cidadãos[55].

Os direitos garantidos pelo Pacto são aplicação progressiva, considerando que não podem ser implementados sem que exista um mínimo de recursos econômicos disponível e principalmente não podem ser implementados sem que representem efetivamente uma prioridade na agenda política nacional. Dessa obrigação da progressividade na implementação dos direitos sociais, econômicos e culturais decorre a chamada “cláusula de proibição do retrocesso social”, na medida em que é vedado aos Estados retroceder no campo da implementação desses direitos, ou seja, a cláusula proíbe o retrocesso ou a redução de políticas públicas voltadas à garantia de tais direitos. [56] Conforme a Recomendação Geral nº 03, item 09, do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: “qualquer medida deliberadamente regressiva requer a mais minuciosa consideração e deverá ser completamente justificada em relação ao total dos direitos previstos no Pacto Internacional de Proteção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e no contexto da utilização do máximo dos recursos disponíveis”.

Clarice Duarte destaca que a noção de progressividade dos direitos sociais não pode ser confundia com a possibilidade de sua não aplicação:

De acordo com o que está previsto no próprio Pacto, cabe ao Estado adotar medidas até o máximo de seus recados disponíveis (art. 2º), o que significa o dever de executar avanços concretos em prazos determinados. Assim, a progressividade cria um empecilho ao retrocesso da política social do Estado que, tendo alcançado um certo nível de proteção dos respectivos direitos, não pode retroceder e baixar o padrão de vida da comunidade, já que a cláusula do não retrocesso social protege o núcleo essencial dos direitos sociais. [57]

Comparato afirma que os direitos declarados pelo Pacto de direitos econômicos, sociais e culturais, têm por objeto políticas públicas ou programas de ação governamental e políticas públicas coordenadas entre si. Complementa o autor que a elevação do nível e da qualidade de vida das populações carentes supõe, no mínimo, um programa conjunto de medidas governamentais no campo do trabalho, da saúde, da previdência social, da educação e da habitação popular[58]. Por serem interdependentes esses objetos sociais, a não realização de um deles compromete a realização de todos os outros.

O fato de terem por objeto a realização de políticas públicas torna a acionabilidade dos direitos sociais questionável para alguns autores. De acordo com Flavia Piovesan, os direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais são acionáveis e demandam séria e responsável observância. No entanto, a comunidade internacional continua a tolerar freqüentes violações aos direitos sociais, econômicos e culturais. Sendo que a violação a esses direitos é resultado tanto da ausência de forte suporte e intervenção governamental como da ausência de pressão internacional em favor dessa intervenção. A autora afirma ainda que a violação dos direitos sociais, econômicos e culturais é um problema de ação e prioridade governamentais e implementação de políticas públicas, que sejam capazes de responder a graves problemas sociais. [59]

Com efeito, democracia, estabilidade e paz não podem conviver com condições de pobreza crônica, miséria e negligência. Além disso, essa insatisfação criará grandes e renovadas escalas de movimentos de pessoas, incluindo fluxos adicionais de refugiados e migrantes, denominados ´refugiados econômicos´, com todas as suas tragédias e problemas. (...) Direitos sociais, econômicos e culturais devem ser reivindicados como direitos e não como caridade ou generosidade. [60]

A globalização econômica está associada, inclusive no Brasil, à supressão de conquistas sociais, à exclusão de vastas parcelas da sociedade dos benefícios do progresso e a consolidação de profundas desigualdades sociais e econômicas. Os mecanismos internacionais de proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais pouco lograrão sem modificações profundas nas sociedades nacionais, ditadas pelos imperativos da justiça social, para que todos possam se beneficiar do progresso social.

Agenda 21

A Agenda 21 foi elaborada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, tendo como objetivo regulamentar o processo de desenvolvimento com base nos princípios de sustentabilidade. [61]

No capítulo 7 da Agenda 21, estão expresso itens referentes ao direito à moradia, como o item 6 - “O acesso a uma habitação sadia e segura, é essencial para o bem-estar econômico, social, psicológico e físico da pessoa humana e deve ser parte fundamental das ações de âmbito nacional e internacional”. Este mesmo item estabelece que o direito à moradia é um direito humano básico, que está inserido na Declaração Universal de Direitos Humanos, e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e estima que pelo menos um bilhão de pessoas não tem acesso a uma habitação sadia e segura. A previsão do direito à moradia num documento que tem como objeto primário a proteção do meio ambiente demonstra a relação de profunda interdependência entre esses dois direitos.

A Agenda 21 não é um documento normativo, pois não obriga as Nações signatárias, mas é um documento ético que se reduz a um compromisso por parte deles, sendo assim, não é um documento técnico, mas político. A Agenda 21 transformou-se em instrumento de referência e mobilização para a mudança do modelo de desenvolvimento em direção de sociedades cada vez mais sustentáveis.

Infelizmente uma das maiores críticas à Agenda 21 relaciona-se com o seu caráter genérico e às dificuldades de implementação prática. A Agenda não está sendo muito utilizada devido a pouca ou nenhuma implementação de ações voltadas a efetiva defesa ambiental.

As Conferências Mundiais têm proporcionado grande mobilização, sobretudo da mídia. A participação ativa da sociedade civil nessas Conferências Mundiais, principalmente através das ONGs, e movimentos sociais, tem contribuído para pressionar as Nações Unidas e os Estados a assumirem as agendas da sociedade.

Agenda Habitat

A Agenda Habitat foi adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, que foi realizada em Istambul, em junho de 1996, tendo como objetivos principais: instituir padrões de habitação adequada para todos, e o desenvolvimento sustentável em um mundo em urbanização. A Agenda estabelece um conjunto de princípios e metas que vão nortear esses dois objetivos.

O direito à moradia foi o principal tema e objeto de debates e de negociações entre os países e organizações não governamentais presentes na Conferência do Habitat II.

No preâmbulo da Agenda é reconhecido o acesso à habitação sadia e segura, dotada dos serviços básicos, como condição essencial para uma vida digna e para o bem estar físico, psicológico, social e econômico das pessoas.

O direito à moradia encontra-se expresso no capítulo II, parágrafo 13, que dispõe:

Nós reafirmamos e somos guiados pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e nós reafirmamos nosso compromisso de assegurar a plena realização dos direitos humanos a partir dos instrumentos internacionais, em particular nesse contexto o direito à moradia disposta na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e provido pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança, levando em conta que o direito à moradia incluído nos instrumentos internacionais acima mencionados deve ser realizado progressivamente. Nós reafirmamos que todos os direitos humanos, civis, culturais, econômicos, políticos e sociais são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.

Os compromissos sobre a Adequada Habitação para Todos estão expressos no Capítulo III, tendo sido o direito à moradia reconhecido no parágrafo 24, como segue:

Reafirmamos nosso compromisso para a plena e progressiva realização do direito à moradia, provido por instrumentos internacionais. Neste contexto, nós reconhecemos a obrigação dos governos de capacitar as pessoas para obter habitação e proteger e melhorar as moradias e vizinhanças. Nós nos comprometemos com a meta de melhorar as condições de vida e de trabalho numa base sustentável e eqüitativa, pelo qual todos terão adequada habitação, sadia, segura, protegida, acessível e disponível, que inclui serviços básicos, facilidades e amenidades, e o gozo de liberdades frente a discriminações de moradia e segurança legal de posse. Nós devemos implementar e promover este objetivo de maneira plenamente consistente com as normas de direitos humanos.

Nos termos da Agenda Habitat, os Governos devem tomar apropriadas ações para promover, proteger e assegurar a plena e progressiva realização do direito à moradia[62].

A definição de moradia adequada encontra-se no parágrafo 43 da Agenda, dispondo ser aquela que “possui privacidade, espaço, acessibilidade física, segurança, incluindo segurança da posse, durabilidade e estabilidade estrutural, iluminação, ventilação e aquecimento, infra-estrutura básica, suprimento de água, saneamento e tratamento de resíduos, apropriada qualidade ambiental e de saúde, e adequada localização com relação ao trabalho e serviços básicos, devendo todos esses componentes terem um custo acessíveis e estarem disponíveis a todos os seres humanos”.

De acordo com o parágrafo 44, do Capitulo IV, o direito à moradia é reconhecido como um direito humano, desde a adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, o direito à moradia tem sido reconhecido como um importante componente do direito a um nível adequado de vida. Todos os Governos sem exceção, têm a responsabilidade no setor de habitação de proteger, assegurar e promover: a expansão do suprimento de moradias; regulamentação e incentivos ao mercado para construção de casas a preços acessíveis; provisão de subsídios para locação e outras formas de assistência à moradia para os mais necessitados; apoio a programas habitacionais para as comunidades de base, cooperativas e associações sem fins lucrativos; promoção de programas voltados aos sem teto e outros grupos vulneráveis; utilização de financiamentos e outros recursos públicos e privados de forma inovadora; criação e promoção de incentivos ao setor privado para investimento no mercado de habitação mais baratas, voltadas a atender à demanda de moradias tanto no regime de locação como no de propriedade; desenvolvimento de modelos de ocupação territorial sustentáveis.

O Brasil é signatário de vários tratados e convenções sobre assentamento humano e meio ambiente, além da Agenda 21 e da Agenda Habitat. Os tratados internacionais integram o nosso ordenamento jurídico por força do que dispõe o § 2º e o § 3º do art. 5º da Constituição Federal. Sendo assim, os princípios do desenvolvimento sustentável, da participação popular e do direito à moradia integram o nosso ordenamento jurídico, sendo que tal direito foi recepcionado no art. 6º da Constituição Federal através da emenda constitucional nº. 26/2000, sendo incorporado ao rol de direitos sociais fundamentais.

2.2.2 O reconhecimento do direito à moradia na CF/88

A Comissão das Nações Unidas para Assentamentos Humanos estima que 1,1 bilhão de pessoas estão agora vivendo em condições inadequadas de moradia, apenas nas áreas urbanas. No Brasil, estima-se que 6,5 milhões de brasileiros não têm acesso a uma moradia digna. [63]

Fernando Aith afirma que o processo de generalização da proteção internacional dos direitos humanos trouxe, em seu bojo, a proteção do direito à moradia. O primeiro passo para a proteção do direito à moradia foi o reconhecimento formal de que todo ser humano necessita de uma moradia para ter uma existência digna. [64]

De acordo com o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, todos têm direito a um lugar adequado para viver, ou seja, todos têm o direito humano a uma moradia segura e confortável, localizada em um ambiente saudável que promova a qualidade de vida dos moradores da comunidade.

O direito a uma moradia adequada está vinculado a outros direitos humanos, que são interdependentes, de forma que a não realização de um deles compromete a realização de todos os outros. Ou seja, sem um lugar adequado para moradia, torna-se difícil manter a educação, o emprego e a saúde, aumentando-se, assim, a exclusão social, ambiental e econômica das pessoas que não têm acesso à moradia.

Fernando Aith conceitua o direito à moradia como o direito humano fundamental de acesso à moradia habitável, sadia, segura, protegida e acessível, com fornecimento de água potável, sistema de saneamento e serviços públicos básicos. [65]

O Comitê da ONU sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, recomendação Geral nº 4, adotado em 1991, identificou sete componentes básicos para que uma moradia possa ser considerada minimamente adequada: I) segurança no direito de propriedade, que garanta a proteção contra os despejos forçados; II) disponibilidade de serviços, equipamentos e infra-estrutura, tais como água, esgoto, coleta de resíduos sólidos, energia para cocção, iluminação, dentre outros; III) disponibilidade a preços acessíveis, para que o preço da moradia seja compatível com o nível de renda da população e não comprometa a satisfação de outras necessidades básicas das famílias; IV) habitabilidade, no sentido de fornecer aos seus moradores espaço adequado, protegendo-os de fatores climáticos e garantindo a sua segurança física; V) acessibilidade a todos os grupos sociais, levando em conta as necessidades habitacionais específicas de idosos, crianças, deficientes físicos, moradores de rua, população de baixa renda etc.; VI) localização que possibilite o acesso ao emprego, a serviços de saúde e outros equipamentos sociais; e VII) adequação cultural, de modo a permitir a expressão das identidades culturais. [66]

O direito à moradia foi explicitamente incorporado à Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n° 26, de 14 de fevereiro de 2000, que estabelece no artigo 6° da Constituição Federal que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

A constitucionalização do direito à moradia convalida a indissociabilidade entre a garantia de condições de vida digna e o bem-estar do ser humano, seguindo expressão já consagrada pelo artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Do mesmo modo, acolhe proposição da 2ª Conferência sobre Assentamentos Urbanos (Habitat II) promovida em 1996 pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Istambul, na Turquia, que recomendou a todos os países participantes, entre eles o Brasil, o destaque normativo do direito à moradia em suas constituições.

A Constituição Federal estabelece ainda, no art. 23, inciso IX que é dever do Estado, nas suas três esferas, promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. O direito à moradia também faz parte das necessidades básicas dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que devem ser atendidas pelo salário mínimo (art. 7, seção IV).

Conforme visto anteriormente, a Constituição Federal dispõe, em seu artigo 5º, parágrafo 1º, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Considerando que o direito à moradia está expressamente reconhecido na Constituição Federal como um direito humano fundamental, concluí-se que o direito à moradia tem aplicação imediata.

De acordo como Fernando Aith não há dúvida que tal dispositivo aplica-se também aos direitos sociais, pois embora inserido no parágrafo 1º do art. 5º, que define os direitos e deveres individuais e coletivos, o dispositivo contém ordem clara no sentido de que todos os direitos e garantias fundamentais que a Constituição defende possuem aplicação imediata. A vontade do legislador foi clara, tanto que inseriu um texto que claramente abrange não só os direitos e as garantias fundamentais do art. 5º, como também aqueles direitos e garantias expressos no artigo 6º ou ao longo do texto constitucional. [67]

O direito à moradia foi reconhecido como direito humano fundamental ao estar expresso no Título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” da Constituição Federal. Sendo assim, o direito à moradia além de ter aplicação imediata, é uma norma de eficácia plena. Existem normas que possuem aplicação imediata, oferecendo aos cidadãos garantias concretas para a defesa do direito à moradia, mas existem também normas definindo algumas garantias do direito à moradia sem conter os elementos suficientes para que possam ser consideradas como de aplicação imediata. Sendo que essas normas são eficácia limitada, pois dependem de normas infra-legais. [68]

O direito à moradia é de aplicação imediata e eficácia plena, sendo assim, de imediato o Estado Brasileiro tem a obrigação de adotar as políticas, ações e demais medidas compreendidas e extraídas do texto constitucional para assegurar e tornar efetivo esse direito, em especial aos que se encontram no estado de pobreza e miséria. Contudo, essa obrigação não implica o dever de prover e dar habitação para todos os cidadãos de forma imediata e integral, mas significa, sim, o dever de constituir políticas que garantam o acesso de todos ao mercado habitacional, constituindo planos e programas habitacionais com recursos públicos e privados para os segmentos sociais que não têm acesso ao mercado e vivem em condições precárias de habitabilidade sem uma vida digna. [69]

O Direito à moradia, como integrante da categoria dos direitos econômicos, sociais e culturais, para ter eficácia jurídica e social, pressupõe a ação positiva do Estado, através de execução de políticas públicas, em especial voltadas à promoção de ações e políticas urbanas e habitacionais, com o objetivo de prover a todos os seres humanos que vivem em seu território com moradias adequadas, a fim de garantir-lhes uma vida digna. [70]

Entretanto, apesar dos avanços obtidos com o reconhecimento do direito à moradia na Constituição Federal e em outros normativos legais, o seu grau de efetividade no Brasil ainda é bastante desigual entre os diferentes grupos socioeconômicos. Ainda existe no país uma vasta gama de necessidades habitacionais não satisfeitas, configurando violações do direito à moradia, que incidem, sobretudo, nas camadas mais pobres da população. Nas áreas urbanas brasileiras ainda há 59,7 milhões de brasileiros que convivem com pelo menos um tipo de inadequação habitacional, como pode ser constatado no gráfico abaixo. [71]

Gráfico 1 – População urbana / tipo de inadequação de domicílio - 2004

[pic]

A falta de políticas públicas bem definidas e claras, somadas à atual política econômica do governo são fatores que têm contribuído para o aumento da pobreza da população do Brasil. Em nosso país existem milhões de pessoas sem teto, sem emprego, sem alimentação, sem escola, e que não tem como comprovar nenhum tipo de renda financeira ou endereço fixo. Isto porque os projetos sociais destinados às famílias de baixa renda não atinge nem de perto essas camadas sociais.

A atual política desenvolvimentista, caracterizada pela exclusão social e ambiental, eleva o número de pessoas morando em áreas de risco. Por falta de alternativa habitacional, seja pela concentração de terrenos urbanos de propriedade privada ou pela alta especulação dos mesmos, leva a população carente a construir abrigos nos morros, nos fundos de vales, nas beiras de rodovias e de vias de alta velocidade e outros lugares inadequados para o seu habitat. Para essas pessoas não existe o direito à moradia digna, o que realmente existe é a luta pela sobrevivência.

2.3 O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito humano fundamental de natureza social

2.3.1 Evolução da Proteção Jurídica do meio ambiente

A degradação do meio ambiente esteve sempre presente desde quando se iniciou a concentração populacional e as atividades humanas, aprofundou-se quando da implantação da indústria moderna e se intensificou enormemente, sobretudo, a partir dos anos 60.

A pressão das diversas atividades humanas sobre a natureza até por volta dos anos 60 do século XX, no quadro do mundo capitalista, embora relevante, não havia atingido uma situação crítica ou possuía caráter localizado ou, ainda, não possuía a característica de irreversibilidade, o que bloqueava o despertar da consciência ecológica coletiva. A intensificação, a partir da década de 60, do processo de industrialização altamente impactante sobre o meio ambiente, seja quanto à exploração de recursos naturais, e quanto à poluição que suas atividades geram, aliada ao aumento da concentração espacial das atividades produtivas e da população, ampliou a problemática ecológica e fez surgir, na sociedade, a preocupação com o presente e o futuro do meio ambiente. Nesse período começa a chamada revolução ambiental norte-americana, dando início a crescente e continua preocupação de parte significativa da população com os problemas de deterioração ambiental. [72]

De acordo com Enrique Leff, a crise ambiental se torna evidente nos anos 60, refletindo a irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, marcando assim, os limites do crescimento econômico. Portanto, a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de civilização da razão tecnológica sobre a organização da natureza. [73]

A naturalista norte-americana Rachel Carson, em 1962, denunciou pela primeira vez a crise ambiental, com a publicação do livro intitulado a Primavera Silenciosa (sobre a revolução verde e os altos riscos para a saúde e o meio ambiente gerados pelo uso intensivo de agrotóxicos) [74] sendo que a preocupação com o meio ambiente se expandiu nos anos 70, depois da Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, celebrada na cidade de Estolcomo, em 1972, onde foram assinalados os limites da racionalidade econômica e os desafios da degradação ambiental. [75]

A Declaração de Estolcomo[76] estabeleceu com clareza que o homem tem direito fundamental à vida saudável, num ambiente de qualidade, impondo a obrigação de proteger e melhorar o ambiente para as gerações presentes e futuras e estabeleceu um dever de cuidado com o ambiente.

O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.

A partir da Conferência de Estocolmo, a comunidade internacional tomou consciência das questões ambientais planetárias e da necessidade de defender o ambiente. Por esta razão, a conferência foi considerada ponto de partida do movimento ambientalista internacional, sendo que, a partir dela, várias convenções de caráter internacional foram adotadas. [77]

Em 1980, a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos (UICN) refere-se pela primeira vez à noção de “desenvolvimento sustentável”, por ocasião da publicação de sua “Estratégia Mundial para a Conservação”. A continuação de muitos fenômenos de degradação ecológica, a insuficiência de resultados práticos obtidos dez anos após a Conferência de Estolcomo, e o agravamento da situação econômica das populações de grande parte do mundo, levaram a Assembléia Geral das Nações Unidas a criar em 1983, uma Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, com a finalidade de avaliar os avanços dos processos de degradação ambiental e a eficácia das políticas ambientais para enfrentá-los.

A referida Comissão publicou um documento intitulado “Nosso Futuro Comum” (CMMAD, 1988), também conhecido como “Relatório Brundtland”, estabelecendo que: “Todos os seres humanos têm o direito fundamental a um meio ambiente adequado à sua saúde e bem-estar”. Foi incluído no relatório Brundtland a definição do conceito de desenvolvimento sustentável – aquele que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas próprias necessidades.

O Relatório Brundtland oferece uma perspectiva renovada à discussão da problemática ambiental e do desenvolvimento. Tal relatório foi elaborado no bojo da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 1992. Nesta conferência foi elaborado e aprovado um programa global, conhecido como Agenda 21, para regulamentar o processo de desenvolvimento com base nos princípio da sustentabilidade[78]. Desta forma foi sendo configurada uma política para a mudança global que busca dissolver as contradições entre meio ambiente e desenvolvimento.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem já reconhecia, em 1948, em art. 25, que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família a saúde e o bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. Por ocasião da Declaração Universal, o direito ao meio ambiente não foi reconhecido como um direito humano, pois, naquele momento, a crise ambiental ainda não havia sido percebida com a gravidade que pautou os movimentos ambientalistas da década de 1960. Foi por esta razão que a questão ambiental não fez parte da pauta de reivindicações necessárias à garantia da dignidade humana constante da Declaração de 1948. Hoje a consciência ética da humanidade evoluiu no sentido de reconhecer que o homem só pode conseguir assegurar a si e à sua família os direitos descritos na própria Declaração se lhe for assegurado um meio ambiente sadio.

Mas o direito ao meio ambiente sadio propriamente dito só ganhou um enfoque mundial a partir da década de 1970, tendo em vista a preocupação de grande parte dos países com a possibilidade concreta de um colapso nos ecossistemas naturais que permitem a vida humana na Terra, em face do uso incontrolável e predatório dos recursos naturais por parte do homem, não respeitando a natureza e sua capacidade de regeneração.

Vinte anos depois da Conferência de Estocolmo, houve a realização, no Brasil da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, contando com a presença de 178 países e 100 chefes de Estado. Foi o momento do despertar da atenção tanto dos Governos, como da sociedade civil em geral, para a necessidade de buscar soluções para os problemas ambientas de caráter global, tendo em vista que nenhum outro evento voltado para questões ambientais havia conseguido congregar tantas lideranças mundiais. O Fórum Global das ONG´s, realizado na mesma ocasião da Conferência, reuniu 4.000 entidades da sociedade civil de diversos países, o que igualmente jamais havia acontecido.

A Conferência do Rio e o Fórum Global das ONG´s, popularmente denominados de ECO-92, teve como resultado a aprovação de diversos documentos, englobando convenções e declarações de princípios, dentre eles a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Convenção sobre Mudanças Climáticas[79], a Declaração de Princípios sobre Florestas e a Convenção sobre a Biodiversidade. [80]

Dentre os documentos aprovados pela Conferência do Rio, o mais importante foi a Agenda 21[81], que tinha por objetivo traçar um planto de ações político-normativas de promoção do desenvolvimento sustentável e política ambiental a serem adotadas pelos Estados até o século XXI. Esta Agenda procurou auxiliar os Estados na procura de soluções para o problema da mudança climática, da poluição, do desmatamento de florestas, do efeito estufa, da gestão de recursos naturais, da desertificação, entre muitos outros perigos que assolam a humanidade e tanto preocuparam a comunidade ambiental.

Cinco anos após a ECO-92 foi realizada, na cidade o Rio de Janeiro, a RIO + 5, tendo como objetivo avaliar os avanços na área ambiental, tendo se concluído que as iniciativas propostas em 1992, como a Agenda 21, se revelaram tímidas e pontuais, e que os Estados não estavam honrando os compromissos assumidos, tendo em vista que a crise ambiental continuava marcadamente crescente no mundo globalizado.

Destaca-se, ainda, no ano de 1997 o encontro realizado em Kyoto no Japão, onde diversos países assinaram o Protocolo de Kyoto[82], que trata das alterações climáticas em todo o Planeta, sendo que os Estados participantes assumiram o compromisso de reduzirem suas emissões de gases do efeito estufa.

O último grande evento, em questões ambientais, foi realizado pela ONU na cidade de Johannesburgo, na África, no ano de 2002, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como RIO + 10, a fim de avaliar a efetivação dos compromissos assumidos na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

A preocupação dos chefes de Estados com a crescente degradação ambiental possibilitou o aumento das ações voltadas à proteção do meio ambiente, mas ainda estamos longe de alcançar os objetivos e compromissos firmados nas diversas Conferências e Cúpulas realizadas em diversos países.

Tendo em vista a escassa implementação de políticas públicas para a efetiva defesa ambiental, a Agenda 21 está sendo pouco utilizada, inclusive no Brasil.

Entretanto, deve-se destacar, como pontos positivos desses movimentos, realizados mundialmente, o surgimento e a difusão da consciência ambiental, tornando mais enfática à preocupação em proteger, preservar e defender o meio ambiente[83], o que em si já representa um grande avanço na história da humanidade.

2.3.2 O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Os direitos fundamentais surgem no século XVIII, fruto do desenvolvimento da sociedade humana e dos movimentos econômicos, sociais e políticos da época.

De acordo com Cristiane Derani, um direito é fundamental quando seu conteúdo invoca a construção da liberdade do ser humano, sendo que essa liberdade não é uma liberdade genérica e abstrata, mas é aquele conjunto de elementos mantenedores e estabilizadores da sociedade. [84]

A respeito dos Direitos Fundamentais, observa Cristiane Derani:

Direito Fundamental, em seu sentido inicial, era um direito oposto contra o Estado e perante o Estado. A liberdade se desenvolvia na resolução dualista Estado/sociedade civil. Entretanto, os avanços da sociedade industrial frustraram as expectativas da sociedade do século XVIII, ao revelar outras ameaças à liberdade que o exercício do poder de império do Estado e mostrar a inviabilidade da concretização de liberdades como campo isolado da atividade individual. O desenvolvimento das atividades sociais não se mostrava capaz de respeitar aquele conjunto de direitos fundamentais erigido. Constatou-se que as liberdades escolhidas pelo Estado de Direito não eram ameaçadas pelo poder do Estado apenas, mas pelos efeitos das atividades sociais. Não havia garantia da efetivação dos preceitos individuais do início do Estado Moderno. Novos direitos deveriam ser postos no ordenamento jurídico para garantir uma real liberdade. [85]

Para a autora, a insuficiência dos preceitos legais para garantir a liberdade levou ao surgimento dos chamados Direitos Sociais ou coletivos. Os direitos fundamentais sociais vinculam o Estado na sua atividade legislativa, executiva e judiciária, assim como vinculam igualmente a comunidade na orientação das suas atividades. Sendo assim, os direitos fundamentais sociais passam a vincular o Estado e a comunidade, que passam a agir na conquista efetiva da liberdade juridicamente fixada. [86]

A concretização do direito fundamental social pelo Estado e pelos cidadãos é um mandamento explícito no art. 225 da Constituição Federal, ao impor ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. [87]

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que tem como objetivo a defesa dos recursos ambientais de uso comum, ou seja, o patrimônio da humanidade, indispensáveis para uma vida digna, faz parte do rol dos direitos fundamentais, postulados na Constituição Federal[88], por ser essencial à sadia qualidade de vida. Sendo assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental por ser essencial à vida humana.

O direito ao meio ambiente sadio foi elevado ao nível de direito fundamental do ser humano por meio da Declaração de Estocolmo, em 1972, citando em seu primeiro princípio:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio, cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras. [89]

Pode-se observar no princípio acima, o reconhecimento do direito de todos os homens ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida. Por ocasião da Declaração de Estolcomo, tratou-se, também, de instituir a obrigação do homem de proteger e melhorar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações.

Como visto anteriormente, os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três dimensões sucessivas, que traduzem um processo cumulativo e qualitativo. Nesse sentido, Sarlet afirma que “desde o reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz com o seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação”. As dimensões são complementadas através de um processo cumulativo no qual uma dimensão não substitui a outra, mas vem com ela interagir, o que significa dizer que cada dimensão é a expressão de um momento histórico, não é mais ou menos importante que a outra, nem que se possa estabelecer uma relação de hierarquia entre elas. [90]

O direito fundamental à vida há de ser considerado em três dimensões[91]. A primeira dimensão é referente ao direito do ser humano de não ser privado de sua vida (seria o direito à vida propriamente dita, pertencente à área dos direitos civis e políticos) a segunda, consistente do direito de todo ser humano de dispor dos meios apropriados de subsistência e de um padrão de vida decente (direito à saúde, à educação, à previdência social, à cultura, ou seja, o rol dos direitos sociais) e a terceira, considerados os direitos de solidariedade, marcados por sua dimensão e titularidade difusa (são os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente saudável e sustentável e à qualidade de vida, o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação).

De acordo com Paulo Bonavides, os direitos de terceira dimensão tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. [92]

Nesse mesmo sentido, afirma Ingo Wolfgang Sarlet, que na terceira dimensão, são concebidos os direitos à humanidade, isto é, direitos que transcendem o individual e o coletivo. São aqueles em que os interesses individuais ou privados se subordinam a interesses da maioria ou públicos, em prol do bem-estar social. [93]

Dessa maneira, Orci Paulino B. Teixeira[94] destaca que, para uma perfeita compreensão da evolução do direito através de suas dimensões, deve-se atentar para a finalidade dos próprios institutos jurídicos. Cada um deles, em sua criação e implementação na busca da efetividade jurídica e social, encontrou um fundamento e uma razão de ser num determinado momento histórico, a exemplo do direito ao meio ambiente, que almeja a sadia qualidade de vida e, em última instância, a defesa da vida em todas as formas. Seguindo esta idéia, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tem a finalidade de proteger a vida humana e a sadia qualidade de vida, fundamentais à sobrevivência do homem, destinatário do direito. [95]

2.3.3 O reconhecimento do meio ambiente sadio na CF

Pela primeira vez na história das Constituições Brasileiras, o direito ao meio ambiente teve tratamento constitucional específico e detalhado. A Constituição Federal de 1988, marcadamente ambientalista e considerada como uma das mais avançadas sobre o tema, introduziu um capítulo próprio sobre o meio ambiente, sendo este capítulo um dos mais avançados e modernos.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, trata do direito ao meio ambiente estabelecendo:

Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Pode-se observar no dispositivo acima que a intenção do legislador foi de consagrar o meio ambiente ecologicamente equilibrado[96] como um direito de todos, incluindo às presentes e futuras gerações, passando a ser considerado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Estado[97] e à coletividade um dever: a defesa e preservação do meio ambiente.

De acordo com Marise Duarte, o objeto tutelado como direito de todos não é o meio ambiente em si, ou qualquer ambiente, mas, o meio ambiente qualificado, o equilíbrio ecológico do meio ambiente, devendo ser compreendida também a qualidade de vida em todas as formas, sendo essa qualidade que se converteu em bem jurídico, definido constitucionalmente como bem de uso comum do povo. [98]

A Constituição de 1988, ao tratar do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental do qual todos são destinatários e ao estabelecer a existência de um bem que tem duas características específicas – o fato de ser de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida -, inovou no sentido de criar um terceiro gênero. O objeto desse direito, em face de suas peculiaridades e de sua natureza jurídica, não se confunde nem com os bens públicos e muito menos com os bens privados.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo e como tal deve ser tratado, cabendo ao Estado um papel primordial em dirimir os eventuais conflitos no uso dos recursos ambientais. O Estado deve portanto defender e preservar o meio ambiente natural (fauna, águas, ar, solo, ambiente marinho) e construído (as cidades, o meio rural, o patrimônio cultural e o ambiente do trabalho), não como um bem que integre o seu patrimônio – o que pode ou não ocorrer –, mas sim dentro de uma perspectiva global, como um bem de todos. [99]

O bem ambiental criado pela Constituição Federal de 1988 é, pois, um bem de uso comum, um bem que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais. Para que um bem possa ser considerado ambiental, ele deve ser, além de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Os bens essenciais à sadia qualidade de vida são aqueles fundamentais à garantia da dignidade da pessoa humana, que constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1, III) e, que estão relacionados com os direitos fundamentais referidos no artigo 6º da Constituição: o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção da maternidade e à infância e, à assistência aos desamparados.

Assim é que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado integra o rol dos direitos fundamentais sociais consagrados na Constituição Federal de 1988, tendo como destinatários as presentes e futuras gerações. Sendo assim, todos os indivíduos podem exigir a defesa contra atos lesivos ao meio ambiente, tendo em vista que a preservação do meio ambiente é de fundamental importância para a garantia da manutenção da vida humana. O homem é destinatário do ambiente ecologicamente equilibrado e, nesta condição, também o são as gerações presentes e futuras. [100]

Dessa forma, pode-se afirmar que a norma constitucional que constituiu o direito ao meio ambiente sadio possui uma natureza individual, coletiva e difusa[101], ou seja, embora seja de titularidade difusa, o direito ao meio ambiente é também de titularidade individual, pois admite uma dimensão individual, quando a lesão ou probabilidade de lesão violar também interesse privado[102]. Ingo Sarlet trata do assunto afirmando que “o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, em que pese seu habitual enquadramento entre os direitos de terceira dimensão, pode ser reconduzido a uma dimensão individual, pois mesmo um dano ambiental que venha a atingir um grupo dificilmente quantificável e delimitável de pessoas (indivíduos) pode gerar um direito à reparação para cada prejudicado”. [103]

As normas ambientais constitucionais visam assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo que nessa condição mantêm a sua unidade com suporte no princípio, dentre outros, da dignidade da pessoa humana, já que são direitos fundamentais. Nesse mesmo entendimento, Sarlet, afirma que a base dos direitos fundamentais na Constituição de 1988 radica sempre no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, e que a coerência interna do sistema dos direitos fundamentais encontra justificativa na sua vinculação com os princípios ou valores fundamentais do ordenamento jurídico. Em relação à eficácia dos direitos fundamentais, assume o papel relevante a norma contida no art. 5º, § 1º, da CF de 1988, de acordo com a qual todos os direitos e garantias fundamentais foram elevados à condição de normas jurídicas diretamente aplicáveis e, portanto, capazes de gerar efeitos jurídicos imediatos[104].

Sendo assim, pelo fato do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ser uma norma que assegura a preservação da própria vida humana, e de não depender de regulamentação, concluí-se que esse direito possui aplicabilidade imediata.

A regra constitucional do direito ao meio ambiente é acompanhada pelos princípios da sadia qualidade de vida e da vida com dignidade, e pela aplicabilidade imediata - princípios que dão eficácia plena à norma de direito ambiental. Portanto, cabe ao Poder Público dar maior eficácia à norma constitucional que outorga aos indivíduos o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado e que reconhece seus princípios básicos. [105]

No sistema do direito ambiental brasileiro, a cláusula da proibição do retrocesso, deriva do reconhecimento da progressividade dos direitos sociais, e tem por objetivo proteger o núcleo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – melhorar a qualidade ambiental recuperando áreas degradadas e defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado -, por se tratar de uma garantia assegurada aos indivíduos das presentes e futuras gerações. O princípio da proibição do retrocesso visa inviabilizar toda e qualquer medida regressiva em desfavor do meio ambiente, como exemplo a abolição de normas protetivas ao meio ambiente. [106]

A preocupação com o meio-ambiente decorre da progressiva deterioração das condições de vida, do avanço técnico na capacidade de verificar e estimar esse processo e de um avanço do pensamento humano, hoje capaz de perceber a importância da manutenção dos ecossistemas para a própria preservação da espécie humana, tendo como conseqüência o surgimento de novos valores a serem tutelados. Esses fatores levaram ao surgimento de novos direitos.

Nesse sentido, Norberto Bobbio afirma, comentando a relação entre o surgimento de novos direitos sociais e o aprimoramento tecnológico das sociedades:

(...) as exigências que se concretizam na demanda de uma intervenção pública e de uma prestação de serviços sociais por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado nível de desenvolvimento econômico e tecnológico; e que, com relação à própria teoria, são precisamente certas transformações sociais e certas inovações técnicas que fazem surgir novas exigências, imprevisíveis e inexeqüíveis antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido. Isso nos traz uma ulterior conformação da socialidade, ou da não-naturalidade, desses direitos. [107]

A degradação ambiental, o risco do colapso ecológico e o avanço da desigualdade e da pobreza são sinais eloqüentes da crise no mundo globalizado. A crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza. Portanto, a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise da civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza. [108]

A crescente crise ambiental nos mostra a escassa implementação, no Brasil, de políticas públicas, voltadas para a efetiva defesa do meio ambiente. O direito ao meio ambiente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida é exclusivo de uma minoria, sendo que a maioria da população não pode dispor do bem ambiental “de uso comum do povo”.

A urbanização irregular, as construções de grandes metrópoles com concentração humana e atividades a ela relacionadas levaram à ruptura do equilíbrio ambiental. Isto é, romperam o equilíbrio que decorre do limite da aceitabilidade do risco de dano ambiental que deve atender a dois critérios básicos: o ambiental e o econômico. [109]

Nesse sentido, Rocha afirma que as atividades urbanas afetam o meio ambiente com a transformação de espaços naturais em áreas urbanas, com a extração e a degradação dos recursos naturais e com a liberação de resíduos domésticos e industriais. O autor afirma ainda que, esta situação determinou a instituição das funções sociais e ambientais da cidade. [110]

A desigual distribuição do poder econômico e político entre alguns poucos países (no plano internacional) ou proprietários (no plano local) decorre em grande parte da adoção de modelos ecologicamente insustentáveis da sociedade industrial, contribuindo para o agravamento de desigualdades sociais.

A busca do meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui hoje paradigma da atuação político-administrativa do Poder Público, tendo este o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum de todos. O conceito de bem de uso comum pressupõe uma utilização conjunta dos elementos que constituem o meio ambiente, tais como a água, o ar, bens de interesse público, essenciais à sadia qualidade de vida. Sendo assim, os Poderes Públicos não podem e não devem privilegiar um determinado usuário em detrimento de outro, todos devem ter o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. [111]

Da mesma forma, o Poder Público também tem o dever de garantir a proteção do meio ambiente urbano, ordenando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem estar da população através de uma política de desenvolvimento urbano.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial a sadia qualidade de vida é um direito fundamental, garantido a todos independente de raça, sexo, cor ou religião, mas, infelizmente a realidade nos mostra que essas garantias constitucionais não estão sendo aplicadas na prática. O acesso aos recursos ambientais não esta sendo garantido a todos, pois uma grande parcela da sociedade além de serem vítimas da exclusão social e econômica não dispõe de uma sadia qualidade de vida.

Antes de tratarmos no próximo capítulo sobre as ocupações desordenadas, vale ressaltar a clara vinculação que existe entre o meio ambiente e as relações sociais, uma vez que há uma apropriação desigual dos recursos e riquezas naturais. A exclusão social e a segregação ambiental estão intimamente relacionadas, apresentando-se como um dos mais graves problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento, onde há uma grande concentração de pobreza: nas periferias urbanas loteadas ilegalmente, nas favelas onde moram milhões de brasileiros, nos cortiços localizados em áreas centrais degradadas, transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento doméstico, difícil acesso aos serviços de saúde, maior exposição ás enchentes e risco de vida por desmoronamentos, etc.

3. Ocupação urbana desordenada e (in) justiça ambiental

As chances de uma vida nunca são igualmente distribuídas. Não conhecemos nenhuma sociedade na qual todos os homens, mulheres e crianças tenham as mesmas prerrogativas e gozem dos mesmos provimentos. Não conhecemos sequer uma em que todos os homens tenham o mesmo status. Provavelmente esta condição não é possível. (Origens da Desigualdade - RALF DAHRENDORF) [112]

3.1 Urbanização e Globalização

A cidade é o lugar da história, pois foi na cidade que, numa primeira fase, a burguesia se desenvolveu e exerceu seu papel revolucionário, e nela também nasceu o proletariado industrial, ao qual vai caber principalmente a tarefa de executar a revolução socialista e de realizar o homem universal. [113]

A sociedade industrial é urbana e a cidade é o seu horizonte. As cidades produzem metrópoles – espaços de concentração de capital, de meios de produção, e locus da gestão do próprio modo de produção -, conurbações[114], cidades industriais e grandes conjuntos habitacionais, mas, no entanto fracassa na ordenação desses locais. A Revolução Industrial é quase imediatamente seguida por um impressionante crescimento demográfico das cidades, por uma drenagem dos campos em benefício de um desenvolvimento urbano sem precedentes.[115]

A cidade é o lugar onde se reúnem as melhores condições para o desenvolvimento do capitalismo, uma vez que o seu caráter de concentração, de densidade, viabiliza a realização com maior rapidez do ciclo do capital, ou seja, diminui o tempo entre o primeiro investimento necessário à realização de uma determinada produção e consumo do produto.

A segunda metade do século XX é marcada por uma urbanização acelerada nos países de economia dependente, e suas cidades manifestam todo tipo de problemas, relacionados ao “inchaço” populacional em que vivem. Os ritmos acentuados de crescimento populacional urbano e a concentração de capital nacional e internacional nas metrópoles para a criação de infra-estrutura necessária à reprodução capitalista, promoveram um aumento crescente de população não empregada que se “aloja” nos maiores centros urbanos (não sendo possível falar que tal população “habita” os maiores centros urbanos). [116]

A cidade transformou-se em sede do capital, ou seja, um lugar onde se aglomera a produção, se congestiona o consumo, se amontoa a população e se degrada a energia. Como conseqüência, o capitalismo trouxe consigo, além de alguns avanços tecnológicos, profundas desigualdades econômicas, sociais e profundas mudanças na natureza e no meio ambiente, que foram fustigados de tal forma como nunca se viu em milhares de anos na História humana. Florestas desapareceram, rios secaram, organismos e animais foram e estão sendo extintos, tudo em nome do lucro e do “progresso” da humanidade.

Enrique Leff afirma que os processos urbanos se alimentam da exploração dos recursos naturais, da desestruturação do entorno ecológico, do dessecamento dos lençóis freáticos, da sucção dos recursos hídricos, da saturação do ar e da acumulação de lixo. Além disso, a concentração urbana permitiu desvalorizar a força de trabalho nos centros industriais, subvalorizando a natureza, explorando o meio rural e oprimindo suas populações. [117]

Para Manuel Castells a crise urbana provém da crescente incapacidade da organização social capitalista de assegurar a produção, distribuição e gestão dos meios de consumo coletivos necessários à vida cotidiana, da moradia, às escolas, transporte, saúde, etc. Os serviços coletivos necessários para atender o modo de vida suscitado pelo desenvolvimento capitalista não são suficientemente rentáveis para serem produzidos pelo capital, com vistas à obtenção de lucro. [118] O sistema capitalista não tem como prioridade o oferecimento de condições mínimas de sobrevivência para a população, a sua prioridade é e sempre será o lucro.

De acordo com Milton Santos, a globalização[119] é o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. O mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. [120]

Destaca o autor que, no final do século XX, e graças aos avanços da ciência, o mundo torna-se unificado – em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana mundializada. A globalização marca um momento de ruptura no processo de evolução social e moral que se vinha fazendo nos séculos precedentes, uma vez que o progresso técnico aparecia, desde séculos anteriores, como uma condição para realizar essa sonhada globalização com a mais completa humanização da vida do planeta, contudo, quando finalmente esse progresso técnico alcança um nível superior, a globalização se realiza, mas não a serviço da humanidade. Nesse sentido, a globalização que nos é imputada, mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva de cada um por si, como se voltássemos a ser animais da selva, reduzindo ainda as noções de moralidade pública e particular a um quase nada. [121]

Os grupos hegemônicos passaram a justificar a globalização como sendo um avanço do processo civilizatório para o capitalismo, mas, na realidade o que se pode constatar é que a globalização impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa.

Não existe uma definição de globalização que seja aceita por todos, mas pode ser caracterizada basicamente como um processo ainda em curso de integração de economias e mercados nacionais sob a égide do neoliberalismo caracterizado pelo predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas privatizações das empresas estatais, e pelo abandono do estado de bem-estar social. A globalização passa a ser responsável pela intensificação da exclusão social - aumento do número de pobres e de desempregados - e por provocar crises econômicas sucessivas, arruinando milhares de pessoas e empresas. A globalização é chamada de "terceira revolução tecnológica" (processamento, difusão e transmissão de informações) e acredita-se que a globalização define uma nova era da história humana.

Milton Santos destaca que, para a grande maioria da humanidade a globalização está se impondo como uma “fábrica de perversidades”. A fome deixa de ser um fato isolado ou ocasional e passa a ser um dado generalizado e permanente; quando os progressos da medicina e da informação deviam propiciar uma redução substancial dos problemas de saúde, milhões de pessoas morrem todos os dias, antes do quinto ano da vida; nunca na história houve um tão grande número de deslocados e refugiados; bilhões de pessoas sobrevivem sem água potável; o fenômeno dos sem-teto, curiosidade a primeira metade do século XX, hoje é um fato banal, presente em todas as grandes cidades do mundo; o desemprego é algo tornado comum; acabar com o analfabetismo ficou mais difícil do que antes; a pobreza cada vez mais aumenta assustadoramente. [122]

A globalização e o neoliberalismo, conforme Milton Santos, disseminam a pobreza numa escala global, pobreza esta quase sem remédio, trazida não apenas pela expansão do desemprego, como, também, pela redução do valor do trabalho. A produção maciça da pobreza aparece como um fenômeno banal, sendo que uma das grandes diferenças do ponto de vista ético é que a pobreza de agora surge, impõe-se e explica-se como algo natural e inevitável. Essa pobreza é produzida politicamente pelas empresas e instituições globais, sendo que estas, de um lado, pagam para criar soluções localizadas, parciais, segmentadas, como é o caso do Banco Mundial, que, em diferentes partes do mundo, financia programas de atenção aos pobres, querendo passar a impressão de se interessar pelos desvalidos, quando, estruturalmente, é o grande produtor da pobreza, e isso se dá com a colaboração passiva ou ativa dos governos nacionais. [123]

O que caracteriza as cidades contemporâneas, sob os efeitos da globalização, é justamente a profunda desigualdade social na exposição aos riscos ambientais, pois além das incertezas do desemprego, da desproteção social e da precarização do trabalho, os trabalhadores são submetidos aos riscos de moradia em encostas perigosas, beira de cursos d´água sujeita a enchentes, áreas contaminadas por lixo tóxico, situadas sobre gasodutos ou sob linha de transmissão de eletricidade. Além disso, têm o acesso desigual aos recursos ambientais como água, saneamento e solo seguro. [124]

A crise ambiental mostra a necessidade de revalorizar o fato urbano a partir da racionalidade; de romper a inércia crescente da urbanização e repensar as funções atribuídas à vida humana.

A degradação do ambiente emerge do crescimento e da globalização econômica, e o agravamento dos problemas ambientais – presentes nas regiões e aglomerados urbano-industriais – se sobrepõe aos problemas de infra-estrutura básica e exclusão social. A partir daí ampliam-se novos movimentos sociais que incorporam a discussão ambiental, sejam eles grupos locais em áreas de risco industriais ou grupos ambientalistas organizados atuando em níveis regionais, nacionais e mesmo internacionais.

3.2 As condições urbanas e habitacionais no Brasil

A urbanização brasileira é resultado do modelo de industrialização e desenvolvimento vigente nos países em desenvolvimento, heterogêneo e desequilibrado, cujo resultado materializa-se em uma dinâmica de modernização que recria exclusão social e segregação territorial para grande parcela da população.[125] O processo de urbanização brasileiro e latino-americano se intensificou a partir da segunda metade do século XX, constituindo-se em um gigantesco movimento populacional e de construção de cidades para o atendimento de necessidades de moradia, trabalho, abastecimento, lazer, educação, saúde[126].

Esse processo de crescimento urbano intensivo que acompanhou e tornou possível a industrialização brasileira provocou drásticas transformações sócio-econômicas e espaciais no país.

             A combinação de tais processos - industrialização e urbanização - ocasionou uma enorme concentração econômica, a qual tem determinado o processo de exclusão sócio-espacial da maior parte da população do país.

Milton Santos afirma que, com diferenças de grau e intensidade, todas as cidades brasileiras apresentam problemas parecidos: carência generalizada de habitação, saneamento, transportes e demais serviços urbanos. Quanto à estruturação, caracterizam-se pela ocupação de vastas superfícies, entremeadas de vazios, gerando um modelo de ocupação centro-periferia, onde as carências dessa última criam diferenciais no valor da terra central e alimentam a especulação imobiliária. Esta, por sua vez, num verdadeiro círculo vicioso, fortalece o processo de extensão da área urbana, criando novas periferias, e aumentando os problemas. O autor afirma ainda, que, quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. [127]

De acordo com Nelson Saule Jr., a urbanização brasileira nasceu marcada por reformas urbanas que primavam por obras de saneamento e embelezamento que expulsaram os pobres para as periferias como solução para eliminar epidemias e higienizar os espaços. Ao mesmo tempo, obras paisagísticas foram realizadas nas áreas centrais para favorecer a consolidação do mercado imobiliário capitalista que começava a surgir. O Estado passa a investir em infra-estrutura para induzir o desenvolvimento industrial (substituição das importações) e o urbanismo reformador das cidades. A extensão das redes de infra-estrutura realizada pelo poder público em direção às áreas distantes valorizava as áreas vazias localizadas neste trajeto, beneficiando as atividades especulativas e penalizando os moradores das periferias e os contribuintes que, ao final, arcaram com o custo destas obras.[128]

O modelo de desenvolvimento e expansão que comandou nossa urbanização acelerada produziu cidades marcadas pela presença das chamadas “periferias” e “favelas”. Essa urbanização vertiginosa, ao final de um período de acelerada expansão da economia brasileira, introduziu um novo e dramático significado: as cidades passaram a retratar e reproduzir as injustiças e desigualdades da sociedade.[129]

Dezenas de milhões de brasileiros não têm tido acesso ao solo urbano e à moradia senão através de processos e mecanismos informais – e frequentemente ilegais -, autoconstruindo um habitat precário, vulnerável e inseguro. Favelas, loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, loteamento clandestinos, cortiços, ocupações em áreas públicas, nas encostas e beiras de rios – essas têm sido as principais formas de habitação produzidas diariamente nas cidades brasileiras, pela maior parte de nossos moradores urbanos. [130]

Segundo dados do Censo Demográfico, no Brasil os índices de urbanização vêm atingindo patamares crescentes. Em 40 anos, entre 1960 e 2000, as cidades brasileiras receberam 106 milhões de novos habitantes, e 80% da população brasileira concentravam-se em áreas urbanas. [131]

Tabela 1 – Quantidade populacional urbana e rural do Brasil - 1960 e 2000

| |1960 |2000 |

|População urbana |45% |81% |

|População rural |55% |19% |

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE/2000

Dados da ONU indicam que um terço de toda a população urbana mundial vive em assentamentos precários. Em todo o mundo, cerca de 900 milhões de pessoas passam por problemas semelhantes aos enfrentados por brasileiros que não têm acesso à moradia digna[132].

Desde a década de 80, quando se inicia um período de estagnação econômica, a precariedade habitacional vem assumindo contornos cada vez mais graves, expressa nas favelas, que podem ser assim descritas: “... tipo de aglomeração urbana, amplamente disseminada pelas metrópoles do país, concentra domicílios com elevado grau de carências socioeconômicas, tanto em termos de oferta de serviços públicos, quanto relativas à infra-estrutura urbanística e renda pessoal dos moradores. Além disso, muitas destas áreas estão também sujeitas a riscos ambientais...”. [133]

A autoconstrução de barracos improvisados torna-se cada vez mais freqüente, não sendo exclusividade das grandes cidades como se acreditava. As favelas e os cortiços multiplicam-se, especialmente em locais onde as condições de salubridade são precárias e os terrenos, quase sempre impróprios para moradia.

As relações sociais se degradam na mesma medida do ambiente miserável a que são sujeitadas, tendo como conseqüência o crescimento generalizado da pobreza e da violência urbana.

De acordo com Ermínia Maricato, as mazelas decorrentes do crescimento das favelas são, de alguma forma, percebidas por toda a sociedade. Não há a consciência, no entanto, da dimensão quantitativa que as favelas estão tomando e nem de suas causas. [134]

Nas grandes cidades, as periferias são a materialização de mecanismos de exclusão/segregação, tais como: habitações insuficientes e de má qualidade, inexistência de infra-estruturas básicas, baixa possibilidade de acesso rápido e confortável aos lugares de trabalho, malha viária e equipamentos de transporte coletivo deficientes etc.

Aldo Paviani examina as periferias dos pobres - aqueles espaços gerados por ações periferizadoras e que tradicionalmente opunham-se ao centro, dotado de toda a gama de amenidades, infra-estruturas e oportunidades de trabalho - e a periferia “geográfica” - lugar da favela, geralmente situadas em terrenos insalubres, com forte declividade ou mesmo inundáveis. [135]

O autor destaca que a periferia pobre, hoje, está infiltrada em todo o tecido metropolitano e se qualifica desta forma por intermédio de diferenciadas ações no âmbito: [136]

a) do trabalho - em algumas metrópoles, os favelados procuram ocupar locais impróprios para moradia próximo de seu local de trabalho, ou próximo dos locais onde há a possibilidade de encontrar trabalho informal;

b) da educação – a contínua manutenção de analfabetos ou alfabetizados incompletos, leva à precarização de vida de grande parte da população. Os analfabetos, na maioria das vezes, menos esclarecidos, não se habilitam a acessos diversos de moradia, pelo fato de não terem acesso aos meios para compreensão e captação da realidade à sua volta, não assimilando as informações necessárias para melhor se posicionarem na tomada de decisões;

c) da moradia - quando há contradições insuperáveis nas diversas políticas habitacionais que deveriam ser conduzidas com padrões éticos, de forma continuada e com o propósito de resolver o problema habitacional de modo eficaz. Com o caráter de políticas habitacionais são implantados “conjuntos habitacionais populares”, “assentamentos para população de baixa renda”: fixam-se favelas, medidas capazes de atrair os menos esclarecidos, os que são incapazes de vislumbrar a ações demagógicas de autoridades, inclusive dos promotores de “mutirões para a casa própria”. As políticas incrementalistas no setor habitacional revelam as cidades como um caos, quando são extensivamente ocupadas por setores de moradia de baixa qualidade construtiva, muitas vezes erguidos para atender clientela entre uma eleição e outra.

d) da cidadania pela qual se conquista o direito à cidade. Para o autor, sob o ponto de vista sócio-espacial e político considera-se que existe a cidadania conquistada e sua oposta, a cidadania dada. Esta emana dos que “assaltaram o aparelho de Estado”, mantendo enormes contingentes populacionais por meio de políticas assistencialistas e de favorecimento.

A maioria da população vítima da exclusão social e econômica não teve acesso à alfabetização e à escolaridade, sendo assim, não usufruem das possibilidades de abertura à consciência política e aos direitos elementares que a cidadania plena oferece, sendo, portanto presas fáceis dos que lhes concedem “benefícios” e “favorecimentos”, em troca de votos. Por esse motivo as elites dominantes mantêm e perpetuam a baixa escolaridade, não destinam recursos para a educação, em todos os níveis de ensino, desestimulando o professorado com salários aviltantes e baixas condições para a atividade educacional. A cidadania plena é aquela fruto de conquistas ao longo do processo histórico, no cotidiano, nos entrechoques com forças repressoras, nas greves, nos protestos de ruas, pelos movimentos sociais e na luta constante para o incremento dos direitos civis, muitos inscritos na Carta Magna de 1988. [137]

3.2.1 Segregação social e degradação ambiental

Toda grande cidade tem um ou vários bairros ruins, onde se concentra a classe operária. É verdade que muitas vezes a pobreza reside em vielas escondidas bem perto dos palácios dos ricos, mas em geral a ela é destinado um terreno à parte onde, longe do olhar das classes mais felizes, ela tem de, bem ou mal, ajeitar-se sozinha. (...) As ruas são normalmente nem planas nem pavimentadas; são sujas, cheias de detrito vegetais e animais, sem esgotos nem escoamento de água, mas, em troca, semeadas de poças estagnadas e mal cheirosas. [138]

O processo de urbanização concomitante à industrialização assumiu uma série de características, dentre elas a concentração de terra, renda e poder. A “industrialização com baixos salários” é um mercado de moradias restrito e concentrado. O custo da reprodução da força de trabalho não inclui o custo da mercadoria habitação, fixado pelo mercado privado. Ou seja, grande parte da população urbana brasileira não tem condições de comprar uma moradia no mercado privado legal, sendo assim, a favela ou lote ilegal, combinados à autoconstrução, foram partes integrantes do crescimento urbano sob a égide da industrialização. [139]

Cenecorta e Smolka, em um trabalho que discute as características do mercado de terras na América Latina, afirmam defendem que a oferta insuficiente de terra servida[140] a preços acessíveis para os pobres urbanos e a necessidade de regularização das ocupações ilegais em áreas urbanas são duas das questões mais importantes da agenda latino-americana de política fundiária. As razões da ilegalidade decorrem tanto do baixo rendimento de uma grande parcela da população urbana, bem como da reduzida oferta de terras no âmbito do mercado imobiliário formal, uma vez que os empreendedores imobiliários não têm interesse nem incentivos para investir nesse segmento do mercado. [141]

Afirmam ainda os autores que os extratos mais pobres da população urbana são “empurrados” para a informalidade, buscando terra urbana através de mecanismos ilegais, informais, irregulares ou clandestinos, devido a seus baixos rendimentos. [142] Pode-se afirma que essa situação, enfrentada por uma ampla camada da população urbana, é em geral considerada como um fator explicativo da dificuldade associada à aquisição de terra no mercado formal.

A ilegalidade, ao contribuir para a exclusão social, reforça a pobreza urbana, estabelecendo um ciclo vicioso, demonstrado por Cenecorta e Smolka[143], no diagrama abaixo:

O ciclo vicioso da informalidade

Urbanização da pobreza

Necessidades sociais excedendo a base tributária

Ausência de recursos públicos para financiar provisão de serviços

Escassez de terras servidas/urbanizadas

Supervalorização de terras servidas

Preços não acessíveis

Ocupações de terra ilegais/irregulares

Custo de vida mais alto

Aumento da pobreza urbana

Segundo Raquel Rolnik, a exclusão social é vista como uma forma de analisar como e por que indivíduos e grupos não conseguem ter acesso ou beneficiar-se das possibilidades oferecidas pelas sociedades. A noção de exclusão considera fatores ligados tanto aos direitos sociais quanto a aspectos materiais, abrangendo, portanto, não apenas a falta de acesso a bens e serviços – que representam a satisfação de necessidades básicas -, mas também a ausência de acesso à segurança, justiça, cidadania e representação política. [144]

A ilegalidade em relação à posse da terra, além de fator de segregação social da população de menor renda, é o principal agente do padrão de segregação espacial que caracteriza as cidades brasileiras, tendo em vista que diversas localidades urbanas possuem diferentes preços, estabelecidos pelo mercado imobiliário. As áreas com melhor localização são as mais caras e são ocupadas pela população que tem renda para arcar com esses custos[145]. A população de menor poder aquisitivo tende a ocupar áreas desvalorizadas no mercado imobiliário, como a periferia urbana, carente de equipamentos públicos sociais, além de regiões ambientalmente impróprias para moradia.

As áreas ocupadas por favelas[146] estão marcadas pela ilegalidade e a conseqüente ausência de direitos. Maricato ressalta que essa situação implica em uma exclusão ambiental e urbana, ou seja, as áreas ocupadas por favelas são áreas mal servidas pela infra-estrutura e serviços urbanos como água, esgoto, varrição, transporte, telefonia, coleta de lixo, drenagem, iluminação pública, etc.[147]

Maricato ressalta, ainda, que o processo de exclusão não se refere apenas ao território, mas seus moradores são também vítimas de preconceito. Em geral essa população é mais pobre, o número de negros e de mães solteiras é maior do que a média da cidade e, pela falta de endereço formal, torna-se mais difícil encontrar um emprego. A autora acredita que o solo ilegal parece construir a base para uma vida ilegal e esquecida pelos direitos e benefícios urbanos. Daí concluí-se que a “exclusão é um todo”: territorial, ambiental, econômica, racial e cultural, etc.[148]

Outra grave conseqüência que decorre desse expressivo crescimento das ocupações ilegais está relacionada ao meio ambiente. As favelas estão localizadas, muito frequentemente, em áreas ambientalmente frágeis: beira de córregos, fundos de vales inundáveis, áreas de mangues, encostas íngremes, áreas de proteção ambiental, entre outras.[149]

A relação entre pobreza e degradação do ambiente caracteriza a discussão sobre os problemas ambientais nas cidades brasileiras. De acordo com Herculano, “a pobreza e a deterioração ambiental formam um círculo vicioso, no qual um é causa do outro”. A pobreza e a degradação ambiental não são percebidas (...) “enquanto inerentes à lógica perversa de um modo de produção concentrador, mas como percalços inesperados e perversos, passíveis de serem contornados e controlados através de ajustes e correções”. [150]

A população de maior renda tende a beneficiar-se do processo de produção da cidade e os mais pobres permanecem à margem, por não disporem de recursos financeiros que permitam sua inserção nesse processo.

Conforme aponta Maricato, a natureza e a localização dos investimentos, governamentais em primeiro plano, e privado em segundo, regulam quem e quantos terão o direito à cidade. Ela influi ainda nas características da segregação territorial e na qualidade de vida de cada bairro.[151]

De fato, as áreas onde predomina a população de baixa renda nas cidades brasileiras caracterizam-se pela deficiência dos serviços urbanos básicos, precária situação sanitária e habitações inadequadas, o que gera, na maioria das vezes, uma situação ilegal.

Ermínia Maricato discute a oposição entre cidade real e cidade legal, demonstrando que o uso ilegal do solo e a ilegalidade das edificações em meio urbano atingem mais de 50% das construções nas grandes cidades brasileiras, se considerarmos as legislações de uso, ocupação e parcelamento do solo, zoneamento e edificação. As razões da ilegalidade decorrem tanto do baixo rendimento de uma grande parcela da população urbana, como da reduzida oferta de terras no âmbito do mercado imobiliário formal, uma vez que os empreendedores imobiliários não têm interesse nem incentivos para investir nesse segmento do mercado. [152]

A autora afirma, ainda, que, “(...) é preciso considerar que as periferias das cidades cresceram mais do que os núcleos centrais, o que implica um aumento relativo das regiões pobres. A ilegalidade na ocupação do solo torna-se uma verdadeira máquina de produzir favelas e agredir o meio ambiente. O número de imóveis ilegais na maior parte das grandes cidades é tão significativo que a cidade legal (cuja produção, pode-se dizer, é capitalista) caminha para ser, cada vez mais, espaço da minoria”. [153]

De acordo com Nelson Saule Junior, a cidade marcada pela desigualdade social e pela exclusão territorial não é capaz de produzir um desenvolvimento sustentável. Afirma o autor que o direito ao desenvolvimento e o direito a um meio ambiente sadio devem ter o desenvolvimento sustentável como princípio norteador. O princípio do desenvolvimento sustentável fundamenta o atendimento das necessidades e aspirações do presente, sem comprometer a habilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. A política de desenvolvimento urbano deve ser destinada para promover o desenvolvimento sustentável, de modo a atender as necessidades essenciais das gerações presentes e futuras. O atendimento dessas necessidades significa compreender o desenvolvimento urbano como uma política pública que torne efetivo os direitos humanos, de modo a garantir à pessoa humana uma qualidade de vida digna. [154]

3.2.2 Ocupações Desordenadas e o Déficit Habitacional

O modelo de desenvolvimento e expansão que comandou a urbanização acelerada no Brasil produziu regiões marcadas pela presença de ocupações ilegais.

Conforme aponta Maricato, são diversas as denominações para ocupações ilegais utilizadas nas diversas regiões do Brasil: chamadas “áreas de posse” em Goiânia, “vilas” em Porto Alegre e Curitiba, “invasão” em Brasília e “favelas” em vários Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, etc. Deve-se notar, contudo, que os movimentos sociais que lutam pela moradia rejeitam o termo “invasão”, por considerá-lo ofensivo, optando por adotar o termo “ocupação”. A autora considera que o termo “invasão” retrata a ocupação, em áreas públicas ou privadas, por falta de alternativas, na maioria absoluta dos casos. [155]

Na cidade de Manaus, o termo comumente utilizado para denominar as ocupações ilegais é “invasão”, mas utilizaremos neste trabalho a denominação ocupações, uma vez que o termo “invasão” carrega consigo uma conotação pejorativa.

De acordo com Edésio Fernandes, dezenas de milhões de brasileiros não têm tido acesso ao solo urbano e à moradia, senão através de processos e mecanismos informais – e frequentemente ilegais -, resultando em um habitat precário, vulnerável e inseguro. Favelas, loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, loteamentos clandestinos, cortiços, ocupações em áreas públicas, nas encostas e beiras de rios – essas têm sido as principais formas de habitação produzidas diariamente nas cidades brasileiras, pela maior parte de nossos moradores urbanos. [156]

De fato, a rede urbana brasileira é extremamente desigual e concentrada. Enquanto treze municípios com mais de um milhão de habitantes respondem por cerca de 20% de toda a população brasileira, temos cerca de 4.600 municípios com menos de 20 mil habitantes concentrando menos de 30% da população do país. [157]

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Censo 2000, as favelas existem em todos os municípios com população superior a 500 mil habitantes e em 80% das cidades cuja população está entre 100 e 500 mil habitantes.

Após a realização, pelo IBGE, do Censo 2000 Brasil, a Fundação João Pinheiro em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), elaborou o estudo Déficit Habitacional no Brasil 2000, tendo como finalidade dimensionar e qualificar esse problema no Brasil. [158]

A pesquisa partiu do conceito de que “todo mundo mora em algum lugar”, sendo que os índices produzidos para caracterizar as necessidades habitacionais brasileiras abarcaram o “déficit habitacional” e a “inadequação de moradias”.

O conceito de “déficit habitacional” está diretamente ligado às deficiências do estoque de moradias, isto é, às moradias sem condições de serem habitadas, seja devido ou à precariedade das construções, seja ao fato de terem sofrido desgaste de sua estrutura física. O déficit habitacional pode ser entendido, portanto, como o “déficit por reposição do estoque”, referindo-se aos domicílios rústicos[159], acrescidos de uma parcela devida à depreciação dos domicílios existentes, e como “déficit por incremento de estoque” que contempla os domicílios improvisados (locais destinados a fins não-residenciais que sirvam de moradia, o que indica claramente a carência de novas unidades domiciliares) e a coabitação familiar.[160]

Agrega-se aos dois componentes acima citados o que se costuma denominar “ônus excessivo com aluguel”, que corresponde ao número de famílias urbanas, com renda familiar de até três salários mínimos, que moram em casa ou apartamento e que despendem mais de 30% de sua renda com aluguel.

Já o conceito de “inadequação de domicílios”, de acordo com o Ministério das Cidades, se aplica àquelas habitações que não proporcionam aos seus moradores condições desejáveis de habitabilidade. Em outras palavras, os domicílios com carência de infra-estrutura, com adensamento excessivo de moradores, com problemas de natureza fundiária, em alto grau de depreciação ou sem unidade sanitária domiciliar exclusiva. Tais fatores não implicam a necessidade de construção de novas unidades.

Entenda-se por carência de infra-estrutura a situação daqueles domicílios que não dispõem de: iluminação elétrica, rede geral de abastecimento de água com canalização interna, rede geral de esgotamento sanitário ou fossa séptica e coleta de lixo.

Quando o domicílio apresenta um número médio de moradores superior a três indivíduos por dormitório, ocorre o chamado “adensamento excessivo”. Deve-se esclarecer que o número de dormitórios corresponde ao total de cômodos, que são todos os compartimentos integrantes do domicílio separados por paredes, inclusive banheiros e cozinha. Não são considerados os corredores, alpendres, varandas abertas e outros compartimentos utilizados para fins não residenciais, como garagens e depósitos.

Sobre a evolução do déficit habitacional brasileiro, Nelson Saule afirma que os dados apontam um incremento absoluto no número de unidades habitacionais, que passam de 5.374.380, em 1991, para 6.656.526, em 2000, representando um acréscimo de 21,7%, durante a década e um crescimento de 2,2% ao ano. Ou seja, o déficit habitacional aumentou em geral e aumentou principalmente para os moradores na faixa mais baixa da renda mensal familiar recebida. Verifica-se a necessidade de uma política de subsídio à política habitacional, tendo em vista que os mecanismos de mercado e as políticas públicas têm sido insuficientes para a solução do problema. [161]

Vale ressaltar que, de acordo com os dados do Ministério das Cidades (2006), no Brasil, há um total de cerca de 5 milhões de imóveis desocupados, ao passo que o déficit habitacional nacional se aproxima de 7 milhões de unidades habitacionais - urbanas e rurais - o que mostra que a concentração de terras é alarmante nesse país, constituindo mesmo uma das maiores do mundo.

Segundo dados da Fundação João Pinheiro - FJP, o déficit habitacional em Manaus no ano de 2000 está estimado em 68.108 (sessenta e oito mil, cento e oito) domicílios. No entanto, segundo dados da Secretaria de Estado de Política Fundiária - SPF, somente nos anos de 2002, 2003 e 2004, surgiram 100 (cem) ocupações irregulares, sendo que 16 dessas ocupações foram consolidadas, gerando assim, aproximadamente 23.450 (vinte e três mil, quatrocentos e cinqüenta) lotes, o que representaria mais de 34% do déficit habitacional estimado pela FJP.

Tabela 2 - Relação de “invasões” consolidadas em Manaus – 2002 - 2004.

|NOME DA OCUPAÇÃO |QUANTIDADE LOTES |

| |ESTIMADOS |

|1- JESUS ME DEU |3.000 |

|2- RIO PIORINI |2.000 |

|3-CAMPOS SALLES |3.000 |

|4-RIO SOLIMÕES |600 |

|5-PARQUE RIACHUELO |1.500 |

|6-ISMAIL AZIZ |500 |

|7-PARQUE DOS GUARANÁS |700 |

|8-ESPLANADA |800 |

|9-RAIOS DE SOL |300 |

|10-FAZENDINHA |1.000 |

|11-NOVA VITÓRIA |5.000 |

|12-CARBRÁS |3.500 |

|13-PONTAL DA CACHOEIRA |400 |

|14-CELEBRIDADES |400 |

|15-NOVO MILÊNIO |450 |

|16-VITÓRIA RÉGIA |300 |

|TOTAL |23.450 |

Fonte: Secretaria de Política Fundiária do Amazonas - SPF

As invasões não atingem prioritariamente as famílias componentes do déficit habitacional, mas sim outro segmento social: os desempregados e subempregados que buscam nas ocupações ilegais uma forma de subsistência, uma vez que o mercado de trabalho passou a exigir qualificação profissional e nível escolar elevado. Os lotes que foram ocupados ilegalmente além de suprirem as necessidades de algumas pessoas sem moradia, também são utilizados como meio para obter uma fonte de renda, ou seja, pessoas sem alternativa financeira passam a ocupar os lotes para posteriormente vendê-los, sendo essa uma das poucas alternativas para garantir a sobrevivência.

Isso nos mostra que, na realidade, as “invasões”, além de serem um meio de conseguir uma moradia, também desempenham outro papel, que é o de propiciar uma fonte de renda para os “sem-trabalho”, que, por necessidade de subsistência, acabam vendendo a terra invadida, e voltam a invadir outro local para moradia, gerando assim a “indústria da invasão”.[162]

3. O processo de urbanização na cidade de Manaus: a ocupação de áreas impróprias e seus reflexos para uma sadia qualidade de vida.

A cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, está localizada na Região Norte do Brasil, no centro geográfico da Amazônia. Dentro da rede de cidades brasileiras, Manaus representa o 12º maior centro urbano, sendo considerada uma metrópole regional. Segundo dados do Censo 2000, Manaus apresenta uma população total de 1.403.796 habitantes, com uma concentração de 99,35% na área urbana – 1.394.724 habitantes. Vale ressaltar que, no ano de 2000, Manaus passou a ter a metade da população do Amazonas.

Os indicadores de renda, pobreza e desigualdade para a cidade de Manaus podem ser observados na tabela abaixo:

Tabela 3 - Indicadores de Renda, Pobreza e Desigualdade em Manaus - 1991 – 2000.

| |1991 |2000 |

|Renda per capita Média (R$ de 2000) |276,9 |262,4 |

|Proporção de Pobres (%) |23,6 |35,2 |

|Índice de Geni (mede o grau de desigualdade na distribuição de indivíduos|0,57 |0,64 |

|segundo a renda domiciliar per capita), | | |

Fonte: Atlas do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH do Brasil

A partir da implantação da Zona Franca de Manaus, através do Decreto-Lei nº. 288, de 28/02/1967, teve início um novo ciclo econômico, com a instalação de um parque industrial de porte e a consolidação de um setor terciário baseado na comercialização de produtos importados. A Zona Franca de Manaus foi um momento importante para o processo de desenvolvimento do Estado do Amazonas, gerando milhares de empregos e postos de trabalho, diretos e indiretos.

A Zona Franca de Manaus foi responsável pela atração de um grande fluxo migratório do interior do Estado e de diferentes regiões do país. Em conseqüência, houve um aumento da população em Manaus, levando ao agravamento da questão urbana, da saúde pública e da exclusão social, processo que provocou a redução da qualidade de vida da maior parte da população.

O problema fica evidente quando analisamos o crescimento demográfico da população, uma vez que, em 1970, Manaus possuía 284.000 mil habitantes e, em 2000, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população deste município saltou para 1.403.796 de habitantes.

Tabela 4 – Crescimento Demográfico da população de Manaus – 1970 - 2000

|ANO |POPULAÇÃO |

|1970 |284.000 |

|1980 |635.000 |

|1990 |1.100 |

|2000 |1.403.796 |

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE 1970-2000

Esse crescimento populacional foi causado pelo gigantesco êxodo rural e pelo fluxo migratório para a capital, sendo que enormes contingentes populacionais abandonaram seus locais de origem ancestrais, atraídos pelas expectativas de emprego e melhores condições de vida em geral resultantes da instalação da Zona Franca de Manaus.

O crescimento acelerado da cidade, a partir da década de 1980, provocou a expansão indiscriminada da ocupação urbana, com o aumento das ocupações irregulares, principalmente nas zonas leste e norte, além do agravamento da situação às margens dos igarapés e da deficiência da infra-estrutura urbana, principalmente dos sistemas de esgotos sanitário, dos serviços e equipamentos sociais básicos. [163]

De acordo com nosso sistema jurídico, cabe ao município o ordenamento territorial urbano e a disciplina do uso do solo nas cidades.[164] Contudo, observamos que, nas últimas décadas, o Município abriu mão dessa prerrogativa e o poder público ficou a reboque das “invasões”. Não foram desenvolvidas políticas públicas suficientes para enfrentar essa dinâmica populacional e houve um constante relaxamento no cumprimento das normas urbanísticas e edilícias previstas na Lei 1.213/75 (Plano Diretor Local Integrado de Manaus – PDLI). O PDLI, destinado a atender às necessidades da população e da cidade nos próximos 20 anos, deveria ter sido revisado em 1995, mas não foi. [165] Este plano desempenhou um papel importante apenas nos primeiros anos do processo de expansão urbana que se seguiu à instalação da Zona Franca e do Distrito Industrial. Entretanto, a ausência de planejamento continuado e a perda do controle do crescimento da cidade acabaram por determinar a ocorrência de vários problemas ambientais em Manaus. [166]

Dessa forma, por total falta de alternativa habitacional, convivem nos dias atuais na cidade de Manaus milhares de famílias que residem em barrancos e encostas com riscos de desabamento; às margens dos inúmeros igarapés que recortam a cidade; em baixo de fios de transmissão de eletricidade e também em locais com focos de malária.

Nas últimas três décadas, o município de Manaus vem se deparando com um número elevado de ocupações irregulares, as chamadas invasões. Segundo dados da Secretaria de Estado de Política Fundiária, nos anos de 2002 a 2006, ocorreram mais de 140 novas ocupações ilegais no perímetro urbano. Tal fato demonstra, por um lado, a ausência ou insuficiência de políticas públicas voltadas para o problema habitacional e urbano, mas, por outro, evidencia uma forma de segregação espacial e social.

Na década de oitenta, a Zona Norte, pelos seus inúmeros “vazios urbanos” [167], passa a ser a área escolhida para as invasões, como o Novo Israel, Terra Nova e Santa Etelvina. Essa opção dos movimentos de ocupação pela Zona Norte da cidade teve seu recrudescimento a partir do ano 2000, com as invasões: Rio Piorini, Jesus me Deu, Carbrás, Esplanada, Campos Salles, Pontal da Cachoeira, Ismail Aziz etc.

Ocorre que a grande maioria dessas populações tem baixo nível escolar e pouca ou nenhuma qualificação profissional, situação que se agrava como resultado dos reflexos que recebem dos problemas macroeconômicos que abalam a economia nacional e global. Essa combinação, aliada a outros fatores - ausência de políticas públicas, ascensão da política econômica neoliberal etc. - fez com que milhares de pessoas se vissem sem nenhuma perspectiva com relação a prover o seu próprio sustento.

Muitas das ocupações ou “invasões” ocorridas nos últimos anos, como acima afirmado, foram feitas em áreas impróprias para habitação, como encostas, nascentes de igarapé, barrancos, em baixo de fios condutores de energia ou mesmo em antigos depósitos de lixo, como o caso do Bairro do Novo Israel, na Zona Norte da cidade.

A luta por moradia está sendo travada pela população de baixa renda, que não tem o direito de exercer sua cidadania no sentido de ter um teto para morar com dignidade, passando a habitar locais que são impróprios para moradia, como áreas sem saneamento e coleta de lixo, em ambientes degradados, com poucos espaços verdes, sem acesso à água de qualidade ou ar puro.

Após a consolidação das ocupações, diversos bairros da cidade de Manaus passam a receber algum tipo de saneamento ou infra-estrutura básica, principalmente nas épocas de campanhas políticas.

A forma desordenada de urbanização da cidade também traz prejuízos ao meio ambiente, como a moradia nas margens de igarapés, como é o caso do “Igarapé do Quarenta”, ou de destruição quase que total de áreas verdes, como é o caso de invasões como “Jesus me Deu”, “Nova Vitória” e outras. A situação torna-se ainda mais dramática pelo fato de esses danos causados ao meio ambiente serem decorrência da total falta de oportunidade econômica, reflexo do capitalismo crescente, que leva famílias inteiras a se submeterem à moradia em locais impróprios, causando riscos à própria vida e ao meio ambiente.

A cidade de Manaus está situada às margens dos Rios Negro e Solimões, sendo entrecortada por cursos d´agua, rios e igarapés e, como resultado da situação climática e da cheia do Rio Negro, que ocorre anualmente, surgem situações de inundações e desmoronamentos, atingindo principalmente as populações que residem nas áreas impróprias à ocupação.

As transformações fruto do processo de urbanização acelerada de Manaus não foram acompanhadas por uma política de controle ambiental compatível com seu elevado crescimento urbano. Nesse processo, os cursos d´água que cortam a cidade foram ocupados sofrendo alterações e degradação, muitas delas irreversíveis. [168]

Além das ocupações nas margens dos igarapés, outro grave problema observado em Manaus é o crescimento da ocupação urbana direcionada para as áreas até então preservadas com florestas primárias. Os desmatamentos, para fins de ocupações, ocorridos nas últimas décadas, localizam-se nas Zonas Leste e Norte, regiões periféricas da cidade, onde ocorre intensa ampliação das fronteiras urbanas e o adensamento de áreas ocupadas. Primeiramente foram ocupados os espaços no centro da cidade, às margens dos inúmeros igarapés que a recortam, e depois foram sendo ocupadas e invadidas áreas na periferia da cidade, formando novos bairros.

Em Manaus, houve uma redução das condições de salubridade dos habitantes, devido ao intenso crescimento populacional, levando um grande número de pessoas a ocuparem áreas impróprias para moradia. A insuficiência da infra-estrutura existente fez com que os casos de doenças de veiculação hídrica, tais como febre tifóide, hepatite A e as diarréias tenham tido um alto índice de ocorrência na cidade, bem como os surtos de malária e dengue, decorrentes do intenso desmatamento nas ocupações, levando assim a uma precarização da qualidade de vida. [169]

3.3.1. A legalização das favelas à luz do Estatuto da Cidade

As formas de ilegalidade nas cidades constituem uma das maiores conseqüências do processo de exclusão social e segregação espacial que tem caracterizado o crescimento urbano intensivo nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Sendo assim, um número cada vez maior de pessoas tem tido de descumprir a lei para ter um lugar nas cidades, vivendo sem segurança jurídica da posse, em condições precárias ou mesmo insalubres e perigosas, geralmente em áreas periféricas ou em áreas centrais desprovidas de infra-estrutura urbana adequada. [170]

A discussão crítica sobre a ilegalidade urbana tem ganho destaque nos últimos anos, especialmente desde a Agenda Hábitat da ONU, que salientou a importância fundamental do direito urbanístico.

A partir da década de 1970, movimentos populares de luta por moradia propiciaram a criação do Fórum Nacional de Reforma Urbana. A primeira grande conquista foi a inclusão de um capítulo na Constituição Federal de 1988 tratando da Política Urbana. Contudo, somente em 2000, através de Emenda Constitucional n. 26, foi incluído na CF/88 o direito à moradia.

Pela CF/88, os Municípios passaram a ser co-responsáveis por promover as políticas habitacionais (arts. 21 a 30).

Após longas negociações e adiamentos, foi aprovado pelo Congresso Nacional o Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capítulo da política urbana (arts. 182 e 183) da Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Cidade passou a definir o que significa cumprir a “função social da cidade” e da propriedade urbana, delegando esta tarefa para os municípios, oferecendo para as cidades um conjunto inovador de instrumento de intervenção sobre seus territórios[171], além de uma nova concepção de planejamento e gestão urbanos. [172]

O Estatuto da Cidade visa à incorporação da cidade real à cidade legal, através de processos de regularização fundiária e urbanística dos assentamentos populares, reconhecendo os padrões de assentamento vigentes nestes espaços. [173]

Raquel Rolnik afirma que as inovações contidas no Estatuto situam-se em três campos: um conjunto de novos instrumentos de natureza urbanística voltados para induzir – mais do que normatizar – as formas de uso e ocupação do solo; uma nova estratégia de gestão que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade e a ampliação das possibilidades de regularização das posses urbanas, até hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal. [174]

De acordo com o art. 2º da Lei 10.257/01, a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

(....)

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por populações de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas ambientais.

Art. 4º, inciso V:

a) desapropriação;

f) a instituição de zonas especiais de interesse social;

g) a concessão de direito real de uso;

h) a concessão de uso especial para fins de moradia;

j) o usucapião especial de imóvel urbano e

q) regularização fundiária.

Segundo Ermínia Maricato, tanto a Constituição Federal de 1988, em seus capítulos dedicados à política urbana (arts. 182 e 183), como o Estatuto da Cidade contêm dispositivos de adequação controvertida. A primeira porque os adversários da chamada Reforma Urbana preconizada pelos movimentos sociais, conseguiram incluir na redação alguns detalhes que remetem a aplicação de alguns instrumentos - como o IPTU progressivo para imóveis não utilizados ou subutilizados - para lei complementar. O segundo porque remeteu a utilização dos instrumentos de reforma urbana à elaboração de Plano Diretor. Isto é, com exceção dos instrumentos de regularização fundiária, os demais - que dizem respeito ao direito à habitação e à cidade - ficam dependentes de formulação contida no Plano Diretor. O que parece ser uma providência lógica e óbvia resultou em um travamento na aplicação das principais conquistas contidas na lei. [175]

A autora acima citada reconhece que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2000 constituem paradigmas inovadores e modernizantes no que diz respeito às relações de poder sobre a base fundiária e imobiliária urbana. Destaca que a questão principal reside na aplicação dos novos instrumentos urbanísticos trazidos por essa legislação quando se deseja reestruturar (porque o problema é de estrutura) todo o quadro da produção habitacional de modo a conter essa determinação da ocupação ilegal e predatória pela falta de alternativas habitacionais. [176] Ou seja, a dificuldade está em apresentar alternativas para que grande parte da população não seja forçada a invadir terras para poder morar.

Deve-se salientar a enorme pressão para que respostas sejam encontradas para o fenômeno crescente de ilegalidade. Contudo, as agências públicas têm se concentrado mais na cura do que na prevenção do problema, sobretudo no nível municipal. [177]

Apesar de resistências, já se observa no Executivo, Legislativo, Judiciário, assim como na própria sociedade, uma tendência crescente de admissão da regularização urbanística e jurídica das ocupações ilegais.

Aparentemente, as ações governamentais começam a reconhecer a necessidade de urbanização e legalização da cidade informal, oferecendo uma melhor qualidade de vida e segurança fundiária para seus moradores, ficando em segundo plano (e em alguns casos esquecida) as políticas públicas voltadas para o oferecimento de novas moradias para aqueles que, sem perspectivas e recursos financeiros, invadem terras para morar. A regularização jurídica completa a melhoria das condições sociais, já que confere mais estabilidade e segurança ao morador, que pode até livrar-se de uma condição penosa de morador de favela, condição essa que interfere nas chances de obtenção de emprego, crediário e até salários, como afirmado acima. [178]

De acordo com Edésio Fernandes, no Brasil, quase todos os programas de regularização de favelas (combinando políticas de urbanização e políticas de legalização) têm sido estruturados em torno de dois objetivos principais: o reconhecimento de alguma forma de segurança jurídica da posse para os ocupantes das favelas, bem como a integração sócio-espacial de tais áreas e comunidades no contexto mais amplo da estrutura e da sociedade urbana. [179]

Contudo, o autor destaca que, com base nos estudos existentes sobre as experiências de diversas cidades brasileiras, há, com freqüência, um descompasso significativo entre os objetivos dos programas de regularização e as políticas adotadas. Afirma ainda o autor, que tais programas têm sido mais bem sucedidos no que toca às políticas de urbanização do que às políticas de legalização.

Maricato, por sua vez, afirma que a democratização da produção de novas moradias e do acesso à moradia legal e à cidade com todos seus serviços e infra-estrutura exige a superação de dois grandes obstáculos – terra urbanizada e financiamento – que, durante toda a história da urbanização brasileira, foram insumos proibidos para a maior parte da população. [180]

Os programas de regularização têm um caráter essencialmente curativo, e precisam ser combinados com investimentos públicos e políticas sociais e urbanísticas que gerem opções adequadas e acessíveis de moradia social para os grupos mais pobres que tem tido nas favelas e nos loteamento periféricos a única forma possível de acesso ao solo urbano e à moradia. [181]

A regularização fundiária das invasões na cidade de Manaus está sendo implementada pelo Poder Público Estadual e Municipal, sendo que ainda de forma incipiente, mas oferecendo a uma pequena parcela dos moradores de invasões uma maior segurança fundiária.

Desde 2001, o Estado vem regularizando a moradia de famílias que ocupam há mais de cinco anos terras do Estado, através da concessão de título definitivo, programa que beneficiará, até o final do ano de 2007, 30 mil famílias.

A prefeitura, a partir do ano de 2007, passou a considerar uma parte do bairro Santa Etelvina como “Zona Especial de Interesse Social” – ZEIS[182], tendo, a partir do ano de 2006 emitido diversas concessões de uso para moradores em áreas da prefeitura.

Enquanto cidadãos, os favelados devem ter acesso garantido a um lugar na sociedade urbana e a um espaço na cidade. Nesse sentido, essas experiências de legalização das favelas ou invasões têm um sentido positivo, pois ampliam a cidadania dos seus moradores. Contudo, tais iniciativas não atingem as raízes do processo de urbanização excludente, verdadeiro motor de produção contínua de favelas. Ele exige medidas mais amplas. O primeiro passo é criar consciência social sobre a dimensão e a importância do problema, trazendo para a luz do dia uma realidade que é desconhecida.[183]

A ausência de políticas públicas sociais que garantam o acesso à habitação resulta em imensas massas de desabrigados, os sem-teto, que vivem perambulando pelas periferias urbanas ou mesmo pelas áreas centrais, onde conseguem desenvolver alguma atividade que lhes garanta uns trocados, ainda que insuficientes até mesmo para pagar a locação de uma habitação subnormal, como um cômodo em uma ocupação ilegal qualquer.

Nas cidades brasileiras e, em particular, a cidade de Manaus, observa-se um quadro crescente de desigualdade e discriminação social, segregação ambiental, desemprego, pobreza e violência, o acesso aos direitos básicos é privilégio de poucos e os recursos naturais são cada vez mais dizimados.

A questão que nos parece central sobre a deterioração da qualidade de vida da população brasileira, ou melhor, da segregação sócio-ambiental não está, certamente, na falta de recursos públicos, uma vez que estes vêm crescendo ano a ano. A questão central está na destinação dos recursos públicos que, nos moldes da atual condução do processo de implementação das políticas públicas, acaba promovendo a concentração da riqueza e ampliando as desigualdades sociais, sendo as maiores vítimas os segmentos mais pauperizados das classes subalternas, que pela sua situação econômica, são obrigados a correr toda sorte e risco sócio-ambientais.

3.4 O movimento por Justiça Ambiental

A partir da década de 1960, os efeitos devastadores do desenvolvimento começaram a repercutir, não só no campo das ciências sociais, humanas, e biológicas, como também chegaram ao tecido social. Da preocupação com o a crise socioambiental deu-se início a um conjunto de embates e discussões contra as condições inadequadas de saneamento, de contaminação química de locais de moradia e trabalho, além da disposição indevida de lixo tóxico e perigoso. Nos anos de 1970, sindicatos, ambientalistas e organizações de minorias étnicas articularam-se para discutir assuntos relacionados às “questões ambientais urbanas”.[184]

A constituição do Movimento por Justiça Ambiental teve como marco histórico a experiência concreta de luta desenvolvida nos Estados Unidos da América (EUA), em Afton, no condado de Warren Couty, na Carolina do Norte, em 1982. Ao tomarem conhecimento da iminente contaminação da rede de abastecimento de água da cidade, caso fosse nela instalado um depósito de bifenil policlorado, os habitantes do condado organizaram protestos maciços, deitando-se diante dos caminhões que para lá traziam a carga perigosa contendo resíduos tóxicos. O protesto contra a utilização de sua localidade de moradia para a instalação de um aterro de resíduos perigosos culminou na prisão de mais de 500 moradores de Afton, que era composta de 84% de negros.

Alguns outros casos de injustiça ambiental nos Estados Unidos são emblemáticos, assim como o de contaminação química em Love Canal, Niagara, Estado de Nova York. A partir de 1978, moradores de um conjunto habitacional de classe média baixa descobriram que suas casas estavam erguidas junto a um canal que tinha sido aterrado com dejetos químicos industriais e bélicos. No sul da Lousiana, em uma região conhecida como a Cancer Alley, e também no cinturão negro do Alabama, se concentram-se incineradores e depósitos de rejeitos perigosos. O maior aterro comercial de lixo tóxico dos Estados Unidos, que recebe rejeitos retirados dos procedimentos de descontaminação, está localizado na cidade de Emelle, no Alabama, onde os negros formam 90% da população e 75% dos residentes do Sumter County. A localidade do sudeste de Chicago, habitada por 150 mil pessoas, das quais 70% negros e 11% latinos, havia contabilizado em 1991, segundo a Greenpeace, 50 aterros de lixo tóxico, 100 fábricas (das quais 7 indústrias químicas e 5 siderúrgicas) e 103 depósitos abandonados de lixo tóxico na sua comunidade. [185]

A luta de comunidades negras locais, frequentemente isoladas, contra agentes tóxicos e assentamentos de instalações perigosas, conduziu a Comissão para Justiça Racial a produzir, em 1987, o primeiro estudo nacional a correlacionar instalações que manipulavam resíduos com características demográficas. Concluiu-se no referido trabalho que a composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de rejeitos perigosos de origem comercial em uma área. As empresas escolhiam uma localidade para fins de construir aterros de resíduos químicos de acordo com a raça de seus moradores. O peso de tal variável mostrou-se mais forte do que a pobreza, o valor da terra e a propriedade de imóveis. As localidades com moradores negros eram as preferidas para construção de fábricas e depósitos de lixos químicos. [186]

Foi a partir desta pesquisa que o Reverendo Benjamin Chavez cunhou a expressão “racismo ambiental” para designar “a imposição desproporcional – intencional ou não – de rejeitos perigosos às comunidades de cor”. Entre os fatores explicativos de tal fato, foram alinhados a disponibilidade de terras baratas em comunidades de minorias e suas vizinhanças; a falta de oposição da população local por fraqueza organizativa e carência de recursos políticos típicas das comunidades de minoria; a falta de mobilidade espacial das minorias em razão de discriminação residencial e, por fim, a sub-representação das minorias nas agências governamentais responsáveis por decisões de localizações dos rejeitos. [187]

Robert Bullard[188] indaga em seu texto “Enfrentando o racismo ambiental” sobre as razões de algumas comunidades serem transformadas em depósito de lixo enquanto outras escapam desse destino. O autor afirma que as regulamentações ambientais são rigorosamente aplicadas em algumas comunidades e em outras não, assim como alguns trabalhadores são protegidos das ameaças ao ambiente e à saúde, enquanto outros são envenenados, o que autor define como a “anatomia do racismo ambiental”. [189]

Destaca o autor que o EUA, como força econômica e militar dominante do mundo atual têm gerado massivo bem-estar, altos padrões de vida e consumismo. No entanto, essa máquina de crescimento tem também gerado resíduos, poluição e destruição ecológica, mesmo possuindo uma das melhores legislações ambientais do planeta. Todavia, no campo real, nem todas as comunidades são tratadas de modo igual. Algumas comunidades são rotineiramente envenenadas enquanto o governo olha para o outro lado. [190]

De acordo com Guilherme Purvin “as terras de uma nação pobre constituem um excelente ‘depósito de lixo’ e qualquer projeto dessa ‘nação-depósito’ visando a adoção de um novo paradigma econômico será considerado um perigoso entrave para o contínuo processo de expansão do poderio econômico dos países poluidores. (...) O comércio de resíduos e outras formas de desenvolvimento ambientalmente nocivo está agravando a desigualdade internacional e ajudando a sustentar as indústrias poluidoras em todo o planeta”.[191]

Por conta disso, pessoas negras em todo o planeta precisam lutar contra a poluição da atmosfera e da água para consumo, e, ainda do estabelecimento de instalações nocivas[192], tais como aterros municipais, incineradores, tratamento e emissão de resíduos perigosos, em áreas de propriedade privada ou do poder púbico, sendo que, essas áreas geralmente estão localizadas próximas ao local de moradia dos negros. Robert Bullard observa que há um padrão de discriminação ambiental que submete determinadas comunidades, com maior intensidade, a danos ambientais decorrentes das atuais políticas econômicas e de mercado. Esse fato ocorre tanto em países industrializados, como os EUA, como nos países em desenvolvimento, que estabelecem políticas públicas e práticas industriais que, ao mesmo tempo em que garantem benefícios para os países do Norte, direcionam os custos para os países do Sul. Por conta disso, observa-se que as comunidades mais poluídas são as comunidades com infra-estrutura desintegrada, ausência de investimentos econômicos, habitação precárias, escolas inadequadas, desemprego crônico, alta pobreza e sistema de atenção à saúde sobrecarregada. [193]

Como exemplo, o autor destaca que na fronteira dos Estados Unidos da América – EUA com o México operam mais de 1.900 fábricas de montagem, de propriedade de empresas estrangeiras, que se aproveitam da mão-de-obra barata, criando subempregos e agravando o nível de poluição local, comprometendo assim a saúde dos trabalhadores e habitantes da região. A crescente globalização tornou fácil para o capital e as corporações transnacionais fugirem para áreas com o mínimo de regulamentação ambiental, melhores taxas de incentivos, mão-de-obra barata e altos lucros, esse fato é definido por Bullard como uma forma de discriminação institucionalizada. [194]

Os movimentos ambientais durante muito tempo se preocuparam com as questões ambientais apenas relacionadas à preservação, exploração predatória e escassez dos recursos naturais do planeta. No final dos anos 80, surge, nos EUA, um movimento inovador que trouxe um novo enfoque das questões ambientais, que passaram a ser pensadas em termos de distribuição e justiça.

A partir das reivindicações contra a iniqüidade ambiental, o movimento elevou a Justiça Ambiental à condição de questão central na luta pelos direitos humanos, passando o movimento ambientalista a incorporar a desigualdade ambiental às desigualdades sociais. A partir de 1987, organizações de base começaram a discutir mais intensamente as ligações entre raça, pobreza, poluição e as ligações entre problemas ambientais e desigualdade social.

A Primeira Cúpula Nacional de Lideranças Ambientais de Pessoas de Cor, em 1991, realizada em Washington, ampliou o movimento por justiça ambiental para além do seu foco anti-produtos tóxicos, para incluir questões de saúde pública, segurança do trabalho, uso do solo, transporte, moradias, alocação de recursos e empoderamento das comunidades. A conferência contou com a presença de mais de 1000 lideranças de base e de diversos países do mundo, contando com a participação de delegados de 15 países, dentre eles o Brasil. Os delegados participantes da conferência e aprovaram 17 princípios da justiça ambiental que foram desenvolvidos para guiar a organização e formação de redes de ONGs.

Nesse sentido, a noção de “justiça ambiental” permitiu uma articulação discursiva distinta daquela prevalecente do debate ambiental corrente – entre meio ambiente e escassez. Neste último, o meio ambiente tende a ser visto como uno, homogêneo e quantitativamente limitado. A idéia de justiça, ao contrário, remete a uma distribuição equânime de partes e à diferenciação qualitativa do meio ambiente. A denúncia da desigualdade ambiental sugere uma distribuição desigual das partes de um meio ambiente de diferentes qualidades, injustamente dividido. [195]

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) define justiça ambiental como sendo a condição de existência social configurada através da busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo, entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou omissão dessas políticas. [196]

Enrique Leff ao comentar a categoria de distribuição ecológica, busca compreender as externalidades[197] ambientais e os movimentos sociais que emergem de “conflitos distributivos”. Ou seja, o autor procura explicar, através da distribuição ecológica, a carga desigual dos custos ecológicos e seus efeitos nas variedades do ambientalismo emergente, incluindo os movimentos de resistência e justiça ambiental.

Pois bem, distribuição ecológica designa as “assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais, temporais no uso que os humanos fazem dos recursos e serviços ambientais, comercializados ou não”. A categoria de distribuição ecológica incorpora o conflito gerado pela distribuição desigual dos custos ecológicos do crescimento e sua internalização através dos movimentos sociais em defesa do ambiente e dos recursos naturais.

De acordo com Enrique Leff, as preocupações dos países do Norte concentram-se nos problemas ambientais globais (mudança climática, aquecimento da Terra, chuva ácida, perda de biodiversidade) fatores que, rompendo os equilíbrios ecológicos do planeta, colocam em perigo a sustentabilidade do sistema econômico, sendo que seus problemas mais visíveis são o controle da contaminação e a disposição de rejeitos gerados pelos altos níveis de produção e consumo. Já nos países do Sul, o ambientalismo não surge da abundância, mas da luta pela sobrevivência em condições de uma crescente degradação socioambiental. Assim, tanto os camponeses e os povos indígenas, como a população urbana marginalizada, estão se organizando e lutando em resposta à extrema pobreza gerada pela destruição de seus recursos naturais, à degradação de suas condições de produção e à falta de equipamento e saneamento básico. [198]

Enrique Leff destaca, ainda, que atualmente o número de pobres é maior do que nunca antes na história da humanidade, e a pobreza extrema avassala mais de um bilhão de habitantes do planeta. O empobrecimento das maiorias é resultado de uma cadeia causal e de um círculo vicioso de desenvolvimento perverso - degradação ambiental - pobreza, induzido pelo caráter ecodestrutivo e excludente do sistema econômico dominante. O autor afirma que os movimentos ambientais “são lutas de resistência e protesto contra a marginalização e a opressão, reivindicações por direitos culturais, pelo controle de recursos naturais, pela autogestão de processos produtivos e a autodeterminação de condições de vida”. Estas lutas pela erradicação da pobreza vinculam a sustentabilidade à democracia; entrelaçam-se com a reivindicação de identidades culturais, com a reapropriação de conhecimentos e práticas tradicionais e os direitos das comunidades para desenvolver formas alternativas de desenvolvimento. O movimento ambiental passou a incorporar às suas demandas tradicionais novas reivindicações como melhoria da qualidade do ambiente e da qualidade de vida. [199]

O termo justiça ambiental é um conceito aglutinador e mobilizador, por integrar as dimensões ambiental, social e ética da sustentabilidade e do desenvolvimento, frequentemente dissociados nos discursos e nas práticas. Tal conceito contribui para reverter a fragmentação e o isolamento de vários movimentos sociais frente ao processo de globalização e reestruturação produtiva que provoca perda de soberania, desemprego, precarização do trabalho e fragilização do movimento sindical e social como todo. Justiça ambiental, mais que uma expressão do campo do direito, assume-se como campo de reflexão, mobilização e bandeira de luta de diversos sujeitos e entidades, como sindicatos, associações de moradores, grupos de afetados por diversos riscos (como barragens e várias substâncias químicas), ambientalistas e cientistas. [200]

Guilherme Purvin, afirma que o movimento por Justiça Ambiental já começa a proliferar no Brasil, tendo como ideal a distribuição igualitária dos ônus ambientais decorrentes da produção e do consumo. Ressalta o autor que a preservação ecológica do planeta é, realmente, condição para a sobrevivência da humanidade, mas “nada indica que haja interesse ou mesmo que seja viável distribuir eqüitativamente entre toda a população de um país e entre todos os países do planeta os ônus dessa preservação, dentro do modelo econômico capitalista”. Acredita ainda, o autor que a opção pela vida no planeta só possa se dar com a superação histórica do modelo econômico e social contemporâneo. [201]

A Justiça Social constituía o objetivo maior da primeira metade do século XX. No estado atual do mundo torna-se cada vez mais necessário ampliá-la às dimensões da Justiça Ambiental em dois aspectos: Justiça no interior da Humanidade presente – significa que as necessidades essenciais de todos os seres humanos devam poder ser satisfeitas, através de uma eqüitativa partilha dos recursos do Planeta-; e Justiça para com a Humanidade futura – significa que os humanos de hoje devem deixar às próximas gerações recursos naturais e outros, em quantidade e qualidade suficiente para assegurar que esses recursos possam satisfazer suas necessidades essenciais. [202]

3.4.1 Injustiça Ambiental no Brasil

A injustiça ambiental caracteriza o modelo de desenvolvimento dominante no Brasil. Além do desemprego, da falta de proteção social e da precarização do trabalho, a maioria da população brasileira encontra-se hoje exposta a fortes riscos ambientais, seja nos locais de trabalho, de moradia ou no ambiente em que transita.

Os trabalhadores, minorias étnicas, populações tradicionais e grupos sociais mais vulneráveis estão expostos aos riscos decorrentes das substâncias perigosas, da falta de saneamento básico, das más condições de moradia, etc. Os grupos sociais de menor renda, em geral, são os que têm menor acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à segurança fundiária. As dinâmicas econômicas geram um processo de exclusão territorial e social, o que, nas cidades, leva à periferização de grande massa de trabalhadores e, no campo, por falta de expectativa de se obter melhores condições de vida, leva ao êxodo para os grandes centros urbanos. [203]

No Brasil, país caracterizado pela existência de grandes injustiças, principalmente em termos de distribuição de renda e acesso aos recursos naturais, o tema da justiça ambiental vem sendo re-interpretado de modo a ampliar seu escopo, para além da temática específica da contaminação química e do aspecto especificamente racial da discriminação denunciada.

As gigantescas injustiças sociais brasileiras encobrem e neutralizam um conjunto de situações caracterizadas pela desigual distribuição de poder sobre a base material da vida social e do desenvolvimento. Os vazamentos e acidentes na indústria petrolífera e química, a morte de rios, lagos e baías, as doenças e mortes causadas pelo uso de agrotóxicos e outros poluentes, a expulsão das comunidades tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e trabalho, a existência de populações que ocupam áreas impróprias para moradia, sem condições de saneamento básico, todas essas situações configuram um quadro constante injustiça socioambiental. [204]

Para Selene Herculano, os propósitos da justiça ambiental não podem admitir que a prosperidade dos ricos se dê através da expropriação ambiental dos pobres. Este tem sido o mecanismo pelo qual o Brasil vem batendo recordes em desigualdade social no mundo: concentra-se a renda e concentram-se também os espaços e recursos ambientais nas mãos dos poderosos. O exercício da cidadania e a reivindicação de direitos ainda encontram um espaço relativamente pequeno na nossa sociedade, apesar da luta de tantos movimentos e pessoas em favor de um país mais justo e decente, sendo que tudo isso se reflete no campo ambiental, num processo caracterizado pelo desprezo pelo espaço comum e pelo meio ambiente, processo que se confunde com o desprezo pelas pessoas e comunidades. [205]

O ambientalismo brasileiro tem um grande potencial para se renovar e expandir o seu alcance social. Os movimentos sindicais, sociais e populares, entre outros, também podem renovar e ampliar o alcance da sua luta se nela incorporarem a dimensão da justiça ambiental – o direito a uma vida digna e em um ambiente saudável. [206]

No Brasil, o marco inicial de sistematização e divulgação da problemática referente à Justiça Ambiental foi a coleção intitulada “Sindicalismo e Justiça Ambiental”, publicada em 2000 pela Central Única dos Trabalhadores – CUT/RJ, em conjunto com o Ibase, o Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano – IPPUR da UFRJ e com o apoio da Fundação Heirich Böll. O objetivo era estimular a discussão sobre a responsabilidade e o papel dos trabalhadores e das entidades representativas, na defesa de um meio ambiente urbano sustentável e com qualidade de vida acessível a todos os seus moradores.

Em setembro de 2001, no Campus da Universidade Federal Fluminense em Niterói, foi realizado o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental[207], uma das primeiras iniciativas de cunho acadêmico e político organizada no Brasil, discutindo enfoques teóricos e implicações políticas da proposta da Justiça Ambiental. O Colóquio teve como objetivo ampliar o diálogo e a articulação entre sindicatos, movimentos sociais, ambientalistas e pesquisadores, no sentido de estimular o fortalecimento da luta por justiça ambiental. Na ocasião, foi então criada a “Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA”.

A partir da realização do Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, passou-se a entender por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. [208]

Já o conceito de justiça ambiental designa o conjunto de princípios e práticas que: [209]

a) determinam que nenhum grupo de pessoas - seja um grupo étnico, racial ou de classe - suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;

b) asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;

c) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;

d) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso.

Para os representantes do Colóquio, a injustiça ambiental resulta da lógica perversa de um sistema de produção, de ocupação do solo, de destruição de ecossistemas, de alocação espacial de processos poluentes, que penaliza as condições de saúde da população trabalhadora, moradora de bairros pobres e excluídos pelos grandes projetos de desenvolvimento. Uma lógica que mantém grandes parcelas da população às margens das cidades e da cidadania, sem água potável, coleta adequada de lixo e tratamento de esgoto. [210]

Alguns casos de Injustiça Ambiental no Brasil são emblemáticos, como o caso da “Cidade dos Meninos”, na Baixada Fluminense, área metropolitana do Rio de Janeiro. As cidades da Baixada ficaram conhecidas como “cidades-dormitórios”, ocupadas predominantemente por loteamentos clandestinos, de moradia da população pobre, oriunda de migrações internas. Em 1940 foi fundado um complexo educacional para crianças pobres, em uma área federal de 19 hectares, localizada no distrito de Pilar, área esta que foi chamada de “Cidade dos Meninos”. Pouco tempo depois, o Ministério da Saúde instalou dentro do complexo educacional Cidade dos Meninos uma fábrica que produziria o pesticida conhecido como “pó-de-broca”, o HCH (Hexaclorociclohexano), [211] para enfrentar a malária, então endêmica na região. Em 1961, a fábrica cessou suas atividades, abandonando no local toneladas de matéria-prima (material tóxico), sendo que, com o passar do tempo, tal substância começou a se espalhar e se infiltrar pelo solo, iniciando um longo processo de contaminação do meio ambiente e da população, sem solução até hoje. [212]

O Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) protagonizou no ano de 2000, no Rio de Janeiro, um conflito fundiário urbano, que envolveu 360 famílias sem moradia, que estavam provisoriamente nos acampamentos Araguaia e Nova Canudos. Após negociação do Movimento com o Governo do Estado, as famílias foram retiradas dos acampamentos e transferidas para um terreno da Companhia dos Distritos Industriais do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) em Campo Grande, com a promessa da construção de um conjunto habitacional. Durante os sete meses em que ficaram acampados no local, aguardando a construção das residências, foram afetados por uma contaminação de resíduos tóxicos, provenientes das indústrias do entorno, que resultou na intoxicação de 63 pessoas, deixando duas em estado grave. As famílias que ali se encontravam além de serem vítima da exclusão social e econômica, passaram também a vítimas das externalidades dos empreendimentos industriais, arcando injustamente com o ônus do desenvolvimento. [213]

Outro exemplo de injustiça ambiental é o caso do Aterro de Gramacho em Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, comunidade composta por descendentes de africanos, que chega a 80% do total da população. O aterro vem suportando, desde a época do Império, o lançamento de todo o lixo produzido na área metropolitana do município do Rio de Janeiro e, mais recentemente, de mais seis municípios vizinhos. O aterro do Gramacho é um dos maiores aterros sanitários da América Latina e processa diariamente 7.000 toneladas de resíduos. A esse respeito, há inclusive no Museu do Lixo uma tela chamada “O Negro do Lixo”, representando os negros que há tempos atrás conduziam o lixo da população abastada até seu destino final, próximo das comunidades negras e carentes que ali habitavam.

Importante mencionar, a triste e desesperadora realidade das inúmeras famílias que vivem desse aterro, à espera dos imensos e carregadíssimos caminhões que até ali se dirigem; chocante, de fato, o contraste entre o movimento das garças e dos braços de catadores, em acirrada disputa por restos da sociedade – paradoxalmente, a mesma sociedade que a estes oprime e os marginaliza e fecha os olhos para essa realidade. [214]

3.4.2 A distribuição desproporcional de danos ambientais em Manaus

A implantação da Zona Franca de Manaus, em 1967, trouxe um novo ciclo econômico à cidade, que foi responsável pela atração de um grande fluxo migratório oriundo de todas as partes do Brasil, resultando, assim, na expansão de novas áreas de ocupações urbanas, inclusive às margens dos igarapés. Os imigrantes primeiramente ocupavam os espaços no centro da cidade, às margens dos igarapés, e depois foram ocupando e invadindo áreas na periferia da cidade, formando assim novos bairros.

Em Manaus, cerca de 70 mil moradias estão localizadas em faixas marginais dos cursos d´agua, áreas consideradas como de preservação permanente, onde vivem aproximadamente 300 mil pessoas. A maior parte dessas moradias corresponde a palafitas precárias, implantadas sobre os espelhos d´água ou em áreas sujeitas a inundação. [215]

As ocupações desordenadas levaram a cidade a uma precarização da qualidade de vida, pois esse enorme contingente populacional e a expansão do Distrito Industrial, com suas fábricas e indústrias, passaram a fustigar incansavelmente a natureza e o meio ambiente, agravando assim os problemas de injustiça ambiental, fazendo com que nos dias atuais a cidade enfrente inúmeras alterações ambientais, como a contaminação de lençóis freáticos, o desmoronamento de casas e barracos construídos em barrancos e ribanceiras, a contaminação dos igarapés e mananciais com esgotos e lixo (tanto doméstico quanto industrial), a contaminação dos peixes por metais pesados nos igarapés do Quarenta (os moradores dos igarapés pescam os peixes para consumo), a contaminação também por metais pesados de terrenos do Distrito Industrial e adjacências.

Os igarapés que recortam a cidade de Manaus começaram a passar por problemas de contaminação principalmente como conseqüência da instalação de empresas com atividade industrial às margens dos igarapés, sobretudo próximo ao Igarapé do Quarenta, situado na zona sul da cidade de Manaus.

As indústrias que estão instaladas na Zona Franca de Manaus, além dos incentivos fiscais, baixos salários, infra-estrutura e leis ambientais frágeis e flexíveis, não tiveram grandes preocupações quanto ao destino de seus dejetos tóxicos, causando, assim, um envenenamento dos terrenos, das águas e dos peixes, nas regiões adjacentes ao Distrito Industrial. Vale ressaltar que essa área é densamente povoada, pois compreende diversos bairros como: Japiim, Japiinlândia, Aterro do Quarenta, Betânia, Cachoeirinha, Educandos, entre outros.

A avaliação do impacto ambiental do Igarapé do Quarenta começou a ser feita no início da década de 90. Os problemas ambientais dos igarapés foram estudados e revelados por diversos autores, sendo que os estudos realizados até o momento mostram que o Distrito Industrial de Manaus é o principal responsável pela poluição do sistema hídrico em termos de metais pesados. Outra causa de poluição é o esgoto sem tratamento e o lixo doméstico, ambos provenientes das palafitas (casas muitos precárias construídas às margens dos igarapés), como conseqüência da alta concentração de moradores nas margens dos igarapés.

Um dos primeiros estudos realizados sobre a poluição aquática em Manaus foi de Sergio Bringel. Destaca o autor que a poluição torna-se um problema mais sério quando há um crescimento populacional, ou também com a intensidade da industrialização. O grande receio está no fato de talvez sermos incapazes de controlar essa poluição, pois, com o desenvolvimento industrial da cidade de Manaus novas indústrias surgiram e, com isso, mais pessoas. Consequentemente, haverá um aumento de consumo de energia e de despejos de detritos. [216]

Um estudo realizado por Tereza Oliveira evidencia a contaminação química por metais pesados no igarapé do Quarenta, que tem aproximadamente 38 km de extensão e possui várias nascentes, localizadas em sua maioria na Zona Leste de Manaus. [217] Afirma a autora que, a observação das condições na área tornou evidente que muitas empresas instaladas no Distrito Industrial fazem uso dos igarapés para o despejo de seus afluentes, sendo perceptível a existência nos despejos de constituintes de tintas em suspensão, solventes e alguns resíduos sólidos. Destaca ainda, que a formulação desses produtos contém uma série de metais pesados e compostos orgânicos reconhecidamente cancerígenos (thiner, benzina, etc.), que poderiam contaminar toda a Bacia do Educandos. [218]

Karime Bentes, ao coletar várias amostras de solo da região do Distrito Industrial, observou que as empresas despejam diversos produtos químicos nos igarapés sem nenhum tipo de tratamento adequado. Afirma, ainda, que é comum encontrar nessa região colorações de diversos tipos (amarela, negra, azul, etc.) nas águas dos igarapés. Outra característica marcante é a existência de odores desagradáveis e lixo de diversas espécies: papelão, sacos plásticos, isopor, pneus e subprodutos industriais. A autora evidenciou em seu trabalho a existência de substâncias contaminantes encontradas no solo em quantidades elevadas. [219]

Um outro estudo realizado por Nívea Guedes, ao longo da microbacia do igarapé do Quarenta, constatou a existência de vários metais pesados, tais como níquel, ferro cobre, manganês e cromo em limites acima do que recomenda a Resolução 020/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). [220]

Os metais pesados como o zinco, do magnésio, do cobalto e do ferro tornam-se tóxicos e perigosos para a saúde humana quando ultrapassam determinadas concentrações-limite. Vale ressaltar que o chumbo, o mercúrio, o cádmio, o cromo e o arsênio são metais que não existem naturalmente em nenhum organismo, tampouco desempenham funções nutricionais ou bioquímicas em microorganismos, plantas ou animais. A presença destes metais em organismos vivos é prejudicial em qualquer concentração. [221]

Em estudo realizado com o objetivo de analisar a concentração de metais pesados nos peixes que vivem no igarapé do Quarenta, observou-se que os teores de cobre encontrados nesse igarapé variavam de 1,06 mg/g a 79,48 mg/g, enquanto a concentração máxima permitida pela Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), é de 30,0 mg/g. As concentrações de cobre no igarapé do Quarenta chegaram a atingir valores duas vezes o limite admissível, sendo que os maiores valores foram encontrados nos fígados dos peixes. [222]

A contaminação dos peixes por metais pesados se torna ainda mais grave, devido a cultura alimentar do povo amazonense e também pelos problemas econômicos próprios das populações excluídas, uma vez que o pescado torna-se um alimento substancial para essas populações de baixa renda, que geralmente pescam em igarapés nos mais diversos locais da cidade de Manaus. Nesse sentido, a contaminação dos sistemas aquáticos pode gerar contaminações dos sistemas nos peixes e nos seres aquáticos. A contaminação pode ocorrer tanto por meio da cadeia alimentar, ou através do simples contato direto e permanente com o meio aquático poluído, o que ocorre muitas vezes através das brânquias. [223]

O problema resultante dos poluentes está presente no cotidiano das cidades, expondo a riscos geralmente os pobres, que, sem alternativa habitacional, são obrigados a construir moradias erguidas nas margens dos igarapés, que muitas vezes são aproveitados para o despejo de dejetos industriais e domésticos. Sobrevivem em uma situação de total abandono, sem qualidade de vida, e principalmente impossibilitados de exercer seus direitos sociais à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

As populações que vivem em palafitas, sobre os igarapés, além de serem vítimas da exclusão social e econômica, também são vitimas da injustiça ambiental, uma vez que recebem uma maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento.

Outro caso expressivo de injustiça ambiental em Manaus é o do bairro de Novo Israel, localizado na zona norte da cidade, local que vem enfrentando sérios problemas socioambientais. Desde o início da década de 1970, quando ainda era uma área semi-urbana, servindo como sítios e chácaras, este local foi usado como lixeira pública pela Prefeitura Municipal de Manaus, recebendo todo tipo de lixo, desde resíduos industriais, domésticos e hospitalares, isso até 1986, quando um Decreto Municipal transferiu a lixeira para outro local. No final de 1987, o local, que antes havia sido uma lixeira, passou a ser ocupado por pessoas sem alternativa habitacional, tornando-se, pouco tempo depois, um bairro. O bairro de Novo Israel possui 14.416 habitantes e conta com 3.149 moradias, segundo dados do Censo 2000 - IBGE.

Ivanhoé Mendes realizou um estudo no Bairro do Novo Israel com o objetivo de verificar as faces da injustiça ambiental sofrida pelos moradores da área. Em seu estudo, verificou os problemas ambientais e de infra-estrutura urbana do bairro, analisando a partir do entorno e do domicílio, condições de moradia e poder aquisitivo, condições de habitabilidade, instalações sanitárias e de higiene, identificação dos problemas domiciliares referentes às condições de água e de seu armazenamento, disposição de resíduos sólidos e problemas de saúde.

O autor destaca que o bairro de Novo Israel poderia ser apenas mais um bairro de Manaus, oriundo dos processos de ocupações ilegais, mas torna-se peculiar devido a um conjunto de mazelas e iniqüidades perpetradas contra moradores do bairro, destacando-se o problema da água, tanto no abastecimento, quanto na qualidade - vale destacar que os moradores utilizam os poços artesianos improvisados para conseguirem água -, lembrando que o solo era uma antiga lixeira. Além dos problemas da água, inexiste rede de esgotos e de drenagem, faltam locais adequados para o despejo de resíduos sólidos. Tais problemas são resultados, principalmente, da precariedade dos serviços públicos e da negligência ou omissão do poder público oferta de melhores condições de vida da população. Por outro lado, evidenciam uma lógica de segregação espacial e social, que empurra e imobiliza as classes ditas subalternas para locais onde deverão pagar com a sua saúde e com as suas vidas. Esse é o preço a ser pago, para que possam morar na metrópole, relegados a uma terra contaminada pelo próprio poder público. [224]

Guilherme Purvin, afirma que, “as áreas degradadas por aterros sanitários ou nas proximidades de “lixões” a céu aberto, por seu valor irrisório, constituem uma solução perversamente cômoda para alojar uma imensa multidão de pessoas socialmente excluídas do acesso aos bens minimamente necessários para existência digna”. [225]

3.5 Discurso x Práxis: o caso da “invasão” Nova Vitória

A capital do Amazonas concentra 500 mil habitantes vivendo em situação de pobreza, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semasc). [226]

De fato, a cidade de Manaus possui um grande contingente populacional vivendo em condições precárias de habitação, atingindo atualmente proporções nunca imaginadas, seja do ponto de vista de ausência de serviços de infra-estrutura, seja considerando-se as condições de segurança do imóvel. Muitos apresentam risco de desmoronamento, de inundação, de incêndio devido a ligações elétricas precárias, além do perigo de se contrair moléstias infecciosas decorrentes do acúmulo de lixo e de condições insatisfatórias de higiene.

Ao ser observada a precariedade habitacional, deve-se levar em conta não somente as condições do imóvel em si, mas também o que se refere a seu entorno e ao que é disponibilizado em termos de equipamentos de saúde, educação, cultura, lazer e transportes.

As formas de produção e distribuição da riqueza, bem como a própria organização do espaço, da infra-estrutura e dos serviços urbanos determinam a qualidade de vida da população na cidade.

Nas últimas décadas, ocorreu um empobrecimento da população de forma que muitas famílias não tiveram como arcar com o aumento das despesas de habitação e acabaram empurradas para as periferias, aglomerados - clandestinos ou não - carentes de infra-estrutura. Em tais locais passam a residir a mão-de-obra necessária para o crescimento da produção. O poder aquisitivo da população está distante dos interesses do mercado imobiliário: não há ofertas para essa faixa da população e ela tem cada vez menos condições de adquirir o que é ofertado.

A falta de alternativa habitacional leva os socialmente excluídos a buscarem na “invasão” de terras uma possibilidade de moradia, sendo que essa única alternativa de moradia que encontram vem causando profundos danos ao meio ambiente e a sadia qualidade de vida.

A trajetória de evolução da urbanização em Manaus nos últimos 20 anos tem sido o grande desafio no processo de desenvolvimento e preservação ambiental. A cidade de Manaus é uma zona urbana no meio da floresta e que atualmente está pagando um preço ambiental muito alto por conta do tipo de expansão urbana que vem sofrendo.

Na cidade de Manaus, as zonas Leste e Norte passaram a ser efetivamente ocupadas por meio de “invasões” na década de 1980 e são as mais atingidas atualmente pela degradação ambiental. Essas zonas sofreram impactos ambientais significativos, que ocasionaram perdas de cobertura vegetal, assoreamento e poluição de igarapés, destruição de nascentes, perda da biodiversidade e ameaça de extinção de espécies de animais como o Sauim-de-coleira. [227]

O processo de “invasão” de áreas para a construção de moradias tem como principal característica à retirada das árvores e a “limpeza” do terreno. A intensificação desse processo transformou as zonas Leste e Norte da cidade de Manaus em áreas com pouquíssimo verde, e com sérios problemas de alagamento, desabamento e vulnerabilidade.

Com o objetivo de verificar o grau de desmatamento do município de Manaus, uma equipe do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) promoveu um estudo dos 18 anos de desmatamento na área, no período de 1986 a 2004.  Dessa forma concluiu-se que 22% da área urbana de Manaus, cerca de 9.601 hectares, foram desmatados. O levantamento foi feito apenas na área urbana de Manaus, que corresponde a 4% da área total do município, cerca de 44 mil hectares, sendo que 28 mil já estão desmatados. [228]

De acordo com o estudo “a zona leste foi a última a ser ocupada e ainda assim, é a mais devastada por conta do avanço populacional”.  A zona leste tem 16 mil hectares, sendo que 40% pertencem à Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. O total de área verde de Manaus atualmente é de 15.265 hectares e de área desmatada é de 28.835 hectares. [229]

Em seguida será examinado um caso paradigmático de habitantes de uma “invasão” denominada Nova Vitória, tendo surgido em julho de 2003, localizada na Zona Leste da cidade de Manaus, na qual as famílias locais passaram a se mobilizar coletivamente, engajando-se num discurso de reivindicação dos direitos à moradia e a uma sadia qualidade de vida.

A ocupação ilegal se deu em terras de propriedade da Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA, destinadas à instalação de indústrias na zona urbana de Manaus. Desde então a “invasão” tornou-se alvo de brigas judiciais na tentativa de se retirar os ocupantes da área.

A área da “invasão” Nova Vitória caracteriza-se como um aglomerado de moradias precárias, sendo que grande parte das habitações foram construídas em terrenos irregulares com riscos de desabamento; não dispõem de infra-estrutura, saneamento básico, água encanada, luz elétrica, transporte, escolas, etc. Ou seja, os equipamentos públicos sociais básicos não são colocados à disposição dos moradores dessa invasão.

A área, por pertencer à União, é de jurisdição federal. No ano de 2003, a Justiça Federal decretou a reintegração de posse da área para a SUFRAMA. A referida reintegração de posse foi cumprida pela Polícia Federal no dia 15/11/2003, com o apoio do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Estado do Amazonas, sendo que na época o número de moradores na área era de 3.150, de acordo com o levantamento sócio-econômico realizado pela Universidade Federal do Amazonas.

A Policia Federal, munida de um verdadeiro arsenal de guerra - helicópteros, dezenas de viaturas, metralhadoras, pistolas, cavalos, etc. -, entrou na área da “invasão” e deu-se início a “batalha”. Os moradores da “invasão” Nova Vitória, ao som do hino nacional entoado por vozes inconformadas pela rotina de sofrimento, resistiram à reintegração. Todos foram para o confronto com os policiais. Foi uma verdadeira cena de guerra, uma luta travada entre os moradores e a polícia. Lutando por seus tetos, os moradores enfrentaram a cavalaria, balas de borracha, gás lacrimogêneo e cacetetes. Muitos moradores foram lesionados e alguns foram presos, mas no final da batalha a reintegração foi cumprida. Conseguiram expulsar as pessoas moradoras da área e todos os barracos foram destruídos por tratores.

Após a reintegração de posse da área, a SUFRAMA não tomou providências para fins de proteger a área de novas ocupações, sendo que dias depois a área foi novamente invadida pelos moradores anteriormente expulsos que não tinham para onde ir e haviam ficado nas calçadas e ruas próximas à “invasão” Nova Vitória.

No decorrer dos anos a Polícia Federal tentou novamente intervir na área, mas as famílias continuavam a resistir. Os impactos negativos causados pela forma violenta de expulsão dos moradores da “invasão” Nova Vitória foram muito criticadas pela opinião pública e até mesmo pelo próprio poder público, como o Ministério Público Federal - MPF.

Constantemente os moradores eram ameaçados de serem expulsos novamente a qualquer momento. Além de estarem morando em local totalmente inadequado para moradia, passaram a também viver com o medo de qualquer dia reviver a batalha de expulsão.

A liminar que garantia a reintegração de posse da área invadida que pertence a SUFRAMA foi suspensa pela Justiça Federal, em outubro de 2005, a pedido do Ministério Público Federal, que entendeu que o processo de retirada “à força” seria traumático para as famílias residentes na região. Desde o ano de 2003, quando surgiu a “invasão” Nova Vitória, o Ministério Público Federal, representantes da SUFRAMA e associações de moradores da ocupação passaram a se reunir constantemente, a fim de discutir uma forma pacífica de cumprir a reintegração de posse sem deixar os moradores da “invasão” sem moradia.

Várias manifestações já foram realizadas pelos moradores da “invasão” Nova Vitória, uma delas foi no ano de 2006, em frente ao prédio do Ministério Público Federal, ocasião em que reivindicavam do poder público que revisse o pedido de reintegração de posse da área. Entre os moradores que estavam na manifestação se destacou a menor Valéria da Silva Prado, de 11 anos de idade, afirmando que: “ninguém tem casa em outro canto, não temos para onde ir. Todos os que moram no Nova Vitória só têm aquele pedaço de terra. Eles estão brigando por uma terra que é de Deus”. [230]

Uma outra cena marcante registrada pela imprensa, foi a de um casal de idosos chorando e ajoelhados em frente ao prédio do Ministério Público Federal. Ambos declararam:

Aquela é a nossa terra, é tudo o que temos de mais precioso na vida. Não podem nos retirar daquele local. (Eva Rodrigues, moradora da “invasão” Nova Vitória) Dizem que vão nos dar casa, mas eu não creio que isto se torne real. Queria mesmo é que urbanizassem o bairro Nova Vitória. (Manoel Firmino Trindade, também morador da “invasão”). [231]

Ao longo de quase quatro anos de existência da “invasão” Nova Vitória, a SUFRAMA, os representantes do Ministério Público Federal e os moradores da área não entraram em um acordo. Devido à constatação da existência de moradias em área de risco de desabamento, o Poder Executivo optou pelo uso da medida provisória como mecanismo mais ágil para permitir ao governo do Estado intervir na urbanização da comunidade. A Medida Provisória nº 334, de 19 de dezembro de 2006 autoriza a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA a doar ao Governo do Estado do Amazonas a área 1.570.653 milhão de metros quadrados, localizada na área de expansão do Distrito Industrial, correspondente à ocupação urbana denominada Nova Vitória.

O Governo do Estado do Amazonas, através da edição da Medida Provisória de nº 334/06, passou a assumir a responsabilidade de realizar uma política de urbanização na área doada pela SUFRAMA.

Com o objetivo de mensurar o número de habitantes na ocupação, as condições de habitabilidade e de identificar as famílias que moram em área de risco para que sejam transferidas para lotes mais seguros, a Secretaria de Estado de Política Fundiária – SPF realizou, de fevereiro a março de 2007, um levantamento sócio-econômico na “invasão” Nova Vitória.

Atualmente existem 5.298 famílias que moram na “invasão” Nova Vitória, de acordo com o levantamento realizado pela SPF. A maioria das residências são de madeira, sendo que 2.707 (61%) das residências possuem apenas 01 cômodo e 792 (17%) possuem dois cômodos.

Um dos principais problemas apontados pelo levantamento diz respeito ao abastecimento de água, conforme gráfico abaixo. O levantamento nos mostra que 2.764 (61%) famílias moradoras da “invasão” suprem suas necessidades de abastecimento de água em reservatórios e poços fora de sua propriedade, ou seja, saem diariamente em busca de água para o consumo de sua família.

Gráfico 2 – Situação do abastecimento de água na “invasão” Nova Vitória – 2007

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Fonte: Secretaria de Estado de Política Fundiária - SPF

Outro problema grave apontado é em relação ao esgotamento sanitário, tendo sido constatado que 2.025 (44%) não têm qualquer tipo de fossa, despejam seus afluentes sanitários de forma rudimentar, ou seja, despejam em vala a céu aberto. Cerca de 1.315 (28%) famílias possuem fossa negra e 1.294 (28%) fossa séptica.

Gráfico 3 – Situação do esgotamento sanitário da “invasão” Nova Vitória - 2007

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Fonte: Secretaria de Estado de Política Fundiária - SPF

Em relação à situação empregatícia dos moradores da “invasão” Nova Vitória, constatou-se que 41% (1.819) das famílias entrevistadas não possuem fonte de renda fixa, estando o chefe ou o responsável da família desempregado. Enquanto que 24% (1.066) são autônomos e 32% (1.428) das famílias estão empregados.

O levantamento mostra também a faixa salarial de cada família: 1.344 (32%) famílias adquirem por mês mais de 1 (um) salário mínimo como renda; 1.182 (27%) famílias ganham menos de 1 salário mínimo, enquanto 1.355 (31%) famílias sobrevivem sem renda alguma.

Em relação ao local da moradia, o levantamento identificou que 1.215 (21%) famílias estão com suas moradias localizadas em áreas de risco, como barrancos e encostas.

Ao analisarmos os resultados do levantamento sócio-econômico realizado pela SPF, podemos afirmar que os dados confirmam a existência de um padrão de desigualdades e exclusão sócio-ambiental dos moradores da “invasão” Nova Vitória. Os dados obtidos mostram o nível de precariedade em que os moradores da “invasão” se encontram atualmente, estando essa situação relacionada ao não acesso aos serviços públicos básicos e aos riscos ambientais decorrentes do fato de habitarem em uma área não urbanizada.

Além dos problemas da falta dos equipamentos públicos sociais, os moradores da “invasão” Nova Vitória sofrem também com outro problema grave que vem constantemente ceifando vidas humanas, a malária.

A malária sempre foi, desde a Antigüidade, um dos principais flagelos da humanidade. Atualmente, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) pelo menos 300 milhões de pessoas contraem malária por ano em todo o mundo. Também conhecida como paludismo, a malária é considerada problema de saúde pública em mais de 90 países, embora com prevalência diferente. Os mais comprometidos são Índia, Brasil (cerca de 300 mil casos/ano), Afeganistão e países asiáticos, incluindo a China. Cerca de 2,4 bilhões de pessoas (40% da população mundial) convivem com o risco de contágio. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que a malária é a doença infectocontagiosa tropical que mais causa problemas sociais e econômicos no mundo. Por ano, sobretudo na África, entre 500 e 300 milhões de pessoas são infectadas, das quais cerca de um milhão morrem em conseqüência da doença. [232]

A malária ainda persiste como um importante problema de saúde pública no Brasil, principalmente na Amazônia, e em algumas regiões do mundo, embora muitos países já tenham conseguido interromper sua transmissão.

Atualmente a malária concentra-se na região da Amazônia Legal, composta pelos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, que responde por mais de 99% dos casos registrados no país.

Todos os anos, relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e estudos dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) deixam explícita a realidade das "doenças negligenciadas", expressão designada para aquelas doenças que são deixadas de lado no quadro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da indústria farmacêutica, justamente porque ocorrem em países pobres e em desenvolvimento e, assim, não têm como retornar os lucros esperados.

A Malária era considerada uma “doença de pobre”, mas a partir do momento que começou a atingir as outras classes sociais, começou a se tornar um problema preocupante, a ponto de se procurar a cura através de incentivos à pesquisa.

Todo esse sofrimento a humanidade deve a dois inimigos que se aliaram há milênios para seviciar a espécie humana: um protozoário e um mosquito. [233]

No Estado do Amazonas, a ocorrência de malária se deu inicialmente em maior proporção nas regiões interioranas e rurais do Estado. Contudo, devido aos processos migratórios, a expansão desordenada na cidade, a ausência de infra-estrutura básica e de investimentos públicos de saúde na prevenção da doença, Manaus vive hoje uma grave situação de ocorrência de malária. Segundo dados do Sistema de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, em 2005 o Estado do Amazonas registrou 222.545 casos de malária, sendo que no ano de 2006 foram registrados 180.290 casos. [234]

Em Manaus, onde estão 48% da população do Estado, concentra 40% do total de casos de malária, sendo que os outros 60% ocorrem em 32 municípios, de acordo com dados da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS/AM).

  Não é à toa que as doenças tropicais afetam sobretudo as pessoas pobres, pois esta classe normalmente se concentra em áreas desprovidas de infra-estrutura, de saneamento básico e de políticas de saúde pública, locais onde outras doenças além da malária, como a leischmaniose e a febre amarela, encontram condições ideais de propagação.

Os moradores da “invasão” Nova Vitória estão entre as principais vítimas da malária em Manaus, de acordo com dados divulgados pela Fundação de Vigilância em Saúde – FVS/AM. Pode-se observar no quadro abaixo os altos índices de casos de malária na “invasão” Nova Vitória:

Tabela 5 – Comparativo de casos de malária em Manaus e na “invasão” Nova Vitória - 2004 – 2006.

|ANO |MANAUS |“Invasão” NOVA VITÓRIA |

|2004 |55.933 |3.343 |

|2005 |64.384 |2.289 |

|2006 |40.622 |631 |

Fonte: Fundação de Vigilância em Saúde – FVS/AM

A elevada proliferação dos casos de malária nessas áreas se dá pela ocupação desordenada de terras, pelo desmatamento e pela exploração de recursos da floresta sem o devido cuidado, tudo para dar lugar às construções de barracos. Sem falar na falta de saneamento básico, de energia elétrica (que é obtida através de ligações clandestinas), sendo que os moradores utilizam água dos igarapés próximos ao local ocupado, ou água de cacimba, locais propícios para criadouros do mosquito.

Ainda que se verifique o empenho das instituições de saúde no combate à malária, ao que parece não se tem uma política pública urbana de assentamento às famílias com o mínimo de infra-estrutura básica. A malária atinge primordialmente segmentos das classes subalternas uma vez que é nas áreas de “invasões”, que se concentram a maioria dos casos.

Figura 1 – A “invasão” Nova Vitória

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Figura 2 – Habitações precárias na “invasão” Nova Vitória

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Figura 3 – Habitações construídas em barrancos.

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Figura 4 – Habitações construídas próximo a um igarapé.

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Podemos observar que a situação dos moradores da “invasão” Nova Vitória é dramática: suas casas, construídas nas encostas de barrancos ou em cima de igarapés, usufruindo de energia elétrica através de ligação clandestina que veio a vitimar nove pessoas desde o inicio da ocupação, que morreram eletrocutadas. O esgotamento sanitário é direcionado para o igarapé, sendo que tais populações abastecem sua casas de água através de poços artesianos precários ou da água dos próprios igarapés contaminados. O lixo doméstico é jogado sempre nas encostas próximas ao local de moradia, por falta de coleta adequada de lixo. Enfim, tais populações carecem de todos os equipamentos públicos sociais, sobrevivendo sem a alternativa de uma vida com qualidade e digna.

Além de não disporem do acesso aos direitos sociais à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, são também vítimas da injustiça ambiental, pelo fato de estarem arcando desproporcionalmente com o ônus do desenvolvimento. Tendo em vista que alguns (uma minoria) dispõem de água potável, energia elétrica, saneamento básico, moradias adequadas, e outros, sem alternativa habitacional, são excluídos e empurrados para as periferias, onde longe dos olhos da sociedade, sofrem para poder sobreviver. A luta pela vida dos moradores das ocupações ilegais é incessante. Não podem parar, pois a sobrevivência de suas famílias depende da força para lutar.

A Medida Provisória que autoriza a doação para o Governo do Estado da área ocupada pela “invasão” Nova Vitória beneficiará aproximadamente 6 mil famílias residentes no local, cuja regularização foi promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda no primeiro turno das eleições do ano de 2006.

Destaca Ermínia Maricato que é notável a tolerância que o Estado brasileiro tem manifestado em relação às ocupações ilegais de terra urbana.

Essa tolerância pelo Estado em relação a ocupação ilegal, pobre e predatória de áreas de proteção ambiental ou demais áreas públicas, por parte das camadas populares, está longe de significar uma política de respeito aos carentes de moradia ou aos direitos humanos. A população que aí se instala não compromete apenas os recursos que são fundamentais a todos os moradores da cidade, como é o caso dos mananciais de água. Mas ela se instala sem contar com qualquer serviço público ou obras de infra-estrutura urbana. Em muitos casos, os problemas de drenagem, risco de vida por desmoronamentos, obstáculos à instalação de rede de água e esgotos torna inviável ou extremamente cara a urbanização futura. [235]

Os projetos de habitação dos governos municipais e estaduais não dão conta da demanda nos grandes centros urbanos, pois não há uma padronização e um planejamento a logo prazo das iniciativas, que ficam sujeitas a campanhas eleitoreiras e a paralisação de projetos com a mudança de mandatos dos governantes.

As lutas travadas por uma moradia digna, por um meio ambiente ecologicamente equilibrado e uma sadia qualidade de vida são contínuas. Parece-nos que nunca vão acabar, e que tendem cada vez mais a aumentarem.

A classe dominante, através de seus representantes políticos, sejam eles Presidentes, Governadores e Prefeitos ou membros do Legislativo e Judiciário, transformam as Leis e a Constituição em meras peças de ficção, uma vez que a elaboração e a implementação de políticas públicas voltadas para as populações marginalizadas são incipientes, insuficientes e paliativas, não ocorrendo, por outro lado, cobranças e fiscalizações rígidas pelos setores públicos que deveriam fazê-lo.

O discurso da classe hegemônica de igualdade, de democracia, de eqüidade ambiental irradia-se como verdade inconteste. Contudo, o que se percebe na ocupação Nova Vitória é que faltam ações governamentais com vistas a minorar o grave problema do déficit habitacional, da injustiça ambiental e da exclusão social.

Rasgam-se os falsos discursos da elite dominante e a Nova Vitória surge como um exemplo da luta e da resistência das classes ditas subalternas, em defesa de uma sociedade mais justa, não importando as mazelas, as doenças e o sofrimento a que são diariamente submetidos.

Harnecker, fazendo uma análise marxiana, esclarece que toda sociedade, além de possuir uma estrutura econômica e uma estrutura ideológica determinada, possui um conjunto de aparelhos institucionais e normas destinadas a regulamentar o funcionamento da sociedade em seu conjunto. Estes aparelhos institucionais e normas constituem a estrutura jurídica-político da sociedade e fazem parte da superestrutura. [236]

Nas sociedades de classes, o jurídico-político está assegurado por um aparelho autônomo: o Estado, que monopoliza a “violência legítima” e cuja principal função é manter sob a sujeição de uma classe dominante todas as demais classes que dependem dela. O Estado então é um instrumento de pressão das classes dominantes sobre as classes oprimidas.[237]

Bobbio, ao analisar a práxis em Marx, a define como atividade prático-crítica, isto é, como atividade humana perceptível em que se resolve o real concebido subjetivamente. O termo atividade nos adverte da superação do velho materialismo naturalístico, de origem iluminística e chegado até Feuerbach, o qual concebia a natureza como um dado intuitivo, passivamente contemplado. [238]

Gramsci, citado por Bobbio, afirma que a Práxis é história, ou melhor, o fazer-se da história, a sua realização por obra da vontade racional. Isto é, a vontade é racional porque suscitada por um pensamento historicamente baseado, acolhido pela grande maioria por responder às necessidades manifestadas num contexto ambiental que é marcado pela intervenção do homem e se transforma por isso em móbil de ação. [239]

Portanto, na concepção marxista, a história da humanidade é luta de classes e com ela se identifica a Práxis, tomada numa acepção onde ela não é mais a Práxis que se modifica, mas Práxis que modifica.

Para Scherer-Warren, pelo menos três atividades principais são enfocadas por Marx, em sua busca da Práxis transformadora do social: Práxis que se realiza em conexão com a atividade teórica; Práxis que se realiza através da atividade produtiva e finalmente Práxis que se realiza por meio da atividade política. [240]

Nesse sentido, na visão marxiana, a passagem de uma teoria crítica para uma Práxis revolucionária pode se dar através do movimento de libertação da classe social oprimida.

Uma outra alternativa são os caminhos institucionais para a solução de conflitos sociais. É o que veremos em seguida.

3.6 O controle judicial da omissão do Estado na implementação de políticas públicas sociais.

Após quase vinte anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, podemos observar em nosso país a contraposição: de um lado, a dramática realidade vivida pela maioria da população excluída e marginalizada, que não dispõe de um atendimento de qualidade mínima nos serviços públicos, que vivem em condições precárias de moradia e alimentam-se mal ou passam fome; de outro, o descaso dos governantes em relação à efetiva prestação dos serviços essenciais para uma vida digna. A precária situação em que vivem milhares de pessoas em nosso país, evidencia o fracasso do Estado brasileiro em implementar políticas públicas sociais. Diante os anseios da sociedade em buscar a concretização dos direitos fundamentais sociais, garantidos em nossa Constituição Federal, tem crescido o debate acerca da função e dos limites da atuação do Poder Judiciário na efetivação dos direitos sociais.

Os direitos sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos por meio do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais. O Estado, por meio de leis, atos normativos e da criação real de instalações de serviços públicos, deve definir, executar e implementar, conforme as circunstâncias, as chamadas “políticas sociais” (educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação, etc.) que facultem o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente protegidos. [241]

Dessa forma, a constitucionalização dos direitos fundamentais sociais e a ratificação de tratados internacionais que dispõem sobre esses direitos para que possam ter efetiva implementação, impõem ao Poder Executivo que promova, enquanto responsável pelos atos de administração do Estado, a elaboração de políticas públicas, com o objetivo de promover condições para que tais direitos possam ser efetivamente usufruídos.

Antes de tratarmos do controle judicial diante da omissão estatal em implementar as política públicas sociais previstas em norma constitucional, faz-se necessário apresentar algumas conceituações de políticas públicas.

As bases para o conceito de política pública foram elaboradas por Ronald Dworkin, o qual afirma que a política (policy) designa “um padrão de conduta que assinala uma meta a alcançar, geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, pelo fato de implicarem que determinada característica deve ser protegida contra uma mudança hostil”. [242]

Destaca Eduardo Áppio que a finalidade da política pública é assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, ou seja, deve-se buscar a promoção da diminuição das desigualdades socioeconômicas e garantir igualdade real de oportunidades através da atuação dos órgãos da Administração Pública. Sendo assim, o autor conceitua políticas públicas como “instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna para todos os cidadãos”. [243]

A esse respeito, Maria Paula Dallari Bucci afirma que as políticas públicas são programas de ação de governo para a realização de objetivos determinados num espaço de tempo certo. Ressalta ainda que:

políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma coletividade de interesses. Segundo uma definição estipulada: toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização. [244]

Fernando Aith destaca que a promoção e proteção dos direitos humanos e demais direitos reconhecidos no ordenamento jurídico são realizadas pelo Estado, através da execução de políticas públicas, sendo que, a elaboração dessas políticas deve seguir os ditames da Constituição e dos demais instrumentos normativos do ordenamento jurídico. Dessa forma, o autor considera a política pública como uma “atividade estatal de elaboração, planejamento, execução e financiamento de ações voltadas à consolidação do Estado Democrático de Direito e à promoção e proteção dos direitos humanos”. [245]

Compete ao Estado elaborar e planejar as políticas públicas, seja através da Administração Direta ou Indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações), ou através dos demais poderes estatais constituídos (Legislativo e Judiciário). Esclarece Fernando Aith que o Estado tem por finalidade a garantia dos direitos dos seres humanos que o integram, e toda e qualquer ação desenvolvida pelo Estado deverá ser feita no sentido da proteção desses direitos. Já os governos representativos têm por finalidade executar políticas que busquem a promoção e proteção dos direitos humanos, sendo que qualquer política pública que não tenha essa finalidade torna-se, imediatamente, uma política inconstitucional (ou ilegal). [246]

Dessa forma, entende-se que o Poder Executivo não poderá se eximir da responsabilidade de elaborar as políticas públicas sociais, bem como à efetiva implementação destas, sob pena de descumprir norma constitucional de ordem pública, imperativa, inviolável e auto-aplicável. Partindo desse posicionamento passaremos para a discussão da possibilidade do Poder Executivo ser responsabilizado e compelido, por força de decisão judicial, a dar cumprimento às políticas públicas sociais.

A Constituição Federal de 1988 confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição de forma e medida em que o direito social deve ser assegurado. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade.

No entanto, tendo em vista que os Poderes Legislativos e Executivos no Brasil se mostraram incapazes de garantir o cumprimento racional dos direitos sociais, faz-se necessária a revisão do dogma da “separação dos poderes” [247] em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços sociais básicos do Estado Social. A eficácia dos direitos fundamentais sociais a prestações materiais depende naturalmente dos recursos públicos disponíveis, sendo que, normalmente há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. [248]

Comparato afasta a clássica objeção de que o Judiciário não tem competência, pelo princípio da divisão dos Poderes, para julgar “questões políticas”. Explica o autor que esse entendimento negativo teve origem na Constituição de 1934 que vedava “ao Poder Judiciário conhecer questões exclusivamente políticas” (art. 68 CF/34). Afirmando inclusive, “que essa clássica falsa objeção de muito já está esclarecida, tendo em vista que se tratava apenas de uma hermenêutica pobre, quando, na verdade, o que se queria vedar era o controle judicial sob questões ‘de política’ (lato sensu)”. [249]

Ressalta, ainda, Comparato que “o juízo de constitucionabilidade, nessa matéria tem por objeto não só as finalidades, expressas ou implícitas, de uma política pública, mas também os meios empregados para se atingirem esses fins”. No atual ponorama jurídico brasileiro, defende-se que “o juízo de constitucionalidade, nessa matéria, tem por objetivo o confronto de tais políticas, não só com os objetivos constitucionalmente vinculantes da atividade de governo, mas também com as regras que estruturam o desenvolvimento dessa atividade”. [250]

Dessa forma, pode-se afirmar que é possível o controle jurisdicional das políticas públicas, que deverá ser excepcional, ou seja, não será um exame unicamente político – juízo sobre o meio mais adequado para atender o bem estar coletivo -, sendo apenas admitido um exame jurídico ou até jurídico-político – contemplação das finalidades predispostas pela norma. O controle jurisdicional só será aplicado se houver por parte do Poder Executivo desvio ou abusividade governamental, dentro de um exame de compatibilidade ou não entre a atividade estatal e os ditames da norma. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Victor Abramovich, afirmando que “o Poder Judiciário não tem como tarefa projetar políticas públicas, mas sim confrontar as políticas assumidas com os padrões jurídicos aplicáveis e, no caso de haver divergências, reenviar a questão aos poderes pertinentes para que eles ajustem sua atividade”. [251]

O reconhecimento dos direitos fundamentais sociais como direitos plenos só se alcançará quando forem superados os obstáculos que impedem a sua adequada justiciabilidade. Abramovich entende como justiciabilidade a “possibilidade de reclamar ante um juiz ou tribunal de justiça o cumprimento ao menos de algumas das obrigações que derivam de um direito”.

O que qualificará a existência de um direito social como direito pleno não é simplesmente o cumprimento de uma conduta por parte do Estado, mas, a existência de algum poder jurídico que possa ser utilizado pelo titular do direito em caso de descumprimento da obrigação devida. Considerar plenamente um direito econômico, social ou cultural como direito é possível unicamente se – ao menos em alguma medida – o titular/credor está em condições de produzir, mediante uma demanda ou queixa, os ditames de uma sentença que imponha o cumprimento da obrigação gerada pelo direito. [252]

A nossa carta Constitucional de 1988 estabeleceu alguns instrumentos jurídicos capazes de assegurar a concretização dos direitos sociais. Os remédios jurídicos de proteção aos direitos sociais contra a omissão inconstitucional são: ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º) e o mandado de injunção (art. 5º, inciso LXXI). [253] Pode também ser utilizada como alternativa judicial a Ação Civil Pública, instituída pela Lei 7374/85, e prevendo-a, no art. 129, inciso III, podendo ser ajuizada no caso de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, englobando ainda, outros interesses difusos e coletivos. O mandado de segurança coletivo[254] também é um instrumento que vem garantir o acesso à justiça, expresso no art. 5°, inciso LXX.

            De acordo com Piovesan e Vieira outra alternativa judicial para defesa dos direitos sociais é a Argüição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais, tendo sua previsão expressa do art. 102, parágrafo 1º, da Constituição de 1988, instituída em 1999 através da Lei 9.882, que lhe deu aplicabilidade. Esse mecanismo jurídico é utilizado com vistas a reparar lesão ou ameaça de lesão a preceito fundamental decorrente de ato do poder público, quer sob as vestes de norma jurídica, quer sob a consideração de política governamental. [255]

Em relação à proteção do direito social ao meio ambiente, destaca-se como importante modalidade de ação judicial a Ação Popular, que tradicionalmente era voltada para a defesa do patrimônio público, sendo que passou a partir de 1988 a tutelar também o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, estando expresso no art. 5º, inciso LXXIII.[256]

O Poder Judiciário tem a responsabilidade pelo controle jurisdicional das políticas públicas sociais, principalmente por força do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição de 1988, que prevê a impossibilidade de o Judiciário deixar de apreciar lesão ou ameaça de lesão a qualquer direito. Segundo entendimento de Eros Roberto Graus:

(...) o Poder Judiciário é o aplicador último do direito. Isso significa que, se a Administração Pública ou um particular – ou mesmo – o Legislativo – de quem se reclama a correta aplicação do direito, nega-se a fazê-lo, o Poder Judiciário poderá ser acionado para o fim de aplica-lo. (...) Não se pretende, nisso, atribuir ao Judiciário o desempenho de funções que são próprias do Legislativo – ou seja, a de produção de ato administrativo. O que se sustenta – é, no caso, sob o manto do princípio da supremacia da Constituição – é, meramente, cumprir ao Poder Judiciário assegurar a pronta exeqüibilidade de direito ou garantia constitucional imediatamente aplicável, dever que se lhe impõe e mercê do qual lhe é atribuído o poder, na autorização que para tanto recebe, de, em cada decisão que a esse respeito tomar, produzir efeito. [257]

No entanto, ressalta Krell que a estrutura do Poder Judiciário é relativamente inadequada para dispor sobre recursos ou planejar políticas públicas. Aponta também a falta de meios compulsórios para a execução de sentenças que condenam o Estado a cumprir uma tarefa ou efetuar uma prestação omitida. Além disso, há ainda uma certa resistência dos três Poderes (legislativo, judiciário e executivo) ao controle judicial do mérito dos atos do Poder Público, seja pelo fato do Executivo não querer ter suas atividade controladas, seja pelo fato de o Legislativo não querer outro agente criador de direito, ou, ainda, pelo fato de o Judiciário não querer assumir a responsabilidade desse controle. [258]

No Brasil ainda é incipiente o grau de provocação do Poder Judiciário para demandas envolvendo direitos sociais, o que revela uma apropriação ainda tímida da sociedade dos seus direitos fundamentais sociais como verdadeiros direitos legais, acionáveis e justiciáveis. De acordo com Piovesan e Vieira em nosso país apenas 30% dos indivíduos envolvidos em disputas procuram a Justiça estatal, existindo uma clara relação entre índice de desenvolvimento humano e litigância, ou seja, é acentuadamente maior a utilização do Judiciário nas regiões que apresentam índices mais altos de desenvolvimento humano. [259]

O maior problema que encontramos em nosso país não é a falta de leis ordinárias, mas a não-prestação real dos serviços sociais básicos pelo Poder Público. A grande maioria das normas para o exercício dos direitos sociais já existem, mas a garantia desses direitos esbarra na formulação, implementação e manutenção das políticas públicas sociais.

Após essas breves considerações, partilhamos do entendimento de parte da doutrina brasileira que defende o controle judicial da omissão do Estado na implementação de políticas públicas sociais pelo Poder Judiciário, tendo em vista os graves problemas sociais existentes em nossa sociedade.

Os problemas e dilemas gerados pelo desenvolvimento industrial revelam uma crescente tensão e conflitos no âmbito da sociedade marcada pela intensa migração interna, pela urbanização acelerada, pelas desigualdades regionais, pela crise ambiental cada vez mais eminente, e principalmente pelo fracasso das políticas públicas sociais. O Estado se mostra incapaz de cumprir o seu dever de implementar políticas públicas sociais capazes de atender os direitos sociais, mais especificamente os direitos a moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado da sociedade, tratados neste trabalho. Atualmente, em nosso país milhares de pessoas ainda sofrem ao sobreviverem em moradias extremamente precárias e insalubres. Além disso, não usufruem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado – “bem de um uso comum de todos”. Possuem direitos sociais garantidos constitucionalmente, mas não têm o direito de usufruí-los. O que fazer nessa situação?

As demandas sociais são cada vez mais crescentes em nossa sociedade, mas, esse problema não se resume em responsabilizar os Poderes, seja Legislativo, Judiciário ou Executivo, mas em exigir do Estado enquanto ordenador das condições de vida política e garantidor das condições de sociabilidade, uma reforma política em todas as suas esferas, pois só assim poderá se discutir de quem é a culpa, e cobrar sua responsabilidade. O Poder Judiciário não é o milagre por todos esperado para solucionar os problemas da sociedade. Precisamos do empenho de todos – Estado e sociedade – para podermos alcançar o que José Reinaldo chama de Justiça Distributiva – pela qual se distribui, proporcionalmente, segundo os méritos, a capacidade, a necessidade, de maneira igual os benefícios e os malefícios da vida comum. [260]

Claro está, pois, que o Judiciário transforma-se em arena de uma luta que o transcende. Suas decisões têm hoje a importância política de dar visibilidade às conseqüências concretas desta disputa política, social e econômica em que se encontra a sociedade brasileira. Mas à falta de soluções gerais, na alteração significativa das regras do jogo, em termos culturais e jurídicos e práticas concretas, podemos ver-nos diante de paradoxos incompreensíveis: ou legitimando uma tirania do Legislativo e do Executivo, cercados por anéis burocráticos e interesses privatísticos, impondo às classes populares a conta do desenvolvimento nacional, ou legitimando uma ditadura do Judiciário, que em nome da defesa das liberdade burguesas auxilia a reprodução das distorções sociais existentes, ou, em nome de uma atuação transformadora sem meios para agir globalmente, corre o risco de ser entendido como sinalizando o voluntarismo irracional. [261]

Não obstante a evidente incapacidade do Judiciário para resolver sozinho todos os problemas sociais, é certo que “levar a sério” os direitos sociais implica em admitir a possibilidade do seu questionamento judicial em caso de inércia do Estado no tocante à sua implementação.

A globalização, o neoliberalismo e as regras de mercado, juntamente com a crise econômica mundial trazem reflexos sobre as políticas públicas. Os governos separaram a economia da sua dimensão social. As políticas públicas difundidas pelo neoliberalismo são injustas e excludentes, sendo que, ao serem adotadas em nosso país, trouxeram como conseqüência a destruição da máquina pública e a diminuição de investimentos em políticas públicas sociais. Dessa forma, observam-se nos dias atuais os descumprimentos constantes dos direitos sociais, o acirramento das desigualdades, e o agravamento da questão social - aumento da pobreza, da exclusão, da violência etc.

As políticas públicas no Brasil, até hoje, não conseguiram beneficiar a todos em igualdade de condições, uma vez que privilegiam uma minoria em detrimento da grande maioria da população pobre e marginalizada, que somente tem acesso a políticas públicas sociais compensatórias.

Apesar de todos os problemas apontados, acreditamos na possibilidade de um outro modelo de sociedade onde as políticas sejam de fato públicas, isto é, em benefício de todos. Primeiramente os governos devem articular as políticas públicas para garantir uma vida com mais qualidade e a otimização dos recursos públicos. O Estado Brasileiro deve se responsabilizar pela formulação e implementação de políticas que integrem saúde, educação, alimentação e nutrição, moradia, informação pública, saneamento, meio-ambiente, geração de emprego e de renda, distribuição e acesso à terra.

Além disso, é imprescindível a participação da sociedade organizada (especialmente os movimentos sociais), propondo e exigindo políticas públicas sociais capazes de propiciar uma vida digna para todos.

4 CONCLUSÃO

O processo de desenvolvimento atrelado à lógica do capital vem gerando conseqüências danosas para as cidades e os seus habitantes, sobretudo no que se refere à qualidade do meio-ambiente e à produção de condições de extrema desigualdade social e econômica. O Estado passou a priorizar os interesses privados prevalecentes nas atividades econômicas, investindo na produção e na indústria, deixando, muitas vezes, as políticas públicas sociais relegadas a ações não prioritárias.

No Brasil, a população pobre, marginalizada e vulnerável não tem acesso aos direitos fundamentais sociais à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, estando às margens da cidade e da cidadania. Frequentemente encontram-se expostas aos riscos decorrentes de más condições de moradia, como a contaminação por substâncias perigosas, a falta de saneamento básico, água e ar puro, além de muitas vezes serem vítimas do desemprego e da precarização social em geral.

Como conseqüência desse processo, pode-se constatar que existe atualmente uma total descrença nos direitos fundamentais sociais por parte da maioria da população excluída social e economicamente, que passa a encarar esses direitos como verdadeiros privilégios das classes de maior poder econômico.

A não efetivação das políticas públicas sociais relacionadas ao direito à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado traz como conseqüência as ocupações ilegais. Sem alternativa habitacional, a população pobre passa a ocupar os espaços desordenadamente. Sendo assim, as pessoas que vivem em ocupações ilegais, além de serem vítimas da exclusão social e ambiental, de não terem acesso aos direitos sociais que lhes são garantidos constitucionalmente e por organismos internacionais, são também vítimas da injustiça ambiental, pois arcam com o maior custo do ônus do desenvolvimento.

Para assegurar o direito à moradia e a proteção do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, é necessário que existam instituições de caráter permanente no âmbito da administração. Isto porque, a prioridade deve ser a continuidade de políticas de médio e longo prazo. Ocorre que, numa democracia, pressupõe-se a alternância do poder, o que significa, na prática, que muitas políticas públicas são deixadas de lado assim que assume um novo representante eleito, instituindo outras políticas públicas, muitas vezes começando tudo do zero. Contudo, o serviço público nesses setores deve ser prestado de maneira contínua, o que significa dizer que não é passível de interrupção.

Isso ocorre pela própria importância de que o serviço público se reveste, o que implica na sua oferta ao usuário com qualidade e regularidade, assim como com eficiência e oportunidade.

A implementação dos direitos fundamentais sociais depende sobremaneira da atuação estatal nas suas três formas de poder, legislativa, executiva e judiciária. A efetividade dos direitos sociais depende de uma estruturação do Estado, do amadurecimento da política econômica e, principalmente, do planejamento a longo prazo. Tais fatores é que permitirão a concretização dos direitos sociais e das políticas públicas sociais na busca de um ambiente socialmente justo e ecologicamente equilibrado.

Ao analisar o caso da “invasão” Nova Vitória, constata-se uma conduta omissiva do Estado no cumprimento das políticas sociais públicas voltadas para a garantia de uma moradia digna em um ambiente saudável. Tal omissão propiciou o aumento das invasões de terras na cidade de Manaus.

A “invasão” Nova Vitória demonstra de forma crua e perversa a inversão das prioridades do poder público, que faz obras e melhorias nas áreas nobres da cidade, mas não realiza nem de forma mínima ações que possam ao menos mitigar o sofrimento e a injustiça ambiental a que são submetidos as mais de cinco mil famílias residentes na ocupação.

Malária, desabamentos, ausência de água encanada, inexistência de saneamento básico, falta de urbanização e de equipamentos públicos como escolas e hospitais, constituem o elevado preço a ser pago pelas classes ditas subalternas para que possam morar na metrópole. Pela lógica da classe dominante, elas, as classes mais desfavorecidas, deveriam estar imobilizadas e não realizando ocupações, pelas quais buscam resolver na luta e no sofrimento uma obrigação que é do Estado.

No entanto, percebemos que a dinâmica das populações empobrecidas é a do combate e da perseverança, daí o nome da ocupação: Nova Vitória, uma alusão e uma diferenciação da ocupação vizinha, a Grande Vitória.

Felizmente para os moradores da ocupação Nova Vitória, existe uma luz no fim do túnel. A área em questão já foi doada ao Governo do Estado do Amazonas e existem recursos financeiros do Governo Federal para que o Estado realize a urbanização e a regularização da ocupação. Se isso ocorrer, tal fato demonstrará que as conquistas sociais para essas populações não vem de cima para baixo, mas sim ao contrário.

É somente através da pressão popular que o poder público realiza o que deveria fazer como fruto de uma obrigação constitucionalmente estabelecida. Em vista disso, mais do que nunca, cabe à sociedade civil organizada cobrar dos órgãos fiscalizadores como o Ministério Público e o Legislativo o cumprimento dessas ações no Nova Vitória, para que palavras como justiça social e eqüidade não sejam apenas palavras, mas sim direitos inalienáveis.

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[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 560.

[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999. p. 369.

[3] TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997. p. 59.

[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 561.

[5] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 14ª Tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 17.

[6] LUÑO, Antonio Enrique Perez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid: Tecnos, 2005. p. 50.

[7] SILVA, José Afonso. Curso de direitos constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 175.

[8] O jurista Karel Vasak utilizou, pela primeira vez, a expressão "gerações de direitos do homem", proferindo na aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo, em 1979, buscando, metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos humanos com base no lema da revolução francesa - liberdade, igualdade e fraternidade -. Antônio Augusto Cançado Trindade, durante uma palestra que proferiu em Brasília, em 25 de maio de 2000, comentou que perguntou pessoalmente para Karel Vasak por que ele teria desenvolvido aquela teoria, tendo respondido: "Ah, eu não tinha tempo de preparar uma exposição, então me ocorreu de fazer alguma reflexão, e eu me lembrei da bandeira francesa", como tudo que é palavra “chavão”, pegou. Cançado Trindade discorda da tese das “gerações de direitos”, e afirmou que nem o próprio Vasak levou muito a sério a sua tese. O discurso de Vasak logo ganhou fama e outros juristas passaram a repeti-lo e até desenvolvê-lo, como, por exemplo, Noberto Bobbio, que foi um dos principais responsáveis pela sua divulgação. Cançado Trindade cita como exemplo: “o caso dos meninos de rua, é um rechaço à tese de gerações de direitos, porque creio que o próprio direito fundamental à vida é de primeira, segunda, terceira e de todas as gerações. É civil, político, econômico-social e cultural. Em primeiro lugar, essa tese não corresponde à verdade histórica. É certo que houve as declarações dos séculos XVII e XVI1I e a Revolução Francesa, e parece-me que a doutrina brasileira parou por aí. Houve a revolução americana e depois a Declaração Universal. É uma construção perigosa, porque faz analogia com o conceito de gerações. O referido conceito se refere praticamente a gerações de seres humanos que se sucedem no tempo. Desaparece uma geração, vem outra geração e assim sucessivamente. Na minha concepção, quando surge um novo direito, os direitos anteriores não desaparecem. Há um processo de cumulação e de expansão do corpus juris dos direitos humanos. Os direitos se ampliam, e os novos direitos enriquecem os direitos anteriores". Afirma ainda, Cançado Trindade “creio que o futuro, na proteção internacional dos direitos humanos passa pela indivisibilidade e pela inter-relação de todos os direitos”. (Palestra proferida durante o Seminário Direitos Humanos das Mulheres: A Proteção Internacional. Cançado Trindade questiona a Tese de 

Gerações de Direitos Humanos de Norberto Bobbio. Acesso em 22/07/2007 Disponível: ).

[9] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1998. p. 39. No mesmo entendimento PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo:Max Limond, 2002. p. 149-150 “(...) compartilha-se do entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Isto é, afasta-se a equivocada idéia de sucessão ´geracional´ de direitos, na medida em que se escolhe a idéia de expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos, todos essencialmente complementarem em constante dinâmica de interação”.

[10] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 562.

[11] Ibid., p. 564.

[12] Ibid., p. 564.

[13] Ibid., p. 569.

[14] SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v.1, nº 1, 2001. Disponível em :. Acessado em 05/08/2007.

[15] Ibid., p. 7-9

[16] Ibid., p. 09

[17] DUARTE, Clarice Seixas. O Direito Público subjetivo ao ensino fundamental na Constituição Federal Brasileira de 1988. Dissertação (Doutorado apresentado ao Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito), Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. p. 38.

[18] Designa-se por constitucionalização a incorporação de direitos subjectivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se o seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra-Portugal, Editora Almedina:1993. p. 499).

[19] A Constituição dita de Weimar, promulgada em 1919, foi instituidora da primeira república alemã, tendo sido elaborada e votada durante a grande guerra de 1914-1918.

[20] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.231.

[21] Ibid., p. 232.

[22] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva 2005. p. 189-190.

[23] BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais. Eficácia e Acionabilidade à luz da Constituição de 1988.1.ed. Curitiba: Juruá, 2006. p.58.

[24] SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular (estudos sobre a Constituição). 1.. ed. 2ªtir. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 199.

[25] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social. In: Revista de Direito Público. Revista dos Tribunais, Ano XIV Janeiro/Junho, 1981. p. 235.

[26] A Emenda Constitucional 26, de 14/02/2000, incluiu o direito a moradia no rol dos direitos sociais.

[27] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 289.

[28] MIRANDA, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v.1, nº 1, 2001. Disponível em :. Acessado em 05/08/2007.

[29] Ibid. 18.

[30] José Afonso da Silva, apude Sarlet, afirma que a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. A eficácia e a aplicabilidade são conexos, já que a eficácia é encarada como potencialidade (a possibilidade de gerar efeitos jurídicos) e a aplicabilidade, como realizabilidade, razão pela qual eficácia e aplicabilidade podem ser tidas como as duas faces da mesma moeda. (Ibid., p. 25)

[31] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 10, janeiro de 2002. Disponível em :. Acessado em 05/08/2007.

[32] SILVA, José Afonso da. Garantias Econômicas, Políticas e Jurídicas da Eficácia dos Direitos Sociais. Disponível em :. Acesso em 11/06/2006.

[33] SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v.1, nº 1, 2001. Disponível em . Acessado em 05/08/2007.

[34] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito Constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 59.

[35] Sarlet classifica os direitos fundamentais em dois grandes blocos: os positivados e os não-positivados. No primeiro estariam inseridos os direitos expressos na Constituição Federal e os expressos em tratados. Já no segundo bloco estariam implícitos (posições fundamentais subentendidas nas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais) e os decorrentes do regime e dos princípios (que se referem às disposições contidas no Título I – do art. 1º ao 4º). (SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v.1, nº 1, 2001. Disponível em: . Acessado em 05/08/2007).

[36] PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limond, 2003. p. 45-47.

[37] Ibid., p. 41.

[38] Ibid., p. 54-55

[39] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 14ª Tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24-25.

[40] SAULE Jr, Nelson.Direito à moradia no Brasil, Relatório Nacional da Plataforma Brasileira dos DhESC. Disponível em: http:downloads/docs/2649 61742 03.05.20.Analisis%20Brasil%202003.doc. Acessado em 25/10/06.

[41] SAULE Jr., Nelson. Direito à Cidade: trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. Instituto Polis, São Paulo: Max Limond, 1999. p. 73.

[42] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito Constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 99.

[43] Preâmbulo da Carta das Nações Unidas. Podendo ser consultado em . Acessado em 10/05/2007.

[44] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. Saraiva, 4 ed. São Paulo/2005. p. 232

[45] Declaração Universal dos Direitos Humanos, Preâmbulo - Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo; Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum; Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso,à rebelião contra a tirania e a opressão; Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações; Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades; Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso. (Ibid., p. 231.)

[46] Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo I - todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. (Ibid., p.222).

[47] Ibid., p.222.

[48] Sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Norberto Bobbio afirma que “os direitos elencados na Declaração não são os únicos e possíveis direitos do homem: são os direitos do homem histórico, tal qual se configurava na mente dos redatores da Declaração após a tragédia da Segunda Guerra Mundial, numa época que tivera início com a Revolução Francesa e desembocara na Revolução Soviética”. (NORBERTO, Bobbio. A Era dos Direitos. Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992. p. 33).

[49] SAULE Jr., Nelson. Direito à Cidade: trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. Instituto Polis, São Paulo: Max Limond, 1999. p.75.

[50] Ibid., p. 75

[51] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito Constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p.168.

[52] Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. XXV - 1.Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, a si e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

[53] SAULE Jr., Nelson. Direito à Cidade: trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. Instituto Polis, São Paulo: Max Limond, 1999. p.77.

[54] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito Constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p.169-172.

[55] Ibid., p. 78

[56] “O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tem enfatizado o dever dos Estados-partes de assegurar, ao menos, o núcleo essencial mínimo relativamente a cada direito enunciado do Pacto, cabendo aos Estados o dever de respeitar, proteger e implementar tais direitos”. (Ibid., p. 171)

[57] DUARTE, Clarice Seixas. O Direito Público subjetivo ao ensino fundamental na Constituição Federal Brasileira de 1988. Dissertação (Doutorado apresentado ao Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito), Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. p.61.

[58] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 4 ed. 2005. p. 334.

[59] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito Constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 175-176.

[60] Flavia Piovesan destaca o alerta do Statement to the World Conference on Human Rights on Behalf of the Comnittee on Economic, Social and Cultural Rights. (Ibid., p. 177)

[61] A partir da década de 1980 difundiu-se o termo desenvolvimento sustentável, tendo sido difundido como novo paradigma na conferência mundial sobre a conservação e o desenvolvimento sustentável eqüitativo, realizada no Canadá, em 1986, tendo como princípios: integrar conservação da natureza e desenvolvimento; satisfazer as necessidades humanas fundamentais; e perseguir equidade e justiça social. O Relatório Brundtland, de 1987, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, retoma o conceito de desenvolvimento sustentável, dando-lhe a seguinte definição: desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades. (MONTIBELLER FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável: Meio ambiente e custos sociais do moderno sistema produtor de mercadorias. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2001. p. 47-48).

[62] Sobre o assunto comenta Saule Jr. que “essa obrigação de tornar efetivo o direito à moradia, de forma progressiva significa que o Estado brasileiro tem que criar meios materiais indispensáveis para o exercício desse direito. Para realização progressiva do direito à moradia são necessárias as seguintes medidas: - adoção de instrumentos financeiros, legais, administrativos para a promoção de uma política habitacional; - a constituição de um sistema nacional de habitação descentralizado, com mecanismos de participação popular; - revisão de legislações e instrumentos de modo a eliminar normas que acarretem algum tipo de restrição e discriminação sobre o exercício do direito à moradia; - a destinação de recursos para a promoção da política habitacional. A realização progressiva como obrigação, produz de imediato os seguintes efeitos: a faculdade de o cidadão exigir de forma imediata, as prestações e ações constitutivas desse direito, face a inércia do Estado, que pode gerar a inconstitucionalidade por omissão; o direito de acesso à Justiça, mediante ações e processos judiciais eficazes destinados a proteção do direito à moradia; o direito de participar da formulação e implementação da política habitacional.” (SAULE Jr., Nelson. Direito à Cidade: trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. Instituto Polis, São Paulo: Max Limond, 1999. p. 94).

[63] BRASIL. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil. Fundação João Pinheiro - Centro de Estudos Políticos e Sociais. Belo Horizonte: 2001.

[64] AITH, Fernando Mussa Abujamra. O Direito à moradia e suas garantias no sistema de proteção dos direitos humanos. Dissertação - Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - São Paulo, 2001. p. 77.

[65] Ibid., p. 34.

[66] MORAIS, Maria Piedade; GUIA, George Alex da; PAULA, Rubem de. Monitorando o Direito à Moradia no Brasil (1992-2004). Acessado em 15/06/2007. Podendo ser consultado no http:/.br/sites/000/2/publicações/bpsociais/bps

[67] AITH, Fernando Mussa Abujamra. O Direito à moradia e suas garantias no sistema de proteção dos direitos humanos. Dissertação - Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - São Paulo, 2001. p. 96.

[68] José Afonso da Silva, apud Fernando Aith, afirma haver três tipos de normas constitucionais, no que se refere à sua classificação quanto à eficácia e aplicabilidade, sendo : I – as normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata; II) as normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição e IV) as normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, em geral dependentes de integração com outras normas infraconstitucionais para operaram a plenitude de seus efeitos. As normas de eficácia plena possuem na Constituição normatividade suficiente para assegurar a sua incidência imediata, não estando, portanto, dependentes de providências normativas posteriores para a efetiva proteção dos direitos por elas assegurados. Já as normas de eficácia contida, embora possuam normatividade suficiente para produzir os efeitos necessários à proteção dos direitos nelas reconhecidos, prevêem a edição de meios normativos capazes de lhes reduzir a eficácia e a aplicabilidade. As normas de eficácia limitada são as que não receberam do constituinte normatividade suficiente para a aplicação, deixando ao legislador infraconstitucional a competência de completar a sua regulamentação. (Ibid., p. 95)

[69] SAULE Jr., Nelson. Direito à Cidade: trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. Instituto Polis, São Paulo: Max Limond, 1999. p.96.

[70] AITH, Fernando Mussa Abujamra. O Direito à moradia e suas garantias no sistema de proteção dos direitos humanos. Dissertação - Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - São Paulo, 2001. p. 128.

[71] MORAIS, Maria Piedade; GUIA, George Alex da; PAULA, Rubem de. Monitorando o Direito à Moradia no Brasil (1992-2004). Podendo ser consultado no http: .br. Acessado em 15/06/2007.

[72] MONTIBELLER FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável: Meio ambiente e custos sociais do moderno sistema produtor de mercadorias. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2001. p. 79-81

[73] LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p 16.

[74] Além das denúncias feitas por Raquel Carson, são também símbolos do processo de reconhecimento da crise ambiental, a descoberta da dioxina, substância química altamente perigosa, como contaminante presente no herbicida “Agente Laranja”, largamente utilizado em plantações e na Guerra do Vietnã; eventos como acidentes químicos e radiativos como Seveso (1976), Harrisburg (acidente nuclear ocorrido em Three Mile Island, Pensilvância em 1979), Bhopal (vazamento de gás tóxico de uma fábrica de pesticidas, que matou 3.300 pessoas em 1984 e Chernobyl (1986), assim como os debates globais acerca dos impactos da poluição química no aquecimento global do planeta e no buraco na camada de ozônio).

[75] LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p.19.

[76] “Também foi em Estolcomo que, pela primeira vez, o meio ambiente se constituiu em tema principal de uma reunião de governos de diversos países, com destaque para o fato de que as questões políticas, sociais e econômicas mais amplas se inseriram no mesmo palco da questão ambiental. Daí a razão pela qual o conceito de meio ambiente inicialmente proposto na agenda de Estocolmo (que restringia as questões ecológicas em sentido estrito) passou a englobar também problemas como fome e pobreza; o que ocorreu a partir da reação dos países do Sul, derivando daí uma perspectiva global e ampliada dos problemas ambientais. Desse modo, se atribui à Conferência de Estocolmo o mérito de, a partir dali, passar a se visualizar a necessidade de adoção de novos instrumentos e políticas globais no tratamento dos problemas ambientais, em razão da percepção surgida quanto à interdependência planetária de todos os seres vivos. O seu lema, Uma Terra Só, bem demonstra isso”. (DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio ambiente sadio: direito fundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003. p. 45).

[77] TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed., 2006. p. 30.

[78] LEFF, Henrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 20.

[79] Os chefes dos Estados participantes da Convenção assumiram o compromisso de redução de emissões de poluentes da atmosfera aos níveis de 1990. Esses gases são responsáveis pela elevação da temperatura na Terra. (TEIXEIRA, Orci Paulino Teixeira. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 31).

[80] Os chefes dos Estados assumiram o compromisso de protegê-la, se comprometeram a paralisar o processo de extinção das espécies e se dispuseram a aplicar em seus países a Agenda 21. (Ibid., p. 33)

[81] Destaca-se na Agenda 21 a seção “Dimensões sociais e econômicas, composta pelos capítulos 2 à 8: 2- Cooperação Internacional para Acelerar o Desenvolvimento Sustentável dos Países em Desenvolvimento e Políticas Internas Correlatas; 3 – Combate à Pobreza; 4 – Mudança de Padrões de Consumo; 5 – Dinâmica Demográfica e Sustentabilidade; 6 – Proteção e Promoção das Condições da Saúde Humana; 7 – Promoção do Desenvolvimento Sustentável dos Assentamentos Humanos; 8 – Integração entre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Tomada de Decisões.

[82] “Passado algum tempo, o balanço continua negativo, não se alterando o grave quadro da extinção das espécies, e nem ocorrendo as necessárias mudanças nas matrizes energéticas. Os Estados Unidos, principal emissor de poluentes, aumentaram em mais de 10% suas emissões de gases sobre o nível de 1990; a Ásia, em mais de 50%; o Japão, em 7,6%; e a América Latina em média 40%”. (DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio ambiente sadio: direito fundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003. p. 52).

[83] “... aspectos essenciais na compreensão inicial do conceito de meio ambiente e que podem assim serem resumidos: 1 – ainda que o conceito de meio ambiente não possua a precisão científica tradicionalmente esperada, o certo é que pressupõe a interação homem-natureza, essência de sua compreensão; 2 – o conceito de meio ambiente pressupõe uma visão holística, não-fragmentária, que oferece uma nova compreensão de mundo a partir de sua integralidade, complexidade e mutabilidade; 3 – em qualquer conceituação de meio ambiente deve ser ultrapassar o modelo antropocêntrico passado, a partir de uma vertente ética onde se privilegiem interesses públicos abrangentes em termos de espaço e de tempo”. (Ibid, p. 72).

[84] DERANI, Cristiane. Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado: Direito Fundamental e principio da atividade econômica. In: Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. FIGUEIREDO, Jose Purvin (org.). São Paulo, Max Limond, 1998. p. 94.

[85] Ibid., p. 94.

[86] Ibid., p. 95.

[87] Ibid., p. 95.

[88] “Não é demais assinalar que o direito ao meio ambiente equilibrado constitui-se em direito fundamental da pessoa humana, ainda que não figure expressamente no art. 5º da CF, justamente porque visa à sadia qualidade de vida, ou, em outras palavras, visa a assegurar direito fundamental que é a vida.” (ROSSIT, Liliana Allodi. O meio ambiente de trabalho no Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo; LTR, 2001. p. 55).

[89] DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio ambiente sadio: direito fundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003. p. 86.

[90] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 48-49.

[91] A respeito da terminologia dimensão e geração, afirma SARLET, “Ressalta-se, todavia, que a discordância reside essencialmente na esfera terminológica, havendo em princípio, consenso no que diz com o conteúdo das respectivas dimensões e ‘gerações’ de direitos...” (Ibid, p. 49)

[92] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p.569.

[93] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 53.

[94] TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed., 2006. p. 80.

[95] O Supremo Tribunal Federal se posicionou no mesmo sentido que Teixeira: “A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Direito de terceira geração. Princípio da solidariedade. O direito à integridade do meio ambiente. Típico direito de terceira geração. Constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”. Considerações doutrinárias. (transcrição parcial de ementa oficial). MS 22164/SP – Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, DJU 17.11.1995 3920). Disponível em .

[96] Marise Duarte, “(...) na tentativa de encontrar o sentido da expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado destaca: a) a noção de meio ambiente a partir da ralação de interdependência entre o homem e natureza, o que ocorre de forma dinâmica, sistêmica e mutante e b) que a tutela ao direito ao meio ambiente sadio não se constitui numa simples garantia à vida humana, mas se estende à manutenção das bases que sustentam a vida de todas as suas formas (incluindo-se aí as demais espécies de seres vivos). Disso decorre que ao considerar o meio ambiente como direito, com a qualidade de ser ecologicamente equilibrado, quis o constituinte tutelar não qualquer ambiente, mas aquele que resultasse de um equilíbrio entre as (dinâmicas) relações travadas entre o homem e a natureza e que, portanto, impusesse a proteção e defesa para às presentes e futuras gerações” (DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio ambiente sadio: direito fundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003. p. 92).

[97] “Os direito fundamentais exigem comportamentos positivos do Estado, embora a contraposição indivíduo-Estado não desapareça, na medida em que os direitos não são em si direitos contra o Estado, mas sim direitos assegurados pelo Estado através do exercício do Poder de Polícia Estadual. Por meio de leis e de atos administrativos, os direitos fundamentais são cumpridos pela ação do Poder Público, que deve definir e executar as políticas de defesa ambiental para que todos possam usufruir um ambiente hígido”. (TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed., 2006. p. 90).

[98] DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio ambiente sadio: direito fundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003. p. 92.

[99] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin; SILVA, Solange Teles. Elementos balizadores da ação estatal da defesa dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (org.). Temas de Direitos Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max Limond, 1998. p. 139-143.

[100] “O preceito constitucional confere a todos o direito ao meio ambiente sadio, o que significa que não serão somente as pessoas individualmente consideradas os titulares desse direito, mas também as pessoas coletivas e ainda as pessoas indeterminadas. A proteção jurídica em matéria ambiental tanto se refere a indivíduos como a associações representativas dos seus direitos e interesses.” (SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 18).

[101] Os direitos coletivos lato sensu, referidos na Carta Magna, ganharam definição legal infraconstitucional com o advento da lei 8078/90, que estabeleceu em seu art. 81, parágrafo único, inciso I o que são interesses difusos:   I – interesses ou direito difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, o transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Assim sendo, o bem ambiental configura um direito difuso, não limitado ao interesses privados ou públicos. O titular do bem ambiental é a humanidade. Trata-se, pois de um direito transindividual, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas.

[102] TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed., 2006. p. 88.

[103] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2ª. Ed. Ponto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 366.

[104] Ibid., p. 78 e 79.

[105] TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed., 2006. p. 121-122.

[106] Ibid., p. 123-124.

[107] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 14ª Tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 76.

[108] LEFF, Henrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 15.

[109] TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed., 2006. p. 48.

[110] Destaca Rocha que “de acordo com o art. 182, caput, da Constituição Federal, a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes. Significa realizar as funções de habitação, condições adequadas ao trabalho, recreação e de circulação humana. O pleno desenvolvimento dessas funções deve ser compreendido como o direito à cidade. A função ambiental atua sobre a cidade para concretizar o seu fim: efetivar o bem-estar dos habitantes da cidade e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A cidade cumpre sua função ambiental quando garante à todos o direito ao meio ambiente urbano ecologicamente equilibrado, propiciando a existência de áreas verdes e equipamentos públicos, espaços de lazer e cultura, transportes públicos, esgotamento sanitário, serviços de água, luz, pavimentação de vias públicas, etc”. (ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Direitos Fundamentais na constituição de 1988. Disponível em: ções/cad_dout/caderno_dout 1 fase/dir_fundamen.htm). Acesso em 22/05/2007).

[111] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin; SILVA, Solange Teles. Elementos balizadores da ação estatal da defesa dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (org.). Temas de Direitos Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max Limond, 1998. p. 141-143.

[112] DAHRENDORF, Ralf. O conflito social moderno: um ensaio sobre a política da liberdade; Tradução, Renato Aguiar e Marco Antonio Esteves Rocha. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., São Paulo: Edusp, 1992. p. 40.

[113] CHOAY, Françoise. O Urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1998. p. 15.

[114] O termo conurbação foi criado por Patrick Geddes, para designar as aglomerações urbanas que invadem uma região toda, pela influência atrativa de uma grande área. (Ibid., p. 01.)

[115] Ibid., p. 01-03.

[116] SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 2000. p. 70.

[117] LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 288.

[118] CASTELLS, Manuel. Cidade, democracia e socialismo. Tradução de Gloria Rodriguez. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 20.

[119] A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural, política, com o barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX e inicio do século XXI. É um fenômeno observado na necessidade de formar uma Aldeia Global que permita maiores ganhos para os mercados internos já saturados.

[120] SANTOS, Milton. Por uma globalização: do pensamento único á consciência universal. Rio de Janeiro:Record, 2002. p. 19.

[121] Ibid., p. 64.

[122] Ibid., p. 59.

[123] Ibid., p. 73.

[124] ACSELRAD, Henri (org). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 27.

[125] SAULE JR, Nelson. Direito à Moradia no Brasil. Disponível em . Acesso em 25/10/2006.

[126] Ibid., p. 15.

[127] SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p. 105 e 106.

[128] SAULE JR, Nelson. Direito à Moradia no Brasil. Disponível em . Acesso em 25/10/2006.

[129] CYMBALISTA, Renato. Refundar o não fundado: desafios da gestão democrática das políticas urbana e habitacional do Brasil. Disponível em: . Acesso em 22/11/2005.

[130] Ibid., p. 01

[131] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 2001.

[132] BRASIL. Ministério das Cidades. Cadernos de Saneamento Ambiental, nº. 5. Outubro de 2004. p. 13.

[133] TORRES, Haroldo da Gama e Marques, Eduardo César. Tamanho Populacional das Favelas Paulistanas. Ou os Grandes Números e a Falência do Debate sobre Metrópole. Disponível em: . Acesso em 22/11/2005.

[134] MARICATO, Ermínia. Favelas – um universo gigantesco e desconhecido. Podendo ser consultado usp/br/fau/depprojetos/labhab/04textos/favelas.doc.Acesso em 25/10/2006.

[135] PAVIANI, Aldo. A lógica da periferização em áreas metropolitanas. In: Território – Globalização e Fragmentação. Org. SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura. São Paulo: HUCITEC, 2002. p. 182-183.

[136] Ibid., p. 185-188.

[137] Ibid., p. 185-187

[138] O problema das grandes cidades foi abordado por Friedrich Engels, que denunciou a miséria e a segregação do proletariado urbano nas cidades industriais inglesas. (CHOAY, Françoise. O Urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1998. p. 141).

[139] ARANTES, Otília. VAINER, Carlos. MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis/RJ: Vozes 2000. p.154 e 155.

[140] Os autores Cenecorta e Smolka esclarecem que o termo “terra servida” deve ser entendido em seu sentido mais amplo, como terra designada para o uso urbano e equipada com infra-estrutura básica, incluindo o acesso (ainda que sem pavimentação) à rede viária urbana, iluminação pública, água, sistemas de esgoto e pluvial, bem como serviços de eletricidades e telefonia.

[141] CENECORTA, Alfonso Iracheta e SMOLKA, Martim O. Acesso à terra servida para a população urbana pobre: o paradoxo da regularização no México. Podendo ser consultado: .

[142] Ibid., p. 02

[143] Ibid., p. 03

[144] ROLNIK, Raquel. Exclusão territorial e violência. Podendo se consultado em: . Acessado em 30/11/2006.

[145] PEREIRA, Gislene. A natureza (dos) nos fatos urbanos: produção do espaço e degradação ambiental. In: Natures Sciences Sociétés. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 3, p. 33-51, jan/jun. 2001. Editora da UFPR.

[146] Para Maricato, o conceito de favelas que é utilizado no texto se refere à situação totalmente ilegal de ocupação do solo, sendo uma conseqüência da situação jurídica que define uma relação social: o ocupante não tem qualquer direito legal sobre a terra ocupado correndo o risco de ser despejado a qualquer momento.

[147] MARICATO, Ermínia. Favelas – um universo gigantesco e desconhecido. Podendo ser consultado usp/br/fau/depprojetos/labhab/04textos/favelas.doc.Acesso em 25/10/2006.

[148] Ibid., p. 02

[149] Ibid. p, 02

[150] HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre a justiça ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da rede brasileira de justiça ambiental. In: Desenvolvimento e meio ambiente: Riscos coletivos – ambiente e saúde. Curitiba/PR: Editora da UFPR, nº 5, 2002. p. 145.

[151] MARICATO, Ermínia. Favelas – um universo gigantesco e desconhecido. Podendo ser consultado usp/br/fau/depprojetos/labhab/04textos/favelas.doc.Acesso em 25/10/2006

[152] MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Podendo ser consultado . Acesso em 02/09/2006.

[153] MARICATO, Ermínia. Urbanização na periferia do mundo globalizado. Podendo ser consultado: . Acesso em 22/11/2006.

[154] SAULE JR, Nelson. Direito à Moradia no Brasil. Disponível em . Acesso em 25/10/2006.

[155] ARANTES, Otília. VAINER, Carlos. MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis/RJ: Vozes 2000. p. 153.

[156] FERNANDES, Edésio. Por uma política e um Programa Nacional de Apoio à Regularização Fundiária Sustentável: uma proposta inicial para consulta e ampla discussão. Disponível em: http:/.br/print/salas/boletimel743a.asp. Acesso em 22/11/2005

[157] BRASIL. Ministério das Cidades. Caderno de Saneamento Ambiental nº. 5. Outubro de 2004. p. 13.

[158] BRASIL. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil – Municípios Selecionados e microrregiões geográficas. Belo Horizonte/2004.

[159] Domicílios rústicos não apresentam paredes de alvenaria ou madeira aparelhada, o que resulta em desconforto para seus moradores e risco de contaminação por doenças e devem, portanto ser repostos. (Ibid., p. 07)

[160] Ibid., p. 07

[161] SAULE JR, Nelson. Direito à Moradia no Brasil. Podendo ser consultado pelo site: . Acesso em 25/10/2006.

[162] Centro pelo Direito à Moradia contra despejos – COHRE. Conflitos Urbano-Ambientais em Capitais Amazônicas: Boa Vista, Belém, Macapá e Manaus. Ano 2006. p. 32

[163] BRASIL. Ministério do Meio-Ambiente. GEO-CIDADES (2002). Relatório Ambiental Urbano Integrado de Manaus. p. 59.

[164] Com relação à política habitacional, nos termos do artigo 23, inciso IX, a União, Estados e Municípios devem promover programas de construção de mordias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Compete aos Municípios, com base no art. 30, incisos I, II e VIII, promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e da ocupação do solo urbano. O Município, com base no artigo 182 da CF, é o principal ente federativo responsável pela promoção da política urbana, de modo a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

[165] Durante mais de vinte anos, o PDLI não foi objeto de quaisquer avaliações ou revisões. Após a nova Lei Orgânica do Município, teve início a realização de estudos para adequação da legislação vigente à realidade municipal. Entre 1995 e 1997, foram editadas novas legislações entre as quais merecem destaque a Lei nº 2.79/95 que altera a divisão territorial do Município e estabelece as Áreas Especiais de Interesse Urbanístico, e a Lei nº 353/96 que estabelece normas para regularização de parcelamento do solo para fins urbanos, implantados irregularmente na Área Urbana, e cria as Zonas Especiais de Interesse Social ou ZEIS. (Centro pelo Direito à Moradia contra despejos – COHRE. Conflitos Urbano-Ambientais em Capitais Amazônicas: Boa Vista, Belém, Macapá e Manaus. Ano 2006. p. 31).

[166] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. GEO-CIDADES (2002). Relatório Ambiental Urbano Integrado de Manaus. p. 60.

[167] Os “vazios urbanos” podem ser definidos como áreas que não cumprem a função social, servindo apenas como reserva para especulação. Caracterizam-se, grosso modo, pelo estado de abandono das áreas, sendo assim locais propícios para as “invasões”.

[168] Centro pelo Direito à Moradia contra despejos – COHRE. Conflitos Urbano-Ambientais em Capitais Amazônicas: Boa Vista, Belém, Macapá e Manaus. Ano 2006. p. 29

[169] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. GEO-CIDADES (2002). Relatório Ambiental Urbano Integrado de Manaus. p. 118

[170] FERNANDES, Edésio. Perspectivas para a regularização fundiária em favelas à luz do Estatuto da Cidade. In: Temas de Direito Urbanístico 3. Coordenação Geral José Carlos de Freitas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Ministério Público do Estado de São Paulo, 2001. p. 190.

[171] Os Instrumentos de intervenção sobre os territórios estão divididos em três campos: a) Instrumentos de planejamento, entre os quais destacam-se o plano diretor; disciplina sobre o parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento ambiental e gestão orçamentária participativa, além dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental e de Impacto de Vizinhança. b) Instrumentos tributários e financeiros, entre os quais se encontra o “IPTU progressivo no tempo”, instrumento utilizado para os casos de não cumprimento das definições municipais sobre parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, ou seja, as áreas vazias ou subutilizadas situadas em áreas dotadas de infra-estrutura estão sujeitas ao pagamento do IPTU progressivo no tempo, embora pouco utilizado ainda, por ser um instrumento que vai frontalmente de encontro aos interesses da especulação imobiliária. c) Instrumentos jurídicos e políticos, entre os quais merece destaque a desapropriação, a instituição de zonas especiais de interesse social, a concessão de direito real de uso, a concessão de uso especial para fins de moradia, o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória, a usucapião especial de imóvel urbano e a regularização fundiária. (ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: instrumento para as cidades que sonham crescer com justiça e beleza. Disponível em .br/estatuto/artigo1.html. Acesso em 15/09/2006).

[172] Ibid., p. 01

[173] Ibid., p. 02

[174] Ibid., p. 01

[175] MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Disponível em scielo.br/scielo.php. Acesso em 02/09/2006.

[176] Ibid.., p. 14.

[177] FERNANDES, Edésio. Perspectivas para a regularização fundiária em favelas à luz do Estatuto das Cidades. In: Temas de Direito Urbanístico 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Ministério Público do Estado de São Paulo, 2001. p. 194.

[178] MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Disponível em scielo.br/scielo.php. Acesso em 02/09/2006.

[179] FERNANDES, Edésio. Perspectivas para a regularização fundiária em favelas à luz do Estatuto das Cidades. In: Temas de Direito Urbanístico 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Ministério Público do Estado de São Paulo, 2001. p. 200.

[180] MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Disponível em scielo.br/scielo.php. Acesso em 02/09/2006..

[181] FERNANDES, Edésio. Perspectivas para a regularização fundiária em favelas à luz do Estatuto das Cidades. In: Temas de Direito Urbanístico 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Ministério Público do Estado de São Paulo, 2001. p. 193.

[182] ZEIS – são zonas urbanas especiais de interesse social que podem conter áreas públicas ou particulares ocupadas por população de baixa renda, onde há interesse público de promover a urbanização e/ou a regularização jurídica da posse da terra, para salvaguardar o direito à moradia. As ZEIS são destinadas prioritariamente para a produção e manutenção de habitação de interesse social, a fim de promover a regularização jurídica da área, a implantação de infra-estrutura urbana e equipamentos comunitários e a promoção de programas habitacionais, incorporando os territórios da cidade informal à cidade legal. (Regularização da Terra e Moradia. O que é e como implementar”. Instituo Polis. 2002)

[183] MARICATO, Ermínia. Favelas – um universo gigantesco e desconhecido. Podendo ser consultado usp/br/fau/depprojetos/labhab/04textos/favelas.doc. Acesso em 25/10/2006.

[184] ASCELRAD, Henri. Justiça Ambiental – ação coletiva e estratégias argumentativas. In: Justiça Ambiental e Cidadania. Org. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, Jose Augusto. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004, p. 23-24.

[185] HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. Disponível em . Acesso em 22/06/07.

[186] Os protestos então conduziram a Comissão para Jutiça Racial (Comission for Racial Justice) a produzir Toxic Waste and Race, o primeiro estudo nacional a correlacionar instalações que manipulavam resíduos com características demográficas. Teve como resultado que a raça foi percebida como variável mais potente na predição de onde essas instalações eram localizadas – mais forte que a pobreza. (ASCELRAD, Henri. Justiça Ambiental – ação coletiva e estratégias argumentativas. In: Justiça Ambiental e Cidadania. Org. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, Jose Augusto. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004. p. 26-45).

[187] Ibid, p. 26.

[188] Robert Bullard, professor do Clark Atlanta University – EUA, intelectual e ativista norte-americano.

[189] BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental. In: Justiça Ambiental e Cidadania. Org. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, Jose Augusto. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004. p. 41-42.

[190] Ibid., p. 43.

[191] FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de. Curso de Direito Ambiental (interesses difusos, natureza e propriedade). Rio de Janeiro: Portal Jurídico (Gazetajuris), 2006. p. 132-133.

[192] Robert Bullard traz como exemplo a tragédia de Bhopal que ainda está fresca na mente de milhões de pessoas que vivem próximas a indústrias químicas. O vazamento do venenoso gás de metilisocianto (MIC) EM 1984, na planta industrial da Union Carbide na cidade de Bhopal (Índia), matou milhares de pessoas, tornando-se o acidente industrial mais grave em todo o mundo. Nos EUA, o único lugar onde era produzido o MIC, o Institute Union Carbide, se situava em uma área de West Virgínia habitada predominantemente por afro-americanos, sendo que, em 1985, um vazamento de gás nessa instalação resultou na hospitalização de 135 residentes. (Ibid., p. 44.)

[193] Ibid., p. 43-44.

[194] Ibid., p. 46.

[195] ASCELRAD, Henri. Justiça ambiental e construção social do risco. In: Desenvolvimento e meio ambiente: Riscos coletivos – ambiente e saúde. Curitiba/PR: Editora da UFPR, nº 5, 2002. p. 54.

[196] BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental. In: BULLARD, Robert. “Enfrentando o racismo ambiental”. In: Justiça Ambiental e Cidadania. Org. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, Jose Augusto. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004. p. 41-42.

[197] Leff define como externalidades a pobreza, a degradação ambiental, a perda de valores e práticas culturais e a equidade transgeracional; a produtividade natural e a regeneração ecológica, a degradação entrópica de massa e energia, o risco e a incerteza. (LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 45). Ainda sobre esse conceito, Cristiane Derani afirma que “durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas externalidades negativas. São chamadas externalidades porque, embora resultantes da produção são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão ´privatização de lucros e socialização de perdas`, quando identificadas as externalidades negativas. Nesse sentido, os produtores e fabricantes devem internalizar os custos exigidos para a prevenção, controle e reparação dos danos advindo de sua atividade, devendo redistribuir esses custos entre os compradores e seus produtores. (...) O agente econômico (produtor, consumidor, transportador), que nesta condição causar algum dano ambiental, deve arcar com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização do dano, podendo – desde que compatível com as condições da concorrência no mercado – transferir estes custos para o preço do ser produto final”. (DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Editora Max Limond, 1997. p. 158).

[198] LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 45-46.

[199] Ibid., p. 46

[200] ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. A justiça ambiental e a dinâmica das lutas socioambientais no Brasil – uma introdução. In: Justiça Ambiental e Cidadania. Org. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, Jose Augusto. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004. p. 18.

[201] FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de. Curso de Direito Ambiental (interesses difusos, natureza e propriedade). Rio de Janeiro: Portal Jurídico (Gazetajuris), 2006. p. 133-134.

[202] KISS, Alexandre. Justiça Ambiental e religiões cristãs. In: KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia Prado (organizadores). Desafio do Direito Ambiental no século XXI Estudos em homenagem a Paulo Afonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 49-59.

[203] ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. A justiça ambiental e a dinâmica das lutas socioambientais no Brasil – uma introdução. In: Justiça Ambiental e Cidadania. Org. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, Jose Augusto. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004. p. 14.

[204] HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre a justiça ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da rede brasileira de justiça ambiental.. In: Desenvolvimento e meio ambiente: Riscos coletivos – ambiente e saúde. Curitiba/PR: Editora da UFPR, nº 5, 2002 144. Juliana Santilli ao comentar sobre o socioambientalismo afirma que: “o socioambientalismo brasileiro nasceu na segunda metade dos anos 80, a partir de articulações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista. (...) Desenvolveu-se a partir da concepção de que, em um país pobre e com tantas desigualdades sociais, um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não só a sustentabilidade estritamente ambiental – ou seja, a sustentabilidade de espécies, ecossistemas e processos ecológicos – como também a sustentabilidade social – ou seja, deve contribuir também para a redução da pobreza e das desigualdades sociais e promover valores como justiça social e eqüidade. Além disso, o novo paradigma de desenvolvimento preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade cultural e a consolidação do processo democrático no país, com ampla participação social na gestão ambiental. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, apud Santilli, trata-se de um novo paradigma de desenvolvimento, eco-socialista, que se contrapõe ao paradigma capital-expansionista. Boaventura descreve as características do paradigma capital-expansionista, em que o desenvolvimento social é medido essencialmente pelo crescimento econômico, assentado na industrialização e no desenvolvimento tecnológico virtualmente infinito, e na descontinuidade total entre a natureza e a sociedade. Já o paradigma emergente, o paradigma eco-socialista, é descrito por Boaventura com as seguintes características: o desenvolvimento social é aferido pelo modo como são satisfeitas as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, em nível global, quanto mais diverso e menos desigual”. (SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Petrópolis, 2005. p. 31-36).

[205] HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre a justiça ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da rede brasileira de justiça ambiental. In: Desenvolvimento e meio ambiente: Riscos coletivos – ambiente e saúde. Curitiba/PR: Editora da UFPR, nº 5, 2002. p. 145.

[206] Ibid., 145-146.

[207] Reuniram-se no Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores, ONGs, entidades ambientalistas, organizações de afrodescendentes, organizações indígenas e pesquisadores universitários do Brasil, Estados Unidos, Chile e Uruguai.

[208] COLÓQUIO INTENACIONAL SOBRE JUSTIÇA AMBIENTAL, TRABALHO E CIDADANIA: Declaração Final. Disponível por . Acessado em 05/11/2006.

[209] Ibid, p. 01

[210] ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. A justiça ambiental e a dinâmica das lutas socioambientais no Brasil – uma introdução. In: Justiça Ambiental e Cidadania. Org. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, Jose Augusto. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004. p. 11.

[211] HCH é um pesticida organoclorado, isolado por Faraday em 1825 e que teve suas propriedades inseticidas descobertas em 1942, na França e Inglaterra. Seu uso tornou-se restrito em alguns países e totalmente proibido em outros. No Brasil, tal substância teve sua utilização na agricultura proibida por Portaria Ministerial em 1985, mas continua sendo utilizado em campanhas de saúde pública, na tentativa de erradicação e/ou controle de vários vetores de doenças transmissíveis e endêmicas. (HERCULANO, Selene. Exposição a riscos químicos e desigualdade social: o caso do HCH na Cidade dos Meninos. In: Desenvolvimento e meio ambiente: Riscos coletivos – ambiente e saúde. Curitiba/PR: Editora da UFPR, nº 5, 2002. p. 62).

[212] Ibid., p. 67

[213] PEROBELLI, Kátia. Conflito Ambiental e Luta por Moradia – o caso do depósito de lixo tóxico do Distrito Industrial de Campo Grande, município do Rio de Janeiro. Disponível . Acesso em 04/10/2006.

[214] SANTOS JR, Humberto Adami, LOURDES, Flávia Tavares Rocha. O papel fundamental do advogado na aplicação da Justiça Ambiental e no combate ao Racismo Ambiental. In: Revista de Direito Ambiental. Ano 7, Vol. 27. São Paulo: RT, Julho-Setembro 2002. p. 174.

[215] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. GEO-CIDADES (2002). Relatório Ambiental Urbano Integrado de Manaus. p. 119.

[216] BRINGEL, Sérgio Roberto Bulcão. Estudo do nível de poluição nos igarapés do Quarenta e do Parque Dez de Novembro. 1986. Relatório Técnico. Instituto de Tecnologia da Amazônia – UTAM, Manaus, 1986. p 8.

[217] OLIVEIRA, Tereza Cristina Souza de. Distribuição de metais pesados em sedimentos na região do Distrito Industrial da Manaus. 2002. Dissertação (Mestrado em Química de Produtos Naturais) – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2002. p. 16.

[218] Ibid., p. 14

[219] BENTES, Karime Rita de Souza. Estudo de um espodossolo hidromórfico existente na bacia de três igarapes do Distrito Industrial de Manaus. 2001. Dissertação (Mestrado em Química de Produtos Naturais) – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2001. p. 23

[220] GUEDES, Nívea Cristina de Carvalho. Poluição aquática na microbacia do igarapé do quarenta, Manaus-AM. 2003. Dissertação (Mestrado em Química de Produtos Naturais) – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2003. p. 11.

[221] MENDES FILHO, Ivanhoé Amazonas. Injustiça Ambiental: análise da problemática no bairro de Novo Israel/Manaus-AM. Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura) Universidade Federal do Amazonas, Manaus 2005. p. 30

[222] Ibid., p. 63.

[223] Ibid., p. 62.

[224] MENDES FILHO, Ivanhoé Amazonas. Injustiça Ambiental: análise da problemática no bairro de Novo Israel/Manaus-AM. Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura) Universidade Federal do Amazonas, Manaus 2005. p. 99.

[225] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de Direito Ambiental - interesses difusos, natureza e propriedade. Rio de Janeiro: Portal Jurídico (Gazetajuris), 2006. p. 138.

[226] XIMENES, Antônio. Migração sem controle. A Critica. Manaus 17/11/2005.

[227] NOGUERIA, Ana Claudia Fernandes; SANSON, Fabio; PESSOA, Karen. A expansão urbana e demográfica da cidade de Manaus e seus impactos ambientais. Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, Brasil, 21-26 abril 2007, INPE, p. 5427-5434.

[228] Jornal Amazonas em Tempo. Manaus está sendo desmatada. Disponível em . Acessado em 23/06/2006.

[229] Ibid., p. 01

[230] FERNANDA, Maria. Sem-teto firmam resistência. A crítica. Manaus 18 de fevereiro de 2006.

[231] Ibid., p. C7.

[232] Disponível no who.int/countreis/bra/es/ (site da OMS em espanhol) Acesso 21/07/05

[233] A malária é uma doença transmitida pelo mosquito do gênero "Anopheles", que possui 400 espécies. No Brasil, existem três tipos principais de malária: A vivax, a malariae e a falciparum, sendo esta última a forma mais grave, que atinge cerca de 20% das pessoas acometidas da doença. Não existe vacina para a doença, mas o tratamento, à base de comprimidos ainda é eficaz. Apesar do aumento de casos, tem-se conseguido diminuir a gravidade da doença. Disponível em .br Acesso em 20/07/2005

[234] Consulta através do .br/svs. Acesso em 20/07/2005. Situação Epidemiológica da Malária – 2005.

[235] MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Disponível em scielo.br/scielo.php. Acesso em 02/09/2006.

[236] HARNECKER, Marta. Os conceitos elementares do materialismo histórico. São Paulo: Global Editora. 1986. p. 197-202.

[237] Ibid., p. 203

[238] BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília/DF: Editora Universidade de Brasília. 1993. p. 987-992.

[239] Ibid., p. 990

[240] SHERER-WARREN, Ilse. Movimentos Sociais – um ensaio de interpretação sociológica. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina. 1989. p.24.

[241] KRELL, Andréas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). Revista de Informação Legislativa nº 144, Brasília, Outubro/Dezembro 1999, p. 240.

[242] DWORKIN, apud COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998, p. 44.

[243] APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005, p. 136.

[244] BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direitos humanos. In: Direitos Humanos e Políticas Públicas. São Paulo, Polis, 2001, p. 13.

[245] AITH, Fernando Mussa Abujamra. Políticas públicas de Estado e de governo: instrumentos de consolidação do Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, 232.

[246] Ibid., p. 218

[247] Afirma Bontempo que é recorrente no Poder Judiciário o argumento de que a viabilização desses direitos representaria uma violação ao princípio da separação dos poderes, insculpido no art. 2º da Carta de 1988. (BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais. Eficácia e Acionabilidade à luz da Constituição de 1988.1.ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 266).

[248] KRELL, Andréas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 36, nº 144 out/dez 1999, p.240-241.

[249] COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998, p. 46.

[250] Ibid., p. 45-46

[251] ABRAMOVICH, Victor. Linhas de trabalho em direitos econômicos, sociais e culturais: instrumentos e aliados. In: Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, ano 2, 2005, SUR – Rede Universitária de Direitos Humanos, 2005, p. 205. (Disponível em formato eletrônico no site ).

[252] ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madri: Trota, 2002, p. 37-38.

[253] Art. 103, § 2º, da Constituição Federal “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”. A esse respeito comenta Alessandra Bontempo, a inconstitucionabilidade por omissão corresponde a um non facere, resulta de abstenção, inércia ou silêncio do poder público que deixa de praticar determinado ato exigido pela Constituição. O art. 5º, inciso LXXI, dispõe que “Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdade constitucionais, e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. De acordo com Bontempo a concessão do mandado de injunção está condicionada a uma relação jurídica de causa e efeito: a uma causa – a falta de norma regulamentadora – a ordem jurídica atribui uma conseqüência – a inviabilidade do exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. (BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais. Eficácia e Acionabilidade à luz da Constituição de 1988.1.ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 243 e 247).

[254]   Art. 5º inciso LXX da CF/88: “o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”. Mandado de segurança coletivo é ação de rito especial que determinadas entidades, enumeradas expressamente na Constituição, podem ajuizar para defesa, não de direitos próprios, inerentes a essas entidades, mas de direito líquido e certo de seus membros, ou associados, ocorrendo, no caso, o instituto da substituição processual.

[255] PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos no Brasil: desafios e perspectivas. Araucaria Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades Nº 15. Universidade de Sevilla. Sevilla - Espanã, abril de 2006. p. 142. (Estando disponível pelo endereço eletrônico ).

[256] Art. 5º, inciso LXXIII, CF/88: “qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

[257] GRAU, apud BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais. Eficácia e Acionabilidade à luz da Constituição de 1988.1.ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 260.

[258] KRELL, Andréas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 36, nº 144 out/dez 1999. p.251.

[259] PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos no Brasil: desafios e perspectivas. Araucaria Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades Nº 15. Universidade de Sevilla. Sevilla - Espanã, abril de 2006, p. 145. (Estando disponível pelo endereço eletrônico ).

[260] LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 140 - 141

[261] Ibid., p. 142.

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1655; 36,8%

2764; 61,4%

84; 1,9%

POSSUI POÇO

NÃO POSSUI POÇO

ACESSO A REDE GERAL

1315; 28%

1294; 28%

2025; 44%

FOSSA NEGRA

FOSSA SÉPTICA

NÃO TEM

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