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Envelhecimento populacional não é bomba

JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES

Folha de S. Paulo, 28 de maio de 2010

Atualmente, formuladores de política teriam muito a ganhar se colocassem os estudos demográficos no topo de suas agendas

A demografia é uma ciência importante, embora ainda pouco divulgada no Brasil. Talvez por isso, de tempos em tempos, seja apresentada como ameaça visível, invisível ou "bomba demográfica".

Antes de tudo, é preciso distinguir a ciência do seu objeto de estudo. A demografia estuda o comportamento de três componentes: fecundidade, mortalidade e migração. As ferramentas e os cálculos demográficos são úteis para o planejamento estratégico e para estabelecer os contornos das demais ciências sociais.

A cada dia, fica mais claro que os formuladores de política teriam muito a ganhar se colocassem os estudos demográficos no topo de suas agendas. Ainda mais hoje, quando se acentua a discussão a respeito do envelhecimento e da Previdência Social.

Há pouco tempo, ainda se falava da explosão demográfica. Mas a rápida queda da fecundidade, além de desarmar essa "bomba", trouxe diversas vantagens para o país.

Possibilitou a formação de uma estrutura etária com maior número de pessoas em idade produtiva e menor número de pessoas economicamente dependentes.

Essa janela de oportunidade -ou primeiro bônus demográfico- tem ajudado o desenvolvimento e contribuído para a redução da pobreza e das desigualdades.

O país vive, atualmente, o melhor momento demográfico de sua história e vai permanecer com baixa razão de dependência até, pelo menos, 2025.

Agora, uma nova bomba, segundo alguns, ameaça o Brasil. O inevitável processo de envelhecimento já começou e vai se acelerar nas próximas décadas.

Pode-se encarar o fato como uma ameaça visível (como alertou editorial da Folha em 18/5) ou uma nova "bomba populacional", mas, na realidade, trata-se de uma outra oportunidade demográfica que precisamos saber aproveitar.

O processo de envelhecimento populacional traz novos desafios e terá um impacto sobre as contas da Previdência, exigindo mudanças.

A aposentadoria precoce, ainda tão frequente entre nós, não se coaduna com a maior longevidade de homens e mulheres.

A esperança de vida aumentou e a idade habitual para começar a aposentadoria ficou no mesmo patamar. O acúmulo individual de diferentes benefícios fere a isonomia social. Os benefícios assistenciais não contributivos requerem fundos fiscais e não saem de uma pletora orçamentária.

Mas é preciso também olhar para novas oportunidades trazidas pelo envelhecimento populacional.

Se a política macroeconômica souber aproveitar o atual momento favorável para promover o aumento da poupança agregada, o país poderá entrar em um círculo virtuoso, com as pessoas e as famílias se capitalizando para o futuro e as empresas e o setor público aumentando suas taxas de investimento, com a consequente geração de emprego e aumento da produtividade.

A literatura demográfica internacional tem chamado a atenção para a existência de um segundo bônus demográfico, mas precisamos saber aproveitá-lo.

Em síntese, o envelhecimento pode ser bom, e não.... bomba.

JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES , doutor em demografia, é professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - Ence/IBGE.

Previdência e demografia criam "bomba relógio" no país

Em novo livro, Fabio Giambiagi, chefe do Departamento de Risco de Mercado do

BNDES e ex-integrante do Ipea defende reforma para que envelhecimento da população não torne insustentáveis as contas públicas no futuro

FERNANDO CANZIAN

Folha de S. Paulo 17 de maio de 2010

O economista Fabio Giambiagi é um incansável defensor de mudanças nas regras da Previdência Social no Brasil. Seu mais novo livro, "Demografia - A Ameaça Invisível", escrito em parceria com Paulo Tafner, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), joga luz sobre o envelhecimento da população no Brasil e os desafios que isso impõe à sustentabilidade das contas públicas. A obra defende, entre outras coisas, que benefícios assistenciais sejam diferenciados dos previdenciários e que o salário mínimo deixe de indexar os pagamentos da Previdência -mudanças impopulares e que requerem alterações constitucionais. Giambiagi, ex-professor da UFRJ e da PUC-Rio, ex-membro do Ipea e hoje chefe do Departamento de Risco de Mercado do BNDES, é autor de mais de dez livros sobre economia. Leia entrevista à Folha.

FOLHA - "Demografia - A Ameaça Invisível" pressupõe a existência de uma bomba demográfica que vai estourar, deixando a conta para as futuras gerações. Qual o risco?

FÁBIO GIAMBIAGI - A essência do problema é essa progressiva mudança demográfica. No ano 2000, o número de pessoas com 60 anos ou mais era de 14 milhões de pessoas, enquanto o número de jovens, entre zero e 14 anos, era de 51 milhões. O perfil apontado pelo IBGE para 2050 é que a população jovem irá diminuir em termos absolutos de 51 para 28 milhões de pessoas. Já a população idosa de 60 anos ou mais vai aumentar de 14 para 64 milhões. Em 2050 teremos mais de três vezes o número de idosos, em termos absolutos, por população economicamente ativa do que hoje. Esse é o desafio. E é uma característica universal. O envelhecimento demográfico é algo que se repete em todos os países. No caso brasileiro ele é, de certa forma, mais acentuado, pois os outros países já estão no meio desse processo, ao passo que, no Brasil, ele está apenas se iniciando.

FOLHA - Mesmo assim, parece não haver um reconhecimento do problema, que exigiria reforma no sistema previdenciário. Qual a razão dessa inação?

GIAMBIAGI - Há um paralelo natural que se pode estabelecer entre a questão demográfica e a questão ambiental. Em ambos os casos, lidamos com um fenômeno de longo prazo, em que o país e o mundo são praticamente os mesmos de um dia para o outro. Mas são dramaticamente diferentes quando se coloca a questão em uma perspectiva de 50 anos. O segundo paralelo é que os custos de se dar uma guinada no leme, de mudar o rumo do país, são de curto prazo e muito evidentes. Ao passo que os benefícios são de longo prazo e, em geral, pouco palpáveis. Mas o custo da inação hoje vai aparecer lá na frente. Há uma frase do Al Gore (ex-vice-presidente dos EUA) no documentário "Uma Verdade Inconveniente (sobre o aquecimento global)": "Um dia nossos filhos olharão para nós e dirão: "Mas onde é que vocês estavam quando isso estava acontecendo? Será que ninguém percebeu o que estava ocorrendo bem na frente de todos?" Isso vale para a questão ambiental e para a demográfica.

FOLHA - Os grandes números de um país, e isso também vale para a Previdência, são calculados como proporção de seu PIB (Produto Interno Bruto). Se o Brasil crescer mais rapidamente daqui em diante, esses problemas não estarão atenuados?

GIAMBIAGI - O crescimento atenua tudo, obviamente. Se o país crescer 2,5% como crescemos durante duas décadas no passado, vai ser muito difícil equacionar o problema demográfico. Por outro lado, se o crescimento for de 5% ao ano, será, evidentemente, mais fácil. Mas não há garantias de que o país estará em condições de crescer 5% ao ano nos próximos 30 anos. A resposta a isso vamos saber daqui a 30 anos. A questão é que, com uma reforma na Previdência, haveria maiores condições de termos mais espaço no gasto público para um aumento do investimento estatal, que é um ingrediente fundamental para alavancar o crescimento futuro. Mas, se a população idosa crescer 4% ao ano, que é a estimativa para os próximos 15, 20 anos, e a economia crescer também 4% ao ano, ficam elas por elas. E o tamanho da conta vai ser similar ao atual. Se a economia crescer menos, como o número de idosos vai crescer em torno de 4%, a conta vai aumentar. Hoje, na verdade, há toda uma tendência de que a economia cresça mais de 4%. Mas estamos longe de ter segurança de que esse cenário será mantido por 20 ou 30 anos, especialmente em um contexto em que vamos mudar a composição da população economicamente ativa.

FOLHA - O sr. já escreveu outras obras sobre esse tema e publica textos em vários jornais. Mas parece que ninguém lhe dá ouvidos...

GIAMBIAGI - Já tenho 18 anos, com alguma intermitência, de participação nos debates ligados ao tema. Nos debates por aí, as pessoas entendem a natureza da questão. Podem não gostar do assunto, mas, em geral, concluem que há uma questão a ser enfrentada.

O maior elogio que eu já recebi foi, curiosamente, de um sindicalista da CUT. Depois de apresentar essas ideias, no Fórum da Previdência em 2007, um representante da CUT comentou, a respeito do que deveria ser feito para equacionar o problema: "Estou impressionado com a crueldade do professor Giambiagi. Mas o que me deixou mais preocupado é que ele foi convincente". Pensei: "Consegui o que queria".

Editoriais da Folha de S. Paulo

editoriais@.br

Bomba demográfica

O ECONOMISTA Fabio Giambiagi, há quase 20 anos um defensor de mudanças nas regras da Previdência Social no Brasil, não ignora os motivos de resistência ao seu receituário de equilíbrio contábil.

São grandes os custos políticos imediatos de qualquer ajuste, ressaltou em entrevista publicada ontem por esta Folha. Os benefícios de maior parcimônia nos gastos previdenciários, por sua vez, "são de longo prazo e, em geral, pouco palpáveis". Daí que sejam frágeis os incentivos para o abandono de rotinas perniciosas do presente.

A miopia quanto ao futuro, a que se refere o economista, é geralmente agravada em momentos de relativa abundância, como o que se vive hoje na economia brasileira. Quanto a isso, foi exemplar, pela irresponsabilidade, o comportamento da Câmara dos Deputados ao aprovar o fim do fator previdenciário, que inibe aposentadorias precoces, e conferir um reajuste de 7,7% aos pensionistas que ganham acima do mínimo.

O presidente Lula promete vetar as exageradas benesses, caso o Senado venha a confirmá-las. Tais medidas representariam encargos adicionais a um sistema previdenciário já estruturalmente desequilibrado.

Em duas décadas, os gastos com a Previdência em relação ao PIB mais que dobraram. A despesa, proporcionalmente ao produto, já se assemelha àquelas de Reino Unido e Espanha -que contam com parcela maior de idosos na população.

Em poucas décadas, o perfil demográfico do Brasil se assemelhará ao de nações europeias, sem que no entanto o país tenha alcançado um nível de renda capaz de comportá-lo.

Não deixa de ser uma ironia que os próprios gastos atuais com aposentadorias e pensões impeçam a ampliação dos investimentos necessários para sustentar os idosos do futuro.

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