POESIA E IMAGEM – O DESENHO VERBAL

[Pages:27]UNIVERSIDADE DE BRAS?LIA INSTITUTO DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE TEORIA LITER?RIA E LITERATURAS KAMILLA REGINNA SILVA OLIVEIRA

POESIA E IMAGEM ? O DESENHO VERBAL:

UMA AN?LISE NA OBRA DE MANOEL DE BARROS

Bras?lia, DF 2016

KAMILLA REGINNA SILVA OLIVEIRA

POESIA E IMAGEM ? O DESENHO VERBAL:

UMA AN?LISE NA OBRA DE MANOEL DE BARROS

Monografia apresentada ao Curso de Letras ? Portugu?s como parte dos requisitos para obten??o do grau de Bacharel em L?ngua Portuguesa, pelo Instituto de Letras da Universidade de Bras?lia. Orientadora: Prof.? Dr.? Fabr?cia Walace Rodrigues

Bras?lia, DF 2016 2

E veio uma iluminura em mim. Foi a primeira iluminura. Da? botei meu primeiro verso: Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem. Mostrei a obra pra minha m?e. A m?e falou: Agora voc? vai ter que assumir as suas irresponsabilidades. Eu assumi: entrei no mundo das imagens.

Manoel de Barros

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SUM?RIO

INTRODU??O ............................................................................................................2 POESIA: O CONTATO ENTRE LEITOR E POETA .....................................................8 IMAG?TICA: A IMAGINA??O, A IMAGEM E A POESIA DE BARROS .....................13 PALAVRA: SIGNIFICADOS FORMADORES DA SINGULARIDADE ........................17 CONSIDERA??ES FINAIS ......................................................................................23 REFER?NCIAS ......................................................................................................... 24

INTRODU??O

Ser ambivalente, a palavra po?tica ? plenamente o que ? ? ritmo, cor, significado ? e, ainda assim, ? outra coisa: imagem. A poesia converte a pedra, a cor, a palavra e o som em imagens. E essa segunda caracter?stica, o fato de serem imagens, e o estranho poder de suscitarem no ouvinte ou no espectador constela??es de imagens, transforma em poemas todas as obras de arte.

(PAZ, 1982, p. 26)

Para Octavio Paz, a arte po?tica tem o poder de todas as artes, o poder de transformar-se em outras artes. Partindo dessa ideia, o artigo a seguir almeja estudar, na obra do poeta contempor?neo Manoel de Barros, a rela??o que h? entre a leitura de poesia, a palavra e a imagem. Nesta rela??o, me direciono ao processo involunt?rio e poderoso que acontece com a leitura. Este caminho, a leitura, come?a com a palavra, no poema, e termina em imagem, no leitor. Como a travessia da palavra em transformar-se. Neste movimento, se encontram os signos, o leitor, o poeta, a poesia, a palavra, o ?ntimo, os desenhos imag?ticos e o infinito. Sobre eles, falarei mais tarde.

Os poemas a serem analisados foram escolhidos para que possam ilustrar a hip?tese g?nese do trabalho. Utilizei duas linhas de sele??o para a escolha do Corpus. No primeiro par?metro, procuro poemas que movimentam o Desenho Verbal, nos quais podemos perceber o movimento de constru??o e funda??o do Desenho Verbal. No segundo, busco poemas nos quais Barros deixa pistas de sua finalidade, poemas em que se pode encontrar, nos versos, abertura para as teorias.

Os poemas escolhidos segundo essas duas vertentes ser?o divididos, no desdobramento do trabalho, em tr?s partes inicialmente previstas, fundamentais para a pesquisa: Leitura de Poesia, Imag?tica e Signo. Estas partes ser?o desenvolvidas de modo que levem ? compreens?o do Desenho Verbal e das teorias discutidas at? aqui.

Para o estudo, tomo como foco, e ponto de partida, o Desenho Verbal que o poeta Manoel de Barros prop?e no subtexto de sua poesia. E para al?m do subtexto,

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? luz das palavras ditas, no document?rio "S? dez por cento ? mentira", dirigido por Pedro Cezar, Barros comenta brevemente sobre o Desenho Verbal: "? isso mesmo o que eu chamo de Desenho Verbal, n?? Que voc? consegue colocar uma imagem na vista do leitor." (BARROS, 2008, 11min17s). A palavra se torna a sua principal ferramenta. E sobre o papel das palavras diz ainda mais: "S?o as palavras que provocam os meus sonhos, sabe? Elas que tomam conta dos meus sonhos, produzem os meus sonhos. A utilidade da palavra ? realizar o sonho do poeta" (BARROS, 2008, 01h07min19s).

O questionamento inicial, acima comentado, leva ? reflex?o sobre o modo em que se d? esse movimento, essa constru??o. Considerarei o Desenho Verbal como um processo de cria??o que provoca o envolvimento do escritor e leitor, de modo que o resultado seria completo apenas com o ato de leitura, direcionando a constru??o imag?tica das palavras.

? importante ressaltar que o autor, em seus poemas, n?o revela suas inten??es, n?o com o texto escrito. O prop?sito de dar forma de imagem ?s palavras na mente do leitor ? um resultado da poesia de Barros, ? um reflexo, ? a travessia das palavras. N?o ? um ato art?stico no qual o leitor se voluntaria a participar, conscientemente. O Desenho Verbal n?o ? um passo a passo, ? um prop?sito do trabalho do poeta. Assim, o poeta, como um m?gico que guarda seus segredos, esconde seu prop?sito nas entrelinhas. Barros, entretanto, deixa pequenas pistas e sinais que, se captados, revelam a magia de sua poesia.

No poema "35" do livro Menino do Mato, 2010, podemos perceber, j? inicialmente, que o poeta revela a sua fonte de poder: a palavra. Sendo ela a mais tang?vel para homem-poeta:

Eu queria fazer parte das ?rvores como os p?ssaros fazem. Eu queria fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Eu s? n?o queria significar. Porque significar limita a imagina??o. E com pouca imagina??o eu n?o poderia fazer parte de uma ?rvore. Como os p?ssaros fazem. Ent?o a raz?o me falou: o homem n?o pode fazer parte do orvalho como as pedras fazem.

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Porque o homem n?o se transfigura sen?o pelas palavras. E isso era mesmo.

(BARROS, 2010, p. 432)

Quando se l? "porque significar limita a imagina??o", subtende-se que o poeta assume a falta de limites da imagina??o. Dar, deliberadamente, um significado para as palavras ? limit?-las, e, se assim acontecer, perde-se a oportunidade de abertura para o Desenho Verbal. Desta forma, o poeta percebe que, se souber manusear as palavras, como um artes?o, potencializar? o poder do infinito liter?rio. Barros tem ci?ncia disso, como ele mesmo afirma no document?rio supracitado: "Poesia ? o belo trabalhado, ? uma artesania. Ela acontece, ela chega ao fim quando voc? conseguiu dar as formas [...] ? cada palavra, cada s?laba, cada letra" (BARROS, 2008, 09min05s). O poder de movimentar as palavras ? do poeta, daquele que floresce, de fato, poesia.

Podemos dizer, ent?o, que o autor guia esse processo at? certo ponto. Em O Arco e a Lira, Octavio Paz cria um conceito de obra, e afirma: "Quando ? passivo ou ativo, acordado ou son?mbulo ? o poeta ? o fio condutor e transformador da corrente po?tica, estamos na presen?a de algo radicalmente distinto: uma obra" (PAZ, 1982, p. 16). Desta forma, podemos afirmar, com certeza, de que o que trabalharemos aqui ?, de fato, obra. A arte de Manoel de Barros, que se eleva no poder po?tico, ? obra. Surgindo de um poeta que tem consci?ncia de seu trabalho.

Assim, assumo o termo "transforma??o-guiada", que seria exatamente o que Paz nos transmite: o poeta que ? o fio condutor e transformador. Assumo "transforma??o-guiada" como o m?todo que Barros utiliza para estabelecer o Desenho Verbal. Como poeta, ele guia o processo de transforma??o da poesia em imagem. Representa o modo em que a palavra se tornar? imagem, na rela??o escritor-leitor no movimento de leitura. Modo, este, que se inicia na rela??o poeta-poesia: o poeta que n?o s? escreve poemas, aquele que faz poesia. O conceito de poesia que tomo ? tamb?m retirado de Paz, como ele nos afirma:

E assim ?: nem todo poema ? ou, para sermos exatos, nem toda obra constru?da sob as leis da m?trica ? cont?m poesia [...]. H? maquinas de rimar, mas n?o de poetizar. Por outro lado, h? poesia sem poemas;

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paisagens, pessoas e fatos podem ser po?ticos: s?o poesia sem ser poemas.

(PAZ, 1982, p. 16)

Ao afirmar que o poeta guia o processo de transforma??o, retira-se a possibilidade da aleatoriedade no movimento, ao menos do seu ponto de partida ? o poema. N?o ? apenas a palavra pela palavra, nessa din?mica inclui-se a intencionalidade do poeta. A origem do caminho a ser percorrido pelo Desenho Verbal n?o ? despropositada ou acidental. Para isso, o artista usa as palavras e as constru??es lingu?sticas para guiar a transforma??o da palavra e a iminente fus?o das formas e das artes. Barros constr?i as bases de uma poesia que d? a forma de imagem ? palavra.

Ainda em Paz, o te?rico declara o seguinte: "O poema n?o ? uma forma liter?ria, mas o lugar de encontro entre poesia e o homem. O poema ? um organismo verbal que cont?m, suscita ou emite poesia. Forma e subst?ncia s?o a mesma coisa.". (PAZ, 1982, p. 17). Partindo deste pensamento, a poesia n?o s? levaria a um "desenho verbal", mas o Desenho Verbal seria a manifesta??o e funda??o do "organismo verbal" no leitor. Al?m disso, a poesia aqui recebe a independ?ncia evolutiva, o potencial de singularidade. Assim, floresce a ideia do poder do infinito no Desenho Verbal, tema a ser pincelado neste trabalho.

A princ?pio, para ilustrar a ideia do Desenho Verbal, como movimento e ideia g?nese da an?lise, cito o poema Gar?a, de Poemas Rupestres, 2004:

A palavra gar?a em meu perceber ? bela. N?o seja s? pela eleg?ncia da ave. H? tamb?m a beleza letral. O corpo s?nico da palavra E o corpo n?veo da ave se comungam. N?o sei se passo por tanta dizendo isso. Olhando a gar?a-ave e a palavra gar?a Sofro uma esp?cie de encantamento po?tico.

(BARROS, 2004, p. 406)

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