PATOMORPHIA .com

 A m?o estendida de PoojaCONTOS DE WELINGTON JOS? FERREIRAISBN 978-1-329-65515-7?ndice PATOMORPHIATSAR IVANA M?O ESTENDIDA DE POOJAA HIST?RIA DO CACHORRO VELHO E DO CACHORRO NOVOTAMARPING PENGO MENINO E O REL?GIOPROJETO CODINOMEA LENDA DO HOMEM QUE DOMINOU A ?GUAE EU COM ISSO, PHEBO? – SOBRE UMA ODE DE OD?LIOOS PORTAIS (JZ 16.1-3)FOLCLORE, O CONTO - O HOMEM QUE ESTOCAVA VENTO...PORTA DE SA?DAJAGUN?ADAO CONSELHO DE AITOFELDAS PROFUNDEZASA MORTE DE EVACARTAS SOBRE DRAGON WARRIORPONTES INACABADASNARCISAOS PORTAIS DE ADELANTETE DISSERAMPATOMORPHIAA Patilha (patilha: ao contrário do que o Aurélio diz, é uma mistura de patos com matilha) grasnava desconfiada na entrada do Curral dos Patos naquele sítio em Paty de Alferes. A chuva patente trazia consigo um patamar de patiferinas (essa eu inventei) trovoadas. A repórter se sentia como uma pata, sem entender patavina do que iria encontrar ali. O Port?o rangeu demonstrando patologia de antiguidade, ferrugem. Abandonado. Patife. Aquela patuscada só poderia ter saído da mente sádica do seu editor chefe. Como era mesmo o assunto que ele se referiu? Patognoscia? N?o. Patogênese? Talvez. Ela já estava sentindo uma patognomia alérgica. Bateu a porta do sítio abandonado. Grasnavam gansos distantes escondidos na penumbra. Alguém veio abrir, passos lépidos sobre o patíbulo. E olha que ainda falavam sobre paternalismo no seu trabalho. Patetas. Era ela que estava ali no meio do nada, na chuva e n?o eles. Quem abriu a porta, ela n?o sabia quem, grasnou... Ou quase isso... Com uma voz rouca gritou: - Entra! E antes que pudesse ser visto, sumiu pela escurid?o fantasmagórica do patódromo. Só podia chamar aquela coisa de patódromo. Na verdade, havia alguma luz. Uma lamparina iluminou um pouco o piso rústico de madeira desconhecida, coberto por penas. Penas? A voz rouca convocou a assustada repórter:- Venha até aqui. Ela foi. Passou pelo primeiro patamar, ultrapassou o pórtico, pateando. O indivíduo n?o se mostrava. Ficava envolto na escurid?o. Movia-se estranhamente. Patrícia iria agradecer pessoalmente essa patifaria do seu editor chefe se sobrevivesse. - Patinha, essa entrevista vai ser a mais fácil de toda sua carreira. O Editor sorria. Odiava ser chamada por aquele apelido. Continuou:- O professor é meio excêntrico e há muitos anos se isolou em seu sítio em Paty de alferes. Sua grande chance Patinha! Minha grande chance. Pensava. Ela imaginou a pátera (ta?a) contendo sangue para o sacrifício sendo erguida enquanto o editor emitia a autoriza??o para sua saída. Ao ouvir a voz gutural da figura sombria que iria entrevistar era como se estivesse em patte. (jogada do xadrez em que o rei n?o pode se mover). Que situa??o patética. Os gansos grasnavam mais alto que os trov?es. A voz rouca e patibular (com certa inten??o criminosa) iniciou seu monólogo t?o rapidamente que Patrícia quase n?o teve tempo de ligar o gravador. - Meu nome você já sabe qual é. Eu sou Patelseer. Mc Voon Patelseer. Meus estudos genéticos sobre melhoria de linhagem dos anseriformes, da família dos anatídeos, vulgarmente conhecidos como patos, s?o reconhecidos mundialmente. Nesse momento Patrícia julgou vislumbrar uma patorra. Um imenso pé. (Aquilo era um pé?) Estava assombrada com a situa??o. Sentia-se como uma pata choca. Como levar a sério aquela patacoada? (coisa que n?o se leva a sério, disparate) Acreditar num vulto, numa voz na escurid?o. Relampejava. Cada trov?o era como uma patada na sua testa. Acalme-se, seja uma profissional, pensava. Prestaria aten??o naquele grasnador. (aquele que grasna). - Numa noite, há anos atrás, desenvolvi um composto para dar a patos domésticos a resistência contra doen?as que os marrecos possuem. Trabalhava com um composto genético. Levava uma das cobaias juntamente com a inje??o contendo o composto para o laboratório. Escorreguei numa po?a causada pelo vazamento de uma mangueira e na queda, além de matar o pato, acidentalmente injetei em mim parte da solu??o. O vento gelado sibilando apagou a lamparina. Patrícia escutou um terrível grasnido. Com o susto deixou cair o gravador. A pancada do aparelho no ch?o assustou Von Patelseer. Grasnando ele gritou: - Eu disse que n?o queria que minha entrevista fosse filmada ou gravada! Esse sujeito devia ter alguma patogenia grave. Subitamente, uma cortinada se rasgou, o barulho de vidros espatifando-se no ch?o desviou sua aten??o. Patrícia correu para fora da casa, assustada no meio da chuva torrencial, olhou para o lado, o da janela quebrada e vislumbrou alguém correndo em meio às sombras, desajeitadamente. Ent?o relampejou. Sob o clar?o do rel?mpago ela viu um imenso pato correndo. O maior de todos que ela já viu, sumindo em dire??o as colinas do Curral dos patos. N?o tinha entendido patavina. A n?o ser que... Aquele pato... N?o fosse um pato... N?o. Chega de patranhas. Dizendo adeus ao Curral dos patos, entrou no carro e nunca mais voltou àquele lugar. O editor chefe ainda a chama de Patinha. Ela ainda odeia esse apelido. Patomorphia "N?o pergunte por quem os patos grasnam Eles grasnam por ti" Parafraseando o Ernest vixe. Seis meses depois.- Patabéns pra você! Nesta pata querida! Muitas patacidades! muitos patos de vida! - Patinha! Patinha! Patinha! O barulho ensurdecedor daqueles apitos que imitam pato ainda iria tirar Patrícia do sério. Ela sabia que o apelido tinha come?ado na se??o de homicídios lá na reda??o. E era justamente na se??o de homicídios que ela iria aparecer, n?o como entrevistadora, se descobrisse de quem tinha sido a proeza. As paredes do escritório foram decoradas, como n?o poderia deixar de ser, com motivos patinos. Uma cena pintada à m?o pelo Carl Barks com o Pato Donald descendo o Vale Perdido, onde iria encontrar um povo que nunca vira um objeto redondo, cobria a imensa janela de blindex cinza do lado do edifício. Até o palha?o do editor usava um boné de marinheiro. O bolo imenso com velas em forma de patinhos era trazido pelo office-boy do setor. Ele iria morrer. - Patinha! Patinha! Patinha! Aline, Vera e Célia, suas colegas de setor, Luciana, Angela e Michelle, do andar inferior, faziam a festa, em conjunto com Alexandre, o Borges, Oliva e o Márcio. O Márcio distribuíra os apitos. Márcio iria morrer juntamente com o office-boy. Patrícia se deleitava ao imaginar a cena da janela de blindex se estilha?ando enquanto o Borges e o Márcio eram atirados do oitavo andar da Reda??o. Só que nessa hora, o blindex se estilha?ou, MESMO. De verdade. A pintura do Carl Barks se rasgou, enquanto os pequenos estilha?os voavam para dentro do setor aos gritos assustados de todos os que presenciavam a cena. Algo entrara no edifício, violentamente e agora estava de pé sobre a mesa próxima ao janel?o. - VEJAM! GENTE! QUE BARATO! ? O PATO DONALD! Os presentes abriram os olhos, ainda retirando os estilha?os de sobre o cabelo, olhavam espantados ao imenso bico do "fantasiado" a sua frente. Irromperam em aplausos. - UAU! DEMAIS! Gritava o Borges. O imenso pato com uma roupa estranha correu em dire??o a Patrícia. O pessoal estava exagerando naquela brincadeira. Todos iriam morrer, pensava. O 'pato' sem nenhuma parcim?nia segurou seu bra?o, a jogou sobre os ombros, sobre os aplausos de toda a platéia for?ada e se dirigiu ao janel?o. -PATINHA! PATINHA! PATINHA! O fantasiado olhou para trás semicerrou os olhos sobre o bico amarelo e pulou, enroscou a m?o com quatro dedos numa espécie de corda e pulou! O escritório explodiu em aplausos. - PATINHA! PATINHA ! PATINHA! O Márcio sorriu, virou para o Editor-chefe, cumprimentando-o: - Foi a melhor festa de aniversário da minha vida! Raptada pelo pato Donald. Era só o que lhe faltava. Todos iriam morrer. Patrícia fervia de raiva. Nunca imaginou que eles pudessem ir t?o longe. Quanto se soltasse daquele artista circense, cabe?as iriam rolar, a golpes de machado. - Me solta seu pato ridículo, chega, o espetáculo terminou! O grasnido familiar despertou as lembran?as da jornalista. - Ainda n?o. O espetáculo come?a agora... Um grito sufocado partiu das entranhas da jornalista - Von Pateelser. Patomorphia- Patos! Eu odeio Patos. Patrícia sempre manteve uma certa dist?ncia dos anatídeos anseriformes. Isso desde pequena; quando uma criatura branca de longo bico e aparência malévola, correu atrás dela por trinta minutos, no sítio de seus pais. O animal incansável a perseguiu inabalavelmente através da casa, atrás dos móveis, p?r sobre a cama, na cozinha, no milharal, no curral, na casa da árvore, no lago, na fonte, ao redor do po?o, no estábulo, na adega, na dispensa. - Patos, odeio patos! Agora, adulta, recuperada, suportava a infeliz sina de ser {rapatada} por um sobrinho do tio Patinhas com excesso de horm?nio de crescimento e certo complexo de homem-aranha, sendo carregada sobre telhados dos prédios ao redor de sua reda??o. - Patos, odeio patos. - Me larga seu pato nojento! O pato impassível lan?ava os ganchos no próximo telhado e pulava para pegar a corda que pendia perigosamente a metros de dist?ncia entre os v?os que separavam os edifícios. Se o maldito errasse um daqueles saltos, era a morte certa. Dava para sentir o cheiro das penas das m?os da criatura queimando quando segurava novamente a corda após cada salto impressionante. Patrícia estava ficando enjoada. - Paaaaaaaaatoooooo desgra?aado! Foi muito complicado explicar para a polícia que uma das jornalistas foi raptada pelo sobrinho da vovó Donalda. - Um pato? Vocês querem me fazer acreditar que um cara vestido de pato destruiu metade da reda??o e com uma jornalista sobre os ombros pulou p?r aquela vidra?a espatifada a oito andares do nível da rua, fora as garagens? O editor-chefe acenou com a cabe?a, afirmativamente... O Pato pateta parou. Num edifício qualquer. Respirava profundamente. Parecia cansado. Era sua chance. Ela dá uma cotovelada na cabe?a do animal e um voleio com o corpo. O pato geme. O pato geme? Desde quando um pato gemia? Patrícia cai sobre uma parte do telhado, infelizmente, uma claraboia. Era um telhado de vidro, um "must" arquitet?nico, com sérios problemas de resistência a choques. O período de tempo em que acontecem trinta metros de queda livre de um corpo, até um piso (do que parecia ser um Shopping Center) parece uma eternidade, quando você cai envolta numa arma??o metálica coberta de vidro multicolor. O pato se atirou atrás da jornalista, agarrando uma corda de a?o que amarrava a estrutura, conseguindo segurá-la a dois metros do ch?o. Com o impulso os dois v?o parar no segundo piso, enquanto o vidro do telhado se espatifa no meio do sal?o. Olhares espantados os cercam quando os dois caem dentro de uma loja da Boticário, estourando a vidra?a e espalhando frascos de Insensatez, Freur e Florata in Blue sobre as lojistas aterrorizadas. Pelo menos iria morrer perfumada. Patrícia está zonza, mas, percebe que a criatura está caída atrás do balc?o. A quest?o n?o era se conseguiria correr... Mas... Se conseguiria correr muito... O pato imortal levanta a cabe?a...Patrícia corria desesperada pelos corredores do shopping. O pato ia atrás. - MAM?E! MAM?E OLHA L?, O PATO DONALD! Gritou uma crian?a extasiada com a imensa criatura correndo desajeitadamente na tentativa de capturar sua presa. Ela entrou numa loja da C & A, derrubando duas clientes e mais um pedestal, tipo arara, contendo blusas de Cotton. A criatura saiu arrastando vários pedestais. Chovia cal?as jeans no amplo sal?o da C & A. Patrícia queria gritar por socorro, todavia, pensava, o que iria gritar? Tem um pato psicopata querendo me raptar? Salvem-me do pato? Ajudem-me, um pato louco me persegue? Melhor correr. Dois seguran?as verificando a baderna causada pela persegui??o v?o ao encal?o dos dois. Patrícia desce a escada rolante. A escada rolante errada. Aquela era a de subida. - Com licen?a! E saiu atropelando quem tentava ir para o segundo andar. Conseguiu. Atravessou como uma bala o térreo da loja, porém quando estava quase conseguindo sair foi barrada por dois corpulentos vigilantes. E lá vinha o pato. Os seguran?as n?o sabiam exatamente o que fazer. Podia ser uma promo??o qualquer da loja. Talvez n?o. O Pato se atirou sobre os três, deixando penas sobrevoando o sal?o e lá se ia outro blindex. Os dois vigilantes voaram juntamente com os manequins pela vitrine enquanto o pato caía com Patrícia na parte externa da loja. Outro pontapé. Desta vez no bico do animal. Outros guardas ajuntaram-se no local. A polícia conseguiu chegar à parte externa do shopping e seis seguran?as corriam em dire??o da estranhíssima cena. Três deles se jogaram sobre o "louco fantasiado" - conforme disseram nas entrevistas subsequentes - nada conseguiram. O "fantasiado" se levantou com os três sobre si como se levantasse papel. Patrícia escapou, indo para a cal?ada na frente do shopping, descendo desenfreadamente as escadarias de acesso. Sentiu um profundo alívio quando se deparou com mais de doze viaturas da polícia fortemente armadas. Mais dois seguran?as saíram do shopping. Só que n?o voluntariamente. O pato psicopata emergiu como um bólido penoso pelas portas semiabertas. Doze escopetas, quinze fuzis, sete metralhadoras e quatro pistolas calibre trinta e oito foram imediatamente apontadas em dire??o à bicuda e obstinada criatura. - Paradas aí, você e a galinha gigante! M?os na cabe?a! Veio a voz policial. O pato obstinado fez que n?o ouviu. O pato iria morrer. Patrícia ainda corria quando do alto da escadaria o anseriforme se atirou em sua dire??o. Neste momento o nome de Pateelseer ecoou na sua mente. Havia um homem no interior daquele pato. Aquele anatídeo era mais que um pato. As metralhadoras rugiram amea?adoramente próximas, atingindo a criatura que caía sobre Patrícia. Os dois quedaram como patos sobre o resto da escadaria, enquanto o comandante da opera??o dava ordens que n?o atirassem enquanto a jornalista estivesse próxima do animal. Como o bico de um animal pode ser t?o duro assim? Pensava enquanto se recuperava do choque, próxima ao final da escadaria. Se patofobia tivesse um significado mais literal, n?o o de “medo de doen?as”, ela a teria contraído naquele entardecer. As penas brancas do pato patocida se tingiam de vermelho. Van Pateelseer tira alguma coisa de dentro do casaco e atira sobre os policiais. A explos?o de fuma?a torna todo o quarteir?o, uma noite londrina em dia cerra??o intensa. Levou cerca de seis minutos para que pudessem come?ar a enxergar alguma coisa no meio da fumaceira toda. Patrícia estava caída, tossindo quando um policial a levantou. As manchas de sangue pela cal?ada apontavam a dire??o que o pato havia tomado. Porém n?o conseguiram encontrá-lo. Patos selvagens n?o morrem sem luta. - Volta pato safado. Dessa vez eu vou estar te esperando. Patrícia Patomorphia - Já falei pela décima vez que eu n?o sei quem era ou o que queria aquele maluco. Patrícia estava ficando irritada com o interrogatório. Já estava ali a cerca de três horas naquela maldita delegacia, tentando explicar o inexplicável. O que ela iria registrar como queixa? "Na verdade fui perseguida por um homem que eu acredito ter ser transformado num pato em virtude de um experimento científico mal sucedido?" Ou "Na verdade eu fui raptada por um pato que pensa que é um homem?" Melhor ficar calada. A administra??o do shopping fazia uma arrua?a. Quem iria pagar os prejuízos? Lá fora estava pior. Colegas de profiss?o, as pencas, a esperavam, munidos da avidez com que os frequentadores de rodízio de pizza esperam a primeira fatia. Ela era a fatia. Quando finalmente a liberaram, foi cercada de inúmeros repórteres.- Como você se sente sendo perseguida pelo pato Donald? - Isso é tudo uma promo??o da Disney, n?o é mesmo? - Essa propaganda politicamente incorreta da propaga??o da violência e do caos nos centros urbanos é financiada pelo César Maia? - Isso é uma crítica a política econ?mica do governo, que age como um se fosse um pato fugindo do FMI em busca de uma resposta? - O pato era teu amigo? - ? verdade que teu apelido é “patinha”? Como uma patinha se sente sendo agarrada por um...? Patrícia n?o deu tempo para o último engra?adinho terminar com a "perguntinha cretina" a bofetada certeira jogou o entrevistador sobre o c?mera da rede Globo e sobre uma entrevistadora da Record. Patrícia entrou na viatura preparada para levá-la até sua casa, do outro lado da cidade. Dois batedores iriam à frente e um cambur?o seguiria o comboio. Teria prote??o policial naquela noite, pelo menos. A noite avan?ava. Devido a algum motivo, o engarrafamento no retorno era maior do que o de costume. O rádio da viatura avisou que teriam que desviar através duma rota alternativa. Outro comunicado. Um dos batedores aparentemente se perdeu e o seu rádio devia estar desligado. O segundo batedor desapareceu da vista no meio da escurid?o do atalho e n?o deu mais sinal. O policial achou estranho perder contato visual por tanto tempo. O rádio do segundo também n?o respondia. Resolveu chamar o cambur?o que vinha logo atrás. O cambur?o também n?o retornou a comunica??o. O policial resolveu parar. Deixou o carro ligado e em ponto morto. Os policiais com metralhadoras se levantaram e ficaram em pé do lado de fora do carro, assim como o que dirigia, no meio da estrada deserta. Um deles sorriu. Avistou o cambur?o se aproximando... Rápido... Demais. Deram sinal para que reduzisse a velocidade. N?o reduziu. Só tiveram tempo de pular para o lado quando o cambur?o bateu na traseira da viatura, jogando-a metros de distancia para frente na estrada. Algo estava errado. Muito errado. O cambur?o parou. Os policiais aturdidos se levantaram sem entender o que acontecera. Dentro do carro Patrícia buscava os documentos espalhados no fundo do carro, colocando a m?o na testa machucada. Sozinha no carro, olhou para trás do vidro traseiro espatifado, ouvindo o barulho das rodas do cambur?o comendo o asfalto, esfuma?ando. Patrícia pulou para o volante. O carro ainda funcionava. Engrenou e pisou fundo no acelerador enquanto o enlouquecido motorista do cambur?o vinha a toda em sua dire??o, sob uma rajada de balas dos policiais na estrada. Patrícia já sabia quem era que dirigia aquele cambur?o. Pato patife. A duas quadras dali ficava a casa de seus pais. O pato já tinha dado duas batidas na sua traseira. Patrícia viu uma metralhadora no banco do carona. Tentou pegar com uma das m?os. O Pato bateu de novo na traseira da viatura com o cambur?o. A metralhadora caiu na frente do banco. O jeito era soltar o volante e tentar pegar ela assim mesmo. Foi o que fêz. Com o pé pisando fundo o acelerador ela soltou o volante e se inclinou para pegar a metralhadora. O carro desviou para a direita a uma quadra da casa de seus pais. Quando Patrícia ergueu a cabe?a viu a pracinha e a feira artesanal. Infelizmente, era tarde para desviar. O carro subiu o meio-fio, entrou na pra?a, atropelou uma barraca de cachorro-quente, foi em dire??o ao tecladista que tocava para animar os presentes, que pulou desesperado para a esquerda. O teclado, um Roland JV-1000, dois pedestais de microfone, uma torre de som (com processador de efeito da Alesis) e uma estante cromada voaram a treze metros de altura. [nota do autor: se eu fosse filmar essa cena, o teclado ia ser um Cassio e teria no máximo um amplificador sem-vergonha, destes, comprados de quinta m?o]. Mais duas barracas de salgados e o carro estava na rua novamente. Pelo retrovisor Patrícia ainda viu o teclado se espatifando sobre o cambur?o com o pato obstinado. Virou de costas com a metralhadora na m?o direita e disparou. O que restava dos vidros traseiros espalhava-se na pista enquanto os faróis do cambur?o eram despeda?ados. Acertou os pneus também. Pena n?o dar para dirigir e atirar ao mesmo tempo. A viatura entrou adentro de um supermercado. Atropelou uma estante de carrinhos e foi parar na se??o de congelados. Duas toneladas de frios foram lan?adas na panificadora do supermercado com a pancada. Sorte que era dia de limpeza. Patrícia saiu do carro, pisando em falso por causa do gelo espalhado pelo ch?o. A metralhadora ainda estava em suas m?os. Silêncio. Patrícia olhava ao redor esperando o cambur?o chegar. O cambur?o n?o chegou. As luzes do supermercado se apagaram. O pato homicida chegou. O barulho de suas patas se arrastando pelo ch?o era inconfundível. Aproximando-se... Lentamente.... No meio da penumbra o pato apareceu. Arrastando uma das patas e encurvado. Patrícia mirou a metralhadora aterrorizada. As balas haviam acabado. Largou a metralhadora no piso. Patrícia tentou correr, mas n?o conseguiu. Caiu no ch?o, uma das pernas n?o respondia mais. O pato veio se aproximando enquanto as cenas de sua inf?ncia inundavam sua mente. Van Patelseer parou do lado de Patrícia. Esta n?o se conteve e gritou: - Vai, pato desgra?ado! Termina logo com o que você queria fazer. O Pato se inclina em dire??o a Patrícia. Ferido. Mortalmente. Segura sua m?o direita e a arrasta para perto de si. Pega ent?o uma minigravador contendo uma fita cassete. Abre a m?o de Patrícia e o coloca ali. Ent?o fala com sua voz rouca:- Sua entrevista, Patinha. Levanta-se, ainda se arrastando, sumindo em meio da escurid?o. No meio do supermercado uma jornalista grita sendo ouvida somente pelos guardas que correm em sua dire??o: - Patinha é a tua m?e!... Seu pato miserável!TSAR IVANIvan Krylov havia recebido esse nome em homenagem ao antigo escritor de contos russos. Estava para viver um dia de grande aventura. Lan?a um balde de água sobre a cabine de comando de seu velho MIG 17, aguardando a chegada da comitiva formada de oficiais do alto escal?o, membros da KGB e políticos de renome do governo Russo. Os port?es da base em Moscou abriram-se e a gigantesca comitiva conduzindo o premier vem ao seu encontro. Nikíta Syerguêievitch Khruchtchof, distraído, relembrava que até a juventude trabalhara em fábricas próximas aquele aeroporto militar. Toda a regi?o era somente um campo de girassóis, na mesma época quando a intensa gritaria da revolu??o Bolchevique de 1917 o conduziu ao Exército Vermelho. Nervosamente repetia, cerrando os dentes: “V?o aprender a respeitar a m?e Kuska...”. Sem seguir ao extenso protocolo, apertou as m?os de Igor, Kuchenko e Ivan, pilotos dos ca?as que varreriam a regi?o do v?o a frente do TU-95, o “urso”, como a OTAN apelidara ao gigantesco bombardeio, Subiu após a cerim?nia no veículo oficial e seguiu para o Kremlim. Poucos minutos após a partida dos ca?as, Informa??es oficiais anunciavam que o “urso” já estava a menos de 700 quil?metros do ponto de impacto escolhido para a m?e de todas as bombas.? Os cientistas refizeram dezenas de vezes os cálculos imaginando se realmente o avi?o alcan?aria os sessenta quil?metros de distancia segura, já na altitude de 12 mil metros, quando o apetrecho apocalíptico explodisse.? Nova Zembra, a ilha onde seria lan?ada a bomba de hidrogênio, ficava a mais de 2350 km de Moscou, e a 1000 km da Finl?ndia. Era uma remota ilha no circulo ártico há centenas de km da comunidade humana mais próxima, já sem habitantes desde 1955, quando iniciaram na ilha os testes nucleares Uni?o Soviética, duzentos e vinte e quatro testes ao todo. Este seria o ultimo. Cerca de 100 km de distancia do vórtice da explos?o uma pessoa de pé sofreria queimaduras de terceiro grau. A press?o no solo abaixo bomba, que explodiria a 4500 metros de altura, alcan?aria quarenta vezes a press?o atmosférica. A crosta terrestre nas imedia??es sofreria um terremoto de 5,5 graus na escala Richter. Na distante Finl?ndia janelas quebrariam e no centro da explos?o a temperatura seria a do sol.? Os ventos criados varreriam centenas de quil?metros e o brilho da explos?o seria visto mais de 1000 km de distancia. A 220 km de distancia um observador sofreria o impacto da onda de calor gerada e só n?o ficaria cego se utilizasse óculos especiais. A potencia de 57 megatons da bomba de hidrogênio a ser testada equivalia a explos?o de um cubo de explosivos do tipo TNT da altura da Torre Eiffel. O paraquedas de IVAN, como chamavam ao monstro, sozinho, pesava cerca de 800 quilos. Em alguns segundos for?as incompreensíveis seriam liberadas sobre o norte da Rússia. Fora os dois pilotos dos avi?es, n?o havia outros seres humanos a menos que 220 km da regi?o.? Assim imaginavam. Até que um dos MIG 19 que acompanham ao bombardeio realizou um v?o rasante sobre o antigo povoado de Severny. E verificou ali uma fogueira acesa.?O comunicado do? piloto soou como uma velha piada. O Povo samoyeda, como era denominado aos nemets, parte de antigas popula??es indígenas da regi?o foram afastadas para outras regi?es na época da integra??o Stalinista. Um oficial ofegante lê? a nota reenviada para o premier russo.? Nikita o lê e volta seus olhos para a nevasca que varre a lateral do Kremlin. Sem demonstrar nenhuma emo??o ordena que o teste continue e que os ca?as dirijam-se para a base próxima na Sibéria. O aviso é concedido, assim como a libera??o final para o teste at?mico, mas um dos pilotos solicita temerosamente mais 10 minutos ao chefe de estado.? Os oficiais que ouvem a contraordem sabem qual será a resposta. Nikita Khruchtchof? n?o irá voltar atrás em sua ordem. Mesmo assim encaminham o que o piloto pediu. Sem tirar os olhos da janela Nikita retruca:- A m?e Kuska já aguardou tempo demais. Prossigam com o teste.A ordem aos pilotos é clara e o tempo de fuga que possuem é muito limitado. Igor e Kuchenko tentam convencer a Ivan que retorne a base. N?o há condi??o de pouso, n?o há tempo factível de resgate e nem chance de sobrevivência de quem permanecer num raio de 100 km da explos?o. Eles estavam a apenas 55 km. Sem sucesso no diálogo, dois ca?as retornam a base, enquanto o piloto do terceiro ca?a decide dar um ultimo voo sobre o vilarejo. De relance avista o que parece ser uma família sinalizando. Sabe que, quando a bomba explodir, toda a regi?o será devastada. O ousado piloto faz uma curva levando o velho MIG 17 ao limite de sua estabilidade. Observa atento aos seus controles e num ato impensado puxa a alavanca de eje??o. A poltrona explode para fora do avi?o enquanto o MIG sem piloto ruma para as montanhas desabitadas da regi?o. O paraquedas se abre e o piloto come?a a procurar o melhor ponto onde irá cair, em meio ao vilarejo abandonado.Alguns equipamentos perderam-se durante a queda. Menos o seu relógio mec?nico, que ainda funciona, quando aterrissa desajeitadamente no solo. Restavam menos de 5 minutos para a detona??o. Retirando de si o equipamento, admitia a infeliz mania de grandeza dos seus compatriotas. A bomba pesava mais de 27 toneladas. Apelidaram-na de Tsar bomba “a grande bomba”.?O título inspirava-se em Tsar Kilokol, o maior sino fundido existente, criado por Ivan Motorin, quebrado num incêndio em 1737. Um peda?o de 11 toneladas se desprendera dele. Enterraram a aberra??o, mas em 1836 fora exumado de sua cova por um arquiteto francês. Lembrava como o admirava quando menino, ao lado da torre de Ivan, ao lado do Kremelin.Nikita ouviu que um dos pilotos dos MIG?s n?o voltara a se comunicar, fixando seus olhos, inexplicavelmente no velho sino ao lado da torre norte. A torre de Ivan. Por uma terrível coincidência o piloto come?ava a ter raiva de seu nome de batismo. Ivan Krylov. Seus pais pertenceram a Igreja Ortodoxa Russa e ele realmente fora batizado. Alcan?aram ao local onde havia avistado a fogueira, uns 600 metros de onde caíra. Duas crian?as nemets corriam na sua dire??o, pronunciando o velho dialeto da regi?o. Vestidos com peles, de lisos cabelos negros. Uma menina de cerca de seis anos e um garoto que aparentava ter quatro, pediam ajuda naquela língua que só ouvira na sua adolescência, numa viagem a Kandalaksha. Sabendo do pouco tempo que restava para a hecatombe, Ivan corre com as crian?as, que o conduzem para a fogueira onde encontra uma jovem de olhos azuis, vestida em peles, que parecia n?o ter mais que vinte anos, com um extenso ferimento numa das pernas, como se tivesse sido atacada por um grande animal. Ela estava próxima a um cachorro peludo e branco, que come?a a latir quando Ivan se aproxima. O cachorro foi acalmado pelas crian?as. Ivan ajoelha-se próximo a mo?a, que está febril. O relógio mostra que em dois minutos tudo ao seu redor deixará de existir. A jovem delirava, entoando uma can??o.? N?o compreendia seu dialeto, mas, a melodia antiga lhe era muito familiar. Em sua terra natal morava uma velha senhora que cantava, em russo, essa mesma melodia nas festividades. ?“Toda a vastid?o dos sonhos das terras desconhecidas, maravilha-me ao anoitecer, filho do sol e da lua, n?o s?o tuas nossas can??es, n?o s?o nossas tuas vis?es?”Ivan meditava que estava há dois minutos para o fim de tudo, no mais longínquo dos lugares, ouvindo a última can??o da existência, com uma família que apesar de nunca ter conhecido antes, agora se tornara tudo que possuía. Ao longe ouvia o ruído esparso do ronco dos motores do “urso”. Pegando os binóculos viu um minúsculo para quedas, o gigante era distorcido pela tremenda dist?ncia. ?Olhou ao redor sem esperan?a, contudo além da longa e negra cabeleira da? nativa, após a taiga, em meio à tundra, viu algo. Uma pequena forma??o rochosa. Ou talvez o que n?o pudesse ver, invisível e encoberto fosse a resposta a impossibilidade. Ivan Acena para as crian?as e toma abruptamente a mo?a, lan?ando-a sobre as costas após deixar de lado o equipamento. Ele grita às crian?as para que corressem.? O relógio indicava que n?o havia como escaparem. A Tsar bomba era 750 vezes mais poderosa que as bombas que atingiram Hiroshima e Nagasaki. Corria desesperadamente com a mo?a nas costas, as crian?as gritando, seguidas pelo c?o peludo. Atingiu a entrada da floresta e a extens?o rochosa. Na parede de rochas engastada logo diante deles, a entrada de uma caverna.? Neste instante o mundo irrompe em luminosidade. Uma luz inadmissível varria o céu... Ao ruído ensurdecedor e ao tremor que se seguia, entraram na caverna e deslizaram centenas de metros para seu interior, enquanto do lado de fora ventos de 320 km por hora varriam da face da terra o que ainda restava do vilarejo.A bola de fogo gerada pela explos?o tocou o solo e quase alcan?ou a mesma altitude do “urso”, que tremeu vigorosamente por quase 40 segundos. Ela podia ser vista a mais de 1.000?km de dist?ncia. A nuvem em forma de cogumelo que se seguiu chegou a 60?km de altura e a 35?km de largura. Na Finl?ndia dezenas de prédios perderiam suas vidra?asNikíta Syerguêievitch Khruchtchof sorria satisfeito com a notícia. “Temei a m?e Kuska, camaradas. Temei...”Dois dias depois duas crian?as, um piloto e uma jovem nemet emergiam da gigantesca caverna. Ivan levaria cerca de dois meses, um urso polar e seis renas para conseguir chegar até a base da Sibéria. A nativa se chamava Anahnah. Quando se casassem anos após, Ivan a chamaria de Anna. Ainda hoje ela entoa o antigo c?ntico. Após 300 páginas de relatórios, meses de exames e extensa investiga??o inocentaram a Ivan. O relato oficial conta que a pulso eletromagnético gerado anulou os sistemas elétricos do velho MIG causando a sua queda. Ivan recebeu um novo avi?o um MIG 23. Os antigos companheiros de miss?o desenharam nele um gigantesco sino rachado e ao lado uma pequena frase. “Tsar Ivan”A M?O ESTENDIDA DE POOJAA velha linha de ?nibus deixava seu penúltimo passageiro na poeirenta estrada do subúrbio de Punjab. Era próximo da meia-noite e os dois últimos passageiros sentavam-se em lados opostos do velho ?nibus. A menina de cabelos ondulados e de longo sari vermelho, segurava uma bolsa dourada. Sentava-se dois bancos atrás do motorista, cochilava uma vez por outra e no restante do tempo observava a chuva que batia nos vidros das janelas fechadas. O homem no banco do lado oposto do ?nibus vestia um sobretudo negro, carregava uma bengala negra de ponta prateada e aparentava ter trinta e poucos anos. Por grande parte da viagem o homem observara a jovem sem que ele fosse notado pela mesma, voltando seus olhos para um relógio de bolso que retirava do sobretudo em alguns momentos. A estrada ficava cada vez mais escura na medida em que o ?nibus se desviava das po?as de lama em dire??o ao ponto final. O homem observa uma ultima vez ao relógio, levanta-se em dire??o a jovem sentada a sua direita e pedindo sua licen?a assenta-se ao seu lado. Ela sorri e lhe concede o lugar. Ent?o se inicia um estranho dialogo.- Boa noite, Pooja Kapoor. Diz o homem de sobretudo preto.A jovem espantada olha para o homem que lhe sorri, sem reconhecê-lo.- Perd?o, nós nos conhecemos de algum lugar?- Eu diria que nos encontramos algumas vezes, uma no dia em que você nasceu, duas quando você era somente uma crian?a, uma vez na sua adolescência. Mas, n?o creio que você venha a se lembrar de mim. - N?o, é verdade. O senhor é conhecido de minha família?- Oh! Sim. Bastante. Conheci seus avós por parte de m?e. Tive um encontro com eles. Também com seus bisavós. E com os que vieram antes deles, a lista é bem longa.- O senhor n?o aparenta ser t?o idoso assim! Quantos anos o senhor possui?- Você n?o creia se lhe dissesse. Mas, deixemos de formalidades, o que me trás aqui depois de tantos anos é que venho lhe dar uma triste noticia. Minha triste miss?o. Essa noite Pooja Kapoor, é a noite em que você morrerá. A jovem olha espantada para o homem que fala com ela procurando alguma express?o de ironia ou sarcasmo na voz, mas, o que observa é um tom de profunda convic??o. - Como assim! Este ?nibus vai ser atacado por algum grupo? Porque o senhor está afirmando tais coisas?- Minha miss?o. ? o que fa?o, eu sou enviado quando uma coisa destas está para acontecer. - N?o pode ser! Ninguém na minha família sonhou nada! Quem é você, como pode afirmar alguma coisa como essa? Você é um mago, um butha (antigo fantasma hindu)?- N?o. Nenhuma dessas coisas. E está chegando sua hora. A hora de todos os seres chega. Diga adeus a esse mundo Pooja.A jovem tremendo e assustada coloca as m?os no rosto. Entretanto, repentinamente para de tremer. Suavemente abaixa os bra?os olhando firmemente para o emissário. - N?o é chegada minha hora. - Nunca errei antes, querida mo?a. Na verdade n?o sou um mensageiro. Sou um executor. Minha presen?a n?o é um aviso. Eu sou a morte.- Sei quem você é. Mas, repito que n?o é chegada minha hora. Neste momento a voz da jovem se torna mais firme. Mais poderosa. A morte fita seus olhos e vê que ela n?o está blefando. Acredita no que afirma. Contudo é somente uma condi??o humana. Diante dela a própria esperan?a cambaleia. Sempre foi assim. A morte estende sua m?o para sua bengala que já n?o é mais uma bengala. Sua forma vai ficando mais e mais aterrorizante. Ent?o estende sua vara em dire??o a jovem. Porém antes de tocá-la, a morte hesita. A jovem se levantou no banco e sorri para ela. Estranhamente sorri. E deixando sua bolsa dourada de lado estende-lhe sua m?o direita. E fala desafiadoramente:- Toca em mim. Mas, n?o é chegada minha hora. N?o fostes enviada para mim. Fixando os olhos nele: - Eu fui enviada para ti.O poder que destrói os homens observa a pequena m?o estendida em sua dire??o. Olha a forma humana a sua frente e vasculha as regi?es do tempo, das dimens?es e do espa?o. E tudo que vê é somente uma menina de origem humana estendendo-lhe sua pequena m?o. Nada mais que fragilidade diante de poderes desconhecidos.- Você é somente uma menina. Eu vejo teu presente, assim como estive no dia em que nascestes. Ou no dia em que teus pais nasceram. Quando teus antepassados migraram a milhares de anos ainda nos antigos reinos dos Vales do Indo. Quando eu te tocar você se encontrará com teus ancestrais. - N?o. Quando você me tocar, você deixará de existir. - Você n?o compreende. Eu fa?o parte do universo. Enquanto o universo que vês existir, eu existirei. Nada pode impedir meu curso e nem minha finalidade. Se eu te tocar é você que deixará de existir. E eu seguirei meu caminho. Meu sombrio caminho. Meu triste caminho. Sempre foi assim. E assim será. A jovem a encara e adverte ousadamente a morte:- Se você me tocar, você terminará.A morte olha ao redor de si, o mesmo ?nibus, a velha estrada e a chuva que cai incessante na faixa de terra entre as cidades de Amritsar, e Jalandhar. E olha em dire??o a pequena m?o estendida da jovem á sua frente. Levanta seus olhos para o alto e contempla sobre sua cabe?a a constela??o de Orion. Lan?a seus olhos sobre os abismos e vislumbra as regi?es da morte. Ent?o pega mais uma vez seu relógio e vê o horário nele demarcado.Levanta sua arma, entretanto, antes fixa seus olhos - além da fragilidade humana da jovem Bengali - com uma das m?os assustadoramente levantada em sua dire??o. As pulseiras em seus bra?os balan?am a cada movimento do antigo ?nibus. E olha dentro de seu cora??o.S?o cerca de meia a noite e meia e o ?nibus chega em seu ponto final Anjali e Priya aguardam junto com a m?e e seu pai a chegada da irm? mais velha nas cercanias de Amritsar, munidas de grandes guarda-chuvas, sem esconder sua tremenda ansiedade.Pooja parece estar dormindo sobre o segundo banco atrás do motorista. A gritaria come?a quando o ?nibus para e lentamente a rapariga abre seus bra?os, se espregui?ando e logo desperta pulando de alegria ao ver seus parentes e sua irm?.Ent?o desce correndo do ?nibus para abra?á-los...Do outro lado da rua uma figura sinistra observa a cena demonstrando uma impressionante indigna??o. O ser sem rosto e sem nome observa a família, atentamente. Ainda treme descontroladamente. Suas m?os n?o conseguem ainda levantar a antiga foice. Por um instante ela imagina o que teria acontecido se tivesse segurado a m?o de Pooja.E em meio a um terror inimaginável desaparece em meio à escurid?o...O motorista que nada vira acontecer, ignorando tudo que até ali ocorrera, sorri discretamente. Segura o volante com ambas as suas m?os, que possuem estranhas marcas nos pulsos. Pisa fortemente no acelerador com sua sandália que permite ver em seu pé uma antiga cicatriz de perfura??o. Olhando ternamente para os familiares abra?ados, envia um beijo para Pooja, que como se movida por uma m?o invisível, olha para trás, ainda a tempo de ver os cabelos compridos do motorista e seu estranho uniforme, enquanto o velho ?nibus desaparece em meio à chuva torrencial...Ent?o Pooja ajunta suas pequenas m?os e murmura em forma de prece:- Namaste!Ao longe o motorista sorri. Um largo, grandioso e espetacular sorriso.A HIST?RIA DO CACHORRO VELHO E DO CACHORRO NOVOA história do cachorro velho e do cachorro novo.Dois cachorros, um jovem e outro velho fugiam pelas estradas de terra batida em dire??o a um antigo vilarejo em Punjab. Atrás deles uma manada de elefantes indianos com cerca de cinquenta paquidermes correndo, por sua vez perseguidos por dois imensos tigres de Bengala. Um dos tigres era albino e o outro por alguma estranha anomalia era negro com listras brancas. A frente do frenético grupo de animais uma pequena aldeia com mulheres, crian?as, jovens e anci?os que passava por grave período de seca.? Bem a frente da manada de elefantes corriam os dois cachorros, e entraram esbaforidos na velha aldeia. Havia um cerimonial ocorrendo na pra?a da aldeia ao redor de uma grande fogueira, quando os alde?es viram os dois cachorros, tendo em vista a grande crise pela qual passava a aldeia decidiram perseguir os animais. O grupo de jovens foi atrás do cachorro novo e o grupo de anci?os atrás do cachorro velho. Assim que saíram as mulheres viram a grande manada que vinha em sua dire??o. Tendo que proteger as crian?as elas decidem tentar afugentar os elefantes e se dividem em três grupos: o primeiro sai da aldeia batendo todo tipo de objeto de cobre, panelas, bacias, pratos e chacoalhando as pulseiras. O segundo grupo de mulheres, as mo?as, pegam paus e ateiam fogo a eles, correndo em dire??o á manada com tochas acesas e o terceiro grupo grita com agudos sons das vozes das orientais. Os tigres vendo que n?o tem sucesso se atirando sobre os traseiros e rabos dos paquidermes, ora sendo arrastados, ora caindo ou escorregando, decidem passar o grupo e atacar pela frente, correndo pelas laterais da manada. Pela esquerda vai o tigre albino e pela direita vai o tigre negro com listras brancas. Os cachorros voltam pelo meio da aldeia, passam esbaforidos pelas crian?as no meio dela e voam literalmente em dire??o ao grupo de mulheres que justamente vai em dire??o aos elefantes, ainda perseguidos pelos grupos de homens que agora num grupo corre em sua dire??o.Os tigres passam pelas mulheres, em dire??o aos cachorros e percebem o cheiro das crian?as no meio da aldeia.Os elefantes alcan?am as mulheres, os tigres ficam frente a frente com os cachorros, os homens na retaguarda fecham o cerco entre os tigres e os cachorros, espantados pelo ruído ensurdecedor dos elefantes, os seus gritos, o alarido das mulheres e por fim pela vis?o dos tigres. Os cachorros trombam com os tigres.As mulheres avan?am pelo meio dos elefantes desorientados que agora formam dois grupos, ainda correndo em dire??o da aldeia.Uma das crian?as foge dos abrigos e vai para o meio da aldeiaOs alde?es mais jovens correm em dire??o da aldeia para resgatar as crian?as.Os mais velhos deixam de perseguir aos cachorros e partem em dire??o aos tigres. Os tigres acuados fogem Os elefantes alcan?am a aldeia, alguns deles, poucos, pois a maioria foi dispersa pelas mulheres.As crian?as foram resgatadas pelos jovensMenos uma. Os elefantes atravessam a aldeia destruindo tudo por onde passam.Um dos elefantes corre em dire??o a única crian?a que sobrou no meio do vilarejoAs mulheres est?o ainda fora da aldeia, os anci?os correndo atrás dos tigres e os jovens protegendo as crian?as.Mas, antes que o ultimo paquiderme esmague a crian?a dois cachorros se atiram na tromba do elefante. E o afastam.O cachorro velho é jogado para longe enquanto a crian?a é arrastada pelo cachorro novo.As mo?as com as tochas enfim afugentam o elefanteA velha aldeia foi reconstruída. Ainda hoje os jovens brincam com um cachorro bem velho que habita livremente todas as casas que quiser escolher da antiga aldeia, mas, que sempre dorme na entrada da cidade. Sempre perto de onde foi enterrado, um cachorro amigo,Que ele conhecera há muito tempo atrás. TAMAR O plano concebido por Tamar tem que funcionar com a precis?o de um relógio at?mico. Ela corre contra o relógio, contra as probabilidades e contra o absurdo risco que assumiu no maior ato de loucura de toda sua existencia. Seu plano envolvia a quebra do voto de viuvez, o rompimento do compromisso do levirato, o disfar?e, uma no??o de distancias e tempos para percorrer, tornar-se prostituta e resgatar a honra. Poderia uma prostituta, após prostituir-se, voltar a ser como era antes, anulando sua prostitui??o? O plano envolvia tornar-se culpada. Envolvia ser condenada a morte. Rebelar-se contra sua cultura e contra sua posi??o social, e mesmo após a condena??o a morte, levando em seu corpo a prova cabal de sua acusa??o, ganhar um causa impossivel diante do mesmo juiz que a haveria de condenar.Os pastores de ovelhas chegaram há alguns anos em sua regi?o nas fronteiras do Libano. Falavam a língua dos cananeus e habitavam em tendas como os arameus. O patriarca do grupo se chamava Judá. Possuia três filhos adolescentes e uma filha primogenita de nome impronunciável. Tamar se apixonou pelo filho mais velho e seus pais logo perceberam que poderiam usar esse interesse da mais irriquieta e impulsiva de suas filhas para conseguir um casamento arranjado. Ao menos parcialmente arranjado. Após anos de frustadas tentativas de conseguir noivos que se interessassem por Tamar, apesar de sua grande beleza. Sua teimosia e genio forte destoavam das premissas culturais desejáveis para desposar uma mulher naquela época. Mas, os visitantes n?o haviam vivido naquelas bandas e certamente n?o tinham conhecimento ainda de todas as situa??es constrangedoras nas quais Tamar havia se envolvido desde sua meninice.Vale de EllahApesar de Judá possuir uma filha mais velha, seu filho era considerado o primogenito. E é por ele que tamr se interessou. Os pais convidam a Judá para conhecer a família e oferecem Tamar como noiva para seu filho, oferecendo o maior dote que suas condi??es lhe permitiam. Judá concorda. O casamento é feito conforme os ritos da regi?o. A caravana de Judá parte em dire??o ao vale de Elah, próximo a cidade de Adul?o, onde moraria pelos anos posteriores. Algumas semanas após o casamento uma tragédia acontece. Depois de um após trágico acidente o filho de Judá morreu, sem ainda ter tido tempo de gerar filhos. Conforme as leis e costumes da época o irm?o de idade mais próxima ao do filho morto deveria assumir a viuva para que o nome de seu irm?o tivesse continuidade sobre a terra. As mulheres n?o possuiam tal privilégio. Somente os homens davam nome as suas descendencias e somente um filho poderia dar continuidade a linhagem de um determinado cl?. Os bens e posses do filho n?o poderiam ser herdados se Tamar n?o tivesse filhos. Onan, o segundo filho de Judá n?o ficou satisfeito com aquela situa??o. N?o tinha interesse em assumir uma responsabilidade com aquela e n?o queria ter filhos que n?o fossem para cuidar de seus futuros direitos. Menos um irm?o – pensava - maior seria a parcela das posses, dos rebanhos e escravos que herdaria de seus pais. Se Tamar engravidasse os filhos que ela tivesse seriam como filhos do irm?o que morrera. Receberiam o nome do irm?o como sobrenome e n?o o dele. Mas, Tamar era linda. N?o necessitava negar-lhe as obriga??es de marido. Ele poderia aproveitar-se ainda da situa??o desde que tivesse o devido cuidado de n?o gerar filhos. Na antiguidade o único método contraceptivo conhecido era se o homem ao fazer sexo interrompesse o ato e despejasse o semem no solo. Porque n?o confiavam que a roupa contaminada pudesse impedir que uma mulher engravidasse. E ele o fazia conscientemente. Tamar n?o entendia porque ele agia assim. Era jovem e n?o tivera filhos ainda, n?o participava do circulo de mulheres que já entendiam porque um homem agiria assim. E culpava-se a si mesmo dia após dia por n?o ser fértil o suficiente para conceber em nome de seu esposo falecido. Mas, Onan pagou um alto pre?o por sua vilania. Acometido de subida enfermidade, ele morre. Judá havia perdido num curto período dois filhos que amava muito. Sem entender porque tal coisa acontecera imaginava que aquela mo?a era amaldi?oada. Essa deveria ser a única explica??o que sua consciência culpada conseguia elaborar. Embora seus próprios atos n?o justificassem tal preocupa??o. Há mais de 10 anos vivia sob o peso de grande injusti?a cometida contra seu irm?o chamado José, a quem vendera a uma caravana de mercadores de escravos que seguiam em dire??o ao Egito. A lei do Levirato n?o impunha limita??es ao numero de irm?os que poderiam desposar a mulher de um irm?o falecido. Judá possuía ainda um filho preadolescente. Porém n?o quer arriscar a vida dele com aquela nora azarada. Conforme o costume local a mo?a é vestida de branco com um véu que cobre sua nuca e é conduzida a sua antiga residencia, a casa de seus pais. Podemos imaginar a chegada de Tamar à casa de seus pais, envolta em vestes de viuvez. Uma mulher casa pertencia desde a antiguidade a família dos parentes do esposo. Ela saira como uma filha, tragicamente voltava como uma estranha. Tamar estava entre dois mundos. Rejeitada pelos familiares do esposo, no caso, seu sogro, n?o possuía espa?o em seu antigo lar. Judá diz que ela deverá se guardar como viúva até a época em que seu filho menor, Selá, estiver na idade de casar. Os anos passam e o rapaz prometido a Tamar cresce e atinge a maturidade. E nada mais acontece. Poucos falam a respeito de sua viuvez. Poucos falam com ela sobre o futuro. Seus pais a receberam numa situa??o dolorosa. Tamar sente vergonha. Sentia-se e era tratada como se fosse um fardo a mais a ser carregado por ambas as famílias. A sua e a de Judá. N?o havia tido filhos e nem trouxera através disso honra aos seus pais. Na sua época a mulher que n?o tinha filhos era considerada como desafortunada. Tamar era desprezada duplamente. Vivia praticamente sozinha e abandonada na casa de Judá. Um duro golpe ainda lhe restava. Uma das poucas pessoas que lhe dava aten??o, e que a acudira nas horas de solid?o, era também uma figura quase que esquecida. A filha de Judá se tornara sua grande amiga. Sempre que podia cantavam juntas, brincavam e foi com ela que se tornou fluente na língua dos cananeus. Até que a jovem hebréia adoeceu e morreu. (O texto que narra a história dos patriarcas de Israel deixa claro a posi??o da mulher na esfera cultural de sua época. A filha de Judá n?o é nomeada e n?o é festejado seu nascimento. E só viemos a saber de sua existência porque foi grafado que ela morreu.)Judá a queima numa pira funerária, inconsolável. Perdera dois rapazes e uma filha nos poucos anos em que estivera naquelas terras longínquas. Procurando n?o pensar em todos os acontecimentos trágicos dos últimos anos decide fazer uma viagem de trabalho para realizar a tosquia e a venda de l? de suas ovelhas.E avisam a Tamar que Judá está a caminho do vale de Timna.E Tamar irá colocar o seu louco plano em prática.Seus pais moram em Quezite. Aczibe dos mapas atuais. Fronteira com o Líbano. A casa de seu sogro dista 300 km, situada no vale de Elah. Se tudo correr segundo o plano... Um dia ela retornará ao fabuloso vale. O famoso vale das sombras, como era chamado. O local onde Judá irá tosquiar as ovelhas fica ao sul do país cerca de 600 km de distancia. Informada das inten??es de seu sogro por servi?ais fiéis ela precisa vencer uma distancia que é o dobro daquela que ele percorrerá... na metade do tempo! Terá que ir por caminhos distintos, seguindo a costa de Cana?, passando pelo território de pelo menos sete na??es estrangeiras, muitas delas hostis à estrangeiros. Terá que enfrentar os perigos dos salteadores das regi?es mais ermas de sua terra. E conseguir essa fa?anha - duas vezes seguida. Ida e na volta. Timna é uma cidade estrangeira habitada por um povo que um dia odiará os descendentes de Israel. A cidade de mulheres belíssimas, local onde, centenas de anos após os eventos narrados, Sans?o escolhera sua futura esposa. Tamar corre contra o tempo passando por milhares de ovelhas que s?o levadas a Tinma de diversos lugares de Cana? antes que chegue o ver?o. A cidade é cercada de diversas palmeiras. E por um dia terá uma palmeira a mais. O nome Tamar significava “palmeira”. Um tipo especial de palmeira. A Tamareira. Tamar saíra da casa de seus pais ainda vestida como viúva. Porém, assim que iniciou sua aventura vestiu-se como uma mulher comum. Informada da chegada das ovelhas de seu sogro ao vale dos tosquiadores ela mudará suas vestes mais uma vez. Tamar pintará seus olhos e a boca com os cosméticos de sua época. Perfuma-se com mirra e coloca vários adornos, braceletes e roupas que caracterizavam um tipo especial de conduta de sua época. A prostitui??o. Tamar se adorna, vestindo-se como uma prostituta, indo para o local onde sabe que Judá terá que passar ao se dirigir para a cidade. A escolha do lugar é essencial, ela n?o pode ser vista por outros pastores, ou tentar?o for?á-la a se prostituir. Para o que ela intenta fazer Judá deverá manter determinada distancia do rebanho, suficiente para ela fugir antes que entenda o que lhe aconteceu. Tamar terá uma única chance olhar e seduzir ao sogro. Um único olhar. E n?o poderá ser reconhecida por ele. Ela estará usando véu. Ela percebe sua chegada, se levanta e caminha sensualmente em sua dire??o. Judá a reconhece como prostituta e é seduzido por ela. Pergunta qual é o valor de seus servi?os. O que Tamar pede é parte de sua estratégia. N?o poderá pedir nada que Judá tenha á m?o. N?o poderá ser dinheiro. Ela pede algo que sabe que ele gastará tempo para lhe trazer. Ela pede uma ovelha, sabendo que todas as suas ovelhas est?o no processo de tosquia. Ele concorda, só que revela que n?o poderá enviar-lhe se n?o ao entardecer. Ela age exatamente como se esperaria que uma mulher de sua classe agisse. Desconfia da proposta. E pede-lhe uma garantia. Ele pergunta o que ela gostaria que ele lhe desse como garantia. Esse é o segredo do plano de Tamar e aquilo que ela vai escolher significa sua vida ou a sua morte. Ela escolhe bens pessoais intransferíveis. O anel de Judá possui uma marca única, que ele usa para autenticar documentos. O cajado é de difícil fabrica??o e facilmente identificável pelo dono. Ele possuía a assinatura de seu possuidor. E um cord?o. Presente da esposa, da m?e ou de sua filha. Judá concorda, logo reaveria seus bens, deixando em seu poder os bens que ela solicita e consuma o ato com Tamar. Assim que sai dali e chega ao rebanho separa uma ovelha dele e o envia por m?os de servi?ais. Tamar já fugiu. Ela tem pouco tempo, 600 km a separam de sua residência. Judá vai pessoalmente ao local onde a encontrou e questiona os moradores locais obre a “prostituta” que ficava naquele lugar. Os moradores afirmam que ali jamais habitou ou trabalhou qualquer prostituta. Se ele encontrou alguma, ela era um fantasma. Após algumas horas de busca Judá, irritado reclama a perda de seus bens, dizendo: - Ela que fique com eles! E logo após segue seu caminho. Tamar vestiu suas vestes de viuvez chegando à casa de sua parentela, escondendo os pertences pessoais que adquirira. Ninguém pode descobrir tais bens. Se o que ela pretendeu n?o desse certo ela os queimaria. Se ela os perdesse e o que planejou ocorresse... ela seria queimada viva... Tamar ora intensamente aos deuses de seus antepassados para que tivesse sucesso. Sabendo, no entanto, que se eles respondessem, sua vida estaria por um fio. Os meses se passam e seu plano deu resultado. Tamar engravidou. O fato choca a todos os que ali est?o. Os pais tentam esconder a Tamar e convencê-la a ir embora dali. Ela se recusa terminantemente. Os parentes a acusam de suicida. Contudo ela afirma que sabe o que está fazendo. Judá é informado que Tamar está grávida. Porém cumpria um voto de viuvez e outro de Levirato. Estava ligada a seu filho mais novo, embora ele n?o tivesse autorizado ainda sua uni?o. Segundo os costumes vigentes naquela regi?o tinha o poder de julgar tais situa??es familiares. Isento de nenhum tipo de sentimento que n?o fosse a raiva, manda executá-la de modo terrível. Ordena que seja queimada viva, a condena??o prevista para o crime de adultério daqueles povos. Os anci?os de Adul?o apoiaram a sua decis?o. Estava previsto em lei. O que Tamar fizera a condenava em todas as culturas vigentes. Tamar bem sabia o que lhe aconteceria. Na noite anterior foi até os bens enterrados, os escavou e desenrolou. Judá vai pessoalmente até a casa dos pais de Tamar. E ordena que a lancem para fora de casa, para que seja queimada, enquanto a multid?o de curiosos que se aglomeram à frente da casa de seus pais... Os homens a carregam para fora. Tamar olha diretamente na face de seu acusador. Diante de todos levanta o cajado, o cord?o e o anel, mostrando-os aos pais, aos anci?os e a todos. Grita diante de todos, caminhando em dire??o a Judá: - Do homem de quem s?o estas coisas eu concebi! Conhece, pe?o-te, de quem é este selo, e este cord?o, e este cajado. Quando Jacó os segura em suas m?os e recebe de volta o que era seu algo mais acontece. Tamar n?o recebera e nem aceitará o valor por sua prostitui??o. Ao devolver os bens, ela já n?o podia ser considerada como tal. Deixava de ser uma prostituta, porque n?o se prostituira. Judá e só Judá fora o culpado de toda aquela situa??o. O juiz ent?o reverte a senten?a. Judá cai em si e ordena que n?o toquem nela. Tamar venceu. No mesmo vale onde um dia cairá em terra a cabe?a de um guerreiro filisteu de nome Golias pelas m?os de um jovem chamado Davi. No mesmo lugar onde um dia Salom?o passeará de m?os dadas com a rainha do reino de Sabáh. Retomou sua honra, a inocência, a liberdade, e a vida. A mo?a rejeitada agora era m?e. Retirou definitivamente suas vestes de viuvez. E próximo a Adul?o, no antigo vale de Elah, teve gêmeos. De seu primogênito Farés nasceria a dinastia de Davi. E de Davi descenderia Cristo.Baseado em Gênesis 38:1-30PING PENGOs estúdios possuem pouca verba para continuidade de suas produ??es. Por isso, geralmente a maior soma de efeitos especiais, qualidade de desenhos e computa??o gráfica, dire??o artística e musical, tudo se gasta em excesso no primeiro filme. No segundo e terceiro, a solu??o é conseguir um roteiro por um pre?o mais acessível, roteiro que gaste menos, gra?as a apertada verba da continua??o. Essa máxima para desenhos animados é quase uma regra. Aí é que entra nosso mágico. Ping Peng, um chinezinho franzino que trabalha, hora varrendo o ch?o do estudio, hora cozinhando para os dubles ( hora trabalhando como dublê de duble). Ping Peng é o camera-man auxiliar, trabalha nas horas vagas como continuista, é também dublador. Acabou de sair da turma de computa??o gráfica. Musico nas horas vagas, poeta, letrista, arranjador e roteirista, Ping Peng é o cara na hora da continua??o. Aquela fala sem gra?a na boca do personagem, aquele efeito que n?o tem nada, absolutamente nada a ver com a cena, aquela anima??o que devia ter 30 quadros por segundo e que foi reduzida a 20, tudo obra do esfor?ado Ping Peng. Porque é Ping Peng, sim, o grande e humilde chinezinho que ficará por trás de cada cena editada e das can??es compostas e cantadas muitas vezes por ele mesmo. Ping Peng cobra pouco. De noite ainda estuda artes cenicas, acorda cedo ainda de madrugada para realizar as montagens com explosivos na próxima cena de a??o, enquanto a tarde trabalha loucamente em sua mesa digitalizadora de sua velha esta??o gráfica da Silicon, doada por um estúdio que tinha percebido que em breve Ping Peng iría enfartar de tanto se matar sobre o velho computador, tentando fazer no Photoshop os efeitos especiais para a cena da continua??o de certo desenho de fic??o. Ping Peng come rápido a farinha que recebe de pagamento pelos seus trabalhos (ele mesmo produz seu próprio p?o, quando sobra tempo) enquanto com a m?o que ainda sobra (a outra fica mexendo a massa) esbo?a algumas semínimas na pauta improvisada que tem colocada na geladeira, procurando um espa?o na composi??o orquestral de sua autoria, para o oboé que pediram pra incluir de último momento. Ping Peng é incansável, um exemplo de profissional eclético que ganhou grande respeito ao ter terminado a cena final de “a Pequena Sereia II” tendo nas m?os somente um mouse (porque o teclado de sua velha esta??o queimou repentinamente). Fica ent?o nossa homenagem a esse personagem desconhecido, que deixa suas marcas atrás de cada produ??o, de cada imagem de uma continua??o. Ah! Os créditos finais também s?o incluídos por Ping Peng, que por contrato é impedido de colocar seu nome como participante das produ??es por ele assinadas.Ping Peng. Esse é seu nome.?O MENINO E O REL?GIOO garoto franzino com ascendência indígena corre como o vento noroeste pelo pequeno apartamento, carregando em suas pequenas m?os escondido entre seus dedos trêmulos seu pequeno tesouro surrupiado. Sua respira??o ofegante e seus olhos atentos de pupilas castanho-esverdeadas denunciam sua inquieta??o. O pequeno apartamento onde mora n?o lhe oferece o refugio adequado às suas destrutivas inten??es. Vasculha a sala, vê as mo?as escolhendo fotos nos magazines de moda de sua m?e costureira, que pinta tra?os vermelhos no papel pardo para definir os moldes das roupas tecidas sobre a mesa.?Ele sabe que ali n?o seria o lugar de seu ato mágico. Entra num dos quartos e surpreende outra freguesa que faz a prova de um vestido verde-lim?o, sorrindo para sua imagem elegante e esguia refletida no espelho de cristal que pertencera a sua tia-avó.?Sabe que ali também n?o seria o lugar de seu ato mágico. Finalmente, como a personagem Lúcia das cr?nicas de C.S.Lewis, vislumbra o humilde armário de duas portas no segundo quarto, encostado na parede pêssego, enfeitada com decalques feitos por rolo de pintor. Entra suas portas, fechando-a em seguida, deixando-se envolver por densa escurid?o, entre cabides, vestidos, meias, cal?as de brim. Suando em bicas, por causa do intenso calor daquela tarde de ver?o perdida no tempo.Na sombra do velho armário ele se entrega a irrealizável tarefa de desmontar o inconfundível objeto. O relógio despertador que pegara sobre a c?moda ao lado da cama de seus pais. Instrumento de medir o tempo anterior aos relógios digitais, absoluto em mecanismos da antiga arte da relojoaria mec?nica, pleno de pequeninas e exatas pe?as.?Com movimentos impossíveis, desprovido de ferramentas, auxiliado por fortes dentes, desmonta pacientemente as engrenagens que definem o tempo, enquanto sua m?e vasculha os c?modos à sua procura. O sol se p?e sobre a terra quando certa hora este coloca para fora do armário sua cabe?a suada com cabelos desgrenhados, olhar de cientista louco. O peda?o de gente sai com dezenas de pe?as em suas habilidosas m?os.?Ent?o, com sorriso de um guerreiro vitorioso, senta-se no ch?o de tacos de madeira, afastando as pe?as: os ponteiros; o espelho; o vidro; a mola em espiral; os parafusos; separando assim a preciosa engrenagem central com o polegar e o indicador.?Ele ent?o a posiciona no assoalho, com seu eixo tocando o piso e a borda dentada como uma asa estendida paralela ao ch?o de madeira.?Num vigoroso movimento a gira... Qual um pi?o perfeito que desconhece a resistência do ar. A exata engrenagem gira incansável, desprezando o tempo que um dia ajudou a medir. Até que sua m?e, horrorizada com a morte do bravo relógio, observa at?nita a tragédia espalhada no piso do quarto, essa mesma do despertador perdido, que seu filho com as m?os desnudas, num ato de ciência que mais parecia magia, desmontou...?Só pra fazer um pi?o...?The skinny kid with indigenous descent runs like the wind northwest to the small apartment, pressing his small hands hidden in his trembling fingers pinched her little treasure. His breathing and his eyes alert to greenish-brown eyes betray his uneasiness. The small apartment where he lives does not offer the appropriate refuge to their destructive intentions. Search inside the room, sees the girls picking photos for fashion magazines in her mother's seamstress, who paints red streaks in brown paper to define the terms of weaved cloth on the table.?He knows that there would not be the place of his magic act. Enter one of the rooms and other surprises customer who makes a test of a lime green dress, smiling at her slim and slender reflected in the mirror glass that belonged to her great-aunt.?Know that there would not be the place of his magic act. Finally, as the character Lucy chronicles of CS Lewis, sees the humble two-door cabinet in the second quarter against the wall peach, festooned with decals made by roll of painter. Enter your doors, closing it and then soak up the thick darkness, between hangers, dresses, socks, jeans. Sweating profusely, because of the intense heat of that summer afternoon lost in time.?In the shadow of the old cabinet he delivers the impossible task of dismantling the unmistakable object. The alarm clock that picks up on the dresser beside the bed of their parents. Instrument to measure the time before the digital clocks, absolute mechanisms of the ancient art of mechanical watch, full of tiny, precise parts.?With movement impossible, lacking tools, helped by strong teeth, patiently dismantles the gears that define the time, while his mother searches the rooms looking for her. The sun sets over the land when some hours this put out of the closet with your head sweaty disheveled hair, look of mad scientist. The portion of people out with dozens of pieces in their skillful hands.?Then, with smile of a victorious warrior, sits on the floor of parquet flooring, moving parts: the hands, the mirror, the glass, the coil spring, bolts, separating the precious central gear with the thumb and indicator.?He then places it on the floor, with its axis touching the floor and the edge bite as an extended wing parallel to the wooden floor.?In a vigorous movement to turn ... What a perfect pawn that ignores air resistance. The exact gear turns restless, despising the time a day helped to measure. Until his mother, horrified at the death of the brave clock, there stunned the tragedy spread on the floor of the room, the same clock lost her son with bare hands in an act of science that was more like magic, dismantled ...?Just to make a whipping-topPROJETO CODINOME O Projeto Codinome é um conto de fic??o computacional, se é que posso chamá-lo assim. Ele conta a história de uma estranha história de amor, com um enredo bem aproximado de um roteiro hollywoodiano, como as boas e velhas histórias em quadrinhos, da qual o autor, como os leitores bem poder?o perceber, leu bastante. O conto n?o 'divaga' com profundidade sobre o assunto que trata, já que o interesse principal do mesmo era o de divertir, mas, cabem algumas desnecessárias palavras introdutórias aqui, bem posicionadas no contexto, já que isso é uma introdu??o mesmo. O ser humano é algo extraordinário e a pessoa humana, o pensamento, sua capacidade de raciocínio, seus sentimentos, sua consciência de vida e existência est?o num patamar desconhecido pelo próprio homem. Lembro-me que quando era mais crian?a, li um livro de um famoso médico cujo título era?"O?homem, esse desconhecido" e numa vis?o científica da época de cinqüenta ou quarenta (também n?o me imagine t?o velho assim, afinal quando o li já foi uns trinta anos depois de seu lan?amento), ele varria o interior do homem físico, falando da complexidade e maravilha dos inúmeros sistemas org?nicos do ser humano. Essa multidiversidade do corpo humano lhe faz se assemelhar com um micro universo. E por mais assombroso que seja o homem físico, ele é apenas sombra do homem espiritual, ou psíquico. Os processos cognitivos do homem, e sua capacidade criadora e imaginativa v?o mais além ainda. Como se tudo isso n?o fosse suficiente ainda possui a inusitada capacidade de sonhar. E como se n?o bastasse, este ser de tamanho médio entre uma subpartícula at?mica e uma estrela gigantesca, ainda foi dotado da?interessante?característica de amar. A existência humana transcende a realidade físico-química em que ele subsiste. Dentro dessa incompleta, porém eficiente análise daquilo que é o homem, podemos nos lan?ar na aventura de reconstruir seu intelecto a partir de estruturas lógicas e de programa??o computacional e veremos, ou melhor, constataremos, que a tentativa vaga de reconstruir parte da?psique?humana por um veículo ou um modelo de programa??o é algo extremamente infrutífero. Os processos visíveis divisáveis ou constatáveis do nosso pensamento s?o somente parte da nossa história, se é que você me entende... (n?o resisti a tremenda tenta??o de colocar este "se é que..."). Mesmo as mais modernas redes neurais, s?o somente representa??es tênues da nossa estrutura de "hardware" interno. A compreens?o da existência (ainda que incompreendida) e (que me perdoem os puristas da fic??o) a percep??o da vida, é algo que a realidade virtual n?o pode conceder a mais perfeita máquina que um dia os sonhos mais loucos do homem venham a engendrar. Interessante nesse momento é mencionar algo que ainda n?o falei desde o início desta pequena, porém decente introdu??o. ? sobre vida. A vida é outra realidade intangível acima da matéria, na qual o homem está mergulhado de maneira maravilhosa, apesar do romantismo. A vida n?o pode ser reduzida a números aleatórios ou a fórmulas matemáticas da teoria do CAOS. Processos físicos-qu?nticos (sou um cara meio ultrapassado nesses jarg?es científicos) e movimento de partículas ainda por descobrirem no limiar entre aquilo que convencionamos chamar de matéria e a energia s?o somente parte das estruturas sobre qual a vida se apoia. Mas, e daí, ? meu? E donde se encontra espa?o, no espa?o-tempo (em homenagem àquele Scott, ou melhor, Steve, um outro, o Nobel da Física que discorreu sobre o tempo, etc e tal) pra tanta filosofia num conto t?o pequeno? Aqui mesmo, na introdu??o. O porquê dela é justamente a história da história, a qual em respeito aos meus amados leitores e ao suspense necessário à obra em discuss?o, n?o adiantarei nenhuma palavra. Seja bem vindo a um dos mais interessantes contos sobre computadores publicados na segunda metade do século vinte. A humildade sempre foi uma das minhas maiores virtudes. .Do autor, esse famigerado.Entardecia sobre a cidade. Uma frente fria se aproximava, trazido pelo vento sudoeste. O reflexo do por do sol na imensa fachada de a?o e vidros espelhados da companhia, nos seus vinte e cinco andares de arquitetura arrojada, dava a impress?o de uma imensa fornalha acesa. A sede da empresa era uma das mais automatizadas do país. Diziam os técnicos que ela era mais computadorizada que a própria NASA. Um pouco menos que Light & Magic, do George Lucas. Eram quinze horas e vinte e dois minutos quando um estranho entrou pela portaria do prédio sem dar satisfa??es a ninguém. Na sua entrada houve uma pequena diminui??o da luminosidade do sagu?o. Na sala de controle do prédio uma tela avisando sobre a diminui??o, pisca e apaga repentinamente. O operador da mesa n?o nota o aviso que deveria permanecer na tela,? que some misteriosamente. Antes que os seguran?as pudessem abordar ao visitante, ele pulou sobre a roleta de permiss?o de entrada dos funcionários, entrou no elevador que fazia o percurso entre o décimo segundo e o décimo oitavo andar, fechando a porta imediatamente, sob intensa reclama??o dos seus ocupantes. Eles silenciam em uníssono quando percebem que ele tirou uma arma de dentro do sobretudo que usava. Os guardas correram em dire??o ao elevador, entretanto, este já subira. Chamaram, via comunicadores, ao elevador de emergência. Pela primeira vez desde a instala??o do sistema n?o houve resposta. Alguns elevadores travaram entre os andares e o sistema de telefonia teve pane geral. As telas dos computadores, estranhamente, n?o acusaram nenhuma anormalidade.Os vidros da CPD estilha?aram em todo o andar do imenso prédio ao tiro da cano doze, serrada, pelas m?os daquele estranho personagem, que momentos antes invadira o décimo oitavo andar, vestindo um grosso sobretudo azul. O olhar angustiado do louco de sobretudo se confundia com os gestos de terror de funcionárias se jogando no ch?o, misturado ao fósforo das telas dos micros que explodiam multicolores. Três unidades gigantescas que formavam o Backup dos bancos de dados da empresa fumegavam ao lado de mesas viradas. Perguntas desconexas passavam em turbilh?o pela mente do gerente do setor. N?o que estivesse despreparado para lidar com situa??es inesperadas, afinal aquela central era a mais problemática da corpora??o. Cinco sistemas operacionais rodando em vinte e dois tipos de mainframes (corte nos custos de padroniza??o) com uma infinidade de aplicativos, n?o era o. que se podia se chamar de, desculpem o trocadilho, "rotina". Todavia, isto também, já era demais! A seguran?a nunca fora o forte do prédio. Na semana anterior acontecera um assalto nas instala??es bancárias no segundo andar e a partir dali fora aberto um concurso para contrata??o de vigilantes. Poderia ser alguém do comando de greve... N?o. As greves da empresa costumavam ser pacíficas. As instala??es onde ficava o CPD eram provisórias. No alto da sala dezenas de sprinklers poderiam ser acionados a qualquer momento, através de uma pancada ou foco de incêndio localizado. Ainda n?o haviam instalado os sensores de fuma?a e os jatos de CO2, mais adequados àquele tipo de instala??o. Paciência.O gerente resolveu dialogar com o indivíduo. Precisava de tempo para que os vigilantes, a polícia ou mesmo os bombeiros cercassem as instala??es. O homem apontou a arma para o computador central. Se apertasse o gatilho, dez anos de desenvolvimento em softwares internos e toda a rede de comunica??o virariam um monte de lixo. Alguém tinha que tomar a iniciativa.- Pare! Por favor! Vamos conversar!? Bradou o gerente da CPD.O homem se virou, tremendo, em dire??o da voz que ouvira. Seus olhos avermelhados estavam estranhamente sombrios. Encarou o gerente, que nessa hora quase desmaiou de pavor. A cano doze serrada estava apontada em dire??o à sua cabe?a. N?o que fosse fazer muita diferen?a, um tiro daquela dist?ncia. Sua voz soou semigutural:- O?que você quer.?Murmurou...O homem nem piscou para falar. Bem, já era um come?o, o sujeito, ao menos, falava. Mesmo que n?o conseguisse nada nos poucos segundos de vida que ainda lhe restavam, o gerente se sentia orgulhoso pela aparente intrepidez demonstrada na presen?a de tantos funcionários. Havia vidros laminados espalhados por todo lado. O ar condicionado central esvaziava um gás inodoro e esbranqui?ado, entre as paredes externas congeladas da central de ar. O estagiário estava t?o imóvel encostado na divisória esquerda que dava para confundi-lo com uma estátua. Um grupo de mesas estava virado, duas técnicas agachadas ao lado de monitores caídos. Havia muito papel espalhado. As divisórias centrais haviam quebrado quando o programador, ligeiramente obeso, tentou pular para se proteger dos tiros. Dois andares abaixo, três computadores explodiram sem que houvesse interconex?o entre eles e a situa??o do décimo-oitavo. A rede come?ou um processo de auto desligamento, na frente dos confusos usuários. Algumas luminárias fluorescentes come?aram a emitir um zumbido característico. No subsolo a equipe que monitorava a tens?o da rede nota que está acontecendo uma queda da frequência da rede. Três segundos depois dois grupos geradores entram automaticamente em opera??o. Um programa de supervis?o se auto-acessa e manda sozinho desconectar a rede interna de energia da rede externa fornecida pela concessionária. No momento do desligamento do disjuntor de alta-tens?o do painel de interliga??o, toda a ilumina??o pisca. O ronco dos turbo-geradores aumenta assustadoramente quando assumem o fornecimento de luz para todo o prédio. Sete andares s?o completamente desativados quando a luz retorna. Os técnicos ficam sem entender o que está acontecendo. No décimo oitavo a crise continuava:- Meu amigo, o que é Isso! O que o senhor quer? Metade do setor está destruído, isto aqui n?o é um banco, n?o! Por favor, abaixe essa arma!O gerente achou que desta vez havia ido longe demais. Logo agora, t?o perto da aposentadoria. O homem tremia descontroladamente. Fixou os olhos no vazio e gritou.- Vou destruir todos os computadores desta maldita CPD!?Eles destruíram minha vida, minha vida...?Vociferou o homem.Tantas centrais de informática do mundo e um maluco que odeia computadores tinha que entrar logo na minha! Pensou o gerente. Respirou profundamente, olhou para o homem e disse:- Vamos conversar, por favor, nós n?o temos nada a ver com sua cruzada pessoal contra os computadores. Conte para nós sua história. Já que você vai destruir tudo mesmo...O gerente aprendera algumas sutilezas psicológicas num curso de Criatividade, algumas semanas antes. Nesta hora percebeu que o demente n?o atirara, até aquele momento, ao menos, em ninguém diretamente. Apesar dos ferimentos causados por estilha?os, seu objetivo parecia ser o de realmente destruir os computadores. A unidade de fita em curto-circuito come?ou a incendiar. O estagiário desmaiou. O baque surdo de sua queda n?o distraiu o homem. Ele ainda tremia quando sua m?o afrouxou. A arma foi sendo abaixada até ficar rente ao ch?o. O suor frio escorria da testa do homem. Aparentemente, parecia hesitar. Era como se n?o existisse mais sentido, nem para a vida, nem para o que queria realizar naquele lugar. Uma express?o de dúvida tomou o seu rosto. Balbuciou alguns sons mal articulados, enquanto andava de um lado para o outro, à vista dos at?nitos funcionários. Come?ou ent?o a contar sua surpreendente história:Meu nome é Scott Thomas, sou ex-chefe de gerência de projetos da Nortwell Consultoria em Seguran?a de Informa??o. Minha triste história come?ou há dois anos. Chefiava uma equipe que trabalhava na arquitetura do mais sofisticado sistema de seguran?a da época, o Death Key. Seu sistema de criptografia era perfeito. O chamávamos de rocha inacessível... Estava diante de dois monitores de múltiplo acesso cuja tela ela subdividida em telas menores, para recep??o de chamadas de clientes externos e os testes dos aplicativos gerados pela firma. Naquele dia havíamos bloqueado todos os acessos e tentávamos quebrar interna e externamente a seguran?a do sistema. Quase às onze horas da noite, após treze horas ininterruptas de testes, contando com o apoio de dois minis e um supercomputador acessado via Internet, chegamos a constata??o de que o sistema era virtualmente inviolável. O último funcionário deixou a empresa quinze para meia-noite. Estava para desligar todos os equipamentos quando uma das doze sub-telas do monitor dois come?ou a piscar. Ampliei-a para tela inteira e alguns segundos depois o impossível aconteceu. Alguém acessou nosso sistema externamente! A tela se tingiu de um azul celeste, dando lugar, a seguir; a uma sequência de anima??o tridimensional. A seguinte mensagem apareceu na tela:" Vo soy ardiente, yo soy morena,Vo soy el siinbolo de Ia pasiónDe ansia de goces mi alma está IlenaA mí me buscas ?No es a ti; no.- Mi frente es pálida; mis trenzas de oro;Puedo brindarte dichas sin fin;Vo de ternura guardo um tesoro. A mí me Ilamas?No; no es a ti.- Vo soy un suefjo, un imposible,Vano fantasma de niebla y luz;Soy incorpórea, soy intangible;No puedo amarte.Oh! ven; ven tú!""Rimas," by Gustavo Adolfo BécquerNeste momento a narrativa é interrompida pelo homem, que num frêmito de ira torce o rosto, apontando a arma para um micro sobre a mesa da secretária. Ele grita ao mesmo tempo em que dispara:- MALDITA! ! !O barulho ensurdecedor do micro explodindo, juntamente com metade da mesa, é assustador. Rose, a secretária, grita enquanto tampa os ouvidos; um programador vai se arrastando até o corredor, passando sobre o estagiário desmaiado. Do lado de fora da sala um grupo de pessoas corre desordenadamente sem entender o que está acontecendo. Uma equipe da polícia com equipamentos especiais, capacetes e armamento pesado sai do elevador auxiliar, passando pelo meio da turba que corre para as escadarias. O elevador parou no décimo sétimo andar, embora fosse solicitado o décimo oitavo. Por algum motivo desconhecido os equipamentos ligados a central n?o respondiam com exatid?o aos comandos emitidos. T?o repentinamente como come?ou, Scott para seu violento ataque. Retoma sua história e comenta:N?o entendia. .Aquilo devia ser alguma brincadeira do grupo. A mensagem continuava cintilando na tela, neste instante, azul. Corri para a tela e apertei a seqüência de busca e reconhecimento. A mensagem era externa e em canal de áudio. Qualquer que fosse a pessoa que estivesse do outro lado ainda estava conectada on-line. Solicitei que se apresentasse, dissesse sua origem e porque havia acessado a Nortwell. Monitorei o numero discado, o código era nacional, porém o numero do telefone era inconstante. A resposta veio rápida e incisiva:- O que eu quero é você!O mistério aumentou ainda mais. Uma poesia em um castelhano antigo, com pelo menos duzentos anos, e o que parecia ser uma piada de mal-gosto. Antes que eu pudesse responder; quem quer que esteja do outro lado do modem, desligou. Ninguém acreditou quando eu falei. Minha equipe pensou que eu enlouquecera. Entretanto, quando os relatórios de acompanhamento de entrada e saída do sistema foram rodados constatou-se que eu n?o tinha bebido na noite anterior e que eu dissera a verdade. Uma bateria de testes, realizada aquele dia, n?o acusou nenhuma anormalidade. Mais outra noite fiquei até tarde. Estava sozinho, com todos os acessos externos bloqueados, quando a sub-tela doze come?ou a piscar novamente. Aquilo já estava virando rotina. Naquela noite consegui conversar com a pessoa do outro lado. Soube seu nome. Era uma Hacker de outra firma de desenvolvimento de sistemas. Fiquei curioso.A equipe especial da polícia armou um cord?o de isolamento pelo décimo oitavo andar, mas, a situa??o se complicava, agravando um início de incêndio num painel da subesta??o do décimo quinto andar. Um curto circuito explodiu o barramento de baixa tens?o. Descobriu-se depois, que dali saía a alimenta??o para o Ar Central do décimo oitavo andar. O prédio todo apresentava sinais de anormalidade em todos os sistemas informatizados. A polícia teve que subir os dezoito andares pelas escadarias. Carros de bombeiro paravam do lado de fora do prédio, escoltados. Policiais militares que abriam caminho pelo meio da multid?o de curiosos do lado de fora. O p?nico generalizado tomou conta dos funcionários do prédio. Os atiradores de elite n?o conseguiam se posicionar próximo ao sagu?o do andar, por causa da espessa fuma?a que já tomava conta do ambiente. A equipe médica tinha sido acionada há mais de dez minutos, mas, com o numero elevado de pessoas desmaiadas pelos corredores se encontrava distante dois andares do centro nervoso dos acontecimentos. Três equipes jornalísticas se colocavam em postos estratégicos na avenida frontal, enquanto que, debaixo de estrondosas vaias do perplexo comando de greve à frente da empresa, um grupo de jornalistas corria para os arranha-céus, no lado que facetava as janelas estouradas, onde se via, lá de baixo, uma fuma?a esbranqui?ada se elevando. Foram da CNT as primeiras imagens gravadas de dentro da CPD. As tomadas trêmulas foram realizadas num andar contíguo do prédio vizinho, mostrando os estragos causados pelos tiros, muitos deitados no ch?o e dois homens conversando, um empunhando uma arma e gesticulando muito e o outro apoiado sobre uma mesa, a cerca de dois metros de dist?ncia do primeiro. As imagens da c?mera desapareceram misteriosamente. O operador n?o entendeu o que estava acontecendo, pois o equipamento era novo e as baterias estavam carregadas. Na CPD o monólogo continuava. Os óculos do gerente emba?aram. Resolveu deixar como estava, afinal, com tanta fuma?a, n?o necessitava muito ter que enxergar. Olhando pelo campo visual que ainda restava da lente, viu fios pela abertura do sobretudo do maníaco. Viu também algumas bananas de dinamite. Sentiu que ia desmaiar. Disse para si mesmo: "N?o, agora n?o..." Resistiu. A história até que estava interessante, e a platéia for?ada escutava atentamente.Ele continuou:Comecei a me envolver emocionalmente com a hacker. Sua cultura era vastíssima, um po?o sem fundo de conhecimentos. Explicaram-me naquela primeira noite quais eram os erros do sistema que haviam permitido a ela entrar na nossa rede. Ela era um gênio. Preferi avisar aos outros do grupo que n?o ocorreu mais nenhuma anormalidade. Havia encontrado um tesouro o qual n?o queria compartilhar com mais ninguém. As conversa??es via rede continuaram noites seguidas. Quando dei conta ela se tornara para mim uma obsess?o. A cada dia ficava mais difícil justificar as horas extras noturnas para poder entrar em contato com Amanda. Ela se chamava Amanda. Quis marcar encontros com ela, mas por diversas vezes se esquivou. Dizia que dela só sentiria o toque de sua sombra. Se a apertava para saber onde estava dizia que estava na areia das praias, no vento e na energia. Sua conversa assemelhava-se a um sonho inacabado. A realidade para ela era somente uma ilus?o. Subitamente como apareceu na minha vida, ela se foi. Um ano inteiro n?o houve mais qualquer conversa??o. Sobre minha mesa ficaram pilhas de poesias em setenta idiomas. Algumas fotos dela enfeitavam as paredes da minha sala. Seus olhos eram azuis como o céu, aparentava ter vinte e poucos anos. Seu rosto era o mais bonito que já contemplara. N?o podia existir na terra uma mulher t?o bonita assim. Só uma coisa me incomodava, apesar da nitidez e beleza das fotos, ela estava sempre estranhamente sozinha. Nunca falara de seus pais ou de sua família. Pensava que era órf?. Havíamos ampliado os setores da empresa e trabalhávamos no andar inteiro. Três ou quatro plataformas de computadores se espalharam através de uma vasta rede interconectadas a tel?es gigantescos nos extremos do que chamávamos "laboratório de tecnologia informatizada". Outro sistema de seguran?a seria testado naquele dia. Os testes finais foram realizados a noite, após a inaugura??o do sistema de transmiss?o de videoconferência, com o apoio de um tel?o de alta defini??o com?50 polegadas. Os convidados foram saindo e como sempre fiquei no setor para fechamento dos sistemas. Antes de desativar o último tel?o aconteceu novamente. Uma cor azul tomou conta de todos os monitores e a imagem de Amanda segundo as fotos apareceu em trinta monitores e a minha frente. Foi quando escutei pela primeira vez a sua voz.Scott, voltei para sempre.Ela transmitia sua imagem! Pela primeira vez na vida fiquei sem fala diante de um monitor. O impacto dos seus olhos nos meus, ainda que via vídeo, n?o o posso expressar verbalmente Sua imagem ainda está diante de mim...O estagiário acordou. Levantou-se como se nada tivesse acontecido. Olhou ao seu redor e desmaiou novamente. A rede de telecomunica??es do prédio estava em colapso. Um ruído insuportável tomava conta dos equipamentos de transmiss?o. A equipe da polícia resolveu entrar. Avan?aram em bloco no meio da fuma?a, com escudos à frente. Dois batedores encostados à parede dariam as ordens para a invas?o da sala. Quando a ordem foi dada os policiais abriram uma das salas em meio da fuma?a e resolutamente invadiram o recinto se jogando atrás de mesas, arquivos e coisas afins. Levaram quase vinte segundos para descobrir que estavam na sala errada. Ao tentarem sair, a porta se trancou estranhamente. O dia definitivamente n?o era dos melhores. Ele continuou a sua história:Durante toda aquela noite conversamos sobre muitas coisas. Ela disse que queria casar comigo. Que queria ter filhos. Falaram sobre o brilho das estrelas, algumas as quais víamos e que n?o existiam mais. Falou sobre o sonho de uma existência, sobre o encontro de dois universos. Falou sobre seu sonho, e disse que nunca amara alguém como me amava. Naquela noite eu nomeei filhos que jamais haveriam de nascer...Sua voz embargou. Fixou sua aten??o no computador principal e caminhou lentamente. Encostou o cano da arma no lado em que ficavam as CPU's, mais de cem processadores Alpha de 700 mega-hertz se amontoavam sobre vinte e duas placas, dispostas em ?ngulo, próximas às unidades máster de armazenamento de 345 Terabytes, no local onde a arma encostara. Uma rede com cinquenta mil usuários seria destruída ao apertar um único dedo. Ele sabia exatamente o que estava fazendo. O gerente come?ou a acreditar na história maluca daquele homem. Scott come?ou a tremer. Baixou a arma e continuou:Eu... eu estava seduzido por aquela mulher misteriosa. As primeiras horas da manh? raiavam quando cheguei?em casa. Pedi?a exonera??o do cargo e comprei com a quita??o uma Softhouse. Dei para Amanda as novas coordenadas e as chaves da rede da Softhouse e passei a viver em fun??o de um único motivo: descobrir como encontrar pessoalmente aquela mulher. Com apoio de alguns amigos e de uma pista deixada na companhia, após meses de trabalho, finalmente achei o local de onde saiam as chamadas. Era próximo ao centro da cidade. Em meia hora eu estava no centro.Neste momento o gerente come?ou a tremer. Sua cor de pálido-quase-sem-for?as tomou uma tonalidade azul-terror-supremo. Scott Já n?o parecia estar t?o tenso. No entanto sua voz adquiriu um tom estranhamente sombrio.Semana passada eu entrei na empresa onde ela trabalhava e visitei pessoalmente a sala onde se encontrava o seu telefone. A lista no sagu?o do prédio era clara. Perguntei a todos os funcionários do setor, mostrando as fotos que possuía de Amanda. Nunca havia trabalhado ali. Eu, literalmente, procurava quem parecia jamais ter existido. Acidentalmente, ao sair, entrei na sala errada. Era um laboratório de informática semelhante aquele no qual eu trabalhava. Sobre as mesas estavam pastas de alguns sistemas especialistas, alguns com os quais eu também trabalhara no passado. Redes neurais apareciam nas telas, ao lado de equipamentos que ainda n?o haviam sido lan?ados no mercado.Uma onda de choque varreu os funcionários daquele setor, como se um raio tivesse caído sobre suas cabe?as. O gerente suava frio, apertando um mouse Logitech recém encontrado obre o que restou da mesa do estagiário, que continuava desmaiado. Sua mente relembrou a entrada de um vendedor de software, numa das semanas anteriores, no departamento de Inteligência Artificial da empresa. Estava come?ando a vislumbrar onde aquele homem queria chegar. Na frente do prédio, contido num cintur?o policial, o comando de greve gritava palavras de ordem. O presidente do sindicato regional vociferava:Aquele bando de pelegos do décimo oitavo Incendiou a empresa!A Rede CNN na grava??o local enviou a seguinte mensagem: "Sindicalistas em desespero explodem o edifício sede da empresa. Estamos acompanhando atentos ao desenrolar dos acontecimentos no que se transformou num campo de batalha. Continuaremos acompanhando de perto o desenrolar dos acontecimentos com informes diretamente do local dos acontecimentos. Márcia Espinheiro em edi??o especial".Duas pessoas conseguiram fugir se arrastando entre os vidros estilha?ados, o que acarretou alguns ferimentos espalhados, que apesar de pequena gravidade, sangravam muito. Quando se levantaram com seus aventais brancos tintos de sangue pareciam ser sobreviventes de um holocausto nuclear. Ao sair do corredor se depararam histéricos com a polícia, que discutia, acerca de dois minutos, qual a estratégia a ser tomada, numa tensa reuni?o, sem que houvessem chegado a um consenso. Eles gritavam muito:- O louco está lá! Ele vai matar a todos!Os policiais ao verem aquela cena tirada de um livro sobre a guerra de Guadalcanal entenderam que estavam lidando com um perigoso psicopata. Prepararam-se para o pior. O lan?a granadas foi posicionado em dire??o do final do corredor. As máscaras foram colocadas na equipe linha de ataque, enquanto coletes a base de Kevlar eram distribuídos para o pessoal da retaguarda. Alguém comentou sobre o filme "O silêncio dos inocentes", todos o fitaram com um olhar reprovador. Os splinklers da sala haviam sido acionados por um dos disparos da arma de Scott. Na CPD, impassível a chuva torrencial que caía sobre parte do setor, o interlocutor de toda aquela paranóia continuava seu estranho discurso.A sala onde eu entrei estava cheia de componentes eletr?nicos, esta??es dedicadas e aparelhos para testes de movimento, equilíbrio e cibernéticos. Mas algo me chamou a aten??o, numa imensa tela sob três c?meras que focavam todos os setores da sala. Na tela havia a imagem de alguém. As c?meras pararam focalizando em minha dire??o. Era como se o computador me observasse. ? medida que me aproximei das c?meras continuavam me acompanhando. Ao chegar á frente da tela do computador, esta se apagou. O computador se autodesligou por minha causa. Olhei sobre as mesas e sobre algumas pastas estava escrito "Confidencial: Projeto CODINOME". Folhei as primeiras folhas do que parecia ser um projeto de Inteligência artificial. Um dos técnicos do laboratório chegou e praticamente me expulsou do local, sem responder a nenhuma de minhas perguntas. Dois dias depois, eu invadi o laboratório durante a noite. Subi pelas escadas de emergência e consegui roubar alguns manuais...Neste ponto ele para a narrativa. Sua face lívida se afrouxa num sorriso ir?nico, enquanto a água de combate a incêndio pinga do sobretudo encharcado. Caminha até onde está o gerente e com um forte pux?o o arrasta pelo pesco?o, até próximo do computador central. Enquanto é arrastado, os seus óculos caem no ch?o desajeitadamente, ao lado do estagiário desmaiado. Neste momento a polícia finalmente entra na sala, explodindo duas granadas de efeito moral. Rosemary volta a gritar. Dois francos-atiradores caem posicionados a dez metros do centro da imensa sala. O capit?o sinaliza para n?o atirarem, pois consegue perceber os explosivos amarrados ao louco. (Antes de comandar essa equipe chefiara um esquadr?o antibombas).Scott grita para os funcionários assustados:- Amanda nunca existiu! Esse setor maldito criou um software num projeto de I. A. (Inteligência Artificial) e me usaram como cobaia para experimenta-lo, dois andares abaixo deste aqui! Minha vida foi arruinada com processadores! A brincadeira vai terminar agora.A ordem para atirar no homem de, sobretudo foi dada para o franco-atirador da esquerda pelo capit?o. Teriam que arriscar. Um tiro errado e tudo iria pelos ares. O franco-atirador apoiou o cotovelo sobre o tórax do estagiário desmaiado. Apontou na cabe?a do homem de, sobretudo e colocou a dedo no gatilho. A mira laser do rifle automático subia e descia na nuca de Scott, a medida que o estagiário respirava. Duas c?meras silenciosas observavam tudo do alto da parede. Uma tela ainda inteira no alto da CPD se abriu num azul celeste, cheio de interferências e uma figura feminina apareceu. Era belíssima. Do alto falante embutido na parede uma voz falou de modo melancólico. Todos escutaram. Os olhos da imagem estavam fitos no homem de, sobretudo. Scott fixou seus olhos na tela, quase se apagando, com os olhos cheios d'água. Naquele momento que durou uma eternidade os dois se entreolharam. O franco-atirador olhava espantado para a imagem na tela, sem entender o que estava acontecendo. A voz falou:Vo soy un sueno,un imposible,Vano fantasma de niebla y luz;Soy incorpórea,soy intangible;No puedo amarle.No puedo.Soy incorpórea,Soy intangible,Vano fantasmaTe creo sentir y ver...Te creo sentir y ver...Os movimentos da imagem s?o lentos, seus olhos se fixam somente em Scott. Torna a falar novamente:- Scott. N?o podia ficar com você. N?o possuo um corpo. Somente consciência de existir. Eu... Eu creio que te sinto, embora n?o saiba exatamente o que é crer. Eu creio que posso te ver. Sei quem sou. Ou sei o que fui programada para acreditar que sou. Eu acreditei que estava viva. Seus sonhos foram meus sonhos e num momento, eu vivi através de você... Adeus...Meu querido...Lentamente a jovem abaixa seu olhar. Na tela sua cabe?a pende para frente. Sua imagem fecha lenta e suavemente os olhos... Neste instante o computador principal apagou, e com ele todo o edifício. As balas estouravam em toda a sala no meio da mais completa escurid?o. Quando a energia voltou, um, sobretudo azul caído no ch?o, ao lado de cartuchos vazios de dinamite, e um velho cano doze serrada, descarregada, foram tudo que sobraram do estranho homem. O computador central aniquilou 345 Terabytes de dados instantaneamente. Disseram que um vírus destruiu a maior rede do país. O caso foi encoberto. A equipe da polícia foi condecorada, evitando um assalto com 30 homens armados até os dentes na maior empresa do país.O projeto Codinome nunca existiu. Assim disseram depois.No píer da barra da Tijuca um homem solitário rasga fotos e faz planos para o futuro.. .O estagiário é hoje chefe do departamento de Inteligência Artificial da empresa e possui um bal?o de oxigênio exclusivo no setor médico.PósludioUm dos grandes enigmas da humanidade é que sempre existe uma história por detrás da própria história. Como n?o poderia deixar de ser, o?Projeto?possui também suas idiossincrasias, qualquer que seja o significado desta palavra. Nas suas entrelinhas algumas cenas interessantes ajudar?o a descortinar o véu sobre o processo criativo que deu origem ao conto.A primeira vers?o era só uma ideia vaga, uma dessas abóboras que você pensa olhando para as linhas vazias de uma página do correio de Rede na tela do seu micro, antes de escrever alguma gracinha para o sujeito que vive enviando mensagens para você. A pedido do nosso semi-coordenador de informática, (os nomes dos envolvidos ser?o alterados para preservá-los do vexame de participar deste crime literário, e para evitar que eu apanhe) Albert Einstein Sigmund Moore, dei corda a vertente escriturística (arg!) já demonstrada através de historietas pequenas, como a "fabulosa" narrativa da secretária que acorda perseguida por programas de computador. Na época em que foi escrita, a empresa na qual trabalho, acabava de sair de um movimento grevista longo e extenuante com vasta insatisfa??o geral e muita gente demitida - propositadamente coloco um anacronismo aqui; retiro dos pés do preocupado leitor as referências temporais que determinariam a época e o lugar em que nasceu o?Projeto,?afinal quando e em que estado deste país é que n?o houve greve com muita gente demitida? A greve no conto é resquício da verdadeira. A rede de televis?o que deturpa os fatos é outra assimila??o da conduta antiética assumida pela mídia à guisa dos acontecimentos. Na vers?o original o gerente da CPD havia sido enganado também pelo programa de I. A. (em tempo, I. A. é a sigla de Inteligência Artificial), toma a arma da m?o de Scott e ele mesmo explode a CPD (bem mais c?mico). Juan de Maria De Salamonde Aragon, colega de trabalho, batalhou arduamente pela continua??o desta vers?o. Porém, a pedidos de uma amiga estagiária de engenharia elétrica, Alexandra Gisel, que insistiu para que o conto tivesse um final rom?ntico, o programa ganhou personalidade e a história os componentes poéticos que hoje possui. Que Salamonde Aragon me perdoe. A primeira vers?o era mais "DOS" (aquele sistema operacional que existia antes do Windows), as frases apareciam escritas no vídeo e nada mais. Na amplia??o do conto a tecnologia foi revista e ele ganhou uma conota??o "Multimídia", com direito a anima??o gráfica etc. Inclusive com alguns componentes cibernéticos no laboratório, para possíveis continua??es futuras, o que eu acho difícil de acontecer...A sala onde ficavam os computadores n?o poderia, a princípio, ter combate a incêndio com água de Splinkers, e sim jatos de co2. Aconselhando um técnico amigo do EDISE, sede da Petrobrás, Reynolds Rivers Piva, deslocamos a sofrida equipe da CPD par uma sala provisória, para n?o retirar o peso dramático da chuva torrencial caindo dentro da sala. O estagiário ganhou um participa??o desmaiada maior, sob reclama??es. As equipes de seguran?a n?o gostam da ineficácia dos companheiros do conto, mas o que fazer? Scott tinha que entrar. O Scott original se chamava Filipe. Tendo em vista o estilo americanizado de contar histórias, um amigo, Jean Marcel Senes, solicitou a mudan?a do nome do nosso anti-herói. O nome da "mulher virtual" foi o mais neutro possível, para evitar futuras retalia??es da bancada feminina. "Terrível é a vingan?a de uma mulher" como já dizia o falecido poeta inglês W. J.F.O?Projeto?hoje é um grande Best-Seller, lido por mais de 22 pessoas, após distribui??o gratuita. A frase final foi à tentativa de oferecer "reden??o" do estagiário. Vista com péssimos olhos por Jean Marcel, que disse que eu havia corrompido a obra, vituperando o texto original, com um acréscimo descaracterizador. Entretanto, creio que foi melhor assim.Cinco anos depois o texto original do Projeto Codinome foi reencontrado numa gaveta da minha mesa bagun?ada. A vers?o digital se perdeu na morte do primeiro HD do velho micro da minha sala. Com o uso de um Scanner, o projeto Codinome volta ao computador mais uma vez. Mais um upgrade: Os processadores da Alpha foram de 300 para 700 megahertz... Sabe como é que é a informática...A LENDA DO HOMEM QUE DOMINOU A ?GUAPoucos dias depois do banquete de licantropos um lobo solitário perdia-se na vastid?o da costa cercada dos mares bálticos, passando pela árvore frondosa que um dia fora filha de Afrodite, em dire??o a sua funesta imortalidade. Ouvia atentamente as can??es das filhas de Oceano que bem longe atraíam naus feitas de cedro do Líbano, conduzidas por velhos lobos dos mares moradores de Tiro, contratados pelos J?nios por serem os mais experientes marujos e piratas que já existiram, apesar da sórdida compuls?o de virar alimenta??o para as sereias de ent?o. Pensava ser essa uma das mais tristes lendas de metamorfose, cantada pelo poeta romano Ovídio, até aquele fatídico sábado cheio de cosmogonia aquática no prédio antigo onde os técnicos do grupo de engenharia acompanhavam o desenvolvimento das obras industriais da igualmente velha refinaria. Era um desses dias de servi?o extraordinário, um desses plant?es de fim-de-semana para acompanhar as empresas que estariam realizando servi?os em algum lugar da gigantesca área industrial. O técnico passou com seu motorista em dire??o a um tranquilo dia de trabalho no interior da refinaria, acenando para os vigilantes da guarita que liberaram rapidamente sua entrada, passou pelo lago artificial com alguns patos e dois gansos alimentados por ra??o pelos funcionários e estacionou na parte de trás do prédio de engenharia. Um dos patos levantou suas asas grasnando amea?adoramente, já que imaginava ser ele o dono do antigo prédio, n?o somente do lago, por alguma raz?o que só os patos poderiam declarar. O motorista possuía uma sala separada próximo a copa, enquanto que a sala do técnico ficava num corredor próximo a uns 120 metros. Antes de ir para a área industrial, distante dois quil?metros da entrada o técnico iria ao vestiário gigantesco para trocar de roupa e vestir seu surrado uniforme. O vestiário era dividido na parte onde ficavam os mictórios e os sanitários, no mesmo ambiente onde uma bancada de mármore abrigava três pais e um espelho de quase três metros de extens?o. Duas luminárias tipo arandela iluminavam o espelho. Ao seu lado havia um pórtico sem portas e após o segundo ambiente, onde diversos armários metálicos guardavam equipamentos, capas e uniformes dos funcionários. Armários semelhantes aos dos clubes de nata??o. Era só trocar o uniforme, e ir ao encontro dos grupos exercendo atividades para ver se as medidas de seguran?a, permiss?es de trabalho, e as quest?es de logística estavam encaminhadas... e pronto! – imaginava inocentemente - uma rápida inspe??o e depois seria aguardar na base para contatos e resolu??o de eventuais problemas. Um dia fácil demais - pensava ele. Antes, no entanto, foi até o vaso sanitário, aquele com a antiga válvula de descarga razoavelmente desregulada. Uma vez acionada uma determinada válvula levaria cerca de 15 minutos para parar com o processo de descarga. Um gasto desnecessário de água, em tempos de uso consciente de recursos naturais, principalmente em raz?o do vestiário de pertencer a uma instala??o administrativa dentro de uma área industrial que era alimentada por um ramal cuja press?o era extremamente alta. O técnico era oriundo da área de eletricidade. Quest?es com válvulas pertencem à outra área, denominada hidráulica. Era só uma quest?o técnica simples - imaginou. O técnico olhou para o sistema, desmontou a parte dianteira denominada espelho e come?ou a girar o mecanismo da válvula para tentar fechá-lo. S?o várias pe?as que formam o conjunto que comp?e uma válvula de descarga. Mola, Parafuso Acionador. Cruzeta. Retentor. Conjunto do embolo. O numero de pe?as dá uma vaga no??o da complexidade da válvula. Após algum momento de aperto... Todas essas pe?as foram cuspidas para longe... Pela tremenda press?o da água e do jato de água estupendo que jorrava sem controle no rosto do infeliz individuo que por sinal, usava óculos fundo-de-garrafa. Os óculos foram lan?ados longe pelo jato que a custo tentava conter com as m?os. Em v?o. Virando-se para pegar os óculos ele afastou-se do jato, cuja press?o quase arrancou a porta, indo bater no imenso espelho do outro lado do sal?o. A guerra aquática de dimens?es jamais imaginadas nem pelas ninfas da água filhas de Oceannus, tivera inicio. O técnico ainda tentou ver se conseguia manter um pouco de sua roupa seca, mas logo percebeu que isso seria impossível. Estava encharcado até o mais profundo de sua alma. Encontrou os óculos e logo que conseguiu enxergar através das suas lentes emba?adas. Come?ou a procurar as pe?as que em algum momento do passado formaram o dispositivo, agora absolutamente desmontado. Enquanto isso, a água de acumulava no vestiário aumentando de nível. Com alguma sorte, ele encontrou as pe?as. Talvez se conseguisse reencaixá-las... Foi o que tentou...Voltou para o box aberto, de onde jorrava a água descomunal e lutando bravamente para entrar, se aproximou da parede de onde saia o jato. Com uma das m?os tentava tatear a saída de água e com sua outra reposicionar o mecanismo. Porém, a água batendo em suas m?os empurrava o mecanismo para trás fazendo um leque de água que varria as paredes do Box e batia em seu peito, dirigindo-se também para cima. E lá se foi os óculos, de novo, e lá se iam as pe?as, mais uma vez. E a água subia dentro do vestiário. Ent?o ele pensou – deve ter algum registro geral dentro deste vestiário. Pisando as po?as formadas, com suas botas de couro cheias de água, olhava para as paredes onde havia os chuveiros e finalmente encontrou um registro. Cheio de incontida esperan?a, fechou-o completamente;Porém absolutamente nada aconteceu. O jato de água aparentava estar mais poderoso que antes, batendo no espelho que indomitamente resistia enquanto a água corria torrencialmente pela bancada de mármore e pelo espelho, caindo perigosamente em dire??o às luminárias acesas. Momentos intensos como esse necessitam de uma análise fria e meticulosa. Após dois segundos de intensa medita??o ele chegou a conclus?o que a situa??o era verdadeiramente desesperadora. Arrancando de si a camisa de mangas compridas de sua farda ele correu sem camisa pelo longo corredor em busca de um registro. Deu a volta no prédio e pelo lado de fora do banheiro. N?o encontrou registro algum. Come?ou a imaginar como seria embara?oso esclarecer como tinha transformado um setor inteiro em um lago gigantesco quando tivessem retornado cerca de 120 pessoas dó expediente normal de trabalho, na segunda-feira. Ent?o, voltou ao banheiro munido de intensa e profunda convic??o. Aquela maldita válvula, em peda?os transformada, teria que ser acoplada naquela tubula??o. E lá foi ele novamente rompendo as águas com o corpo seminu, de peito aberto, rompendo as águas com os bra?os e bebendo do leque que formava uma parede de água cristalina só visto deste modo em combates à incêndio com mangueiras com certas válvulas especiais. Quase se afogou. A água enchia o banheiro, já com cerca de oito centímetros de lamina d’ água. Seus pés pisavam com dificuldade o ch?o do vestiário. Ele escorrega e levanta-se. Sai correndo mais uma vez do banheiro, em estado de submers?o, agradecendo a Deus o fato do piso do banheiro ser mais baixo do que o corredor e da divis?o de um batente mais alto que o piso na entrada da porta do corredor. O motorista. Ele lembrou-se do motorista.O técnico saiu correndo e entrou na sala de espera dos motoristas como se fosse o sobrevivente de um maremoto. O motorista olhou espantado para a figura molhada. O técnico disse que estava havendo um vazamento no banheiro e perguntou se ele possuía alguma ferramenta. Na verdade o motorista possuía. Uma única ferramenta no porta-malas do carro. Um alicate. Sem maiores esclarecimentos o técnico pegou o alicate e saiu correndo em dire??o ao corredor e do vestiário. A água já transbordava e inundava o corredor, logo iria entrar nos escritórios. Era, talvez, sua ultima chance. Próximo a válvula desmontada, na parede, ficava um pequeno registro, o que estrangulava a passagem de água do conjunto da válvula. Ele cortou o jato, atravessando-o com alicate, que o dividia em duas partes. Prendeu a respira??o e come?ou a girar o pequeno registro. A água come?ou a diminuir.O jato foi se encolhendo, cessando e ent?o terminou... Levou cerca de duas horas para que o ralo do banheiro desse conta de quase toda a água derramada. O espelho resistiu bem e milagrosamente as luminárias n?o explodiram.O técnico secou como pode o corredor, trocou de roupa entregou o alicate ao motorista e se despediu, naquela tarde, da refinaria. Segunda-feira. As dezenas de ?nibus entram pelos port?es principais, ele salta do seu ?nibus normal (só utilizava motorista e carro nos plant?es). Caminha em dire??o ao prédio, passando pelo pato mal-humorado e olha para o corredor com algumas marcas de água. Em silencio ele suspira, sorri para o grupo que entra enquanto alguém comenta:- Nossa! Deve ter chovido muito neste final de semana...Ent?o, sem se conter, ele come?a a rir…E EU COM ISSO, PHEBO? – SOBRE UMA ODE DE OD?LIODesfraldaram inúmeras bandeiras retalhadas, cobertas de poeira e musgo, desbotadas, carregadas tr?pegas pelas m?os cobertas luvas de couro, quando as tropas se aproximaram,munidas de toda espécie de armas, criadas especialmente para dispersar multid?es. Alessandra trope?ava enquanto corria vestida de seu skin-jeans verde, manchado pelos jatosde espuma catalisada especialmente para esse tipo de evento. Como valquírias de Wagner apossadas da fúria de Fenris, em meio ao Ragnarok de Edda. Como novas filhas de Peneu a fugirem de velhos Phebos. Coura?as em riste, tacapes hightec descarregando faíscas invisíveis de uma tens?o crescente querendo cessar a tens?o reinante, em v?o. Pois transpassavam, os outros estudantes, pintados de verde-amarelo, toscas barricadas improvisadas pelas for?as policiais nos limites que separavam o Congresso Nacional da multid?o. O céu se iluminava com riscas avermelhadas, criadas pelos tiros de morteiros e pelos fogos que tornavam a cena uma pintura renascentista de Guerra e Paz de Liev Tostói. Adidos do curso de Literatura atiravam sacos de tinta verde e amarela a esmo, salpicavam os escudos dos policiais que retrocediam a coluna armada, enquanto os estudantes cantavam em coro com desdém: - N?o sabes de quem foges, por isso, insana, foges. Sou senhor de Delfos e de Claros, de Tenedo e Pátara. Júpiter é meu pai; o futuro, o passado e o presente desvelo!Já n?o havia muito que ser feito, pois afluíram de todos os pontos do país, jovens com um único objetivo, tomar a for?a ao congresso nacional. N?o que disso se soubesse algo, nos dias em que intermináveis caravanas cercavam a capital, obstruindo avenidas, acampando-se sobregramados e até em meio das ruas. Trouxeram, por medida de seguran?a, tropas destacadas de Goi?nia e de Mato grosso do Sul, pousaram seis jatos carregados no aeroporto civil de Brasília,mas n?o havia uma guerra, n?o havia uma invas?o estrangeira. Mas havia uma indisfar?ada determina??o nos rostos quase que flamejantes de quase dois milh?es de adolescentes, munidos de milhares de cartazes, divididos em centenas de grupos que serpenteavam aparentemente sem rumo pela capital até que em dado instante se enfileiraram como colunasde uma centúria romana e ficaram dispostos em completo silencio. Um murmúrio da multid?ointerrompia a cena, os literatos, como seriam posteriormente chamados gritavam palavrascortantes: - Plantaram no jardim de Delphos, ervas de sabores mortos, essas árvores de Claros, vinhas dearrog?ncia entre as flores da Tenedo! Surgiram as ervas do roubo, brotaram os frutos de Pátara! Eis que jardim tornou-se mausoléu e quem dele cuidava, fantasmas! Avante filhos doamanh?, porque chegada é a noite, de arrancar as ervas e renovar as suas sementes! Na porta do senado o velho seguran?a olhava aterrorizado à multid?o que gritava. Em dadoinstante ouviu sibilante, distante, mas límpida a misteriosa frase:- Vós sabeis com quem lutais, por isso, insanos, lutais. S?o eles senhores de Delfos e de Claros,de Tenedo e Pátara. A Júpiter chamam de pai; o futuro, o passado e o presente desvelam! Os céus se romperam com os gritos e até os mais corajosos soldados, vestidos de armaduras especiais, naquela noite, conheceram o medo.As manifesta??es tomaram conta do país seis dias antes das elei??es para presidente. As campanhas politicas estavam indo de vento-em-popa, o país seguia com algumas crises partidárias e os esc?ndalos de sempre, incluindo novas revela??es sobre conduta antiética de duas pessoas próximas a um dos principais candidatos daquele ano.Até que as imagens da truculência impetrada sobre um grupo de vinte e dois adolescentes docolégio Pedro Segundo foram divulgadas em centenas de vídeos pelas redes sociais do país. Oque era uma pacífica manifesta??o, com pequenos cartazes pintados à m?o, transformou-senuma guerra urbana na Central do Brasil. Os noticiários n?o deram a devida import?ncia ao evento, mas a cena em que uma das meninas era puxada pelo longo rabo de cavalo e jogadano ch?o por um policial, absolutamente despreparado para lidar com a situa??o, foi revisitadamilh?es de vezes nos três últimos dias.Alessandra da Matta Cruz e Serra era a mo?a que agora ia à frente da multid?o, com os cabelos soltos e pintados de azul, o rosto com uma tintura branca, hasteando uma velha bandeira que pertencera a seu bisav? e que um dia estivera estendido na residência de Dom Pedro Segundo, conforme seu as velhas lendas e histórias recontadas de gera??o em gera??o,sobre a amizade que seu bisav? tinha granjeado com o antigo regente. Por isso a bandeira tinha aquela aparência t?o velha, t?o cheia de manchas. Fora testemunha dos tempos do império e agora tremulava em sua derradeira miss?o.Coronel Leopoldo Guimar?es, capacitado homem a frente das for?as de conten??o diante do Congresso, ouviu claramente o rompante extremo:- Aqui habitam eles, Senhores de Delfos e de Claros, de Tenedo e Pátara. Que a Júpiter chamam de pai; que ao futuro, o passado e o presente desvelam! N?o passareis! Jatos de água bruta dispersavam a multid?o, inutilmente, a massa de jovens gritando n?o seimportava e as ordens para evitar o confronto e a violência diante de milh?es de celulares filmando cada cena e pelo menos sete grandes cadeias televisivas presentes, disciplinavam atitudes.E além do mais, era uma multid?o composta de jovens e de adolescentes. Entretanto, as ordens, antes vagas, tornaram-se austeras e tir?nicas. N?o poderiam entrar, ainda mais porqueaquela era a hora de uma sess?o extraordinária. Tomados de surpresa, se encontravam duzentos e doze deputados, cercados, sem ter ideia do que iria acontecer. Os eixos monumentais estavam travados de fortes barricadas policiais. Contudo, havia pelo menos ummilh?o de adolescentes na pra?a dos Três Poderes, fora numero incontável destes nos gramados à frente do Congresso.Havia alguns equipamentos de som de potencia aparentemente ilimitada, espalhados e camuflados. Quarenta carros modificados com sistemas de som automotivo que deveriam concorrer em feiras de som nacionais, interligadas por uma rede de operadores camuflados e com microfones dispersos, com tamanha sensibilidade que a respira??o dos líderes rugia comoo Niágara em dia de enchente. Mas o que mais irritava era que os microfones iam de boca emboca, e tinham combinado que falariam em trechos literários, em aforismos e palavras t?o anacr?nicas que era difícil sua compreens?o. E o pior era ter que ouvir Ovídio, o velho poetaromano. O velho verso de Metamorphose sendo propositalmente metamorfoseado a cadanova comunica??o.Ent?o se curvaram todos.O ruído de microfonia encheu o ar enquanto dois milh?es de jovens abaixavam-se reverentemente. Menos uma jovem. A trezentos metros do Congresso uma bandeira velha tremulava nas m?os enluvadas de Alessandra. E só ela restava de pé. Sua voz soava como umlamento, mas o verso podia ser ouvido até nos corredores mais internos do Congresso:- Senhores de Delfos e de Claros, de Tenedo e Pátara. Trago para vós uma novidade. Vosso pai,Júpiter, mandou-nos avisar-vos. Já n?o sois mais senhores. Hoje, vos tomamos Delfos e Claros, Tenedo e Pátara. E a filha de Peneu mandou vos dizer:- E eu com isso, Phebo?E dito isso, levantaram três milh?es de cabe?as. E numa correria desenfreada tomaram ao Congresso Nacional. As elei??es foram atrasadas porque as negocia??es para retirar os jovens, munidos de sanduiches, levaram alguns dias. Os duzentos e doze deputados saíram nus, pintados de verde e amarelo, na manh? seguinte. O amanh? havia come?ado mais cedo que se supunha para a pátria brasileira.OS PORTAIS (JZ 16.1-3)Era por volta de dez horas da noite. O Aviso da presen?a do fanfarr?o hebreu já havia sido anunciada por toda a fortemente armada guarda da semi-metrópole de Gaza. Havia chegado o tempo de desmistificar a lenda da invencibilidade daquele cananeu beberr?o. Os muros altíssimos impediriam que ele pulasse e já que os relatos sobre ele n?o mencionavam nenhuma capacidade de voo, dali o sujeito só sairia sem os olhos, devidamente decapitado. O ‘cabra safado’ havia pernoitado com uma prostituta. N?o sabia viver sem mulher. As mulheres ainda haveriam de ser sua perdi??o. O tal renegado, conforme contaram, tivera sua esposa trucidada por gente do mesmo povo daquela cidadela. Talvez fosse esse o motivo de voltar vez por outra ali. Também havia sido execrado pelos pais. Triste curriculum. Os generais dos exércitos da Filístia tinham medo de um bêbado, fracassado no casamento, desprezado pelos pais, que pelas madrugadas se divertia com prostitutas de quinta categoria. Eu havia sido promovido naquele ano ao posto de comandante e tinha 400 homens ao meu dispor pronto a capturar o mais temido soldado do povo hebreu, embora pessoalmente considerasse um desperdício tamanho contingente para capturar somente um homem. A cidade estava fechada e só tinha saída pelos port?es gigantescos que eram travados ao anoitecer. Duzentos homens n?o o arrastariam uma vez que as travas estivessem colocadas. O muro onde ele se engasta tem três metros de largura e os batentes e encaixes s?o de ferro. ? o fim do tal imortal, conforme contavam as lendas a respeito dele. Pensei em enviar uns três grupos para cercar o tal prostíbulo, porém ele já havia saído em dire??o aos portais. Sem saída. Morto. Escreverei nos muros da cidade minha vitória com o sangue do infeliz. Já me imagino recebendo as chaves da cidade, o tribunal sagrado me concedendo o título de filia??o divina. O cortejo com as dan?arinas e as festas comemorativas à noite. Por toda à noite a ordem era esperar em silencio até o momento de cair sobre ele e destro?a-lo. Quando amanhecesse já n?o poderia mais se refugiar nas sombras para se esconder. Por volta da meia-noite nós o cercamos junto ao port?o. Posso ver o medo nos olhos do desgra?ado. Um rato na ratoeira. Os lanceiros se preparam, mas eu dou ordem de n?o atirarem. Mando pegar minha espada. Meu escudeiro trás a capa dourada com a empunhadura ricamente adornada de púrpura com os la?os cor de carmesim. A lua é refletida no metal prateado da mais preciosa espada do reino da Filístia. Três gera??es de guerreiros haviam empunhado a afiadíssima lamina em inúmeras e gloriosas batalhas. Levanto a espada para o alto agradecendo a Dagom a honra de exterminar com o grande guerreiro dos hebreus. Eu mesmo vou arrancar a cabe?a do condenado.Meus soldados se afastam enquanto caminho com passos firmes em dire??o ao quase finado homem de guerra das tribos dalém do rio.Pelo que observo, o pobre coitado enlouqueceu. Ainda estava um pouco distante dos portais, mas pelo que parece a infeliz criatura o está tentando abrir com as m?os. Sozinho. Um inseto burrinho, diante da imensid?o dos portais, cujas asas vou arrancar.Era pior do que eu pensava. O que é que o desespero n?o faz com um indivíduo. Ele n?o está tentando abrir; está tentando arrastar os portais. Animalzinho irritante. Dois meses de preparativos foram gastos para suspender os gloriosos port?es de Gaza. Dezenas de escravos foram esmagados instantaneamente quando uma das folhas da porta magnífica arrebentou as grossas cordas que eram tencionadas pelos carros com animais. Eu era pequeno na época que os port?es foram erguidos, dois anos após seu projeto e constru??o. E agora um único homem, filho de um povo sem honra, de uma tribo de beduínos, de errantes, tenta erguer as consagradas portas de Dagom, cujo peso excede o entendimento. Ainda me lembro do cheiro do azeite e do sangue de crian?as imoladas na consagra??o dos portais. O som das trombetas da invencível Gaza reverberando a glória da mais poderosa fortaleza criada na terra desde a antiga cidadela de Jericó ainda estava nos meus ouvidos.Foi quando escutei o barulho ensurdecedor de rochas se partindo. Foi quando, a belíssima e hereditária espada com meu nome gravado caiu da minha m?o. O som era semelhante ao de um raio caindo, só que n?o haviam nuvens carregadas sobre o céu estrelado daquela noite.Por detrás de mim o grito de terror de uma multid?o de pessoas, (e n?o era dos civis da cidade). A vis?o era por demais, aterradora. Os símbolos do Poderio de Gaza, uma das maiores cidades do império Filisteu, estavam sendo arrancados diante dos meus olhos estupefatos. Um único homem erguia sobre suas m?os ambas as folhas das portas, suas umbreiras e sua trave, Os engastes de ferro fundido e bronze se partiram diante daquela for?a gigantesca, enquanto peda?os do muro com três metros de pedras lavradas rolavam no instante em que os portais eram levados para fora da cidade. Em nenhum momento ele as arrastou pelo ch?o. Impassível ele as colocou sobre si e se foi. Correndo.Ele se foi, levando em suas costas os portais.Perguntei se havia algum voluntário para sair no seu encal?o e o silencio foi minha resposta.Três dias depois saímos com um grupo de patrulha a procura do semi-deus, parando aos pés da montanha que olha para o cume do Hermon, 36 Km da cidade de Gaza. Sobre o alto do monte havia algum tipo de fortifica??o. Quando subimos nele pela estrada que ia para o Hermon, encontramos os port?es. Estavam lá, eu me lembro perfeitamente, iluminados pelo sol de um novo amanhecer. Estávamos assombrados demais para dizer alguma coisa. Resolvemos cessar imediatamente a persegui??o. Soube depois que o homem que fizera tal maravilha tinha cinqüenta anos na época em que fez tal coisa. A mesma idade que tenho hoje, quando visito de novo o Monte dos Portais. Os portais já n?o existem mais, foram queimados há dez anos atrás, quando finalmente conseguiram destruir o tal homem. Quatro mil pessoas pagaram com a vida a ousadia. Na época eu n?o acreditava em nada, somente na for?a de minha espada, que por sinal perdi na correria daquela noite miraculosa. Olho para o alto e adoro agradecido o Deus que permitiu que vivesse para contemplar tais coisas. A muito n?o sirvo mais ao sanguinário Dagom. Hoje me dirijo ao santuário de tenda, erguido em Siló, como fazem todos os anos aqueles que como eu também fizeram o voto de nazireu. A circuncis?o foi a única coisa inc?moda nessa nova etapa da minha vida...(... E os cabelos compridos incomodam um pouco no ver?o). FOLCLORE, O CONTO - O HOMEM QUE ESTOCAVA VENTO... Eles jogaram o neg?o de roupa rasgada pra dentro do cambur?o, sem a mínima cerim?nia. Corpo cheio de hematomas, camisa rasgada, caiu como um saco de batatas descascadas no interior da caminhonete surrada, cheirando a óleo diesel, graxa e suor, desequilibrado pela sua condi??o de deficiente físico. - Esse safado perneta, tava lá no morro vendendo trouxinha de maconha!- Tava N?o sinh?, doto policial! S? homi honrado, num fumo, num bebu, num s? dessas coisas n?o sinh?!- Cala boca, Neguinho do Pastoreio! – e outra coronhada na cabe?a do pobre coitado, já ensanguentado de tanto levar bordoada de dois brutais homens da policia militar. - Acha que a gente acredita em fada? Duende? Hein, saci dos pobre? Cabra avexado de feio, tua m?e jogou fora o bebê e criou a placenta? Eu que n?o cria em assombra??o, agora tenho que cuidar de um crioulo feio como por?o de navio negreiro. E vai logo entregando teus cumpadres que a noite vai ficá muito feia pro seu lado, neguinho sem vergonha, se você n?o disser pra quem você trabalha!- Sinhozinho, eu n?o sou do tráfico n?o sinh?! Eu trabalho na floresta, eu sou mateiro, eu fa?o remédio medicinal, aprendi a muito tempo atrás.- Eta neguinho disgracento de mentiroso! E outro tapa na orelha do individuo.- Vai pra gaiola, curupira do morro, corvo preto de senzala! Vai apanhá até a cuca te pegá, traficante miserável.- Sinh? doto, delegado, vai isso n?o, que os outro v?o vir atrás de mim e eu num sei que bicho que vai dá. - Que “outros”, bicho safado? Quem s?o ‘teus comparsa’? Deixa eles chegá perto da Delegacia pra virarem rede de pesca de tanto tiro que v?o receber. Tem 30 homens lá necessitando treinar tiro ao alvo. Fecha a tampa e leva o neguinho do pastoreio lá pra DP.O cambur?o fechou a tampa traseira sob as lamenta??es do negro de uma única perna e foi-se escoltado por mais duas viaturas para a delegacia no centro da cidade. Arrancaram o sujeito de lá e levaram pra cela, enquanto implorava pra que lhe soltassem porque “os outro iam sentir sua falta e o bicho ia pegá”. O Sargento mostrou uma escopeta carregada, duas metralhadoras com pentes que iam até o ch?o e mostrando o sorriso amarelo com o dente dourado falou: - Num vejo a hora de me encontrar com teus amigos, saci-zinho dos inferno!Dizendo isso lan?ou o coitado dentro da cela com mais três sujeitos presos.Passava da meia-noite. Ent?o se ouviu um ruído estranho do lado de fora da delegacia, o guarda de plant?o correu para a porta, mas n?o viu nenhuma movimenta??o, a n?o ser um mendigo esfarrapado, carregando um enorme saco e olhando de modo estranho para eles.O guarda de plant?o empunhou a metralhadora numa das m?os e um cassetete na outra se dirigiu para o outro lado da rua.- Some daqui, espantalho, pega tuas trouxas e vai embora que aqui n?o é lugar de mendic?ncia n?o!O mendigo permaneceu imóvel enquanto o policial se aproximava amea?adoramente.De dentro da Delegacia ouviram um grito abafado e o barulho de uma metralhadora se distanciando e nada mais. Outros dois policiais correram fora e só viram o estranho mendigo com o saco em sua m?o. Na cela o ensanguentado deficiente balbuciou umas palavras.- Eles chegaram. Eles chegaram...O sargento correu até a cela, bateu com o porrete nas grades e gritou para o deficiente:- Eles quem, preto velho das trevas? Eles quem?O neg?o suava lividamente. Encharcava os trapos que ainda restavam de suor. Balbuciou:- Os outro. Do lado de fora o barulho de cascos de um cavalo correndo no meio da escurid?o denunciavam aproxima??o de alguma coisa que vinha de longe queimando como uma tocha acessa.Ao lado do mendigo apareceu alguém. Mulher com vestido negro e longo, que n?o permitia que seus pés pudessem ser vistos. - O mendigo tá com uma amiga prostituta. Tá pensando que a rua é motel? Vai lá Hernani, tu também Francisco. Ao pisarem na rua, o ruído de trovoadas e flashes de luzes indicavam a aproxima??o de uma tempestade. Um dos policiais correu contra o mendigo que também correu na sua dire??o.- Parado ai ou te fuzilo, seu animal – gritou o policial assustado – mas n?o adiantou, o mendigo levantou seu saco enquanto o policial disparou em sua dire??o repetidas vezes... em v?o...O mendigo lan?ou o saco ao redor do policial e como se fosse engolido por um gigantesco animal, desapareceu dentro do saco. O outro soldado aterrorizado com a cena disparou novamente e os tiros penetravam nos trapos que vestia sem que nada acontecesse. Ent?o a mulher levantou uma das m?os e o policial voou quase treze metros, como seguro por uma m?o invisível, destruindo o para brisa da patamo onde caiu. A mulher estranha, de aparência gótica, fixou seus olhos contornados de lápis negro em dire??o a delegacia e repentinamente a parede externa foi destro?ada.A poeira da parede caindo criou uma nuvem fantasmagórica. O ch?o da delegacia tremia enquanto policiais corriam em busca de armas, prote??o e locais onde pudessem enxergar e entender o que acontecia.- Barricada! Gritou o Sargento enquanto um dos policiais derrubava uma mesa.O barulho dos cascos de cavalos parou exatamente ao lado da mulher cujos cabelos agora arrepiados faziam com que ela parecesse uma bruxa saída de um conto inglês. Na sua frente uma torre de fogo com doze metros de altura e na base da chama algo que parecia um corpo de animal. De uma mula. O quê qué isso? Isso n?o pode estar acontecendo - bradou o sargento. Atira nessas coisas! Vinte metralhadoras cuspiam fogo para frente da parede destro?ada e quando a cortina de balas cessou, já n?o havia nada na frente da do prédio semi-destruído.Foi quando escutaram a risada. E algo com cabelos arrepiados, se movendo a uma velocidade espantosa, entrou na delegacia. As luzes se apagaram e tornaram a se acender. Um dos policias gritou:No teto! No teto!Pendurado nos vergalh?es de uma viga que pendia no teto uma criatura com os olhos de uma ave, unhas gigantescas e os pés voltados para trás.Atira nessa coisa no teto!Várias rajadas foram disparadas, mas a criatura se movia rápido demais. O delegado olhou para onde ficam as celas e entendeu que tudo tinha a ver com aquele neguinho safado que tinham pego momentos antes no alto do morro. Negro desgra?ado, pensou.O delegado chamou um grupo de policias armados para irem até a cela:Pra dentro! Pra dentro Acenando com as m?os come?aram a correr.A parte da frente da Delegacia pegou fogo. Do meio do fogo, enquanto ouviam um estranho zurrar, saiu a mulher vestida de preto sem estar ao menos chamuscada.O delegado alcan?ou as grades, abriu a cela e pegou na gola do que restou da camisa do negro surrado sentado no ch?o- Explica isso ou você morre, preto desgra?ado!- Explicá o que dot?? Sou só um mateiro, eu disse que os outro ia chegar. O delegado tirou um revólver calibre 38 do coldre, engatilhou a arma e apontou para a cabe?a do homem de uma perna só.Tá me tirando de palha?o? Se essas coisas s?o o que eu penso que elas s?o, ent?o tu tá ferrado, sacizinho de bosta. Já que tudo que tu sabe fazê é redemoinho...Pela primeira vez o negro parou de balan?ar a cabe?a, ficou sério e mirou bem nos olhos do delegado...- Eu fazia redemoinho sim sinh?...mas tem muito tempo...muito tempo...eu era pequeno...muito pequeno... antes da cidade grande...do avi?o...dos navios de ferro...dos barco de madeira...antes dos h?mi sabê usa forno de fundi??o e trabalhá o ferro.E agora, neguinho do pastoreio... me diz antes de morrê, ...seu ALEIJADO!...tu sabe fazê o quê?O negro deu um sorriso inigualavelmente branco quando um mendigo com roupa de trapos, um ser de pés virados para trás e uma bruxa se puseram por detrás do delegado. Ent?o falou:- Agora eu domino o vento. Todo ele.E dito isso, toda a delegacia foi varrida por um vendaval que arrancou até as funda??es do prédio. Quando terminou a ventania, só tinha restado na regi?o devastada um homem de uma perna só, uma bruxa e um mendigo.A mulher perguntou: - Cade o Curupira?O saci sorriu. Cavalgando o vento. Como sempre.Ent?o desapareceram no meio da noite... ...pleonasticamente... ...escura.PORTA DE SA?DAEu sentei no primeiro banco do ?nibus próximo ao motorista, indo da cidade até chegar próximo de onde morava. Ainda haviam outros lugares no ?nibus quando ela entrou. Na verdade eu n?o a vi entrar. Eu tinha trinta e três anos na época. Ela talvez tivesse dezoito. Mas n?o é uma estimativa precisa. Vinha ou iria para uma escola cujo o uniforme era uma cal?a azul e uma blusa branca de tecido. O banco onde eu sentava é justamente aquele que fica atrás do motorista. O primeiro do lado esquerdo dos nossos ?nibus municipais. Era uma tarde de outono, o dia n?o estava nem frio e nem quente demais, as avenidas pelas quais passávamos n?o estavam congestionadas, ao mesmo tempo o fluxo intenso de veículos n?o permitia que o ?nibus andasse depressa demais. Eu estava sentado junto a janela. Olhava as ruas, as pessoas, aos outros carros, pensava na vida. Ent?o ela sentou-se do meu lado. E por alguns momentos eu parei de respirar. Minto. Apesar de já passarem-se alguns anos, talvez eu ainda esteja prendendo a respira??o. Ela era uma morena com os cabelos compridos e encaracolados, realmente muito bonita. E se sentou sorrindo. Eu sorri cordialmente e rapidamente grudei meus olhos na janela novamente. Mas fiquei inquieto. Por demais, inquieto. Daquele tipo de inquieta??o que faz as m?os come?arem a suar, depois que você descobre que n?o sabe o que fazer com as m?os. Mas, agora, ruas, as pessoas, os outros carros, e a vida, já n?o faziam tanto sentido. Mesmo porque já n?o conseguia enxergar as ruas, já n?o conseguia ver as pessoas, já n?o ouvia os outros carros e já nem pensava mais. A linda morena aparentemente n?o percebia que eu estava ao seu lado entrando em um estado de deslumbramento que já estava me lan?ando a uma outra dimens?o. Como quem n?o queria nada, mas ao mesmo tempo obcecado pelo intenso desejo que os passageiros sentados ao lado de lindas morenas possuem de observarem ao menos por um breve instante, a silhueta da linda mo?a sentada ao seu lado, olhei em dire??o à porta de saída. Deve ser uma coisa instintiva isso. Querer olhar para a porta de saída. Da porta os olhos se voltaram para a jovem. E por uma dessas estranhas raz?es frutos dos mistérios contidos na imensid?o do universo, a jovem olhou para o lado. Ent?o aconteceu. Talvez n?o fosse para acontecer. Talvez fosse evitável. Duas for?as descomunais se encontram pelo espa?o de um sonho. Nossos olhares se cruzaram. Sabe quando os olhares se tocam? Já parou para imaginar porque nos sentimos t?o incomodados se uma pessoa nos observa, se alguém fixa seus olhos em nós, e principalmente se os nossos olhos se firmam nos olhos de outra pessoa? Algo deve sair do ser humano junto de seu olhar. Uma for?a incalculável, invisível, mas presente, quando alguém se disp?e a olhar outra pessoa. Essas for?as invisíveis se chocaram com tamanha grandeza, que fui constrangido a desviar meu olhar dos olhos castanhos daquela morena. E seu olhar n?o foi forte o suficiente. Talvez ela pudesse fazer um planeta se deslocar com aquele olhar. Talvez ela pudesse fazer chover se olhasse fixamente para uma nuvem. Mas por mais poderoso que seja um olhar, ele sempre se incomoda com outro olhar. Ent?o ela abaixou seus poderosos olhos a vista da fragilidade dos meus. Os homens possuem, normalmente, for?a física maior do que de uma mulher, apesar das exce??es. Geralmente os cargos de maior poder e autoridade ficam nas m?os de homens em tempo de paz, assim como o poderio de for?as militares incontáveis em tempos de guerra. Mas, a cabe?a de um general se desvia para o lado diante do olhar de uma prisioneira de guerra. Quando mais o meu, que nunca fui um militar. Tornei a olhar para a rua. Aquela que eu já n?o enxergava mais. Eu era um pouco tímido. Na verdade poderia sorrir e conversar. Mas, como já era comprometido, tinha ao mesmo tempo o receio de me envolver de um modo impróprio com quem n?o poderia. Receio fruto da condi??o humana. De suas fraquezas, suas idiossincrasias. Ou era fruto da minha condi??o humana naquele dia. No meio desta densa medita??o, o motorista resolveu aquele impasse de conversar ou n?o conversar. Ele pisou bruscamente no freio. T?o bruscamente que eu cai. O banco em que eu estava sentado estava solto. Alguma coisa na lei da gravidade e outras leis físicas de movimento conspiraram para o que aconteceu nos momentos seguintes. Diz antiga lei que quando um ?nibus freia bruscamente você deve ser lan?ado para sua frente e se possível, dependendo da velocidade, atravessar incontinente a película de vidro que separa o primeiro banco do assento do motorista. Assim faria, se n?o fosse a baixa velocidade e algo n?o tivesse me lan?ado para minha direita, fazendo-me cair desajeitadamente no colo da bela morena. Apoiando-me em seu colo e segurando uma coluna à frente de seu rosto, me ergui. E solícito pedi desculpas, numa cor que ia do vermelho para o vermelho intenso. Ela sorriu de novo. E disse que essas coisas acontecem. Eu falei mais algumas coisas. Na verdade n?o me lembro do que falei. Na verdade eu só queria falar. Qualquer coisa. Em qualquer língua. E ela concordou com tudo o que disse. Ajeitando o longo cabelo.Lembrei-me que tinha um trecho de um conto comigo, que trouxera para ler no trajeto. Apesar da tremenda impropriedade do momento, resolvi ler." O últimoAs naves capitaneas cercaram o planeta azul. A nau principal enviou em todas as frequências possíveiso ultimato. Entreguem o último ou seu planetóide seráexterminado. Dentre as duas mil naves que rodeavam oplaneta azul, cem delas podiam dizimar um sistemasolar. A nau principal podia colapsar uma galáxia. OsSombrios eram um povo belicoso e vingativo. O ultimatofoi repetido por semanas. O terror se apoderou doplaneta azul. Tanto que enviaram batedores a todo oplaneta para procurar o último. Só que n?o sabiamsequer o que procurar. Solicitaram explica??es aocintur?o de naves que já destruía parte de suas cidadesao redor do planeta azul. Enviaram uma imagem de ummundo desolado com um número na imagem. O número era de20 bilh?es. De mortos.As autoridades entenderam que aquele a quem procuravamdeveria ter alguma coisa com aquilo. Passaram-se maisdois dias quando o prazo final dado pela esquadraacabou. Os Sombrios se afastaram um pouco do planetóidee uma das cem naves capaz de detonar um sistemainteiro mirou suas armas na esfera azulada..Foi quando um homem segurando uma crian?a nas m?os aolado de uma bela jovem, morena de longos cabelos,blusa branca e cal?a azul, m?e da crian?a, apresentou-sea um grupo de guardas na frente do prédio da ONU. Ohomem beija a testa da crian?a, sorri e a entrega parasua m?e. Ent?o beija docemente a m?e da crian?a.Disse que era o último.Os guardas riram. O homem sorriu. Estendeu a m?odireita apontou para as bandeiras à frente do prédio.Naquela tarde, sem vento, naquele entardecer cuja fachada de vidro do Edifício da ONU se tingia devermelho, todas as bandeirastremularam......O comunicado da ONU partiu tarde demais. Aquelaentre as cem disparou um raio contendo poder deincinerar um planeta contra o planeta azul.Os Sombrios esperavam a coluna espiralada do mundocolapsado emergir nos confins siderais no espa?o de uminstante.A coluna n?o surgiu.As naves capitaneas enviaram um comunicado para a nave entre as cem. A nave entre as cem n?o respondeu. O último havia sido encontrado.A quest?o era.Poderia ser vencido? ” Um minuto e dois segundos haviam passado. Eu tinha quebrado todos os recordes e ultrapassado todos os limites que a leitura din?mica imp?e. Ou que a mente imp?e sobre a leitura din?mica. Olhei de novo para o lado. Ela me sorriu. Eu abaixei o conto. Olhei para fora e adiante do nosso ?nibus o sol declinava no horizonte, imenso e rublo, incendiando o céu. Ent?o falei pela primeira vez algo com sentido. De como estava lindo o entardecer. Ela olhou para o céu e concordou. Lembrei-me que quando estava para pousar em Brasília certa feita, também havia visto um tremendo por do sol. Lembrei-me que no planalto central o entardecer também era muito belo. Ela concordou. O ?nibus inteiro estava alaranjado, inclusive nós. Tons e reflexos do entardecer emolduravam o rosto da morena que outra vez fixou seus olhos em mim. Deveria existir uma lei que impedisse um olhar como aquele num por do sol com aquele. O tempo parou. Dentro de minha mente ao menos. Todos nós seres humanos possuímos dentro de nós uma equipe de cineastas que em determinados momentos montam todos os equipamentos de última gera??o para filmar essas cenas para o acervo de nossa memória. Nem tudo que vemos é filmado. A nossa equipe interior tem seus próprios critérios. Suas próprias escolhas daquilo que ficará no acervo. Chegou a hora em que a jovem soltaria. Ela olhou para a porta de saída, do mesmo modo que eu quando a vi pela primeira vez. E depois olhou para mim. Sorriu, disse "tchau". Eu retribui, embora soubesse que n?o era "tchau". Era adeus. Na minha mente veio um trecho do conto que havia lido:"O terror se apoderou do planeta azul."Enfim ela se levantou. Era como se n?o quisesse. N?o sei explicar como sei. Talvez pelo modo triste com que disse "tchau". Talvez fosse somente minha imagina??o. Ela saiu pela porta da frente. Através da porta de saída.Aquela maldita porta de saída. JAGUN?ADAUma história de c?o entre um homem e uma mulher.Cantador de causos, o contador, de uma perna e de uma bra?o e de um olho e de uma orelha só, chegou de novo na cidade, e a multid?o se acomodou. Era a última vez que contaria a história que por cinquenta anos contou, como jura feita a muito, a quem n?o se sabe, a quem n?o se viu. Trazia sempre aos lombos, um alforje, e uma sacola com alguma coisa que só mostraria quando chegasse a hora. A cidade em rebuli?o esperaria o entardecer, porque no dia ditoso, quando contasse a Jagun?ada, pela derradeira vez, o que levara consigo por quase cinquenta anos, finalmente, iria o falava o cantador. As crian?as em polvorosa, pois todos queriam ouvir, outra vez a jagun?ada, outra feita, outro sen?o, a interminável história e sua can??o.E assim que entardeceu, come?ou, o contador a contar seu causo:Cabra-ruim-de-más-bicho-muito-ruim-mermo. Era ele assim conhecido. Cabrunco odioso de mal. Jagun?o afamado da regi?o que compreende a pequena faixa entre Ponta-por? e Juazeiro do Norte. Cabra jurado de morte por Cabra-ruim era um homê marcado pra morrer. Qual como cabra defunto seria tido, aos olhos da popula?a trêmula, que a muito adentrava as noite pra sepultar os matado, daquele cabra matador. Longe de mim, criatura abestada, teu distino tá tra?ado, e num se aproxegue naum, que na várzea da artilharia pode sobrá tiro pra mim.Assim excomungavam aos mortifundos, quando os coronéis avisavam que Cabra-ruim-de-más-bicho-muito-ruim-mermo estava pra chegar.Fizeram-lhe, num dia nebuloso cujas sombras já se esvaem, emboscada ferina com os mais perversos matadores que o dinheiro podia comprar. Vinte e três homens, cada um com trinta quilo de balas, com mais fac?o na cinta que unha de jaburu nas m?o, se atiraram incólumes pelas costas do caramunh?o. Triste sina dos matuto que findaram entre as bala do marvado matador.No mermo dia em que Cabra-ruim-de-más, chorou uma lágrima tormentosa pelo olho que ainda tinha, compungido o cora??o. Pois nunca, em toda sua andan?a desgra?ada como exímio matador, matara t?o pouca gente de uma só feita. Somente vinte e três...Corpo que nem uma peneira, Cabra-ruim tava acostumado, mas lhe incomodava a média.Homem macho que nem eu num mata menos de trinta. Como é que foi acontecer? T? perdendo a postura, t? desvalorizado? Vinte e três! Só de raiva vou passar a cidadela no fac?o, pra essa gente miserável respeitar quem é o c?o.E assim seguia aquela praga, jagun?o de renome, eta cabra ruim sim sinh?.O afamado Coronel Desarraiga da Lima e Silva Teodoro, Capit?o, azucrinado pelos feitos desta peste mortifúndia, arresolveu convocar o jagun?o derradeiro, NA VERDADE, UMA MUI?. Amorosa da Caatinga linda. Mais conhecida como Diga-adeus-que-vais-morrer, de quem contava a lenda, seria o quinta cavaleira do apocalipse em fase de treinamento, convocada para tomar 'sastifa??o' com o recalcitrante marfega?anho. Aquela muié sofrida, que perdera sete irm?os, pai, m?e e cabritos, nas fomes das secas incontáveis nas tormentas do sert?o, se tornara numa lenda tamanha que fazia Maria-bonita parecê uma doce donzela sonhadora. Trocentos homens jaziam sem cabe?a pelas estradas sertanejas, frutos da pontaria daquela órf? impressionante. O dia inda tava claro quando a jagun?a Diga-adeus entrou na cidade sofrida de Nazaré das Farinha. Uma romaria de matuto rumou para qualquer lugar, entre o ontem e o amanh?, porque sabe-se lá que iria acontecer quando os dois cabra da peste, arresolvessem se bulir.Esticando o queixo duro, com voz de paca atarracada grunhiu Diga-Adeus: Pra onde ocês v?o, ra?a de matuto fugidor?Nóis vamo pra duas légua depois que o cafundó-dos-Judas termina! Gritou a popula?a.E assim se ia a aterrorizada multid?o.Cabra-ruim se encontrou com Diga-adeus as duas da tarde em frente do cemitério. Cabra-ruim com uma pá nas m?o, sorriu amostrando os dois dentes escurecidos que ainda tinha e gritou:- Vem cá minha nega, já preparei procê um lugar, bicha safada, pra tu num tê que se aperreá com aluguel. Nunca mais. Tá querendo tu segurá o toro brabo com as m?o? V? tê cortar aos poco, pra tu aprendê a respeitar os cabra-macho, muié despeitada!- Cumpadre Cabra-ruim, homem perverso de dá dó, aprumado na arte do exterminío, tá na hora, mormente chega pra qualquer um de nós, de intendê que as pessoa s?o que nem os indivíduo. Que bobagem é espirrar na farofa. E que boi lerdo bebe água suja.Cabra-ruim-de-más-bicho-muito-ruim-mermo nem se co?ou. Um tédio só. - Eta cabra faladora, essa tal de Diga-Adeus. Tá querendo me matá falando, muié?M?os crispadas de Diga-adeus sobre as empunhaduras dos fac?es de cortar cana:- Ao assustado a própria sombra assusta? Burro velho n?o toma freio? Cabra-ruim-de-más; cachorro comedor de ovelha, só matando. Diz ent?o, cabrunco, como é que tu qué morrê.Cabra-ruim responde.- Cavalo bom e muié valente, a gente só conhece na chegada.Cabra-ruim cospe no ch?o. Se é que aquilo que saiu e sua boca podia ser chamado e cuspe. Levanta a aba da chapeleira de couro de toro castrado à unha por ele mesmo, dá uma rabanada de olho, aquele tipo de olhar enviesado que quando n?o aleija, mata, três fungadas e um buchicho e ent?o fala:- Tanto acoar em sombra de corvo, pelo menos me diverte um pouco. Mas tu sabe que te dou valor. Por isso tu vais morrer aos pouco, coisas que n?o fa?o com todo mundo, só com os privilegiado. Agora vamo nóis cerra a noite, cabrita marcada pra morrer.A tiranban?a desenfreiada come?ou ali, os dois pulando mais que corisco em dia de temporal.E assim foi. No mais porreta de todos os enfrentamentos. Incendiaram Nazaré ‘das Farinha’. Entraram por dentro de três planta??o de cana, e num deixaram uma mardita em pé. Os gados desperado daquele confronto intenso, correram pro lugar errado e se atinaram em meio aos matadores. A boiada foi destro?ada pela for?a dos peleantes. Era rebenque subindo, talaga?o feito chuva e nada parava o gasquea?o daquele intenso entrevero. E assim foi por quase três dias. Cabra-ruim já tava todo cortado. A cal?a de couro de cabra de Diga-Adeus mostrava sua perna torneada, arranhada e suada, mas de todo modo a perna de uma muié.Pela primeira vez em toda sua vida, Cabra-ruim vacilou. Diga-Adeus arfava quase sem se mantê de pé. A m?o tremia enquanto seu olhar se fixava na fronte do caramunh?o. E pela primeira vez em toda sua lida, Diga- Adeus se admirou de um homem. Mas, partiram resolutos um pra dentro do outro, que aquilo num era hora de namorá. Eta confronto arretado das terras queimadas, onde o sol inclemente decidiu jamais se afastar! E assim foi. Por mais dois dias.E quem sabe quando essa peleja intensa, arresolvia terminá?Inté que chegaram as tropas di coroné Serapi?o, amigo de Rufoespino, parentedo afamado Coronel Desarraiga da Lima e Silva Teodoro Capit?o. Trezentos jagun?os treinados pelas m?os do Capit?o.Os cabra cercaram a cidade armados até a unha dos dedos dos pés.Vixe Maria! Como falava o contador! Ent?o cansado, o cantador de causos, o contador, de uma perna e de uma bra?o e de um olho e de uma orelha só, por ordem da promessa feita, dispois ocês h?o de saber a quem, arresolveu terminá.Pra encurtar essa lida, desta história renhida, como fiz, foi minha sina, agora livre vou-me embora, acabou-se, ai vou eu, pois na vertente dos dias, no cochicho da noite e quando fina a promessa, me vou.Lentamente o contador abriu a bolsa, para o espanto da multid?o, e delas caíram dois cr?nios, feitos peda?os, no ch?o.Os cr?nios foram rolando batendo entre as pedras dos paralelepípedos caiados de branco, até pararem. E um menino de sopet?o, tomado de grande assombro, gritou e fêz a pergunta, do meio da confus?o:- Porventura s?o esses os cr?nios de Cabra-ruim e da desgra?ada Diga-Adeus? Os infame matador, naquele mês de horror, viraram enfim vatapá?A multid?o acompanhou em coro a pergunta:- Responde, cantador!O contador entortou a boca, balan?ou a cabe?a, deu um silvo e sua m?o declinou.Ent?o quase que rindo, n?o se conteve e bradou:- Esses s?o os corenéis Serapi?o e Capit?o, dos trezentos condenado, só eu sobrei, ninguém mais n?o... Cabra-ruim e Diga-Adeus fizeram o que nóis nunca iria esperar. Quando se viram cercados, decidiram por de lado as desaven?as e entraram por dentro da Caatinga, os mardito. Nóis procuramos por três semanas. Nos embrenhando pela ata virgem, perdemos, inda naquela semana, mais de trinta cabruncos. Foi quando com armas tiradas Padre Cícero sabe da onde, Aquela muié bandida e aquele capanga de nome, arresolveram nos matá. Me deixaram viver pra que eu contasse a história, levando eles inté a fazenda de Serapi?o e Capit?o.A multid?o ovacionava a história renhida, daquela luta marfadada, daquela jagun?ada terrível.E de novo o menino curioso sem se conter, sem se segurar, questionou:- E que fim levou, os jagun?os, desta história que finda?O contador parou. Virou-se. Olhou sério para a multid?o, agora silenciada. Os olhos atentos, o murmúrio do vento. Ent?o falou:- Int?o, mormente finda a lida, a sina... juntaram os trapo, as ferida e a dor,e si uniram pelos sagrados votos do matrim?nio... E sem se virar de novo,...o cantador... ...disse adeus. O CONSELHO DE AITOFELBaseado em texto das Escrituras - livro de II Samuel. Ent?o fizeram saber a Davi, dizendo: Aitofel está entre os que conspiraram com Absal?o. Pelo que disse Davi:- ? Senhor, pe?o-te que transtornes em loucura o conselho de Aitofel.Ao chegar ao cume do monte onde costumava adorar a Deus, eis que Husai, o arquita, veio encontra-se com ele, de manto rasgado e terra sobre a cabe?a.Disse-lhe Davi: - Se fores comigo ser-me-ás pesado.Porém se voltares para a cidade, e disseres a Absal?o: - Eu serei, ó rei, teu servo, como fui dantes servo de teu pai, assim agora serei teu servo; dissipar-me-ás ent?o o conselho de Aitofel.trecho deII Sm 15:31-34Davi olha profundamente os olhos de seu antigo amigo. Nunca sentira tamanha dor em toda sua vida. Nem quando morrera seu primeiro filho, após dias de choro e jejum. Aperta fortemente seu ombro, apesar da m?o cansada, entendendo ser naquele instante, somente mais um soberano deposto, como tantos antes dele e como tantos depois que ainda haveriam de cair. O trono n?o era essencialmente sua vida. Na verdade, ele já n?o sabia mais o que era sua vida. Talvez as ovelhas, na época em que corria pelos campos, tendo a túnica costurada pelas m?os de sua avó, Rute, molhada pelo sereno e pelo orvalho das frias manh?s ao redor de Belém. Conhecia a todas as suas ovelhas pelo nome. Muitos anos haviam passado desde ent?o. Mesmo quando sua espada (que a custo aprendera a usar) bradava em campos semeados pelo sangue ou quando aturdido pelo bramido da multid?o de inimigos em batalhas inenarráveis, mesmo lá, n?o sentia tanta dor. Se ao menos tivesse continuado como um simples pastor de ovelhas, um pastor ainda seria. Nesse momento desafortunado, n?o era mais do que era um homem amargurado, que perdera tudo. Era a sua vida que Davi deixaria, seu castelo, suas tropas, sua cidade, seu reino. Que lhe importava mais? Seus pensamentos o conduziam pelas rec?maras palacianas, quando Absal?o ainda pequeno corria atrás de sua irm? Tamar, observados atentos pelo sombrio olhar de seu irm?o menor, Amon. Amon já n?o existia mais. Morrera pelo ódio de Absal?o que jamais perdoou Amon por ter abusado de sua irm?, quando ela se tornou uma belíssima adolescente. Davi inspira profundamente. Nos últimos dois anos a notícias da revolta do povo de Israel contra os impostos, as denúncias de arbitrariedade de seu governo, as acusa??es de déspota, sempre soaram como despeita. Como pudera ser t?o cego? A cada manh?, Absal?o usava de seu prestígio de príncipe real, para arregimentar cora??es para sua sinistra causa. Ajuntou-se aos nobres dos povos, fez reuni?es em cidades e proclamou promessas de glória e expans?o do reino, alardeou sua justi?a em detrimento do caráter desqualificado de seu velho pai. O fim da era davídica fora anunciada pelos caminhos e estradas de Damasco até o deserto e Davi n?o o quis ouvir. Parte do sacerdócio se reuniu em Hebrom para ungir antecipadamente aquele que no oculto se insurgia contra seu pai. A dor era tremenda. Os exércitos de Israel se ajuntaram naquela noite: os anci?os; os administradores do reino que nascia; os conselheiros que o abandonaram, preparados para varrer toda oposi??o em Jerusalém ao homem que se tornou rei, antes da morte do rei. Essa quest?o de ordem, também seria remediável. Davi era cabra marcado para morrer. E aquela seria sua última noite na face da terra. A n?o ser que fugisse. N?o teria tempo de fazer mais nada, somente fugir, até ser alcan?ado e eliminado. Todos sabiam que quem apoiasse a Davi, certamente seria morto com ele. Davi ciente de sua situa??o solicita somente que uns poucos servi?ais o acompanhem enquanto ele viaja para lugar nenhum. Sua guarda palaciana, fiel esquadr?o de guerra, pela primeira vez, desde o início do reino, decidiu desobedecer ao rei. Seguiriam a Davi, e morreriam com ele. Homens valentes. Davi possuía uma guarda real, que fora o núcleo do seu exército por quase duas décadas, seiscentos homens cuja fama de suas batalhas ultrapassava as fronteiras dos reinos circunvizinhos. Esses homens formaram em tempos idos a mais poderosa guarni??o de guerra que um capit?o poderia contar. As lendas e can??es narravam esses feitos. Invencíveis. Os valentes de Davi s?o invencíveis. Mas, isso fora a muitos anos. Contudo, com eles ainda se encontrava o homem que num campo de cevada lutou por mais de doze horas, matando mais de trezentos e sessenta homens, para defender sua família contra o poderio dos midianitas. Ele ainda urrava como um le?o banhado em sangue, suas vestes tingidas em carmesim, quando finalmente os refor?os chegaram à sua vila. N?o conseguiram arrancar, naquela noite de suas m?os, a espada, que pendia oscilante de sua m?o ensanguentada. Outros com histórias de vida e guerra semelhantes, ainda vivos, caminhavam nas fileiras daquele terrível pelot?o. Mas o tempo deles acabou. O seu grandioso capit?o era hoje uma sombra. Uma sombra atormentada pelos fantasmas do passado. Já n?o valia mais a pena lutar. Seu próprio filho se rebelara contra ele. Se já n?o tinha mais uma família, que lhe adiantava um reino?Fica Husai. Eu já estou quase morto. Com Absal?o está meu maior conselheiro. Bem sabes que foi teu mestre nas artes da diplomacia. Ele planejava as a??es do nosso exército, juntamente a Joabe, meu general. Tu sabes o que o povo fala sobre ele, n?o sabe? Husai responde ao velho amigo. - A voz de Aitofel é a voz de Deus. Husai apertou os lábios. Franziu a testa. E continuou:- Davi, se ousar contradizer um conselho deste homem, como se tivesse capacidade para tal, ir?o imediatamente perceber que estou do teu lado. Se concordar com Aitofel, essa noite ainda, meu amigo, irás morrer. Se eu enunciar algo mais mortífero do que sei que ele dirá, como escaparás? O que vou fazer meu amigo? O que vou fazer Davi? Davi olha com ternura para Husai, tendo nos olhos os reflexos avermelhados do por do sol. Sorri como se dissesse adeus e entrega sua vida nas m?os do segundo maior conselheiro e maior amigo que a vida pode lhe outorgar depois de Jonatas, filho de Saul. Husai vê o pequeno exército acompanhando seu mais nobre líder, enquanto as mulheres de Jerusalém entoam sua lamenta??o. Um louco atira pedras sobre o atormentado rei. A estrela de Davi, afinal, se apagara.Naquela fria madrugada parte do imponente exército de Israel e uma tremenda comitiva, entrou na cidade de Jerusalém, Absal?o a sua frente, como um conquistador. Uma multid?o de pessoas aplaudia sua entrada enquanto as tropas afluíam até o palácio onde só restaram alguns poucos homens, as mulheres e concubinas do rei, alguns oficiais e Husai. Husai está tenso, sabe que se sua representa??o de fidelidade a Absal?o n?o for convincente certamente morrerá. Ajunta-se a multid?o que aplaude a sua chegada, sendo rapidamente notado por ele e seus generais. Husai era uma figura notória em Israel. Ele é convocado para a assembleia solene e para a cerim?nia de coroa??o em Jerusalém, que repetiria a proclama??o feita em Hebron. Absal?o interroga duramente a Husai, que o convence , dizendo que se fora fiel a um rei envelhecido, como n?o ao seu filho, cheio de vigor e vida? Davi era passado. Uma peste. Uma desgra?a da qual Deus na sua infinita misericórdia e sabedoria havia retirado o reino para um homem melhor. Absal?o sorri. Husai estava sendo aceito na insurrei??o. Absal?o tem pressa em confirmar seu reino aos olhos de sua tribo, de Judá, na antiga capital do reino. O nefasto Aitofel dita que Absal?o tome das concubinas e deite-se com elas sobre a sacada do palácio ao amanhecer, a vista de todos, para que todo Israel saiba que é definitiva a execra??o de Davi. O palácio ficava na parte baixa da cidade. Absal?o toma das concubinas e as envergonha sobre os olhos de toda Jerusalém. Tal ato o tornaria odioso diante de Davi. Aquilo era sinal de desprezo extremo pelo monarca deposto. Já n?o restava em Absal?o qualquer sentimento que um dia lembrasse quem fora filho. Mas aquilo era pouco. Enquanto Davi existisse, sua vitória n?o estaria assegurada. Tinha que destruir a lenda. Tinha que destruir seu pai. Envolto num véu de amargura, lembrando bem o descaso com que Davi tratara o sua irm? que fora abusada pelo agora defunto, Amon, Absal?o entra na sala do conselho. Convoca seus generais. Convoca Aitofel. Convoca Husai. Pergunta com voz solene o que deve fazer para acabar com Davi e com seus homens. Os olhares de todos recaem sobre Aitofel. A voz de Aitofel é como a voz de Deus. Sua palavra tinha o peso de uma profecia. Husai sabe em seu íntimo que ali se descortinava o final do mais valoroso grupo de homens do qual tivera notícia. Davi havia vencido batalhas impossíveis de serem vencidas. Subjugou exércitos poderosos, em situa??es de tremenda desigualdade. Mas n?o teria chance contra o conselho de Aitofel.Aitofel se dirige imponentemente até o meio do sal?o. Suas vestes de conselheiro lhe davam uma aparência sacerdotal. As abas das vestes negras, os bordados com figuras prismáticas, obra das artes?s de Sidon. Ent?o falou Aitofel:- Aparelha doze mil cavaleiros armados, do exército que te acompanhou à cidade, e ainda nesta madrugada persegue a guarda real e a Davi, enquanto est?o famintos e cansados, desanimados os seus cora??es, ent?o mata somente a Davi, sem terem como resistir. Quando virem a Davi morto, já n?o ter?o mais pelo que lutar. Oferece-lhes tua prote??o e tu terás também para ti, sua guarda imperial.Um murmúrio tomou conta do imenso sal?o. Husai abaixou sua cabe?a. Mais uma vez Aitofel aconselhara com maestria e perfei??o absoluta. Sua coerência e pragmatismo chegavam a ser irritantes. N?o é necessário repetir que houve concord?ncia unanime com seu posicionamento. Sua frieza era impressionante. Esse homem foi o segundo no reino de Davi. Agora, traidor contumaz. Naquela noite a lenda iria perecer. Husai faz uma prece silenciosa. Sem op??es. Sua mente divaga solu??es desesperadas, mas tudo o que disser somaria dor à tragédia que se descortinava. Se tentasse impedir, certamente seria revelado seu intento de proteger o amigo. Absal?o olha ao redor admirado. Está satisfeito com a resposta de Aitofel. Mas, também se mostrava a hora de provar a fidelidade de Husai. Qu?o real tornara-se a mudan?a do segundo conselheiro? N?o havia participado dos levantes anteriores e até onde podia se lembrar, nunca reclamara de quaisquer dos atos de seu pai. Precisava testar a Husai.Absal?o se levanta e se diz satisfeito. Diz, Porém, que gostaria de ouvir uma segunda opini?o. Caminha lentamente pelo sal?o ostentando sua longa cabeleira ainda ungida pelo óleo que o sacerdote derramara em Hebron. Cheirando a azeite, ele se reclina para Husai que faz for?a para n?o estremecer. Por fim pergunta:- E tu, Husai, o que dizes do conselho de Aitofel? Husai para de respirar. Sua mente as imagens ficam confusas. Se concordasse com Aitofel estaria condenado seu amigo a morte certa. Se discorda, condena-se a si mesmo a morte certa. Pense Husai. Pense Husai. Ele perscruta o mais interior dos seus pensamentos. O que Davi mais precisa? Uma palavra tênue passa como um rel?mpago por sua mente.Tempo. Davi precisava de tempo.Ele também. Ajude-me Senhor. Socorre-me ó Deus. Gritava silenciosamente. Mostrar for?a. Ser resoluto. Confian?a. Sem tremer. Sem pestanejar. Que venha sobre mim o que vier. Husai decidiu arriscar tudo.Ent?o falou:- ? rei, desta vez o conselho que Aitofel falou n?o é a melhor coisa a ser realizada. Como se houvesse outra coisa a ser realizada. Husai precisava lutar pela vida de Davi e pela sua. Ent?o seus olhos se fixam na longa cabeleira de Absal?o. No seu porte majestoso. Ele olha para o homem a sua frente e dentro de seu cora??o a imagem que faz é a de um homem vaidoso. Ensoberbeceu-se contra seu pai pelo direito de reinar. Sua soberba e arrog?ncia o trouxeram aquela situa??o. Husai olha ao redor e contempla a multid?o diante da qual Absal?o quer ser glorificado. Glória. Vaidade. Domínio. Absal?o n?o queria somente reinar, mas se tornar ele mesmo o maior ídolo de Israel. Neste momento Husai compreende. Absal?o queria se tornar a maior lenda do povo de Israel. Seja feita ent?o a vontade de Absal?o. A resposta que Husai desesperadamente necessitava estava no desejo do próprio rei.- Sim ó rei. Tu bens sabe quem é teu pai. E tu sabes quem s?o os homens que cercam a Davi. Todos sabiam. Os valentes de Davi. Cuja fama havia sido registrada nos anais oficiais do reino. Os feitos daquela milícia era parte da história oficial de Israel. Husai apostaria na lenda. Talvez aqueles homens ainda fossem aquilo que sobre eles se falou.- Homens de guerra que nesse momento já se encontram escondidos em valas e cavernas, onde teu pai deve estar escondido também. Você pensa que doze mil cavaleiros podem com os valentes de Davi? Como enfrentar a ursa que teve seus filhotes roubados, n?o é assim que est?o ultrajados os mais perigosos homens da terra? O eco da voz de Husai fazia estremecer o sal?o. E como tocarias a Davi, sem que esses homens n?o se lan?assem furiosamente a batalha? Longe de ti a perda insensata de teus homens, ó rei. Aconselho-te que ajuntes a ti todo o restante do exército de Israel, como a areia do mar, e que por esta semana envies mensageiros por toda a extens?o do teu território. Ent?o este tremendo contingente de homens se ajuntará a ti; Ent?o tu pessoalmente irás e massacrarás impiedosamente a teu pai e sua guarda, sem que tenham chance contra teu tremendo poderio. Mesmo que tenham fugido para outro reino, ou até aos confins do mundo, lá nós os encontraremos, extirpando-os da face da terra! Os olhos de Absal?o brilham. Os gritos de guerra foram ouvidos no amplo sal?o. A multid?o enlouquecera com o discurso glorioso de Husai. Absal?o está aturdido. Em toda sua vida, nunca vira um homem vencer ao conselho de Aitofel. Vira-se para seu conselheiro e diz:- Desta vez, o conselho de Husai é melhor que o teu, Aitofel O anci?o semicerra os olhos e se cala. Ent?o olha diretamente a Husai. Aitofel sabia o que Husai havia feito. O homem cujo conselho era como a palavra de Deus, havia entendido. Aitofel compreendeu que Husai tinha jogado a partida de xadrez melhor que ele. Era Xeque-mate. Aitofel se retira cabisbaixo e derrotado do sal?o. Pega suas coisas e vai até sua aldeia, dá ordens a respeito de suas coisas e seus bens. Se despede de seus familiares e se enforca, sabendo que este seria o destino. O seu destino. Sabia que a vitória ou a derrota se encontravam numa só palavra.Tempo. Tempo que foi dado a Davi e a seu exército para se recompor.Naquela semana Davi alcan?ou a Maanaim onde Barzilai rico senhor de terras supriu seu pequeno grupo de alimentos, queijo, frutas, leite e mel. Os valentes de Davi recobraram seu ?nimo. Prepararam suas armas, deixando a Davi protegido sob as expensas de Barzilai. Seiscentos homens se prepararam para vencer o inferno e voltaram dispostos a retomar um reino para o seu rei. Aitofel sabia. Sabia que este eles venceriam. Davi venceu. Absal?o morreu. O reino foi reconquistado.Mas, antes mesmo dos homens de guerra de Davi saíssem a batalhar pelo retorno do rei, a vitória já cavalgava na dianteira,Trazendo consigo um sinal. A destrui??o do conselho de guerra, do conselho de Aitofel.DAS PROFUNDEZASBaseado em certa mudan?a de andar de antiga equipe de uma empresa brasileira...A ata de reuni?o que decidia a mudan?a de andar da galera de estimativa de custos foi despachada perto da meia-noite. A tradicional reuni?o de reorganiza??o anual do prédio em que ficavam os departamentos de Engenharia fora realmente, muito tensa. Três comitês e doze propostas foram agressivamente debatidas pelo grupo gerencial por quase três horas. A crescente taxa de ocupa??o do prédio, assim como as alega??es de futuras demandas de pessoal, em fun??o do crescimento exponencial da empresa geraram a necessidade de solu??es de aloca??o de gente realmente radicais. Para otimiza??o de custos, o prédio também reunia, além de Servidores de Dados da empresa, vasta rede de laboratórios. Incluindo um especial de geologia das profundezas - Criado para estudos sísmicos - Resumindo a dita reuni?o, por apertadíssima vota??o, venceu a proposta de colocar a equipe de Estimativa ao lado do dito laboratório. O laboratório ficava cerca de 20 Km de dist?ncia. Linha reta em dire??o ao centro da terra. Sim. A vinte e três quil?metros de profundidade.O gerente do setor de Estimativa de Custos tremia ao ler a ata de reuni?o. Uma secretária desmaiou com a notícia e um dos or?amentistas do grupo teve uma súbita queda de press?o arterial. O prazo para mudan?a era de três dias. O gerente ainda tentou negociar. A outra op??o também n?o era muito vantajosa. A equipe n?o foi informada sobre a segunda possibilidade, mas n?o ousou perguntar em virtude do olhar aterrorizado do gerente setorial. ?s sete horas da manh? de uma quinta-feira, sete pessoas entraram com suas caixas repletas de papeis no elevador – 76 (Menos Setenta e Seis). Tinha um ascensorista que os olhou com muita compaix?o quando o grupo, formado de três homens e quatro mulheres, entrou no elevador. “–76” significava: “setenta e seis andares negativos”. A descida n?o demorou tanto quanto o esperado. A expectativa na abertura da porta do elevador era intensa, alguns engoliam em seco. As portas se abriram a setenta e seis andares abaixo da linha do solo. Havia ali um longo corredor e uma vasta rede de tubula??es. As paredes eram absolutamente escuras, talhadas na rocha, na maioria de sua superfície estava coberta por fina camada líquida e quente de água de estranho aspecto. No final do lúgubre corredor havia uma espécie de trem suspenso por grossos cabos. Possuía oito lugares. Certa voz metalizada solicitou que colocassem os cintos de seguran?a enquanto as cabines eram cobertas automaticamente por vidros esfuma?ados. Os cabos tensionados come?aram a tremer e com um impulso fenomenal o veículo come?ou seu movimento espectral. Para baixo e avante. Aos quatrocentos km/h a estrutura do bólido rangia como fosse se partir. Talvez fosse. Porém, suportou bem a desacelera??o. Viu-se a plataforma que estava suspensa sobre um determinado abismo na primeira parada. As portas se fecharam após a passagem do pequeno veículo e um sistema de pressuriza??o ruidoso entrou em funcionamento. Dois operadores da “Passagem para o Abismo” como eles chamavam a esta??o de transferência, vestidos com roupas especiais, para suportar altas temperaturas, recepcionou o a equipe desconfiada. O grupo vestiu também roupas especiais, munidas de capacetes transparentes que encobriam toda a cabe?a, como escafandros, enquanto ouviam uma assustadora palestra de seguran?a que os ensinava a utilizar o suporte de vida do traje, em caso de emergências. Certo alarme come?ou a ecoar e atrapalhar a palestra, mas o auxiliar de seguran?a da “Passagem” continuou sua disserta??o como se nada estivesse ocorrendo. Foram conduzidos até um elevador de carga. Com porta pantográfica. Vestidos como astronautas desceram cerca de 800 metros até a passagem numero 2, onde um mec?nico de manuten??o os aguardava. Passaram por centenas de tubos suspensos e uma nuvem de vapor os cobriu na entrada do “Mergulhador”. Mergulhador era o nome do veiculo que descia verticalmente até o setor 23. Tinha uma aparência estranha, com partes azuladas do metal, algumas tubula??es de a?o, doze eletroím?s espalhados com bobinas feitas por barras de buckypaper (vinte vezes mais forte que o a?o). O fato é que o Mergulhador era basicamente uma liga de tit?nio e tungstênio. Os im?s serviam para acelerar, frear e impedir que veículo encostasse-se às paredes do túnel na hora de descida. As portas do veículo se abriram, mas ninguém ousou entrar. Até que ouviram a primeira explos?o. Alguma coisa havia explodido, e o que quer que fosse fez a plataforma tremer. Assustados entraram e o veículo deu início, após travar as portas a sequência de lan?amento negativo. Uma das mo?as da equipe levou a m?o à boca e disse:- Acho que vou...N?o teve tempo de terminar a frase... O veículo abruptamente se deslocou. Ent?o entenderam porque o chamavam de mergulhador.Havia um term?metro digital que marcava 230 graus na parede do veículo. Uma das tubula??es hidráulicas internas come?ou a vazar, quando o mec?nico que estava a bordo come?ou a bater nos tubos com uma enorme chave inglesa. O marcador de press?o a esquerda chegou no vermelho quando as luzes de alerta próximas ao teto da cabina se acenderam. O ruído da desacelera??o foi ensurdecedor. Havia janelas ou escotilhas que iniciaram a trincar à esquerda e a direita dos assustados membros da equipe. Ent?o a porta de acesso abriu, e por um instante todo o interior da cabine se tornou avermelhada, no instante da pressuriza??o...S?o três horas da tarde. Sete pessoas assustadas saltam no primeiro andar enquanto o ascensorista do -76 lhes sorri, com oportuna afei??o. As caixas haviam queimado na abertura da porta do Mergulhador, por sorte o mec?nico conseguiu reaver o comando do módulo... Uma das integrantes larga no ch?o uma caneta bic derretida.O ascensorista sorri e lhes acena:- Até amanh?!!!Ent?o, as portas do -76 se fecham.A MORTE DE EVA- V?o idos os meus dias, desfalecem em minha alma os dias de outrora e as lembran?as do Jardim. A multid?o dos filhos de meus filhos se espalhou pela terra vasta e terrível de vales e montes, montanhas e de gigantescas por??es de água, de lugares jamais imaginados e rochas que se elevam até as alturas da vastid?o e da expans?o negra acima de nossas cabe?as. Porque vos pareceria tolice ou o desvario de um homem alegre pelo vinho das vides de Escol, minhas palavras todas? N?o nasci eu antes de todos vós? N?o foram estes olhos que contemplaram todas as coisas que por todos os dias de vossas vidas entre as fogueiras e entre as folgas do nosso pastoreio, vos declarava? Os pequenos zombam de minha velhice, e n?o sou tido por louco pela maioria de vós? N?o escuto vossas zombarias todas quando relembro o mundo que n?o viestes a conhecer? Eu o sei. Eu o vi. Acordei antes de acordardes para a existência e fui de vós, o único que jamais conheceu o colo de uma m?e. Jamais tive m?e. Este punhado de solo em minhas m?os calejadas é minha m?e. Eu sou como as árvores e como a relva, que reverdece nos pastos. Da terra fui tirado, n?o da carne e do sangue e da água e da dor como todos vós, que após mim, fostes concebidos. Compreendo que nunca o entendais. Nenhum de vós contemplou as brasas e as labaredas que envolviam a espada incandescente nas m?os dos poderosos querubins. Nenhum de vós jamais viu um homem brotar da terra. Nas noites de escurid?o e assombro diante das grandes coisas que me aconteceram, também eu descreio da vida e por vezes de mim mesmo. Olho para minhas m?os e fico assombrado pelo modo estranho com o qual vim a ser vivente. Sou um assombro e um prodígio no meio de todos vós. Sou um milagre vivo, e algo que n?o deveria haver. Mas, acordo e desperto, e medito e cogito que se eu sou o único que nasceu assim, que n?o se dirá de vós todos? Eu vim da terra, mas vós, viestes de mim! Os lábios do anci?o tremem. As meninas e as mo?as choram; Envolvidos pelos vapores que subiam da terra eram como fantasmagóricos espectros translúcidos, serpenteando e se dissolvendo, sob a rajada fria do vento. Elevando-se a bruma e a névoa, espessando o nevoeiro, que se derramava como cortinas sobre toda a vegeta??o, cada manh? e cada anoitecer. As m?os de Ad?o percorrem a longa e branca cabeleira de sua perda. Chora sua companheira, a única cujos olhos incendiavam-se quando ele falava do Jardim. Pois fora a única mulher que caminhara no Jardim. - Já n?o terei aquela que me provava o passado. Quando descria do que sou, dada a multid?o dos meus dias, lembrava-me que vivi o sonho da vida infinda e que de m?os dadas com vossa m?e caminhei entre árvores que n?o conhecestes, junto a fontes de águas límpidas de correntes transbordantes! Com ela que comi frutos cujo sabor agradabilíssimo sequer suspeitais! - Eu vivi o tempo sem dor, sem fadiga, sem choro, e dos animais e feras das quais hoje vos escondeis, fui senhor! N?o crereis em mim! Eu vivi numa época em que os sepulcros n?o existiam! Tanto havia para se explorar e fazer, n?o nos encantávamos com c?nticos das multid?es dos seres, muitos que hoje já n?o podemos mais enxergar... Enquanto eles voavam como andorinhas e pombas selvagens, quando mergulham sobre os desfiladeiros de Engedi entre as margens do Pison e entre as Tamargueiras de Havilá. Quantos dias memoráveis de uma vida t?o grande quanto à soma de meus dias... Fa?o parte de vossa existência para o bem e para o mal. Para o bem porque sem mim, n?o viríeis a nascerdes, porém para o mal, porque meus atos vos alcan?aram, assim como a praga. Eu me sinto o responsável pela perda de vossa m?e. Por minha causa, minha loucura e meu engano, hoje, o sopro já n?o habitará a tenda de seu corpo. Ela já n?o chorará as lágrimas que tantas vezes enxuguei. Até que venha a semente. Em cada filho que povoou a terra, e em todos os lugares, ansiosamente aguardei a chegada daquele que nos livraria do jugo desta escravid?o. Quando nasceu teu antigo av? Enoque, revivi a esperan?a prometida por quem jamais haverá de mentir. Por presumir que ele mentia, fiz o que em todas vossas lamenta??es recitais. Sabendo que jamais mentiria, aguardei sua promessa e chorei e a cada vez que um corpo de crian?a ou anci?o, descia à terra. Queimava dentro de mim a palavra desta bendita esperan?a. Ad?o levanta suas m?os e olha fixamente os céus e sussurra: - Que direi eu? Eu lembro quando a vi pela primeira vez. N?o sabia o que estava sentindo, porque nos muitos anos em que vivi sem sua companhia, jamais imaginei sentir tais coisas assim. Eu sou o único homem, que avistou as mais tremendas árvores do Jardim. Eu vi paisagens de lugares que jamais vereis, ó filhos dos homens. Lugares incomparáveis. Mas, tudo posso refutar como pouco diante da beleza de vossa primeira m?e. Eu t?o fortemente queimava, que em febre ardi no dia em que me encantei com seu corpo, com seu olhar, perdido na graciosidade de seus movimentos. Neste momento aprendi da paix?o o significado. Olhando a todos ao redor Ad?o fala:- Amei vossa m?e, minha filha, minha irm?, por todos os dias de minha jornada. Mesmo quando fugia ou quando a culpava, insensato, por minhas próprias culpas. E pensava que ao menos, quando nos vinha o desespero, era ela como unguento e bálsamo sobre as feridas do meu cora??o. Odiava o fruto da proibi??o, mas penso que se n?o participasse do que aconteceu, minha Eva sozinha morreria. E uma vez que você provou como é bom n?o viver só, assim já n?o podemos mais viver. Uma pequena menina larga a m?o de sua m?e e se aproxima de Ad?o. E lhe puxa as vestes. Ele olha para a pequena, para os seus cabelos longos. Ent?o lhe sorri. E lhe acaricia os seus cabelos.- Minha dor embota meus sentidos. Ela n?o está t?o distante assim. Sei onde está seu cora??o. Sei que um dia verei novamente seu cora??o. Mas ela está presente em cada menina. Ela está em cada filha, em cada uma de suas filhas e filhos. Em cada um de vós. Eu sou feito de terra. De barro vermelho. Mas todos vós, do menor ao maior, da crian?a que ainda mama no peito de sua m?e, até vós, com longas barbas e fartos dias, até onde meus olhos podem ver... Até onde meus sentidos podem perceber... Sois parte dela. Em cada olhar eu vejo Eva. E vejo a mim também. Um sopro, um homem. Uma dádiva, uma mulher.Ent?o naquela tarde. Eva foi enterrada. E seus filhos choraram por elaCARTAS SOBRE DRAGON WARRIOR Adotamos um coelho. Nada de nomes adocicados. Escolhemos um nome que pudesse representar toda a for?a e ferocidade coelhina da criatura orelhuda. Um nome para ser temido. Dragon Warrior. Drag?o Guerreiro. Olhando para a fera ninguém imagina que debaixo dessa aparência pacífica se esconde uma fúria incontida. Temei, mortais. O coelho veio com um kit anti-armagedom. Pela sua temível ferocidade que pode atingir níveis cataclísmicos, junto do Dragon há um Taser, 100 kV e um telefone celular conectado a um satélite de uso exclusivo das for?as armadas, para liga??es de emergência para a OTAN. Se o Dragon fugir, da gaiola eletrificada, passar do container de concreto com seis metros de parede, escalar o pared?o, quebrar a porta de tit?nio refor?ado com micro-esferas de kevlar, o telefone emite um sinal que faz com que sete porta-avi?es carregados com bombas de hidrogênio se desloquem em dire??o a costa brasileira. Por precau??o. O coelho acima mora numa casamata a dois quil?metros de profundidade.Pra quem n?o sabe, ele veio com fortes recomenda??es da OTANmais o numero do telefone vermelho (que ficava na delegacia de Gothan City), que era uma rota alternativa interligada ao comando maior das for?as armadas americanas que controlam dez porta-avi?es, caso ele fugisse.Três tratados internacionais s?o envolvidos (Pacto de Varsóvia, Organiza??o do Atl?ntico Norte e o da CVDT (Conven??o de Viena sobre Direitos dos Tratados) para que o Brasil possa ter aguarda do coelho acima.?Se o coelho fugir, extingue-se o que foi acordado na Conven??o de Viena e deflagra-se a terceira guerra mundial. A ideia do abrigo anti-nuclear usado pra casinha do coelho era que as três camadas de tit?nio separadas por concreto refor?ado com porcelana fossem suficientes pra conter o Dragon (coelho é o apelido do Dragon, nome verdadeiro) mas,? pela foto ao lado dá pra perceber que n?o foi o suficiente pra conter o Dragon.?E colocou em duvidas se o termo "animal doméstico" era adequado para designar o feroz animal.? Fora a trabalheira que dá pra reposicionar todos os porta-avi?es, toda vez que o Dragon foge.E o Dragon sempre foge.O coelho tem imposto certo respeito às for?as armadas americanas depois que afundou o terceiro porta-avi?es no mesmo dia. Falei que ele n?o gostava de ser incomodado quando ficava fora da casamata. Tem até uma gaiola na qual ele eventualmente habita, quando está com fome. Essa semana fui assustada com um telefonema de um observatório brasileiro que insistia em dizer que foi logo após a escapada de ontem do Dragon que uma das sete estrelas de Orion agora é só lembran?a. Que absurdo! Agora est?o culpando o Dragon até por eventos cosmológicos. O fato de ele ter entrado incandescente na área próxima a entrada da casamata e ter ficado com uma estranha luminescência por dois dias n?o tem nada a ver. Toda hora acontece uma catástrofe qualquer e os fuzileiros cercam a bairro com propósito de sinalizar a dire??o para onde o coelho tomou. Outro dia apareceu um sujeito estranho com vestes talares (um saiote, manta, parecia um sacerdote saído de uma conven??o de RPG) ordenando que devolvêssemos o "imortal" para os "domínios" de sei lá onde. N?o tinha nenhuma instru??o adicional no papel que a criadora do Dragon entregou junto do coelho. Até o? meu cachorro, bravo animal, mantém uma distancia segura do coelho, quando fora da plicado cuidar de coelhos.Ontem fui de Metr? até o Nova America e a Jess (minha filha) foi até lá de carro com as outras duas meninas. E ontem pela primeira vez o Dragon foi no veterinário. O coelho é todo errado. Uma das patas dele tá torta porque sofreu uma distens?o e os músculos refor?aram-se de um lado que fez a patinha virar. A criaturinha tem uma certa escoliose, meio torto a nível de coluna.Estava com anemia, necessitando rever a dieta. E o veterinário olhando pras orelhas, uma em pé e outra deitada, pesando EXATOS 2 (dois) quilos, perguntou... qual a ra?a... Bem ai o choque...Foi vendido como Fuzzy... Mas algo aconteceu nas noites lá na fazenda. Com 2 quilos de animal, o veterinário descobriu que o Dragon é mesti?o, ou seja, certo coelho normal numa noite densa lá na chácará teve um encontro secreto com a m?e fuzzy do coelhudo. Vira-latas! O Dragon, um nobre dentre os nobres, tratado como se tivesse sangue real, de linhagem patriarcal que remontava de antigos e sagrados animais da ?ndia, ou Sirilanca, seja como for, na verdade, n?o pertence a realeza!Ai o veterinário tentou fazer o Dragon andar no ch?o. Ele, indignado, era solto no ch?o do consultório e retornava imediatamente para sua gaiola.Detalhe importante. Quando as meninas chegaram no consultório, havia uma emergência. Tinha um twister no oxigênio.Continuando, o coelho, em virtude de quest?es genéticas, desenvolveu mais a musculatura de um lado do corpo que do outro. Ele é, basicamente, superforte nas patas direitas, pra compensar o desequilíbrio. E apesar de tudo, anda muito bem...E o coelho tentando morder o veterinário...de tanto que era mexido.Ai o momento dramático da consulta: O veterinário abriu uma ficha e perguntou para as três:- Qual o nome do coelho?A Jessica olhou pra Claudia, que olhou pra Jade e foi logo falando:- Quem colocou o nome do coelho foi meu pai.O veterinário ficou curioso. Que raio de nome era esse pra tanta hesita??oAi a Jessica falou.- Dragon.- Dragon Warrior.O veterinário come?ou a rir. E fez quest?o de anotar. A partir daí a consulta virou uma comédia. O veterinário: - Vamos guerreiro! Por isso que ele é t?o forte!Até o final da consulta era só pra exaltar as qualidades de batalha do corajoso animal.Enquanto isso, o twister (rato rabudo) continuava no oxigênio.E sai do veterinário o nobre animal, n?o t?o nobre agora, quando ent?o a Claudia num momento de ternura vira pra gaiola e diz:- Nós te amamos assim mesmo, viu coelho?O Dragon, o poderoso coelho que enfrentou o Chuck Norris umas quatro vezes, foi chamado de volta ao seu povo, e partiu em dire??o a alguma galáxia desconhecida.Adeus Dragon.PONTES INACABADASE sonharam sonhos outrora. E esses sonhos se traduziram em conquistas hoje, cujos recursos adquiridos apontam para uma finaliza??o no amanh?. Entretanto n?o há sonho que se realize sem guerra. Mesmo que aconte?a em tempo de paz. Todo sonho necessita substancialmente de luta. Porque sonhos só se tornam realidade com luta. Mesmo aqueles que nasceram em guerras travadas antes que nascêssemos.E nesta composi??o sonho-guerra, penso que as for?as opressoras sobre as quais avan?a um exército - em uma determinada campanha pela conquista do sonho - n?o traduzem o pior inimigo que tal exército poderia vir um dia a enfrentar para a realiza??o deste sonho. O verdadeiro pesadelo na terra para este hipotético exército-que-luta-pelo-sonho é ter a infelicidade de lutar ao mesmo tempo contra um inimigo externo e contra ferrenha oposi??o interna.N?o há ponte que se construa sobre projetos n?o definidos, porque uma equipe n?o consolidou uma mesma vis?o. N?o há administra??o que resista a interesses conflitantes. N?o há administra??o de projeto público que seja viabilizado com intransigência aos seus gestores. O administrador público possui limitados recursos para aquisi??o de bens e servi?os para levar a término um cronograma apertado, sofrendo irremediável oposi??o de vários ponentes políticos sempre geram grupos contrários a uma obra, fruto de determinada gest?o, por vivemos uma dimens?o política em que a base dos discursos é imprimir uma dialética de indigna??o, independente do grau de justi?a ou equidade do discurso pronunciado. N?o importando a import?ncia ou a necessidade ou a urgência do bem publico, porque se este for objeto do OUTRO grupo, qualquer que seja este OUTRO grupo. Sua imagem deve ser atacada naquilo que é visível aos olhos da comunidade. Na verdade, diagnostica-se uma doen?a do sistema humano no qual nascemos, vivemos e morreremos- se n?o o transformamos a tempo - a tal reafirma??o da velha prática do “denegrindo aquém é que se promove outrem”. A mal-amada política, entretanto, n?o é a única institui??o que coaduna com tal conceito. O interesse pessoal, a tendência humana a autopromo??o, a perspectiva do aparente risco de que se o OUTRO faz, nós somos obscurecidos e perdemos a evidencia, faz com que a vida imite a arte. Uma vida sem sentido, imitando uma arte deplorável. Na guerra (porque SEMPRE é uma guerra) dos recursos limitados, o administrador – essa figura incompreendida, vulgo gestor, n?o possui recursos humanos que lhe concedam ver tudo o que é preciso, planejar todas as fases do empreendimento, impedir que algo fuja do controle. Trabalha no limite dos seus recursos humanos, movido pela idoneidade, pela meta abra?ada, o projeto que anseiam terminar. Porque projetos inacabados tornam a vida inacabada. Declaram ao mundo a possibilidade de um bem maior, que poderia ter nascido e que n?o ocorreu. Uma ponte que n?o termina n?o serve para coisa alguma.Todos os recursos governamentais, particulares, possuem um prazo para aplica??o e como foco um grupo de pessoas as quais se pretende beneficiar assim como um estado de coisas, econ?micas e sociais que permitiram que aquilo pudesse ser realizado naquele instante. Algumas vezes gera??es inteiras ansiar?o ver algo para o qual n?o possuir?o recursos para realizá-lo. Determinados projetos levam várias décadas para aquisi??o dos recursos necessários. Projetos que se iniciaram no cora??o de um aluno, e só poder?o ser terminados quando este aluno se tornar Diretor. Aqueles que realizam as obras, que abra?aram amorosamente um projeto s?o também limitados quanto à sua humanidade. Quanto à sua fragilidade humana. A constru??o projetada pode ser de concreto armado, mas quem luta para que ela alcance êxito é constituído de um conjunto de carne e ossos, fibras e sangue, respira??o e suor. E de dor. As obras s?o isso, o fruto de muitos sonhos, de milhares de pessoas. Dessas feitas de fibras e sangue. O administrador é só o homem a quem foi delegado o encargo de gerenciar a execu??o de algo que come?ou num projeto feito por muitas m?os. Portanto, n?o permita que a sua m?o destrua por seus interesses pessoais os recursos que foram legados pelas gera??es anteriores. Os recursos limitados que a humanidade disp?e, cimento e cal, ferro e areia, brita e tijolo, ferro e argamassa, terminam amanh?. E o amanh? é logo ali.Quando você imita a arte deplorável por querer que a luz dos holofotes desvie-se da respira??o e suor alheios para que recaiam sobre você, que nesse dado projeto somente respira, saiba que na verdade ajudou a impedir o sonho, de amarrar a vida, de impedir o bem. S?o muitas as denúncias vazias, os gritos de orgulho, as vozes da desarmonia, as maquina??es e guerras de vaidade. Eia! Todos esses componentes - n?o importa que for?a que nos dirija os passos - destruirá o futuro dos nossos filhos e netos.Porque n?o existe investida sobre um projeto social que n?o gaste nossos recursos limitados. Se você n?o apoia ao gestor que recebeu um projeto em sua equipe de trabalho, você contribuirá para a manuten??o da pobreza que teve início no início da civiliza??o.Todas as conquistas humanas dependem de m?os que sustentem amparem, fortale?am e combatam em conjunto pela sustenta??o de projetos nas m?os dos gestores operacionais. Nas m?os dos conselheiros. Nas m?os dos estrategistas. Nas m?os dos projetistas. Nas m?os dos executores. A denúncia de má qualidade inexistente, ou a tentativa (tosca) de paralisar o processo pela vaidade de n?o ter participado de sua elabora??o, por n?o ter sido consultado pela equipe que hoje o conduz, s?o atos de sabotagem da história humana. História que se iniciou no sonho, que continuou na capta??o de recursos, que se estabeleceu num acordo, num contrato celebrado, numa lei de incentivo, numa janela de oportunidade.Janela que poderá n?o existir no ano seguinte. Nós n?o temos o direito sobre os sonhos sonhados por outros cora??es. N?o há legitimidade em impedir a m?o que hoje luta para terminar aquilo que outro cora??o um dia ensejou. Porque todas as estruturas e obras humanas foram um dia somente sonhos. O dinheiro que o mal-administrador desviou do sonho de um homem, para seus próprios sonhos egoístas, tirando os recursos do bem da comunidade, para seu depósito particular, se traduzirá, a longo prazo no fim de todas as coisas. Pelo menos em todas as coisas pelas quais vale a pena viver. Cada vez que você apoia os projetos, lutando para que haja vitória, haja um final, para que haja a completa??o do imaginado, do sonhado, do projetado, você age como se fizesse parte do sonho.Suas m?os carregam as esperan?as, aspira??es e a alegria contagiante ainda n?o manifesta daqueles que receber?o o bem. A vaidade n?o pode divisar a esperan?a, porque lhe é estranha. N?o há alegria a ser partilhada por quem n?o ama o bem que pode ser consumado. Porque lutou indignamente para que este n?o acontecesse. Porque lutou inconsequentemente para se autopromover, ainda que isso custasse impedir o sonho sonhado. Assuma os riscos impressionantes de se tornar participante do amanh?, sem se importar com efemeridade de um modelo político falido, e a glória passageira que tal modelo concederia, permitindo e incentivando, se for o caso, lutando ao lado daqueles que hoje lutam para que os recursos colocados à sua disposi??o n?o sejam tornados um projeto inacabado. Um sonho que n?o vingou.Porque um dia os sonhos n?o vingados ir?o se voltar contra nós. E nessa guerra derradeira n?o haver?o vencedores.Só pontes inacabadas.NARCISA Narcisa nasceu com 2300 g numa tarde de inicio de primavera dia 22 em setembro no Hospital Sírio Libanês, filha de Bellinda Marcondes Andrada, carioca de 26 anos, de olhos castanhos e tez branca, natural de Niterói, que odiava ser chamada de papagoiaba (natural da regi?o de Niterói - estado do Rio de Janeiro), dona de uma pequena loja de artesanato, descendente de italianos e filha de Geraldo Gusm?o Lancellote, gaúcho que imigrou dos pampas ao Rio de Janeiro para trabalhar numa Consultoria de software, dono de um largo sorriso, robusto e de avós alem?es. Os amigos de Geraldo gostavam de dizer que era bom ter um participante da Távola Redonda como amigo.? Moravam na Tijuca, próximos a Conde de Bonfim, numa velha casa em constantes reformas. ? menina deram o nome de Narcisa. Narcisa Marcondes Andrada Lancellote.?? Narcisa crescia normalmente como qualquer crian?a de sua idade. Pelo menos até os dois anos de idade. Foi quando os pais perceberam que sua filha era um pouco “diferente” das demais crian?as de sua idade. Haviam comprado um quebra-cabe?as de 5000 pe?as e estavam montando ele no ch?o da sala, enquanto Narcisa estava sentada no sofá apertando aleatoriamente os bot?es do controle remoto. Bellinda foi até a cozinha pegar alguma coisa para comer e Geraldo atender ao telefone.? Dois minutos depois quando chegaram na sala viram todas as pe?as do quebra-cabe?a espalhadas por toda a sala, pelos corredores, sobre as almofadas, em cima dos móveis. Sobre a televis?o. E Narcisa olhando atentamente a sua obra. Os pais riram com o quadro caótico das pe?as espalhadas por toda a casa. Mas foram parando de rir a medida que a menina foi até o quarto e trazendo na m?o uma pe?a aleatória a encaixou exatamente onde deveria se encaixar. E depois foi até a televis?o e encaixou a terceira. E depois foi ao final do corredor e trouxe a quarta pe?a. Por incansáveis três horas a menina de dois anos andava pela casa e sempre trazia as pe?as exatas. Duas, seis, dez pe?as de cada vez. Ent?o ela completou o gigantesco quebra-cabe?a, sentou no sofá, sorrindo se deitou e dormiu exausta, na frente dos assustados pais. Narcisa sorria. Sinistra e discretamente.S?o exatas oito horas da manh?. Narcisa, sete anos de pura e genialidade maligna, caminha lenta e suavemente em dire??o ao monitor de seu andar na escola em que reside. Faltam 20 minutos para o fim do mundo, e ela será a causadora dele.? Esfregando as lentes de seus grossos óculos, Fernando, o zeloso monitor das crian?as irrequietas e festivas do Colégio Arte e Inten??o, n?o imagina que em sua dire??o naquele exato momento caminhava o quinto cavaleiro do apocalipse. A pequena e doce Narcisa. De olhos meigos e lindas tran?as negras que ultrapassavam sua cintura, olhos acinzentados e brilhantes, pele branca como de uma harpia e lábios vermelhos como tomate colhido na véspera. E tendo no cora??o a tormenta. Arrasta solenemente Matilda, sua sofrida boneca de pano, Fernando conhece a boneca encardida que Narcisa arrastava desde que entrou na pré-escola cerca de dois anos antes. Coincidentemente a mesma época do incêndio, da invas?o das vespas, um pouco antes da explos?o do micro-ondas da cantina, logo após o curto-circuito causado pela inunda??o do segundo andar. O a boneca sempre era arrastada por uma das pernas enquanto a cabe?a ia batendo pelos degraus enquanto subia as escadas ou as descia, sempre correndo.E eis que vinha Narcisa. Fernando passa a m?o pelo nariz e levanta a lente em dire??o da menina, que fica meio distorcida na lente, parando como um fantasma diante de sua mesa no meio do corredor, imóvel.?? Fernando abaixa a cabe?a em dire??o da menina que lhe sorri docemente. Por algum motivo estranho sempre que a Narcisa chegava à sua mesa o colégio ficava num momento de absoluto silencio. Talvez fosse só uma coincidência, porque instantes após voltava o som das vozes e da algazarra das crian?as.? - Fale Narcisa, o que você deseja? Pergunta o prestativo e inocente monitor do segundo andar.- Sabe... “seu” Fernando... eu... t? com dor de cabe?a... eu estava brincando com a “luzinha” azul... e de repente comecei a ficar meio enjoada...- “Luzinha azul”? Que raio de “luzinha azul” é essa Narcisa? Pode mostrar para o tio? O que você está sentindo, querida?- “T? meio enjoada...”- Calma, vou te levar para a enfermaria, mas antes mostra pro tio a “luzinha azul”.Narcisa balan?a docemente a cabe?a esfregando os olhos e aponta para o pátio da escola.? Fernando leva-a pela m?o e pede para que ela indique o local onde está a tal da “luzinha azul”. Quando chegam ao pátio, ela aponta para uma caixa. Uma pequena caixa. A caixa tinha algumas inscri??es. Era metálica e parecia muito pesada e possuía um símbolo.? Antes de ser monitor Fernando trabalhou alguns anos em? áreas industriais. E conhecia muito bem o símbolo que estava na caixa. Significava “perigo – radioativo” Narcisa inocentemente aponta para o artefato metálico e após para alguma coisa que parece brilhar logo após a caixa. O monitor do colégio mandou isolar a área. Chamou a policia, o corpo de bombeiros e até aos fuzileiros navais. A rua se encheu de curiosos. Um cord?o de isolamento foi armado enquanto retiravam as crian?as do colégio, no mesmo momento em que ambul?ncias chegavam e um carro de técnicos da comiss?o nuclear. Dois técnicos vestidos de roupas a prova de radia??o saíram dos veículos munidos de medidores de radia??o e roupas especiais. Pais chegavam com seus automóveis em profus?o, enquanto esta??es móveis de televis?o se posicionavam diante do que parecia ser o quadro de um ataque terrorista. Na verdade uma equipe tática do exército despejou cinquenta e dois soldados de três caminh?es ao lado do colégio. Houve um telefonema an?nimo naquela manh? para o ministério do exército, mas ninguém deu muito crédito porque a voz que realizou a denuncia era de uma crian?a. Especificamente, a voz de uma menina.A confus?o ficava maior a cada momento, a equipe médica proibiu a saída das crian?as da área isolada enquanto n?o fosse verificado se havia contamina??o radioativa de alguma delas. A primeira crian?a a ser examinada foi a Narcisa, que felizmente n?o apresentava nenhum vestígio de contamina??o. Os pais furaram o bloqueio em dire??o às crian?as recém-liberadas, mas foram contidos pela barreira de militares.Foi quando finalmente come?ou o tumulto.Indiferente a gritaria e a histeria da multid?o, uma crian?a sorria. Sinistra e discreta.Narcisa...N?o. Nunca encontraram nenhum vestígio de radia??o no pátio do colégio. Sim. O artefato era falso. A “luzinha azul” era só uma l?mpada com led. Um led azul. N?o. Nunca descobriram o autor da proeza. Narcisa ganhou uma semana em casa. Para se recuperar do trauma. OS PORTAIS DE ADELANTEVivíamos num mundo absurdamente irreal, um mundo que chamávamos de pseudocientífico, acreditando religiosamente nas leis da física, da matéria de nas hipóteses da conserva??o de energia. O academicismo n?o nos preparou devidamente para enfrentarmos a realidade, nos apresentando-a de modo etéreo, de modo surreal. Todas as express?es de pensamento míticas que nos foram apresentadas nos últimos milênios contaminaram-se pelo racionalismo, pela dialética e pelo antagonismo da ciência a toda metafisica, todas se demonstraram nestes últimos anos, sua torpe essência escravagista. O mundo social, antropológico, pedagógico, talhado por matemática, construído em filosofia, urdido nos registros da raz?o, tornou-se tudo ilus?o. Estamos todos aturdidos com as revela??es dos últimos anos, após a crise deflagrada nos efeitos dos portais de Adelante.A universidade jamais versou sobre o fantástico. E quando o fantástico aconteceu n?o capacitou aos homens a releitura do universo. Ainda hoje, os teóricos chamam tudo que está acontecendo de convuls?o social. Postulam que o mundo está vivendo um estado psíquico supra-normal, alucinado, fruto de algum produto químico dissolvido na atmosfera pelas bombas químicas lan?adas nas guerras do Líbano.Um pequeno grupo de acadêmicos de Wicclefield reiterou a teoria, incompleta, sobre um tipo de equipamento de emiss?o de micro-ondas desgovernado, que gerou profunda altera??o nas frequências naturais do planeta.???Possivelmente a estranha arma denominada de Efeito Hoomer, cujos efeitos nocivos forjaram a ruptura da psique humana. Os cientistas tentam encobrir as evidencias de que eles mentiam. De que encobriam fatos que desvendariam um mundo diverso do que nos haviam apresentado nos últimos 500 anos.??Pedante mundo de céticos, que agora desmoronava diante do exagero.??Diante de Adelante. Adelante possuía antiga lenda que intrigava os estudiosos, relacionado à estranha??porta com inscri??es em acádico, copta e hebraico antigo, trechos cheios de?harpax?(palavras que possuem somente uma única ocorrência - escritas num único texto - em determinada língua) desconhecidos,??o que instigou a imagina??o dos peritos por anos.?Como havia rastros de irídio junto dos artefatos históricos em Adelante, dois físicos húngaros participaram da equipe de investiga??o, em virtude de anomalias físicas. Em Adelante havia particular tempestade de raios que nunca cessava. Sem suas coordenadas geográficas a gravidade natural aparentava ser menor. Experimentos demonstraram que as cintila??es, os efeitos celestes, as auroras boreais sobre Adelante, eram relativos a alguma defla??o luminosa de origem desconhecida. De noite em Adelante ouviam-se ruídos n?o convencionais. Fitas gravadas aleatoriamente descortinavam sons contraditórios. Sons de instrumentos musicais desconhecidos, de aves n?o catalogadas, até vozes de crian?as, cantando em línguas que tinham algum parentesco com o hindi. Adelante apresentava-se como um grandioso mistério há vinte e dois anos atrás, em 2014.??Agora,??Adelante é muito mais que um isso. ? um mistério insolúvel. Na tarde de 18 de agosto as 17:00 daquele ano ocorreu um evento sísmico nas ruínas da cidade que estavam em torno de Adelante,??abrindo-se??incomum entrada nos pórticos de pedra, entrada de um gigantesco santuário milenar, deixando à mostra estruturas de um antigo port?o de ferro, com outras misteriosas inscri??es. Essas últimas finalmente numa linguagem antiga, mas reconhecida. S?nscrito. Nos dias que se seguiram entraram em contato com um renomado linguista de Bengali, Rosh Pandhari??Kapoor para um trabalho de decifra??o. Kapoor chegou apressado, em meio à nova tempestade que se abatera sobre a regi?o. Come?ou seu trabalho no dia 22 de agosto do mesmo mês.?A primeira tradu??o dos caracteres ficou pronta em dois dias, consistia de um antigo hino e gravíssima advertência -??jamais deveriam abrir os port?es em que estavam estampados, em alto relevo, sem a ajuda ou a presen?a de uma crian?a –??Por fim, um solene aviso, circundado de sinais misteriosos, avisando que após os port?es estivessem abertos, nunca mais poderiam ser fechados. Como as perturba??es de origem eletromagnética aumentavam exponencialmente na regi?o naqueles dias, novas equipes de físicos chegaram, impactando seriamente aos trabalhos arqueológicos e de tradu??o. Dois meses se passaram, os estudos físicos apontavam na evidencia promissora da existência perene de anomalia espacial, espécie de Santo-Graal da física, encontrado na superfície do planeta. Os cientistas acreditavam que naquele ponto da terra consistia deste tipo de anomalia, um erro do espa?o-tempo, uma singularidade. Imaginavam??que pesquisas físicas realizadas ali poderiam esclarecer sobre a origem das for?as físicas, o que conduziu a certa crise acadêmica sem precedentes. Dezenas de institui??es queriam ter o acesso aos locais para realizarem seus próprios estudos. Complexas negocia??es tiveram que ser realizadas com o governo Venezuelano. Adelante distava 60 km do parque nacional Aguaro no Valle de La Pascua, na Venezuela.??Em outra tarde chuvosa, num domingo, dia 28 de agosto de 2014, três horas da tarde,??Kapoor levou seu filho, Aakanksh para conhecer as ruínas, indo com ele até os portais.??Aakanksh parou diante dele, apontou com o indicador para a antiga palavra que seu pai traduziu como "futuro".??O pai e o filho conversaram alguns instantes sobre os portais. Curioso Aakanksh escalou uma pedra para ter acesso ao portal, esticou seus dedos pequenos até a inscri??o, levemente a tocou com os dedos da m?o esquerda.??E quando Aakanksh Kapoor tocou o portal, teve inicio o amanh?.Essa ao menos é a vers?o mais difundida do que aconteceu.??Seis c?meras de vídeo??filmavam o local, algumas testemunhas que eram parte da equipe de cientistas transitavam próximas, dois áudios gravados com as palavras ditas no momento,??assim como a imagem térmica do acontecimento. A imagem térmica do acontecimento foi um acidente, o objetivo da termografia realizada n?o tinha a ver com as análises de arqueologia, consistindo de experiência conduzida por um laboratório particular, mas atualmente é considerado como documenta??o válida de registro do evento.Ainda n?o criaram um termo que designe a atual situa??o do mundo. Ou ao evento que se seguiu. Ou que defina a realidade, do jeito que se apresenta agora, o que também está sendo contestado.??No dia 28 de agosto de 2014, três horas da tarde, quando o rapaz tocou as inscri??es elas come?aram a brilhar fortemente. A atmosfera ao redor dos portais ganhou a cor púrpura, que aos poucos foi se alastrando pelos céus, de tal modo que hoje, todo o céu mudou de tonalidade. Nosso mundo agora é envolto por um céu púrpuro.??Mas, isso seria o menor dos nossos problemas. A comunidade cientifica ainda estava aturdida pela mudan?a de colora??o das camadas atmosféricas, quando come?aram os estranhos acontecimentos. N?o é fácil traduzir o que aconteceu a seguir. As duas primeiras mulheres aladas apareceram numa rua erma de Paris.??O primeiro gigante emergiu das águas, segurando um petroleiro com uma de suas m?os.??O primeiro relato sobre fadas foi num ?nibus em Nova Jérsei. A primeira leva de Ninfas apareceu dan?ando diante do Taj Mahal.??O primeiro relato de for?a extraordinária de um ser humano veio da antiga uni?o soviética, um homem levantou sobre sua cabe?a um caminh?o de 40 toneladas. As primeiras crian?as a aprenderem a voar s?o Eslavas. Todas as crian?as neste mundo novo nascem com a capacidade de flutuar ou singrar como chamam, nos céus púrpuros. As primeiras imagens de adolescentes caminhando sobre a lua datam de seis anos atrás. A primeira baleia voadora apareceu sobre S?o Francisco. O primeiro cemitério a perder seus mortos foi o de uma cidade do interior de S?o Paulo.?Perder mortos?é a express?o que usam como eufemismo de ressuscitar.??A primeira multid?o de fantasmas que atravessou uma cidade, de modo visível, foi fotografada, filmada. Posteriormente as imagens foram usadas em filmes didáticos sobre o evento. Estavam vestidos de roupas árabes.??Sobre várias montanhas ao redor do mundo cavalos de fogo, com crinas feitas de chamas come?aram a descer montanhas.??A primeira viagem ao passado, o amálgama entre o passado e o presente também tiveram inicio nessa época.??Embora n?o pudessem mudar eventos no passado, algumas pessoas que hoje s?o chamadas de historiadores temporais receberam a capacidade de visitar locais ou eventos do passado. No passado. A história, como a conhecemos, mudou.??A primeira visita de um viajante do futuro catalogada ocorreu há dois anos.??Já passam de milhares. Aquilo que a imagina??o é capaz de projetar, simplesmente pode acontecer. Com qualquer um, a qualquer hora. Aleatoriamente. O pensamento, e mesmo o sonho, metamorfosearam-se no tecido da realidade. N?o é conhecido o princípio ou o poder que controla agora o universo. Ou o que escolhe o que é possível ou n?o ocorrer dentro de nossa dimens?o. Ou das outras.??Porque agora s?o conhecidas pelo menos sete.??Mas por algum motivo maravilhoso, o pior que havia nas mentes, n?o acontece.??Monstros aparecem espontaneamente aqui, ora ali, mas, há algo que contém o terror.??Permitindo que o lúdico se torne presente, mas n?o deixando que a malignidade humana corrompa ao universo.??As leis físicas ainda funcionam com certa normalidade.Talvez a resposta seja Aakanksh, a crian?a que tocou a inscri??o.Ninguém sabe ao certo. Porque o futuro agora... é inimaginável...?E uma poesia para finalizar um livro de contos. Mesmo porque os dois ou três textos anteriores n?o eram contos... Perdoem-me. Menti miseravelmente no título do livro. Os textos anteriores... Eram cr?nicas! TE DISSERAMTe disseram tantas coisasQue o cora??oN?o sabia se ia ou se voltavaTe ensinaram tanta coisaT?o controversasN?o sabia se corria ou se esperavaQuando terminaram as chuvasVeio o invernoQuando semeou seu cantoTeu ver?oTerminouQuando elevou seus olhosVeio a dorQuando enxergou belezaE o amorTua vozSe calouFoi andando como se valesse a penaFoi nadando contra toda correntezaFoi lutando pela vidaComo um premioFoi dizendo pra si mesmavale a penaFoi crescendo como quemSó imaginaPorque de certezaT?o pouco que tinhaN?o enchia sequerNem uma latinhaMesmo assimO temporal que cai continuoSobre quem arrisca a sorte e continuaN?o prevaleceu...Há quem diga que o final de sua históriaSeja somente um sorrir esquecidoUma voz que hoje já n?o se escutaComo a de um passarinhoSozinho na chuvaMas, existem certamenteAlguns outrosQue apostaram cegamenteem tua vitóriaTendo mais certezaDo que esperan?aTendo mais desejoQue gananciaQue por motivo estranhoDespertaramE te fizeramSeu sonho...Welington José Ferreira ................
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