A RELAÇÃO CRIANÇA E TELEVISÃO: ENTREVISTA COM ELZA DIAS ...

A RELA??O CRIAN?A E TELEVIS?O: ENTREVISTA COM ELZA DIAS PACHECO

A seguir, trechos de entrevistas concedidas pela Professora Doutoura e Livre-Docente Elza Dias Pacheco, da Escola de Comunica??o e Artes da USP, ao Boletim T?cnico da Fundescola, em seus n?meros 39 e 33, de 2000, ano V.

Entrevista 1 (Boletim 39)

Em 1994, Elza Pacheco criou o Laborat?rio de Pesquisas sobre Inf?ncia, Imagin?rio e Comunica??es (Lapic). O grupo re?ne profissionais de v?rias ?reas do conhecimento e tem como objetivo .....

Fundescola - O que ? o Lapic e como surgiu?

Elza Pacheco - Em linhas gerais, trata-se de um ambiente l?dico de produ??o e socializa??o de conhecimentos sobre a rela??o TV/Crian?a. Nele, est?o reunidos pesquisadores mestrandos, doutorandos, bolsistas de apoio t?cnico e de inicia??o cient?fica de v?rias ?reas do conhecimento, como: Psicologia, Hist?ria, Ling??stica, Educa??o, Cinema, Teatro, Televis?o e Ci?ncias Sociais. Pode parecer estranho que um laborat?rio de pesquisa seja um ambiente l?dico.

Para explicar isso, preciso remexer o ba? da minha mem?ria de cinco d?cadas para buscar a id?ia que norteou a cria??o do Lapic. A primeira lembran?a traz grilos falantes, bruxas e fadas que povoavam o imagin?rio do meu p?blico infantil de "Encantalha", o cantinho m?gico onde, de olhos fechados, as crian?as viajavam por mundos fant?sticos com ru?dos estranhos de cachoeiras, sapos e at? de monstros. Felizmente, as crian?as de hoje, apesar da invas?o dos eletr?nicos, continuam brincando de pega-pega e esconde-esconde, criando o seu espa?o do fazde-conta.

Na d?cada de 70, a urbaniza??o crescente retira as crian?as das ruas, confinando-as em miniapartamentos; os folguedos infantis e fadas e bruxas cedem lugar aos desenhos animados que passam a encantar o mundo infantil. Tal restri??o direcionou, a partir de 1978, a tem?tica das minhas pesquisas para as rela??es entre TV/Crian?a. Da? surgiu minha tese de Doutorado "O pica-pau: her?i ou vil?o?", os cursos, e tudo mais que fiz depois disso. O Lapic realiza pesquisas, promove eventos e exposi??es, efetua consultorias e entrevistas ? m?dia no sentido de estender os seus servi?os ? comunidade. Al?m disso, nosso acervo est? aberto ? consulta de todos. (A produ??o do grupo pode ser conferida no site eca.usp.br/nucleos/lapic)

Fundescola - Qual tem sido o foco dos trabalhos do laborat?rio?

Elza Pacheco - O Lapic, organizado em 1994, vincula-se ao Departamento de Comunica??es e Artes da Escola de Comunica??es e Artes da Universidade de S?o Paulo. Tendo como linha de pesquisa "Comunica??o e Educa??o", ?rea abrangente e multidisciplinar. Entre as finalidades do grupo est? a realiza??o de pesquisas que visem a produ??o de novos conhecimentos e o

desenvolvimento de novos paradigmas para o estudo das media??es no processo de recep??o, de leitura cr?tica e na an?lise de conte?do da produ??o cultural para a inf?ncia.

Buscamos ainda colaborar na forma??o de novos pesquisadores na ?rea de Comunica??o/Educa??o e Tecnologia, a partir de alunos/bolsistas de Inicia??o Cient?fica. Outro foco importante tem sido o desenvolvimento de grupos de estudos avan?ados com especialistas que j? venham produzindo trabalhos sobre representa??es da inf?ncia, a fim de abrir espa?o para a discuss?o acad?mica e a sistematiza??o de temas conjunturais relevantes para a integra??o entre Universidade, Escola e Sociedade.

"Felizmente, as crian?as de hoje, apesar da invas?o dos eletr?nicos, continuam brincando de pega-pega e esconde-esconde, criando o seu espa?o do faz-de-conta."

Fundescola - Nesse caso, qual a vantagem de se trabalhar com um "time" de pesquisadores multidisciplinares?

Elza Pacheco - ? mais uma necessidade, na verdade. Afinal nosso objetivo ? mais do que integrar Academia, Escola e Sociedade. Estamos discutindo a necessidade de o professor, por meio da Comunica??o Social e de recursos midi?ticos das novas linguagens e da m?dia eletr?nica, trabalhar as disciplinas curriculares a partir de eixos tem?ticos globalizados e que fazem parte do cotidiano de uma sociedade plural como: Sa?de, que inclui a qualidade do desenvolvimento f?sico, emocional, sexual, intelectual, moral e social; Cultura, que inclui o conhecimento e o respeito pela diversidade (abrangendo etnias, religi?es, ideologias); Educa??o, de um ponto de vista mais amplo do que apenas o direito ao ingresso e ? perman?ncia na escola, mas tamb?m amor e respeito por tudo que ? nosso e do outro; Trabalho, que, sem opress?o, permita satisfa??o das necessidades b?sicas; Lazer, n?o apenas para o descanso dos fins de semana, mas para o desenvolvimento da criatividade.

Fundescola - Quem financia o Lapic?

Elza Pacheco ? O financiamento recebido da Funda??o de Amparo ? Pesquisa do Estado de S?o Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient?fico e Tecnol?gico (CNPq) ? eventual, ou seja, ele ? liberado quando h? aprova??o dos projetos de pesquisa. Durante os 5 anos de funcionamento ? de 1994 at? hoje ? realizamos duas pesquisas. Para a primeira, o CNPq nos concedeu 10 bolsas de v?rias categorias, durante 3 anos, e uma pequena verba para material de consumo e material permanente. Para a segunda, o CNPq concedeu apenas as bolsas e a FAPESP liberou uma pequena verba. Atualmente o Lapic conta com o trabalho volunt?rio de alguns orientandos que se revezam semanalmente e com a presen?a permanente de 3 mestrandos. Al?m disso, temos um bolsista de inicia??o cient?fica financiado pelo CNPq.

Fundescola - Comparando o sistema p?blico com o particular, existe alguma diferen?a significativa em termos de utiliza??o de novos meios e linguagens em sala de aula?

Elza Pacheco - ? importante esclarecer que n?o dispomos de dados de pesquisa que permitam dar um panorama fidedigno da situa??o. Com base em observa??o informal, podemos constatar que nem todas as escolas particulares est?o aptas para utilizar os meios de comunica??o, em especial a inform?tica, o mesmo ocorrendo com as escolas p?blicas de S?o Paulo, capital, que constituem nosso universo. Embora exista a tend?ncia de professores e alunos de escolas particulares estarem mais familiarizados com a inform?tica e ser isso um facilitador, podemos afirmar que h? uma grande preocupa??o do governo em aparelhar as escolas p?blicas e capacitar docentes para o uso da inform?tica e dos meios em geral. A m?dio prazo isso poder? colocar a escola p?blica em n?vel de igualdade com a particular.

Fundescola - O Lapic trabalha na capacita??o de professores para os novos meios de comunica??o.

Elza Pacheco - Em 1998, o NCE ? N?cleo de Comunica??o e Educa??o do CCA/ECA/USP, em parceria com a Secretaria de Educa??o do Estado de S?o Paulo - Projeto Inova??es do Ensino B?sico, desenvolveu o Projeto de Educa??o Continuada ? PEC "Comunica??o, Educa??o e Novas Tecnologias" destinado a especialistas em educa??o e professores das Delegacias de Ensino, permanecendo aberto a professores e especialistas de outras delegacias. Coube ao Lapic desenvolver o m?dulo III, F?rum de Comunica??o Transversal no Curr?culo, cujo objetivo foi o de capacitar professores com rela??o a leitura e uso dos meios de comunica??o. Houve significativa repercuss?o desse trabalho no ?mbito educacional e temos desenvolvido este tipo de capacita??o em diferentes entidades educacionais, desde ent?o.

Fundescola - Quais os desdobramentos, at? agora, da pesquisa sobre desenho animado?

Elza Pacheco ? H? cinco anos, realizamos semin?rios mensais com meus orientandos de mestrado e doutorado sobre o assunto. A partir da conclus?o das duas Pesquisas Integradas, "Televis?o, Crian?a e Imagin?rio: contribui??es para a integra??o escola-universidadesociedade" e "O desenho animado na TV: mitos, s?mbolos e met?foras", as solicita??es sobre os resultados das mesmas, vindas de v?rias formas, de todos os estados do Brasil e de alguns da Am?rica Latina, por sugest?o dos pesquisadores, a partir de mar?o, o Lapic abriu para o p?blico esses encontros. Tivemos uma procura enorme. Mas para tornarmos a divulga??o dos dados levantados at? agora mais ampla, precisamos de financiamento para publica??o desses trabalhos.

Endere?o do Laborat?rio de Pesquisas sobre Inf?ncia, Imagin?rio e Comunica??es - Lapic/USP na Internet: eca.usp.br/nucleos/lapic

Entrevista 2 (Boletim 33)

Desenho animado faz bem. Pesquisadores da USP estudam o que as crian?as de 6 a 11 anos apreendem dos programas de televis?o

O que as aventuras de um coelho espertalh?o ou de um pica-pau mal-humorado podem ensinar para crian?as? Muita coisa e n?o apenas "besteiras" ou traquinagem como pensam muitos pais e educadores. Essa foi uma das conclus?es obtidas por um time de 12 pesquisadores da Universidade de S?o Paulo (USP) que passou os dois ?ltimos anos estudando qual o significado que meninos e meninas de 6 a 11 anos tiram dos desenhos animados a que assistem na tv.

O Laborat?rio de Pesquisa sobre Inf?ncia, Imagin?rio e Comunica??o (Lapic) realizou dois trabalhos distintos, mas complementares para chegar a este resultado. Primeiro foi feito um levantamento sobre os programas mais vistos pelas crian?as e descobriu-se que os desenhos animados eram os favoritos absolutos desse p?blico, apesar de assistir de telenovela a notici?rio.

O pr?ximo passo foi eleger os melhores na opini?o desses telespectadores e estud?-los ? exaust?o para chegar aos porqu?s desta prefer?ncia. Com um time multidisciplinar composto por especialistas da psicologia, hist?ria, letras, cinema e comunica??o foi poss?vel analisar os conte?dos dos desenhos de maneira global e integrada.

As surpresas para os detratores dos desenhos animados1 come?am pelos escolhidos da garotada. "Pica-pau", "Pernalonga", "Pateta", "Maskara" e "Yuyu Hakusho" lideram a prefer?ncia. "Os meninos de hoje gostam basicamente do que gostavam as crian?as das gera??es anteriores", diz Claudemir Viana, do Lapic, para justificar o fato de tr?s dos cinco favoritos pertencerem ao grupo dos cartuns antigos e tradicionais.

Simbologia

O trabalho, rec?m-terminado, explica isso por meio dos mitos e s?mbolos universais muito usados nos desenhos e que n?o mudam ao longo do tempo. A disputa entre o bem e o mal, o forte e o fraco, pais e filhos, adultos e crian?as, permeiam todas as hist?rias e constituem o maior atrativo dos cartuns para os garotos.

O ponto mais importante, segundo os pesquisadores, ? que toda crian?a sabe perfeitamente distinguir fantasia de realidade. "Brincar com a realidade faz parte do desenho e isso atrai a

crian?a porque ela tamb?m brinca para conseguir lidar com o mundo a sua volta e assim se adaptar a ele", observa M?lada Gon?alves, psic?loga que participou do grupo de estudo.

Os desenhos animados teriam tomado assim o lugar dos contos de fadas. "As pessoas iam aprendendo o mundo por meio dessas hist?rias que usavam imagens e fatos irreais para repassar valores da sociedade", defende Alexandre Paza, do departamento de Letras da USP e tamb?m do Lapic. Diante disso, o desenho animado tem papel importante no desenvolvimento cognitivo da crian?a.

Ao assistir aos cartuns, meninos e meninas suprem o desejo de subverter a ordem. Pica-pau e Pernalonga ganham pontos aos olhos da garotada justamente porque representam o menor vencendo o maior, seja no grito, seja na esperteza. A crian?a se projeta como protagonista da hist?ria e se vinga de toda opress?o que sente, em rela??o aos pais, aos professores, aos irm?os mais velhos etc.

No final das contas, o desenho tamb?m cumpre um papel importante para os pais e para a sociedade: o de preservar a ordem social. "A crian?a faz uma esp?cie de catarse durante a hist?ria e no final fica mais calma, mais serena para aceitar a realidade como ela ?, resolvendo imaginariamente as quest?es que a angustiam", acrescenta Alexandre.

Mediadores

A pesquisa tamb?m tirou conclus?es interessantes sobre a viol?ncia nos desenhos. O "Yuyu Hakusho", preferido pelos garotos com mais de 9 anos, costuma mostrar muitas cenas onde h? derramamento de sangue e brigas. Segundo o estudo, as crian?as n?o relacionam a pancadaria com atos violentos do dia-a-dia, mas identificam as cenas com o hero?smo e a luta entre o bem e o mal. Antes dos 8 anos, os meninos ainda n?o captam muito bem o enredo, mas gostam dos momentos de a??o pela sensa??o est?tica do movimento e das cores. "A li??o tirada pela crian?a ? de que o bem vence o mal", diz Claudemir Viana.

O trabalho serviu ainda para verificar a capacidade do p?blico infantil de contar hist?rias e depois reelaborar em cima dos temas abordados pelos desenhos. Nesse ponto come?am os problemas. Geralmente os adultos se chocam ao ouvir a narrativa de uma crian?a sobre um epis?dio onde houve agress?o f?sica na televis?o, por exemplo. Da? a rea??o comum de muitos pais e professores de tacharem os desenhos como lixo, perdendo a oportunidade de us?-los como instrumento eficaz de forma??o.

"O adulto tem uma fun??o importante de preencher as lacunas, de explicar o que a crian?a n?o entende bem", enfatiza M?rcia Marguze, do Lapic. Os especialistas aconselham conversar sempre com os filhos e alunos sobre o que assistem, trocar id?ias, descobrir o que pensam das mensagens passadas pela televis?o. Com isso, n?o se est? dizendo que n?o se pode proibir uma crian?a de assistir a determinada programa??o. "S? ponderamos que a censura sem di?logo nunca foi educativa", comenta Alexandre Paza.

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