UMA BREVE ANÁLISE ACERCA DO MITO DO AMOR …



UMA BREVE ANÁLISE ACERCA DO MITO DO AMOR MATERNO E AS IMPLICAÇÕES QUE DECORREM DA MATERNIDADE COMPULSÓRIA.

Miranda Zasciurinski, Juliana

Universidade Estadual Paulista

jumizas@.br

"Certos dias sinto-me tão esgotada e nervosa que o que me impede de bater neles é

saber que isso não mudaria nada, que ainda pioraria as coisas."

“Eu não aguento mais essa vida de mãe”

“Se tivessem me avisado, menina, jamais teria outra vez”

“Ser mãe é padecer no paraíso”

Resumo

O presente trabalho, a princípio, trata-se de uma análise inicial para pesquisa a ser realizada no trabalho de conclusão de curso. Posto isto, tem-se a incipiente análise das primeiras impressões e constatações a cerca do tema. O amor materno, que ao longo da história ocidental foi definido como um instinto, um sentimento tão conhecido e tão puro, que permeia todo o inconsciente coletivo humano, haja vista, todos(as) têm mãe, biológica ou não, alguém que cuidaste de nós quando pequenos, provavelmente uma mulher.Juntamente com o cerceamento do corpo feminino, ora pela igreja, ora pelo marido, ora pelo Estado, vê-se que o amor materno foi por vezes questionado e “remodelado”. Nem sempre as mulheres que deram à luz detinham os cuidados com a prole. Sendo assim pode-se supor que nem sempre elas escolheram essa condição e o fizeram inúmeras vezes pela coerção, pois está no imaginário coletivo que as mulheres são mães instintivamente, sendo-lhes natural e relevante a reprodução, atingindo-lhes um mandamento de que ser mãe não é uma opção, mas uma obrigação e, se por opção mulheres escolhem não ser mães causa estranheza social e produz um comentário comum:como pode uma mulher não querer ser mãe.

Palavras-chave: Amor Materno. Mito. Reprodução.

INTRODUÇÃO

Os depoimentos acima descritos são autênticos e comuns de serem ouvidos, demostram o cansaço, o desencanto o peso de algumas mães em relação à maternidade.No entanto, dizer que essas mulheres são más por não conseguirem ou não quererem criar seus filhos/filhas é um tanto injusto e dizer-se ia até uma deturpação histórica.

A questão que se coloca não está na maternidade em si, mas sim em como está estruturada a sociedade patriarcal, a sociedade dos homens, que em todo seu percurso de formação e consolidação, usou e subjugou o gênero feminino, em suas teorias do instinto materno com a finalidade de melhor viverem. Com o discurso da incapacidade masculina e capacidade total da mulher, em gerar, criar, alimentar, vestir, educar, puderam seguir seu caminho na vida pública.

O amor de uma mulher quando mãe, para com o seu filho/ filhas, faz grande diferença na vida da criança até a vida adulta, assim como o amor destinado para uma criança sempre lhe trará benefícios, não necessariamente somente o amor da mãe que fará a diferença, o amor do pai, dos tios e tias, dos avós, da sociedade dos amigos/amigas), todas essas formas de amor são grandiosamente válidas, e extremamente importantes para a criança e também, para a mãe. Todavia existe aqui uma necessidade que não raras vezes é de fato vivida pelas mulheres. Quando, após anos de namoro, resolvem noivar, se casar, após determinado período, já se ouve da família questionando a não gravidez: “e o bebê? “Você está demorando muito para engravidar”!

Desta forma, realmente pressionada, é quase impossível se pensar na possibilidade de não ter esse tão esperado e aguardado bebê, desejo da família. Com todo esse encargo a mulher já providencia uma gravidez ou as consequências de decisão contrária, serão os constrangimentos próprios da sociedade dos homens.

Durante esse percurso se algo como a infertilidade surgir, ou até mesmo a decisão for não ter filhos, decorrerá toda uma tensão familiar e social difícil de encarar ou até mesmo constrangedora. Ainda, quando a empreitada é positiva, toda uma felicidade toma conta dos familiares dos amigos do trabalho, ou na faculdade, ou seja, no meio social em geral. Sendo o rebento um menino a felicidade aumenta exponencialmente, até nos dias de hoje isso é possível de notar, o entusiasmo a força, a virilidade de estar recebendo mais um homem na família, no meio e na sociedade. Comentários são como esses: “então é um varão”, “esse você acertou, esse é macho”!

Ao receber a notícia de uma menina, não haverá uma expressão tão sincera de infelicidade, mas sendo uma menina percebe-se uma forma bem menos entusiasmada, delicada, e o que é mais claro, de submissão, de controle, evidentemente não há o mesmo deleitamento.

É importante mencionar que há necessidade de reflexão por partes das mulheres, uma vez, que a divisão com os cuidados com um filho(a), é quase nula na maioria dos casos, e majoritariamente são as mulheres as verdadeiras responsáveis pelos cuidados.

Essa constatação não diz respeito à questão de instinto, mas sim de costume, determinismo biológico, período histórico, economia, patriarcado entre outras implicações e formas de cercear o corpo feminino.

Há pouca importância por parte dos homens nessa decisão de ter filhos/filhas, afinal, em geral eles querem que suas mulheres os tenham.A questão é que pouquíssimas vezes essa decisão é das mulheres, e repetidas vezes vê-se o sofrimento que acompanha uma criança indesejada, uma mãe obrigada, sozinha,se casada cujo marido só faz trabalhar e vê em sua casa o espaço de descanso, sempre limpo, arrumado, os filhos bem cuidados, educados, quietos, sem bagunça, sua alimentação bem servida, ou seja, os obstáculos a serem saltados para uma boa maternidade são insuperáveis, o que demonstra que boa parte das mães estão realmente cansadas, desencantadas,se esforçando muito para realizarem seus papéis de boas mães e mesmo assim se sentem culpadas por não realizarem um bom trabalho maternal.

Portanto o sentimento materno oscila de acordo com as invariáveis socioeconômicas da história. No fim do século XVIII é que se começou a enfatizar a importância da presença da mãe na transmissão dos fundamentos de educação e religião, a partir daí se estabeleceu o costume da criança ficar sob os cuidados da mãe até os sete anos. Inicia-se, então uma exaltação materna. Naquele século, Rousseau importante pensador iluminista, a respeito do comportamento da mulher na sociedade e a questão materna, soube desenvolver um pensamento de dominação de corpos, com uma suposta liberdade feminina, detalhando e especificando muito bem os caminhos que essa nova mulher mãe deveria trilhar.

Desta forma o desenvolvimento do tema proposto, viabiliza a reflexão, a respeito do conceito de amor materno e seu desenvolvimento ao longo da história do ocidente, que o elevou a um patamar de sacralidade, sofrimento, desprendimento próprio, dedicação total, e uma espécie de mãe-heroína, com o propósito de trazer átona, dados históricos que mostram que nem sempre a maternidade foi realizada dessa maneira.

No que diz respeito a maternidade compulsória, é traçar um paralelo, com o mito do amor materno, na tentativa de elucidar que a escolha da maternidade na maioria das vezes passa por cima da decisão da mulher se tornando uma coerção social, resultando em uma maternidade desgostosa, sozinha, cheia de tensões, com muitos empecilhos justamente por que essa mulher não pode escolher realmente ser ou não mãe.

O Amor Materno

Ao pensar em uma definição de amor materno, imaginamos que esteja relacionado a valores que comumente associamos e escolhemos para significar esse sentimento. Como por exemplo: um amor mais forte que tudo, melhor que todos os outros, o mais obstinado.

Mas será possível defini-lo? Comparando-se a relação mãe-bebê atualmente em relação a realidades anteriores, ou seja, outras gerações chegam-se à conclusão de que elas são bem diferentes. Todavia, pode-se supor que esse sentimento não é sempre o mesmo na história da humanidade, percorre diferentes concepções ao longo da história.

A história do comportamento materno das francesas nos quatro últimos séculos não é muito reconfortante.Ela mostra não só uma grande diversidade de atitudes e de qualidade de Amor, mas também longos períodos de silêncio. Alguns dirão talvez que palavras e comportamentos não revelam todo o fundo do coração e que resta algo de indizível, que nos escapa. A estes, somos tentados a responder com a frase de Roger Vail-land: "Não há amor, há apenas provas de amor." Então, se faltam provas, por que não deduzir as consequências dessa. (BADINTER, 1985)

No entanto, a compreensão da sociedade em relação as mulheres e mães continuam rodeadas de culpabilização, determinismos, religiões e autonomia restrita das mulheres na decisão de ser ou não mães.

No que diz respeito ao amor materno, cabe entender-se a posição do homem/pai/marido, e sua relação com a mãe e filho ou filha. Nota-se que desde a antiguidade o papel do pai não mudou consideravelmente. O poder paterno que acompanha a autoridade marital, que tem por função de zelar pela família possui também um direito absoluto de julga e punir. O pai é o chefe.

Desde a Grécia antiga com as teorias aristotélicas, existem os que foram criados para mandar e os que foram criados para obedecer, a cidadã criada para obedecer é essencialmente inferior, não possui inteligência, seu lugar na concepção é secundário, semelhante a terra, que precisa ser semeada, seu maior mérito é seu ventre.

O homem a criatura devidamente acabada, é natural que ele comande o restante das criaturas intermináveis indefinidas. Como Deus comanda suas criaturas, como o Rei comanda seu reino. Esses postulados de Aristóteles serão rigorosamente retomados pela teologia cristã e pelos teóricos da monarquia absoluta.

Na Grécia antiga Aristóteles, já deixava bastante claro a inferioridade da cidadã em relação ao homem. Todo brutal império romano passando pelos séculos XVI, XVII, XVIII onde o conceito de amor materno era outro, as crianças eram entregues as amas desde muito cedo e voltavam para a casa dos pais, quando já tinha por volta de cinco anos, prevalecendo uma cultura de indiferença materna.

A condição do Pai-Marido-Senhor todo-poderoso não pode ser explicada senão pela sua essência. Criatura que mais ativamente participa do divino, seus privilégios devem-se apenas à sua qualidade ontológica. É "natural" que a mais acabada das criaturas comande os demais membros da família, e isso de duas maneiras: em virtude de sua semelhança com o divino, como "deus comanda suas criaturas", e em virtude de suas responsabilidades políticas, econômicas e jurídicas, como um "Rei comanda seus súditos". (BADINTER, 1985)

Outro aspecto histórico importante a ser considerado, é que desde muitos séculos, a fecundidade é tida como benção divina, ao passo que a infertilidade é tida como castigo. Em determinados períodos históricos a procriação torna-se particularmente imperiosa, como por exemplo, no século XVI, quando a peste negra dizima um terço da população europeia. Períodos como esse geram repercussões na representação social da maternidade, em tais circunstancias é necessário que as famílias tenham uma grande prole.

Neste momento o lugar da mãe cresce na sociedade ao mesmo tempo em que o da criança. A maternidade que até então cumpria uma função apenas biológica, passa a cumprir uma função social. No entanto apesar do discurso médico e filosófico, as nobres, as ricas e as burguesas continuavam a confiar seus filhos, filhas a “amas mercenárias” até o fim do Século XIX.

Mas que dizer dessas mulheres das classes abastadas, sobreas quais não pesava nenhuma das duas hipóteses, já que seus maridos não precisavam do trabalho delas? Que pensar dessas mulheres que tinham todos os meios para criar os filhos junto de si, e amá-los, e que durante séculos não o fizeram? Parece que elas julgaram essa ocupação indigna de si, e preferiram livrar-se desse fardo. E o fizeram, aliás, sem provocar o menor escândalo. Pois, com exceção de alguns severos teólogos e outros intelectuais (todos homens), os cronistas da época parecem achar a coisa normal. (BADINTER, 1985)

Não há uma conduta materna universal e necessária. Contrariando a crença generalizada em nossos dias, ela não está profundamente inscrita na natureza feminina. Observando o desenvolvimento das atitudes maternas, verifica-se que o interesse e a dedicação à criança, não existiram em todas as épocas e meio sociais. As diferentes maneiras de expressar o amor vão do mais ao menos, passando pelo nada ou quase nada. Toda doutrina patriarcal é construída na regulamentação dos corpos femininos seja pela ciência biológica que respalda essa forma de viver seja pela própria filosofia que caminha lado a lado com esse sistema de desenvolvimento humano que beneficia os homens em detrimentos das mulheres. Construindo toda uma rede de pensamento que vem desde os primórdios da história ocidental.

No século XX, especialmente sob a influência da psicanálise, reforça-se a tendência de responsabilizar a mãe pelas dificuldades e problemas que surgiam nos filhos(as). A mãe ganha aqui a responsabilidade de cuidar do inconsciente e da saúde mental e emocional dos filhos. Freud, estudioso da psicanálise, traz uma ênfase um tanto exagerada da importância da relação mãe/filho, acentuando a imagem de devoção e sacrifício que caracteriza a boa-mãe que se torna deste modo personagem central da família. (Badinter, 1985).

Teologia Cristã

Na teologia cristã o feminino e a maternidade possuem duas figuras básicas: Eva, a mulher tentadora, erotizada que simboliza as forças perigosas e pecaminosas, é raramente pensada como símbolo de maternidade, embora como primeira mulher, seja a mãe de todos nós. Erotizada se associa a noção de castigo, de expulsão do paraíso, fraca e frívola, Eva torna-se o símbolo do mal.

Outra figura diz respeito a Maria, que concebeu sem pecado, ou seja, sem relações sexuais, assim a noção de pureza, caridade, humildade e da obediência liga-se a imagem da maternidade santificada, dissociada do exercício da sexualidade, condição sinequa non da possibilidade de redenção.

Retome-se a bíblia em seu primeiro capítulo Gênesis: a criação do homem, que mesmo antes de sair das mãos criadoras de Deus, dá nomes aos animais que existiam antes dele, vendo-o decepcionado, sentindo-se sozinho, Deus o adormece e retirando uma de suas costelas da origem a fêmea, que será sua companheira. (BÍBLIA SAGRADA, 1990).

A mulher é criada, se torna responsável pelo pecado do homem, com o discurso da serpente, que dizia ser semelhante a Deus e ter o conhecimento do bem e do mal. Persuade seu companheiro a comer o fruto. Questionado por Deus o homem diz: “A mulher que me enviastes como companheira me deu da árvore e eu comi”. (BÍBLIA SAGRADA, 1990).

Assim seguem todas as maldições enviadas por Deus o todo poderoso, ela é a culpada pela expulsão do jardim do Éden e condenada a sentir suas dores do parto triplicadas, sua paixão será para teu marido e ele a dominará.

O conceito de paixão aqui está estreitamente ligado a ideia de passividade, submissão, e alienação atributos que prevaleceram na nova condição feminina. Adão em sua posição de senhor foi condenado apenas a trabalhar arduamente e morrer como Eva.

Pensadores da igreja vão dificultar ainda mais a situação primeira de Eva, incutindo a serpente no seu interior, sendo a serpente e a própria mulher, demônios. Eva se transforma no símbolo do mal. Assim pensadores como Santo Agostinho vão dissertar e proclamar aos quatro cantos, a insuficiência da mulher, e sua inferioridade.

Se pudéssemos livrar o mundo das mulheres, não ficaríamos afastados de Deus durante o coito. Pois que verdadeiramente, sem a perversidade das mulheres, para não falar da bruxaria, o mundo ainda permaneceria à prova de inumeráveis perigos. Tu não sabes que a mulher é a Quimera, embora fosse bom que o soubesses; pois aquele monstro apresentava três formas: a cabeça, nobre e radiante, era a de 94 um leão; o ventre obsceno era o de uma cabra, e a cauda virulenta era a de uma víbora. Queria assim dizer que a mulher, embora seja bela aos nossos olhos, deprava ao nosso tato e é fatal ao nosso convívio. (INSTITORIS, 1997)

Outro importante pensador São Paulo ameniza a condição feminina dizendo, que os homens e as mulheres possuem os mesmos direitos e deveres, no entanto, não nega a hierarquia que há do homem sobre a mulher. O homem deve ser o chefe do casal, pois foi criado primeiro. É a ele, portanto que cabe o poder de mandar. No século XIV São Paulo lança uma fórmula famosa que perdura por séculos: “Vós maridos amai vossas mulheres, como também cristo amou a igreja… assim como a igreja está sujeita a cristo, vossas mulheres estão sujeitas ao marido” (Epístola dos Efésios séc. XIV, São Paulo).

Deveras, assim que lançadas as preposições da moral eclesiástica, permanece até o século XX a subordinação da mulher ao marido. Os pensadores da igreja legitimaram sempre o poder do marido sobre a mulher e os filhos/filhas, reforçando a teoria filosófica de inferioridade feminina.

Ressalte-se, inclusive que a mulher carecia de qualidades ontológicas: os teólogos fizeram dela um ser maligno, na melhor das hipóteses uma invalida, até os dias de hoje os homens se lembram disso.

No Código Civil Francês, encontra-se presente a autoridade marital, ligeiramente abalada no século XVIII. Na época, Napoleão retomou alguns preceitos bíblicos que estavam sendo esquecidos, e insistiu para que no dia do casamento a esposa reconhecesse explicitamente e publicamente o poder do marido e seu dever de obediência a ele. Legisladores deram forma ao preconceito napoleônico e basearam-se no poderio marital no duplo fundamento da invalidez feminina, e da necessidade de uma direção única da família. (VERUCCI, 1987).

Instinto Materno

A alegação de que a mulher indispensavelmente deve parir é uma ideia que implica em uma forma brutal de violência. Por mais que ao longo da fixação de um conceito da maternidade natural, as mulheres se encontram presentes no imaginário coletivo da sociedade, a maternidade não é uma vontade intrínseca ou inerente ao gênero feminino.

A priori, leis naturais não admitem nenhuma exceção. Substituir-se o conceito de lei (universalidade) pelo de regra (geral), é necessário constatar que há inúmeras exceções à regra do instinto materno. O amor no reino humano, não é e não pode ser simplesmente uma regra. Nele intercede demasiados fatores que transcendem a norma, diferentemente do reino animal, submergido na natureza, e submetido a seu determinismo, o humano, no caso, a mulher, é um ser histórico, capaz de simbolizar, colocando-se acima da esfera propriamente animal.

Mais precisamente, os defensores do amor materno "imutável quanto ao fundo" são

evidentemente os que postulam a existência de uma natureza humana que só se modifica na "superfície". A cultura não passa de um epifenômeno. Aos seus olhos, a maternidade e o amor que a acompanha estariam inscritos desde toda a eternidade na natureza feminina. Desse ponto de vista, uma mulher é feita para ser mãe, e mais, uma boa mãe. Toda exceção à norma será necessariamente analisada em termos de exceções patológicas. A mãe indiferente é um desafio lançado à natureza, a a-normal por excelência”. (BADINTER, 1985)

Esse ser social que possui desejos e tem quereres, para além de sua estrutura hormonal, dispõem de uma consciência e inconsciência que predominam as características naturais, esses fortemente influenciados pelos fatores externos e próprios à vida particular de uma mulher, assim sendo, os hormônios femininos que regem o sistema reprodutor pouco dizem respeito às vontades próprias das mulheres.

É possível traçar uma análise sucinta entre a maternidade como escolha feminina e a compulsoriedade social, em se tratando da amamentação. O desencadeamento hormonal inerente à maternidade traça em cada mulher uma maneira própria de encarar essa fase e aciona nela uma espécie de alerta em relação ao filho/filha. É indubitável que o desejo de acalmar o recém-nascido leva a diferentes qualidades do ato materno levando-se em conta a obrigação imposta e a escolha por ela que decorre da própria maternidade. Generaliza-se a prática e a torna homogênea.

Analisa-se a enorme importância de colocar de lado as universalidades, e comparações com o mundo animal mamífero e voltar-se para contingências e particularidades que são privilégios do ser humano, pois é, por meio de sua vontade e desejos que o conceito de liberdade é definido, pois somente valorizando quereres próprios é que possuímos a liberdade de ir e vir, e assim de poder optar por ser ou não mãe.

Não será, porém, chegado o momento de abrir os olhos para as perturbações que contradizem a norma? E mesmo que essa tomada de consciência da contingência ameace nosso conforto, não será necessário levá-la finalmente em conta para redefinir nossa concepção do amor materno? Isso nos proporcionará uma melhor compreensão da maternidade, benéfica tanto para a criança como para a mulher. (BADINTER, 1985)

No que se refere às normas sociais tão intransigentes e rígidas, uma mãe que escolhesse hoje não ter filhos e filhas seria considerada normal? ou anormal no tocante as normas da natureza? Aqui se percebe que o determinismo social e o imperativo biológico caminham juntos no que concerne à maternidade. E como se falaria, então que quando uma mulher escolhe ser mãe esse é um desejo próprio ou apenas mais uma norma social impiedosa?

Torna-se evidente o abismo no qual se posicionou as mulheres ao percorrer-se as teorias do instinto materno e da rotulada boa mãe, sendo aquela que não pode opinar, posto um instinto, como proceder de maneira contraria, como negar o ventre ao qual reduziu-se a condição feminina de esplendor e satisfação. Se ela instintivamente deve ser mãe, a mesma deve esquecer-se de si mesma, para o cuidado com a prole ser devidamente executado, por meio do sacrifício e devoção.

Maternidade Compulsória

A maternidade é uma condição biológica exclusiva do gênero feminino, no entanto, esse processo não é somente biológico ele é social. A gestação, o parto e a amamentação, sendo experiências restritas ao corpo feminino, não determinará como a mãe vai lidar com a situação. Esta questão está diretamente conectada com a cultura e o período histórico em que a mulher estará inserida. Esta corroboração é atributo dos estudos feminista do século XX, tornando possível uma concepção social e não somente biológica do feminino.

Posto isso, existem inúmeras normas, regras morais, leis, costumes e hábitos ocidentais propriamente ditos, regidos pelo sistema patriarcal que regulam o corpo feminino desde os primeiros séculos no berço da Europa. Como foi mostrado ao longo da pesquisa, horas elevando, e a maioria dos momentos históricos rebaixando a condição de mãe.

Pode-se afirmar que atualmente, século XXI a maioria dos humanos do planeta vive sob um sistema patriarcal, onde a divisão dos gêneros implica em movimentos de dominação dos homens sobre as mulheres. O controle da reprodução regulada pelas relações conjugais é somente uma das múltiplas violências dirigidas contra a mulher que parte, na maioria das vezes do casal em convivência ou matrimonio.

De todos os espaços de vida (trabalho, lugares públicos, família, casal), a vida em casal é o que aparece como o contexto mais perigoso para as mulheres, ao contrário dos homens, que são vitimas de agressões físicas nos espaços públicos ou lugares de vida coletiva. Essa constatação pode ser ligada à habitual atribuição sexualizada dos espaços: as mulheres estão associadas à esfera privada e os homens a esfera publica. (JASPARD, 2011).

A violência no entorno do lar, especificamente nas relações conjugais, são consideradas individualmente, ou seja, percebe-se um histórico da pessoa (homem) como um sofredor, que possui problemas psicológicos, ou possuiu uma história de vida dura e assim, justifica-se o ato violento. Nada mais reconfortante, após um exame, poder-se até medica-lo e é para o lar do cônjuge que ele retorna.

“Segundo a abordagem feminista a violência masculina é analisada com um mecanismo de controle social que mantém a subordinação das mulheres aos homens, As violências contra elas decorrem de um sistema social de valores e de representações no qual elas tem somente o estatuto de dominadas”. (JASPARD, 2011).

A maternidade compulsória diz respeito diretamente a essas formas de violência conjugal. O direito reprodutivo está nas mãos do homem, do marido. As relações sexuais são consideradas, pela lei, como um dever conjugal, pois, se não assistido torna-se motivo de traição. Assim para manter a lógica do casal a mulher satisfaz seu desejoso marido ou companheiro numa lógica perversa. Todavia, a pressão para engravidar se torna evidente, a mulher está entre dois momentos fortes de idealização do homem – mãe e objeto erótico.

Essa forma de opressão e violência por meio do controle reprodutivo perpassa as mulheres, que mesmo em situação de casal ou não, ao descobrirem uma gravidez indesejada não podem recorrer a formas legais de não ter esse filho/filha.

A proibição legal do aborto, não faz com que as mulheres não recorram a ele, pois se sabe que o número de mortes de mulheres que recorrem ao aborto clandestino é demasiado grande, e estão associadas ao controle dos corpos femininos. Portanto a necessidade de reflexão se torna emergencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa tratou de uma breve análise na tentativa de traçar um paralelo entre o mito do amor materno e a maternidade compulsória. Procurou-se questionar historicamente como o amor materno foi construído ao longo dos tempos, caminhando pelo olhar culpabilizador da teologia cristã que provou com seus escritos filosóficos a insuficiência e submissão das mulheres no ocidente. Mesmo se tratando de um dos lugares mais democráticos do mundo, o ocidente também cerceou e ainda cerceia as potencialidades femininas e as reduz em apenas mães. Ser mãe! Este não é o problema em si, o problema decorre da obrigatoriedade. As relações de dominação, no seio do casal, e a violência conjugal, como uma forma de restringir os direitos reprodutivos das mulheres.

Posteriormente se tratou do instinto materno, discurso criado para diminuir as liberdades femininas, pressupondo que, se há instinto não há como fugir dele.

No tópico seguinte a discussão da maternidade compulsória em um breve panorama, com o intuito de acumular mais informações para melhor esclarecer. A questão está diretamente ligada à relação conjugal, o poder do companheiro, marido e da família, conjuntamente com a falta de opção legal em decorrência da criminalização do aborto.

As discussões da análise se tornam possíveis com as conquistas das mulheres em nível internacional, por meio do movimento feminista que vem com intuito de entender a teia da dominação masculina e livrar as mulheres dos grilhões que as tornam restritas a esse mundo particularizado.

Referências Bibliográficas

BADINTER , Elisabeth, Um é o outro. São Paulo: Nova fronteira, 3º ed. 1986. Organização Christine Ockrent, O livro negro da condição das mulheres. Editora Difel, 2011.

______. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução de Waltensir Dutra. — Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Tradução de: L'Amour en plus 1. Amor materno I. Filosofia francesa. Dutra, Waltensir II. Título 85-0655.

Epístola dos Efésios séc. XIV, São Paulo. Biblia sagrada, Edição Pastoral. São Paulo: Ed. Paulus, 1990.

GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: Unesp, 1990.

INSTITORIS, Heinrich, 1430 1505 - O Martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro. Disponível em: Acesso em: 10 mar. 2016.

JASPARD, Maryse. O livro negro da condição das mulheres, as violências conjugais na Europa. Rio de Janeiro: Difel, 2011, p. 262.

MALDONADO, Maria Teresa P. Psicologia da Gravidez. São Paulo: Vozes, 7º ed., 1985.

VERUCCI, Florisa. A mulher e o direito. São Paulo: Nobel, 1987, p. 60.

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