EXMO (A) SR (A) DR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ___ VARA ...



EXMO. (A) SR. (A) DR. (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELÉM.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, por intermédio desta 3º Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no artigo 129, inciso III, artigos 5º inciso XXXII, 170 inciso V, 196, 197, 127, II, da Constituição Federal, artigos 927, 949 e 461 do Código Civil, artigos 4º, 6º, incisos I, VI, VII e VIII, 14, 81, inciso III da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor, artigo 5º Lei 7.347/85, vêm perante o Douto Juízo de Direito da Vara Cível da Comarca de Belém, a qual esta couber por distribuição, propor a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

Contra:

1. – HOSPITAL PORTO DIAS S/C LTDA (HOSPITAL PORTO DIAS) – CNPJ 84.154.608/001-6. Sito à Almirante Barroso, nº 1451, bairro do Marco;

2. –DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA, INSTITUTO SAÚDE DA MULHER, CNPJ Nº 63.979.381/001-40, situado na Tv. Humaitá, nº 1598, bairro do Marco;

3. UNIMED – COOPERATIVA TRABALHO MÉDICO – (HOSPITAL GERAL DA UNIMED) CNPJ n°. 04.201.372/0001-37, estabelecida nesta cidade na Tv. Curuzu, n.° 2192, Marco.

4. - BENEMETRIA SOCIEDADE PORTUGUESA BENEFICENTE DO PARÁ – HOSPITAL D. LUIZ I - CNPJ 04.928.479/0001-81. Sito à Av. Generalíssimo Deodoro, nº 868, bairro do Umarizal;

5. CLÍNICA ZOGHBI LTDA – HOSPITAL SÍRIO LIBANÊS – CNPJ 04. 965.583/0003-30. Sito à Av. Duque de Caxias, nº 1020, bairro do Marco;

6. VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO – HOSPITAL ORDEM TERCEIRA - CNPJ 04.935.409/0001-50. Sito à Tv. Frei Gil de Vila Nova, nº 59, bairro Centro;

7. CLÍNICA INFANTIL DO PARÁ - SAÚDE DA CRIANÇA CNPJ N.º 63.846.455/0001-42 , situado na Tv. 03 de maio, nº 1787, bairro de São Braz, todos nesta cidade.

1 – RESUMO DOS FATOS – A ORIGEM COMUM

Uma quantidade indeterminada de pessoas foi submetida à cirurgia em 07(sete) hospitais particulares de Belém, e durante o procedimento cirúrgico foram contaminados por infecção hospitalar, sendo que após alguns dias, os locais das incisões cirúrgicas abriram, formando-se um processo infeccioso.

As vítimas foram obrigadas a se submeterem a uma limpeza cirúrgica (debridamento) e a recorrerem a medicamentos antibióticos durante vários meses, e somente receberam o tratamento adequado quando foi constatado pelo Instituto Evandro Chagas a ocorrência de um surto de contaminação pela mycobacterium abscessus, transmitida durante o procedimento cirúrgico nos hospitais.

Todas as vítimas sofreram transtornos decorrentes da infecção hospitalar, tiveram ou estão tendo um longo processo de cicatrização das incisões cirúrgicas, alguns levando mais de seis meses, e ainda sofrendo desagradáveis efeitos colaterais da forte medicação que são obrigados a ingerir, notadamente o antibiótico Claritromicina 500, que deve ser tomado por um período mínimo de seis meses.

2 - A ANÁLISE FÁTICA.

Na data de 08 de janeiro de 2005, foi publicado no jornal “O Liberal”, na coluna “Voz do Leitor”, do caderno atualidades, página nº 05, um artigo intitulado “NÃO MATA, MAS MALTRATA”, assinado por SALOMÃO ELIAS BENMUYAL, onde relatava o drama pessoal que estava vivendo, pois foi acometido de uma doença que não tinha informação exata do que se tratava, e que teria sido contaminado por uma micobactéria, adquirido após cirurgia da vesícula realizada pelo método vídeo-laparoscópio (fls. 32 dos autos do procedimento), informando ainda que outras pessoas estariam na mesma situação.

Após este Promotor de Justiça ler referido artigo, determinamos que uma serventuária do Ministério Público entrasse em contato com Sr. Salomão e perguntasse se o mesmo gostaria de formalizar uma reclamação perante o parquet, colocando-nos a sua disposição para um possível atendimento, o que foi feito alguns dias após.

No dia 12 de janeiro de 2005, foi formalizada a primeira reclamação referente à infecção hospitalar causada pela mycobacterium abcessus, de autoria da Sra. Ivani Pinto Nascimento (fls. 04), onde relatava tudo que vinha sofrendo desde que foi submetida à cirurgia no Hospital Saúde da Mulher, fato ocorrido no dia 08 de junho de 2004.

Em que pese tenha a Sra. Ivani informado na reclamação que outras pessoas teriam sido contaminadas da mesma forma, até então tratava-se apenas de uma reclamação individual, entretanto, ficamos a partir de então na expectativa de recebemos outras reclamações no mesmo sentido.

Após alguns contatos telefônicos, no dia 31 de janeiro de 2005, fomos procurados pelo Sr. SALOMÃO ELIAS BENMUYAL, o mesmo que escrevera para o jornal “O Liberal”, que formalizou uma reclamação nesta Promotoria de Justiça, acompanhado de várias pessoas, ocasião em que tomamos consciência que se tratava de assunto de âmbito coletivo e difuso, pois se tratava de uma epidemia que teria atingido um número indeterminado de pessoas, de gravíssimas repercussões na saúde pública de nosso Estado.

Nesse mesmo dia, em torno de 10(dez) pessoas resolveram apresentar reclamação perante o Ministério Público com idêntico teor, fazendo com que este Promotor de Justiça juntasse todos essas reclamações em um só procedimento, baixando portaria para apurar conveniente os fatos, bem como tomar todas as providências que se fizessem necessárias.

Aos poucos o número de reclamações foi aumentando, sendo que até a presente data foram formuladas mais de 60 reclamações na Promotoria de Defesa do Consumidor.

O que vem sendo relatado nas dezenas de reclamações formuladas perante esta Promotoria de Justiça, é que essas pessoas foram inicialmente ao consultório médico com um determinado problema de saúde, ocasião em que receberam indicação médica para submeterem-se a cirurgia.

Ao receberem autorização do plano de saúde, depois da realização de todos os exames pré-operatórios necessários, combinam com o médico o dia, hora e o hospital em que seria realizada a intervenção cirúrgica.

Apesar do sucesso da cirurgia no que se refere ao mal que estavam acometidas, como cálculo na vesícula, dentre outras doenças, todas as pessoas após alguns dias da cirurgia apresentavam sintomas de infecção no local das incisões cirúrgicas.

Consoante o teor das reclamações constante dos autos, melhor explicitados em depoimentos colhidos perante este Promotor de Justiça, quase a totalidade das vítimas procurou o consultório médico no ano de 2004, havendo recomendação expressa do médico para que o paciente se submetesse ao procedimento cirúrgico pelo método vídeo-laparoscópico.

As cirurgias transcorreram normalmente, absolutamente dentro da rotina dos centros cirúrgicos, e os pacientes receberam alta do dia seguinte, devido ao sucesso do procedimento cirúrgico, sendo ministrada a medicação também de rotina, normalmente um antibiótico para prevenção de infecção.

Os pacientes voltaram ao consultório médico entre sete a doze dias após a cirurgia para a retirada dos pontos e em seguida retornaram a suas residências, ocorrendo aparentemente à cicatrização das incisões cirúrgicas como acontece normalmente.

Ocorre que, poucos dias após a retirada dos pontos, o local das incisões começou a abrir, apresentando vermelhidão, crescimento de nódulos e ainda saindo uma secreção. A partir daí começa o drama das pessoas que na maioria dos casos se arrasta até os dias de hoje, com a agravante perspectiva de duração do problema por um período incerto de tempo.

Os pacientes acabaram voltando por inúmeras vezes ao consultório médico e o problema persistia, ou seja, de maneira absolutamente estranha, os dias e até meses iam passando e o local das incisões insistia em não cicatrizar, percebendo os médicos sempre um processo infeccioso nesses locais.

Inicialmente a recomendação dos médicos era de lavar o local com água e sabão e passar uma pomada cicatrizante, chegando a informar aos pacientes que aquilo poderia se tratar de uma reação alérgica aos pontos, mas logo o problema seria solucionado.

Posteriormente com o agravamento do quadro, alguns médicos decidiram realizar um novo procedimento cirúrgico, chamado debridamento ou curetagem, uma espécie de limpeza cirúrgica, executando a retirada de nódulos e de toda a secreção, e posteriormente encaminhando o material coletado para exame laboratorial.

Ocorre que nos laboratórios onde os médicos encaminharam o material coletados dos pacientes, instituições particulares, como o laboratório Paulo Azevedo, o resultado da cultura era sempre negativo, ou seja, não havia comprovação da presença de bactéria ou micobactéria no material enviado à análise, ficando médicos e pacientes sem entender o que estava acontecendo.

A situação tornou-se preocupante, pois casa vez mais crescia o número de pessoas que apresentavam o mesmo quadro após a cirurgia, sendo que médicos tomaram conhecimento da proporção que o caso estava tomando inicialmente de maneira informal, através de conversas com outros colegas, até que decidiram se reunir para discutir o problema, em busca da solução adequada para o caso que já se transformava num surto ou epidemia.

No dia 17 de fevereiro do ano de dois mil e cinco, no auditório "Ernesto Pinho" do prédio anexo I do Ministério Público, foi realizada neunião promovida por este Promotor de Justiça, com a finalidade de melhor se informar sobre a epidemia de infecção hospitalar e ainda sobre as providências que a autoridades de saúde estavam tomando.

Participaram da Reunião: Dra. Carlene Almeida e a Dra. Nazaré Motta, representantes do SESMA, o Dr. Gilfrei Mácola, representante da SESPA, a Dra. Maria Luiza Lopes, representante do Instituto Evandro Chagas.

Aberto os trabalhos, a representante da SESMA, Dra. Carlene Almeida, frisou que ainda não sabia a origem da infecção, mas que o Departamento de Vigilância Sanitária, a SESMA e SESPA estavam atuando de forma integrada a fim de descobrir a origem da infecção.

Foi cientificado que tomaram conhecimento aproximadamente no dia 18 de novembro de 2004, através de um telefonema de um infectologista, o qual informou que a infecção tinha sido constatada nas cirurgias vídeo- laparoscópicas e por mesoterapia.

A representante do Instituto Evandro Chagas informou que o Instituto tomou conhecimento da infecção no dia 21 de outubro de 2004, quando foi procurada por um cirurgião que coletou o material de uma paciente e o enviou a São Paulo, para ser realizado exame hystopatológico, onde se obteve o resultado de que o material era suspeito de micobactéria.

A Dra. Maria Luiza declarou ainda que o Dr. Lourival Marsola, infectologista, encaminhou o caso à ANVISA, esclarecendo que o material colhido dos pacientes está sendo encaminhado ao Instituto Evandro Chagas para o cultivo, a fim de que se chegue a espécie, uma vez que o resultado de presença de mycobacterium é apenas o gênero e através do isolamento que é realizado no Instituto se chega a espécie.

A representante do Instituto Evandro Chagas afirmou que até aquele momento foram colhidos o material de 68 pacientes, dentre os quais 43 foram isolados, com a presença da mycobacterium abcessus, e estão em São Paulo para que seja feito o estudo genético.

O representante da SESPA informou na oportunidade que até novembro de 2004 não recebeu nenhuma reclamação, entretanto, em 19 de novembro de 2004, a Dra. DÉLIA da ANVISA deu um telefonema, avisando da infecção, esclareceu que essa doença não é de notificação obrigatória, razão pela qual tomaram conhecimento do problema pelo telefonema.

Informou ainda que no dia 26 de novembro de 2004 receberam os técnicos da ANVISA para tomar conhecimento dos casos, sendo realizada uma reunião com o Dr. Lourival Marsola para discutir acerca do problema da infecção.

Várias vítimas de infecção hospitalar também participaram dessa reunião no MP, fazendo questionamento e buscando explicação principalmente para o tratamento da doença, devido tratar-se de um caso raro.

Foi reivindicado na ocasião que a SESMA fornecesse os medicamentos aos pacientes, devido a negativa dos hospitais em custear o tratamento, além de se disponibilizar atendimento de médico infectologista e psicólogo para os pacientes, o que ficou de ser atendido pela SESMA.

No dia 08 de mês de abril de 2005, na Sala de Reunião do prédio anexo I do Ministério Público, este Promotor de Justiça reuniu-se com o o Sr. Antônio Marcos Freire Gomes, Presidente do Conselho Regional de Enfermagem (COREN), para colher informações sobre o controle a infecção hospital em Belém, e assim buscar sudsbsídios para melhor entender as causas da epidemia que abalou a saúde de nossa cidade.

Aberto os trabalhos, o Promotor de Justiça fez uma breve síntese acerca do assunto a ser tratado na reunião, fazendo um resumo do que foi apurado pelo Ministério Público no Procedimento Administrativo e as providências tomadas pelo órgão.

Ao ser dada a palavra ao Presidente do COREN, este relatou uma série de irregularidades que estariam ocorrendo nos hospitais particulares de Belém, de uma forma genérica, não apontando especificamente para nenhum hospital envolvido na presente ação.

O COREN tem observado problemas nas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), nas Centrais de Esterilização e nos Centros Cirúrgicos desta cidade, nos hospitais particulares, primeiramente, como ponto fundamental, tem a apontar a falta de um profissional qualificado para comandar esses setores, no caso um enfermeiro.

Afirmou que o trabalho tem sido realizado apenas por pessoal de nível médio de educação, sendo que a Lei que regulamenta o exercício da Enfermagem é a Lei Federal nº 7498/86, essa lei determina que a supervisão das atividades de auxiliares e técnicos de enfermagem deve ser realizada pelo profissional de enfermagem, o que não está sendo observado pelos hospitais particulares de Belém.

As atividades nas Centrais de Esterilização de material realizadas por técnicos de enfermagem sem a supervisão direta e orientação do enfermeiro provocam falhas nas etapas de esterilização o que pode culminar ao final em um material cuja esterilização total esteja sob suspeita.

Outro ponto marcante no processo de esterilização é a falta de testes periódicos para verificar a eficácia de equipamento que esteriliza material, alguns, inclusive, colocados em espaço físico inapropriado. Algumas salas de esterilização apresentam ligação com outras áreas do hospital, uma espécie de meia parede ou divisória, o que é terminantemente proibido. Outros apresentam uma única entrada e saída para materiais que são levados à esterilização e utilizados em procedimentos no hospital, quando o correto segundo a legislação vigente é que o material entre por uma porta e saia por outra diferente.

Outra irregularidade constatada é a falta de roupa necessária, pois o uso desses equipamentos é necessário para evitar que profissionais que atuam nessas áreas saiam e retornem de ambientes possivelmente contaminados.

O espaço físico na Central de Esterilização não permite o desenvolvimento confortável de todas as etapas que exigem a esterilização, considerando que na mesma mesa em que se procede a desinfecção prévia se realiza o empacotamento do material.

A Comissão de Infecção Hospitalar não existe em muitos hospitais, em outros estão apenas no papel, o que impossibilita ações para controlar a ocorrência de infecção hospitalar, concluindo que as CCIH não funcionam efetivamente nos hospitais particulares de Belém. Nas instituições em que existem a Comissão, nenhuma apresentou o seu programa de ações de controle de infecção, além de inexistir o enfermeiro responsável pelas suas atividades.

Encerrou o relato questionando que os hospitais não apresentam relatórios informando as atividades desenvolvidas pela CCIH, o que causa espanto, tendo em vista que a licença sanitária somente pode ser concedida quando cumpridas as exigências da existência e funcionamento das CCIH, do Programa de Atividades da Comissão e da Prestação de Contas das Atividades através de relatórios trimestrais ou definidos em períodos adequados pela Vigilância.

Todas as pessoas que procuraram o MP para formular reclamações foram encaminhadas para exame de corpo de delito, pois todas apresentavam características de terem sofrido lesões corporais após o procedimento cirúrgico.

Como exemplo das lesões corporais sofridas pelas vítimas, conseqüência da infecção hospitalar adquirida após o procedimento cirúrgico, podemos exemplificar dois casos onde foram submetidas à perícia de exame de corpo de delito pelo Instituto Médico Legal, pertencente ao Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves”:

1- SUELY CALVACANTE: refere que contraiu infecção hospitalar quando foi submetida a vídeo-laparoscopia para ressecção de vesícula biliar, no Hospital Saúde da Mulher, em 02.07.2004, como não cicatrizavam os orifícios da laparoscopia, procurou outro médico em 05.08.2004, tendo feito drenagem cirúrgica nos orifícios, sob anestesia local e curativos, permanecendo o orifício umbilical aberto e com secreção. DESCRIÇÃO: cicatriz de laparoscopia na região epigástrica e hipocôndrio direito, medindo 0,5 cm de comprimento; ferida cirúrgica de laparoscopia na região umbilical, de coloração vermelho vinhosa, drenando secreção de coloração amarelada. A pericianda mostrou-nos uma guia de internação hospitalar da UNIMED BELÉM onde consta : “paciente com deiscência de sutura umbilical + epigástrica + FD, há mais ou menos 8 m. Ass. Dr. Alberto Lopes Magalhães CRM 4512. CONCLUSÃO: Em razão da cirurgia que ainda será submetida, deixamos a conclusão para um exame complementar após o término do tratamento. RESPOSTA AOS QUESITOS DE LEI: ao primeiro, sim; ao sexto, dependendo de exame complementar após o término do tratamento; ao sétimo, dependendo de exame complementar após o término do tratamento; ao oitavo, não; ao nono, não; ao décimo, não.

2- LÚCIA MARIA MOREIRA DUARTE – refere que foi operada de vesícula na clínica Porto Dias em 22/07/2004, e em conseqüência teve infecção hospitalar que foi detectado uma bactéria pela cultura através do Instituto Evandro Chagas. Refere ainda que está em tratamento médico com infectologista. DESCRIÇÃO: quatro cicatrizes lineares medindo de 02 a 05 cm de extensão cada uma hipercômicas e hipertróficas ao nível das regiões: umbilical, flanco direito e epigástrica. Laudos médicos relatam: atesto para os devidos fins que a Srª. Lucia Maria Moreira Duarte foi submetida a tratamento cirúrgico por quadro de infecção de parede abdominal em três pontos cirúrgicos de cirurgia vídeo-laparoscópica prévia para ressecação de vesícula em 22/07/04. A atual cirurgia com laudo em anexo foi realizada em 22/02/2005, com boa evolução pós-operatória. Laudo anátomopatológico assinado pelo Dr. Fernando Silveira, CRM 5060, concluiu: processo inflamatório crônico granulomatoso não caeificante com cativação central e exsudato fibroleucocitário. Pesquisa de BAAR negativa. Exame de cultura realizado no Instituto Evandro Chagas realizado em 12/11/2004. Resultado: isolamento de Mycobacterium abcessus II. Observação: identificação por PCR – restrição enzimática, assinado Dra. Maria Luiza Lopes. CONCLUSÃO: baseado na história clínica, laudo médico assistente e exames laboratoriais concluímos que a pericianda apresentou infecção hospitalar, estando ainda em tratamento com infectologista.

O primeiro médico a depor no Ministério Público foi o Dr. Marcelo Dias(fls. 292/295), sendo responsável pela cirurgia de YVANI PINTO NASCIMENTO e MARCELO EUSTORGIO VIEIRA DA IGREJA pelo Método Vídeo-laparoscópico, e MARCIA GISELE FRANÇA MATTOS, operada devido apresentar um câncer de rim, no dia 15 de junho de 2004, pelo método convencional, todos no hospital INSTITUTO SAÚDE DA MULHER.

Ao ser perguntado ao se em razão dos pacientes terem sido contaminados pela Mycobacterium abscessus após a cirurgia realizada pelo declarante, se agiu como profissional com imprudência negligência ou imperícia, respondeu que não, pois agiu atendendo o princípio da medicina baseado em evidência, até porque essa mesma bactéria atingiu inúmeras pessoas em Belém, envolvendo diversos médicos, diversos hospitais e variados procedimentos.

Informou ainda que como o procedimento de cirurgia vídeo-laparoscópica é realizado no mundo há quinze anos, sem qualquer problema, ficou difícil saber o que causou a contaminação dos pacientes, que a única medida tomada pelo declarante, pessoalmente, depois da notícia deste surto, foi a realização da limpeza do material através do plasma de nitrogênio e a esterilização do mesmo era realizada através da imersão do material, que seria utilizado no procedimento cirúrgico, na solução a base de glutaraldeído pelo período de 12:00 hs.

O Dr. Marcelo Dias confirmou que todos os pacientes acima mencionados sofreram processo infeccioso após a cirurgia realizada por ele.

Conforme relatado no depoimento do Dr. Luis Cláudio Chaves (fls. 299/304), de início, os pacientes retornavam ao consultório reclamando que em uma ou duas incisões, das quatro normalmente realizadas, apresentavam vermelhidão e um pequeno quadro infeccioso, sendo também observada a presença de secreção de aspecto inflamatório, não havendo indício até aquele momento de tratar-se de uma infecção bacteriana.

Era realizada assepsia no local e recomendado que os pacientes aguardassem e com o tempo a perspectiva era de melhora, chegando inclusive a prescrever pomadas cicatrizantes.

Como os pacientes retornavam ao consultório com as mesmas reclamações, ou seja, que as incisões não fechavam e o quadro persistia, o Dr. Luis Cláudio resolveu enviar material da secreção para o laboratório Paulo Azevedo, entretanto, o resultado da cultura deu negativo.

Os pacientes submeteram-se à limpeza cirúrgica, que consiste na ressecção ou curetagem da ferida, entretanto, o quadro continuava o mesmo, e após tomar conhecimento com os colegas médicos que havia outros pacientes na mesma situação, o Dr. Luis Cláudio Chaves chegou a procurar a direção do hospital Porto Dias para que houvesse a mudança na marca do produto utilizado para esterilização, chamado glutaraldeídeo, pois o médico desconfiava que poderia estar havendo uma irritação química, entretanto, apesar da providência tomada pelo hospital, outro paciente submetido à cirurgia apresentou o mesmo quadro.

No final do mês de setembro de 2004 um médico remeteu material coletado por um paciente para o Instituto Evandro Chagas, e haviam informes preliminares de que uma micobactéria havia sido identificada, apenas precisavam de tempo para detectar qual era a espécie.

Ante essas informações foi realizada uma reunião no Hospital Porto Dias no mês de outubro de 2004, entre todos os médicos cirurgiões e os membros da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), ocasião em que foram tomadas diversas providências para enfrentar o problema.

Foi realizada a primeira avaliação do que estava acontecendo com os pacientes, sendo indicado pelo médico infectologista, Dr. Lourival Marsola, os medicamentos que deveriam ser ministrados ao pacientes, havendo consenso dos médicos notadamente para a prescrição do medicamento chamado Claritromicina 500, um antibiótico de última geração.

A direção do Hospital Porto Dias decidiu rever todo o procedimento de esterilização, paralisando inclusive a realização de cirurgias pelo método vídeo-laparoscópico por uma período de 15(quinze) dias, decisão que foi seguida pelo Hospital Saúde da Mulher.

A direção do Hospital Porto Dias decidiu promover um curso de reciclagem para limpeza de material cirúrgico, para todos os instrumentadores que atuam naquela casa de saúde, além de adquirir um equipamento de alta tecnologia em esterilização, denominado STERRARD, abandonando a utilização do produto químico glutaraldeídeo para esse fim, assim que referido aparelhou chegou, o que ocorreu em dezembro de 2004.

Na maioria dos casos, o material cirúrgico utilizado nos hospitais particulares é de propriedade do médico, sendo que a esterilização deste material é da responsabilidade dos hospitais, ou pelo menos deveria ser.

Em que pese os pacientes tenham reclamado da demora no diagnóstico da doença, para os médicos, em razão da alta qualificação dos profissionais que atuam no Instituto Evandro Chagas, o diagnóstico foi até abreviado, pois tratava-se de enfermidade raríssima.

Foi identificada a contaminação dos pacientes pela micobactéria abcessus em espaço de tempo razoável, pois em outros locais do mundo, segunda a literatura médica, essa identificação ocorreu em prazo muito maior, como nos Estado Unidos e na cidade de Campinas-SP.

Foi ressaltado ainda pelos médicos que eles apenas conheciam o assunto pela literatura médica, haja vista que nunca havia entrado em contato direto com essa enfermidade.

Segundo o depoimento do Dr. Luis Cláudio Chaves, este teria sido o primeiro médico a comunicar a existência do surto de infecção pela micobactéria à ANVISA em Brasília, mais precisamente no dia 16 de novembro de 2004, através de e-mail, e logo após essa comunicação dois técnicos do órgão estiveram em Belém para as primeiras providências para investigação da epidemia.

Em depoimento prestado às fls. 311/315 dos autos, o Dr. Acácio Centeno, afirmou que os equipamentos cirúrgicos com que trabalha são de sua propriedade, que o profissional afirmou possuir uma quantidade enorme de material cirúrgico, e normalmente o equipamento já fica no próprio hospital. O tratamento do material se dá primeiramente com o uso de um degermante com solução enzimática, em seguida é feita uma lavagem com escovação e detergente neutro, e finalmente a esterilização.

Relatou que os médicos podem realizar cirurgias dando um intervalo de apenas meia hora entre elas, mas certamente é utilizado pela equipe médica um outro material cirúrgico, visto que é impossível se lavar o material de laparoscopia em menos de meia hora, porque tem que ser desmontado, escovado, lavado, secado, lubrificado e após tudo isso ainda ser mergulhado no produto químico onde fica imerso, para dar um exemplo, somente o material denominado porta-agulha, o declarou ter quatro unidades.

Que o depoente questiona o porquê de se estar sendo colocado em dúvida a eficácia de um método de esterilização que é rotina nos hospitais particulares de Belém, haja vista que utilizam a mesma metodologia adotada no mundo todo, pois não se visa apenas combater num processo de esterilização a mycobacterium abcessus, e sim todas as bactérias e micobactérias, sendo que somente houve surto específico desta citada.

Informou que acontece rotineiramente nos hospitais infecção hospitalar conforme os padrões aceitos pela Organização Mundial de Saúde, como o pseudonomas, staphylococcus, proteuros, E.coli, etc, e que tem sempre de ser levado em consideração para a infecção hospitalar o tipo de cirurgia que o paciente realiza.

Declarou o Dr. Acácio Centeno que o método vídeo-laparoscópico é adotado pelo mesmo desde 1991, quando retornou ao Brasil ao concluir dois cursos de Pós-graduação na França, sendo que hoje 95% de seus pacientes são operados por esse método. Hoje essa tecnologia é adotada no mundo inteiro pelas inúmeras vantagens que tem em relação ao método convencional, como por exemplo: ser menos invasiva, as alterações metabólicas são menores, a recuperação do paciente é mais rápida, a lesão na parede abdominal ou torácica é bem menor, a dor pós-operatória é bem menor, as complicações pós-operatórias são menores, que inclusive os pacientes recebem alta no dia seguinte e voltam rapidamente para as suas atividades cotidianas, tratando-se esse método de um avanço fantástico da medicina.

Declarou ainda, que tem conhecimento que nos Estados Unidos houve um surto semelhante da mycobacterium abscessus, que acometeu 20 Estados americanos, sendo que somente após um ano as autoridades sanitárias tomaram conhecimento do problema, que o ele foi o primeiro médico que enviou o material para um laboratório de fora de Belém, no caso Botucatu, em São Paulo, que deu como resultado que era uma micobactéria, não identificando qual a espécie.

Ante esse resultado, o médico foi conversar com um infectologista e com a direção do Instituto Evandro Chagas, resolvendo ante às informações prestadas colher material de seus pacientes que estavam com secreção, encaminhando para o Instituto Evandro Chagas, sendo que inicialmente o resultado foi micobactéria de crescimento rápido e, posteriormente foi isolada a mycobacterium abscessus, fato ocorrido no final de outubro de 2004.

Encerou afirmando que existem equipamentos com a mesma eficiência na esterilização do que o chamado STERRARD, pois existem outras opções e este não é o único equipamento de esterilização que pode ser utilizado em hospitais, citando como exemplo os autoclaves e o gluraldeído, sendo que este último tem a única desvantagem de ser corrosivo.

Os médicos ouvidos no presente procedimento negaram à unanimidade ter agido no exercício profissional com negligência, imperícia ou imprudência. Declararam que apesar de reconhecerem que os pacientes foram contaminados pela mycobacterium abcessus após a cirurgia realizada pelos mesmos, todos agiram, sob o ponto de vista técnico, obedecendo a todos os protocolos reconhecidos internacionalmente pela medicina.

Em que pese apenas parte das vítimas conseguiram constatar terem sido contaminadas pelo mycobacterium abcessus, por motivos diversos, em todos os casos há provas irrefutáveis de que foram vítimas de infecção hospitalar.

É que apenas de algumas vítimas foi coletado o material e devidamente encaminhado ao Instituto Evandro Chagas, entretanto, outras provas foram acostadas aos autos do procedimento, dentre podemos destacar: laudo de exame de corpo de delito; receituário médico; exames laboratoriais de laboratórios particulares; receituário médico; termos de declaração de vítimas, termos de declarações de médicos, informações prestadas pelos hospitais; documentos enviados ao MP pelos hospitais; prontuários médicos; declarações dos hospitais onde estiveram internadas; atestados médicos; as lesões corporais apresentadas, conforme os laudos de exame de corpo de delito constantes nos autos, etc.

Uma grande parte das pessoas infectadas se mostraram decepcionadas pelas insuficientes informações prestadas pelos médicos sobre a doença a que foram acometidas, bem como o tempo que o tratamento poderia levar.

Somente depois de atendidas pelo médico infectologistas é que as vítimas tomaram consciência da gravidade de seu quadro clínico, haja vista que além da dificuldade na cicatrizarão das incisões cirúrgicas, dos debridamentos que foram submetidas depois das cirurgias, o tratamento recomendado é bastante demorado, sendo obrigadas a tomar o medicamento “claritromicina 500”, por um período do que varia entre 6(seis) meses a 1 (um) ano.

Para agravar a situação das vítimas, muitas se viram com seu corpo deformado, com lesões permanentes, com possibilidade de reparação apenas se submeterem à cirurgia plástica, o que tem provocado abalos psicológicos terríveis, muitas apresentando quadro depressivo, obrigando-as procurar auxílio em médicos psiquiatras, psicólogos e terapeutas de uma maneira geral.

Além disso, as vítimas têm reclamado que a ingestão por tão longo período de “claritromicina 500 mg’, dentre outros medicamentos (fls. 37), tem causado efeitos colaterais devastadores, como dores no estômago, falta de apetite, cansaço, esquecimento, dores renais, dor de cabeça, náusea, etc.

Os gastos com medicamentos e com o tratamento após a contaminação pela micobactéria levou as vítimas a arcarem com enormes prejuízos financeiros, pois somente com medicamentos o tratamento custa em torno de R$ 300,00(trezentos reis mensais), conforme documentos de fls. 51/52, além dos serviços profissionais que foram obrigados a contratar, como psiquiatra, psicólogo, etc.

Além disso, as vítimas mudaram completamente suas rotinas, afastaram-se do trabalho por longos períodos, cumprindo licença médica, sendo que algumas delas tiveram a renda diminuída sobremaneira, em razão de trabalharem de forma autônoma.

Muitas das vítimas não têm como custear o tratamento, e hoje somente tem tomado a medicação graças à Secretaria Municipal de Saúde, que vem distribuindo gratuitamente esses medicamentos.

Deve ser ressaltado, que a SESMA vem tendo dificuldades financeiras para assumir esse encargo, quando no nosso entendimento a obrigação maior é dos hospitais que causaram infecção hospitalar em seus pacientes.

Assim que tomou conhecimento sobre o surto de infecção hospitalar em Belém, A Agência Nacional de Vigilância Sanitária- ANVISA, enviou técnicos a Belém, desenvolvendo trabalho de fiscalização e investigação em conjunto com a Vigilância Sanitária do Estado e do Município, constituindo comissão formada por enfermeiros, médicos, farmacêuticos, psicólogos e apoio administrativo, e através de análise técnica esclarecer como ocorreram as infecções causadas pela mycobacterium abscessus, assim como tomar providências para que novos casos não venham mais a ocorrer em nossa cidade.

A comissão tem tido certa dificuldade nas investigações, devido principalmente pela magnitude do problema, pois pelo menos sete hospitais se envolveram no caso, dezenas de médicos e centenas de pacientes, e infelizmente ainda deve demorar bastante para a conclusão do trabalho.

O conteúdo dessa investigação consiste na orientação epidemiológica das infecções no ambiente hospitalar, visando oferecer uma visão geral das variáveis que deverão ser trabalhadas, como as circunstâncias, causas do surto e fatores de risco.

Conforme relatório parcial emitido pela Vigilância Sanitária do Município de Belém(fls. 1466/1478), para se ter uma idéia da dimensão do trabalho, as atividades de investigação iniciaram-se através de um levantamento de todos os pacientes submetidos a procedimentos de videolaporoscopia nos Hospitais Porto Dias e Sírio Libanês, no período de junho de 2004 a fevereiro de 2005, sendo que o trabalho continua no mesmo sentido em todos os hospitais envolvidos com o surto.

Estão sendo investigados todos os fatos que podem ter contribuído para a ocorrência da infecção : técnica de esterilização, água utilizada, mudança, etc.

Assunto que precisa ser aprofundado pelas autoridades responsáveis pela Vigilância Sanitária, tanto a nível Federal, Estadual e Mundial, diz respeito a utilização do produto químico glutaraldeídeo na desinfecção e esterilização dos equipamentos cirúrgicos.

No estado puro, o glutaraldeído apresenta-se sob a forma de um líquido oleoso ou de cristais incolores, de cheiro característico. É solúvel em todas as proporções na água e no etanol, sua a aplicação é realizada como componente de preparações bactericidas, nomeadamente para a desinfecção a frio de instrumentos médicos.

Em depoimento prestado nesta Promotoria de Justiça, o Dr. Luís Cláudio Chaves (fls. 299/304), este relatou que a primeira suspeita dos médicos para a causa do surto de infecção hospitalar foi o produto glutaraldeídeo, afirmando suspeitar que a mycobacterium abscessus pode ter criado resistência a referido produto químico.

O processo de esterilização normalmente é feito em todos os hospitais pelo glutaraldeído, tratando-se de um procedimento acolhido internacionalmente pela medicina, consistindo o produto em um galão líquido com um ativador em pó, após misturado pode ser utilizado por 14 dias consecutivos. O produto é colocado em um container plástico, sendo esse procedimento chamado de desinfecção de alto nível.

Todo o instrumental cirúrgico fica imerso no glutaraldeído por um período de 30 minutos, como por exemplo: pinças, tesouras, trocáteres (cânula que permite a passagem das pinças da parte externa para interna do abdome).

Segundo o médico Acácio Centeno (dep. fls.311/315) , a idéia inicial dos médicos para a não cicatrização das incisões cirúrgicas, era de que se tratava de um fator irritante, pois havia oscilação no estado dos pacientes, com período de melhora e piora dos mesmos. Ele suspeitou do produto glutaraldeído estar causando uma irritação nos pacientes, por isso resolveu não utilizar mais esse produto, e desde agosto de 2004, quando deixou de utilizar o glutaraldeído, não teve mais nenhum problema com os pacientes nesse sentido.

Entretanto, em que pese tenha suspeitado que aquele produto estivesse irritando seus pacientes, pois sabidamente é um produto irritante, afirmou que no mundo todo a esterilização é realizada por autoclave e glutaraldeído, e que o material ao ser imerso na substância depois de 20 minutos está livre de micobactéria, pois se trata de um produto micobactericida, padrão esse de esterilização que é aprovado pelo FDA dos Estados Unidos, que considera o tempo de 45 minutos, suficientes para eliminar micobactéria, mesmo que os materiais cirúrgicos não estejam perfeitamente limpos, segundo revistas científicas.

Ao ser questionado por este Promotor de Justiça para explicar a diferença entre esterilização e desinfecção de alto nível, informou o Dr. Acácio Centeno, que a desinfecção destrói germes não esporulados, enquanto que a esterilização destrói os germes esporulados e não esporulados. Como exemplo de germes esporulados o bacilo do tétano, reafirmando que as micobactérias não formam esporos e são destruídas com a desinfecção de alto nível.

O Hospital Porto Dias ao responder às indagações do Ministério Público confirmou que o tempo de 30 minutos é suficiente para a desinfecção dos equipamentos cirúrgicos, ou seja, eliminar qualquer bactéria ou micobactéria, procedimento que vem sendo adotado há anos e nunca houve qualquer contestação a respeito, muito menos contaminação pela mycobacterium abcessus .

Ocorre que, no relatório preliminar emitido pela Vigilância Sanitária do Município de Belém(fls. 1420.), são formuladas críticas ao processo de esterilização adotado no Hospital Porto Dias, dando a entender que o tempo de “apenas 30 minutos” não seria o recomendável para livrar o equipamento cirúrgico de qualquer contaminação.

Ante a essas divergências, o parquet solicitou parecer da Agência Nacional de Vigilância Sanitária a respeito da matéria, e assim que houver resposta será devidamente juntada aos autos do processo.

Em decorrência das infecções causadas por micobactéria diagnosticadas pelo Instituto Evandro Chagas (IEC), em pacientes atendidos em serviços de saúde no município de Belém (PA), Agência Nacional de Vigilância Sanitária expediu duas notas técnicas, informando aos profissionais de saúde sobre as características dos casos, medidas para diagnóstico, prevenção e tratamento.

Os dados obtidos até aquele momento confirmavam a ocorrência de infecções em 111 pessoas submetidas a procedimentos invasivos, em sua maioria cirurgias por videoscopia e mesoterapia, desde abril de 2004. Em 48 dessas amostras, o IEC identificou a espécie como Mycobacterium abscessus. As cepas isoladas estão armazenadas para possibilitar análises posteriores. O estudo descritivo dos casos está em andamento, com possibilidade de ampliação no número de pacientes envolvidos.

Segundo a nota da ANVISA, micobactérias de crescimento rápido (MCR) como o M. fortuitum, M. chelonae e M. abscessus podem ser recuperados do solo e de fontes naturais de água, constituindo as espécies de MCR mais freqüentes em infecções relacionadas à assistência à saúde. Infecções por MCR podem envolver praticamente qualquer tecido, órgão ou sistema do corpo humano, sendo mais freqüente o acometimento de pele e subcutâneo.

As infecções de pele e subcutâneo por MCR geralmente se apresentam como abscessos piogênicos, com reação inflamatória aguda e supuração, ou evoluem lentamente, com inflamação crônica, formação de nódulos, ulceração, formação de loja e fistulização. O curso da doença é variável, sendo mais freqüente a evolução crônica progressiva, com raros casos de cura espontânea.

O tratamento das infecções inclui, muitas vezes, uma abordagem cirúrgica associada ao uso de antibiótico. A antibioticoterapia empírica para M. abscessus deve ser realizada, preferencialmente, usando claritromicina. Associar um aminoglicosídeo nos casos de acometimento sistêmico ou imunossupressão. O uso de aminoglicosídeos deve ser acompanhado do monitoramento da função renal do paciente. As quinolonas devem ser usadas apenas se os testes laboratoriais demonstrarem a sensibilidade. A remoção cirúrgica de corpos estranhos é imprescindível e o desbridamento de tecidos infectados é fundamental para o sucesso terapêutico. As infecções por MCR respondem de forma lenta e por isso devem ser tratados por um período de 4 a 6 meses.

Expediu ainda algumas recomendações:

As instituições, por meio das CCIHs, devem intensificar as medidas de prevenção e controle de infecções relacionadas a procedimentos invasivos, com revisão de protocolos e programação de capacitações específicas.

No processamento de equipamentos e artigos para uso em procedimentos invasivos, é importante lembrar que a limpeza prévia é a etapa mais importante nos processos de desinfecção e esterilização. Resíduos de matéria orgânica, visíveis ou não, nas superfícies externas ou no lume dos instrumentais podem abrigar bactérias, fungos e vírus causadores de infecção.

Os desinfetantes e esterilizantes devem ser usados de acordo com as normas dos fabricantes, respeitando-se concentrações e tempo de exposição, além da verificação do registro desses produtos na ANVISA.

Para a prevenção de novos casos, recomenda-se a instituição da higienização das mãos com água e sabão anti-séptico ou a fricção com produto a base de álcool a 70% antes e após o atendimento ao paciente; a esterilização de videoscópios por método químico ou físico (imersão em ácido peracético ou glutaraldeído e utilização de autoclaves de plasma de peróxido).

Em razão do surto de infecção ocorrido em Belém muito tem se discutido sobre o funcionamento da chamada Comissão de Controle de Infecção hospitalar (CCIH), se efetivamente elas tivessem exercendo sua função nos hospitais, provavelmente a situação não teria chegado aonde chegou.

No Brasil o controle das IH teve inicio, em 1963, no Hospital Ernesto Dorneles, em Porto Alegre, RS. Em 1983, o Ministério da Saúde (MS) pública a portaria 196, obrigando os hospitais a criarem CCIH normatizando aspectos importantes no controle de infecção, não conseguindo, entretanto, o impacto desejado.

Com a morte do Presidente Tancredo Neves, em 1985, após a grande repercussão nacional que a mídia e a população foram sensibilizadas para o problema da IH nos hospitais brasileiros.

Em 1992, o Ministério da Saúde publica a portaria nº 930, que substitui a antiga, sendo reestruturado o PCIH procurando adequá-lo ao novo modelo que descentraliza e unifica a assistência à saúde no Brasil. A portaria prevê a criação dos Serviços de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) com profissionalização de enfermeiro e médico, e faz clara recomendação para a utilização de métodos ativos na coleta dos dados.

A CCIH é um órgão de assessoria da diretoria do hospital. Para que seu trabalho tenha possibilidade de êxito é fundamental o apoio político da administração, que deve prover as condições mínimas essenciais para o seu funcionamento.

Deve deixar claro o grau de autonomia conferida ao SCIH para iniciar as ações que considere necessárias para reduzir o risco de infecções, como coletar material para cultura, afastar do trabalho profissionais com doenças transmissíveis, interditar leitos para o controle de infecções.

As CCIH devem ser constituídas, conforme recomendação federal, ser atendidas às peculiaridades de cada hospital, e contar com a participação em seu número básico de representantes dos diferentes serviços, pois, por definição, uma CCIH de ser multidisciplinar, uma vez que sua atuação envolve praticamente todos os setores do hospital.

Para existir consenso de que o SCIH deve ter um enfermeiro em dedicação exclusiva nesta atividade para desenvolver a contento as atividades inerentes do PCIH. Segundo a portaria 930 do MS, o SCIH deve ter, no mínimo, um enfermeiro e um médico para cada 200 leitos, com pelo menos 6 e 4 horas de trabalho, respectivamente, e pessoal de apoio. O médico do SCIH deve ter formação clínica, idealmente um infectologista, com treino em epidemiologia clínica.

O médico epidemiologista é o responsável pela organização e desenvolvimento das atividades de vigilância, presta consultoria sobre isolamentos, analisa os dados, prepara relatórios, colabora na elaboração de normas e padronizações, supervisiona cursos e treinamentos. Sendo que o comitê deve se reunir uma vez por mês, preferencialmente, ou a cada dois meses. Devem ser registradas as reuniões em atas que se tornam um importante documento, que pode ser retomado por questões médicas, éticas, administrativas, políticas e até mesmo legais.

É importante que se mantenham atualizados os registros de taxas de infecção, as investigações realizadas e como os problemas foram resolvidos, além dos possíveis fatos que possam interferir na rotina da comissão.

As atividades da CCIH devem ser divulgadas, discutidas e compreendidas por todos os que compõem a equipe de saúde, através de relatórios, gráficos, painéis, murais.

Este Promotor de Justiça remeteu ofício a todos os hospitais réus no presente processo, requisitando informações sobre o conteúdo das reclamações apresentadas perante o Ministério Público, formulando uma série de perguntas sobre o processo de desinfecção e esterilização, atuação da CCIH, bem como sobre o funcionamento de uma maneira geral das referidas casa de saúde.

Em resposta ao ofício recebido, o Instituto Saúde da Mulher, por seu Diretor Salomão Zoghbi Neto, ressaltou a qualidade das instalações físicas do hospital, comparando-as com um hotel cinco estrelas, devido a diversos equipamentos que proporcionam maior conforto a seus pacientes, sendo que a instituição conta com uma equipe de prevenção de infecção hospitalar, que atua constantemente em todas as instalações do hospital.

Refere que a ANVISA está investigando o surto que acometeu vários hospitais de Belém, entretanto, a mycobacterium abcessus não foi encontrada em nenhum material coletado no Instituto Saúde da Mulher, o que seria muito improvável, visto que a micobactéria prefere ambientes como a água e não teria condições de sobreviver em instalações de um centro cirúrgico, apartamentos e enfermaria, conclui descartando totalmente a hipótese de infecção hospitalar nas instalações do hospital (fls. 1077/1080-Vol. V).

Ocorre que, inúmeros pacientes submetidos à cirurgia no Instituto Saúde da Mulher foram infectados durante os procedimentos cirúrgicos ali realizados, obviamente devido à presença da mycobacterium abcessus nesses equipamentos.

No Hospital Saúde da Mulher foram realizadas diversas reuniões da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, ocasião em que foram discutidos assuntos diversos, especialmente no que se refere ao combates das infecções e o processo de esterilização de equipamentos hospitalares, sendo adotadas providências diversas nesse sentido.

Conforme ata da reunião realizada no hospital no dia 13 de novembro de 2004(fls. 1085), foram discutidas as infecções que estavam acometendo os pacientes que foram submetidos a cirurgias vídeo-laparoscópicas naquela instituição, sendo relatado que foram enviadas amostras do produto glutaraldeídeo para a empresa fornecedora e a mesma enviou o resultado negativo.

O Dr. Acácio relatou na reunião que as infecções observadas por ele foram diagnosticadas desde maio de 2004, e que o resultado de cultura sempre dava negativo, havendo necessidade de investigar os fatos.

Foi citado inclusive que essas infecções estavam sendo causadas pela mycobacterium abcessus, e que já existiam nove pacientes com resultado de cultura positiva, sendo recomendado suspender de imediato o uso do produto químico glutaraldeídeo para evitar novos casos.

Na reunião da CCIH do dia 05/03/2003(fls. 1105-Vol.V), foi informado que técnicos da ANVISA estiveram na instituição em 2004 em duas oportunidades, e que o hospital tomou as providências recorrentes pelo órgão, como aumento do número de médicos infectologistas, instituição do projetado ambulatórios de egressos e implantação do projeto de antimicrobianos.

Constam dos autos o Manual de Rotinas da Central de Material esterilizado do Hospital Saúde da Mulher(1123/1137), com as atribuições do enfermeiro, do técnico de enfermagem, as atribuições do pessoal de apoio a do processamento dos artigos, como e a recepção e o expurgo, a realização de limpeza, desinfecção, esterilização, etc.

Foi explicada a utilização do produto Glutaraldeído, que tem atividade bactericida, viruscida, fungicida e esporicida, considerando a esterilização como o processo de destruição de todas as formas de vida, ou seja, elimina os microorganismos tanto na forma vegetativa, como na forma esporulada. Divide-se em química, que é realizada com vapor saturados sob pressão com o aparelho denominado autoclave; e química, realizadas com substâncias químicas como o glutaraldeído.

Foram juntados os documentos enviados à SESMA, referentes aos boletins mensais de Controle de Infecção Hospitalar, oriundo de 2004 e 2005, onde constata tabela de paciente, com os dados sobre idade, clínica, motivo da internação e o prognóstico (fls. 1139/1199), e ainda a rotina do CCIH, onde se mostra com gráficos coloridos o quadro das infecções hospitalares ao longo do ano de 2004(fls.1200/1206).

Todas as perguntas formuladas pelo Ministério Público foram devidamente respondidas pelo hospital Saúde da Mulher (fls. 1112/1122), havendo descrição dos procedimentos cirúrgicos realizados, a descrição técnica dos procedimentos de esterilização, composição da Comissão de Controle de infecção Hospitalar, a periodicidade das auditorias e inspeções sanitárias, a coleta de dados sobre infecção hospitalar, enfim, todas o processo de funcionamento do hospital e as medidas que são tomadas para evitar a infecção hospitalar.

Em resposta ao ofício enviado ao hospital Sírio Libanês pelo Ministério Público às fls. 779, referente às explicações dos casos de infecção hospitalar ocorridos naquela casa de saúde, foi respondido resumidamente o que segue:

A CCIH funciona efetivamente no hospital, sendo feitas inspeções técnicas trimestralmente, a fim de detectar possíveis falhas que serão solucionados pelos membros deste órgão.

A limpeza e desinfecção dos artigos cirúrgicos é feita através da degermação, onde o produto utilizado é o cidex (glutaraldeído), que permanece por um período de 1h - 1:30h em solução, e antes de sofrer esse processo, os materiais são postos na solução prozime, um poli-enzimático que tem por função degradar enzimas contidas em soluções corpóreas; em seguida estes materiais são enxaguados com água estéril e postos em solução de hipoclorito de sódio, ficando por mais 20 minutos; repete-se a lavagem com água estéril e postos no cidex. A partir daí os instrumentos cirúrgicos são esterelizados a 121ºC por 30 min.

Sendo os materiais de cirurgias vídeo-laparoscópicas esterilizados totalmente no CME do próprio hospital, utilizando-se a ação de um poli-enzimático (prozime ) para se proceder a esterilização por 15 min. à 121ºC.

Ressaltado que o hospital confirmou não ter meios de detecção de infecção hospitalar pós-alta, já que os pacientes são em sua maioria procedentes de consultório médicos particulares.

Foi remetido ao MP o Manual de Rotinas da Central de Material esterilizado do hospital Sírio Libanês, onde constam as atribuições do enfermeiro, do técnico de enfermagem, as atribuições do pessoal de apoio e do processamento dos artigos, como a recepção e o expurgo, a realização de limpeza, desinfecção, esterilização, etc.

Foram juntados os documentos enviados à SESMA, referentes aos boletins mensais de Controle de Infecção Hospitalar, oriundos de 2004 e 2005, onde consta tabela de paciente, com os dados sobre idade, clínica, motivo da internação e o prognóstico (fls. 802/822- vol. IV).

O Hospital da Beneficente Portuguesa (D. Luiz I) respondeu as perguntas solicitadas pelo MP, expondo o que segue:

Das quatro pessoas que fizeram reclamações de infecção hospitalar neste órgão Ministerial contra Hospital da Beneficente Portuguesa, foi confirmado pelo referido hospital que apenas três realizaram cirurgia no mesmo, não confirmando a Instituição que tenha havido casos de infecção hospitalar.

Informou que a CCIH do hospital é própria, sendo composta por nove funcionários os quais realizam auditorias e inspeções sanitárias mensalmente.

Quanto à limpeza e desinfecção dos artigos cirúrgicos, é de responsabilidade dos funcionários da Central de Material de Esterilização. Sendo realizada por prospectiva geral com busca ativa de casos de infecção hospitalar em pacientes internados, com prioridade para os internados na UTI neonatal, UTI adulto, e aqueles submetidos a procedimento cirúrgicos.

Sendo a esterilização do material de cirurgia feita em parte pelo hospital (aparelho do hospital) e em parte pelos médicos que trazem (medida suspensa) seu aparelho já processado para uso na instituição, e também, realizados por membros da equipe destes cirurgiões utilizando os serviços da CME do hospital.

A taxa de infecção hospitalar na instituição no período de 01/2004 à 03/2005 foi de 3,32%.

Foi remetido ao MP o programa de controle de infecção hospitalar, as atas de reuniões da CCIH, assim como a rotina de limpeza do Hospital, especificando as normas técnicas adotadas, além de boletim enviado à SESMA, no período de janeiro de 2004 a março de 2005.

Quanto ao hospital Saúde da Criança, foram apresentadas no MP até a presente data duas reclamações de infecção hospitalar, sendo que a instituição também não prestou as devidas informações solicitadas por este Promotor de Justiça.

No que se refere ao hospital da Ordem Terceira (Venerável Ordem Terceira de São Francisco), foram apresentadas no MP até a presente data duas reclamações de infecção hospitalar, sendo que até a presente data a instituição não prestou as devidas informações solicitadas por este Promotor de Justiça.

O Hospital Geral da Unimed, pertencente ao plano de saúde Cooperativa do Trabalho Médico - Unimed, respondeu às indagações formuladas pelo MP juntando os documentos pertinentes às fls. 881/955, que podemos resumir da seguinte forma :

O plano de saúde confirma que das cinco pessoas que fizeram reclamação neste órgão Ministerial todas se submeteram a procedimento cirúrgico no hospital da Unimed e tem conhecimento que duas delas adquiriram infecção hospitalar.

Informa que as auditorias e inspeções sanitárias internas são realizadas mensalmente pelos membros executores da CCIH nos diversos setores de apoio. Durante as inspeções realizadas não foram detectados casos de infecção com diagnóstico confirmado ou presumido por Mycobacterium Abcessus.

Para materiais termoresistentes faz a lavagem com enzimático seguindo a orientação do fabricante, empacotamento com as devidas identificações e autoclavação. E para materiais termosensíveis faz o mesmo procedimento, acrescentando a submersão em solução de glutaraldeído a 2% por 10 horas.

Informou que a esterilização do instrumental de propriedade da UNIMED é feita totalmente pelo hospital, porém destacou que os médicos também utilizam seus instrumentais que são esterilizados por seus instrumentadores, usando ou não o produto químico do hospital.

Foi enviado regimento interno de CCIH, regimento do centro de controle de infecção, programa de controle de infecção hospitalar, atas das reuniões da CCIH, dados estatísticos sobre infecção hospitalar; boletins mensais de Controle de Infecção Hospitalar.

O Hospital Porto Dias respondeu às indagações do MP, juntando os documentos correspondentes às fls. 956/1003, conforme resumimos a seguir:

Iniciou a resposta confirmando que os pacientes que formularam reclamações nesta PJ foram submetidos à cirurgia naquela instituição, entretanto, negando que tenham sido contaminados por infecção hospitalar, afirmando que a direção do hospital soube da ocorrência de infecções apenas indiretamente, através de médicos e de notícias da mídia local, não tendo dados concretos sobre em quais pacientes foram isolados a mycobacterium abscessus, apesar de já terem solicitado essas informações aos órgãos competentes. Foi indicada a lista dos pacientes solicitada pela MP, com a data da cirurgia e a equipe médica que os atendeu.

Foi detalhado o funcionamento da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar – CCIH, presidida pelo Dr. Lourival Rodrigues Marsola, sendo que normalmente as inspeções sanitárias são realizadas anualmente pela Vigilância Sanitária do Município, ressaltando-se que o hospital não possui vigilância pós-alta de procedimentos cirúrgicos. A taxa média mensal de pacientes com infecção hospitalar no período solicitado(2004) foi de 1,58 %. A avaliação é feita pela CCIH do hospital, que utiliza os indicadores epidemiológicos de infecção hospitalar para traçar os níveis endêmicos.

O hospital possui dois instrumentais para cirurgia vídeo-laparoscópicas, porém, em regra, os cirurgiões optam por fazer uso de seus próprios instrumentos, informando que no período de 01/01/2004 à 31/03/2005 foram realizadas 551(quinhentos e cinqüenta e uma) cirurgias por esse método.

A limpeza dos artigos hospitalares é realizada de forma manual e mecânica, com solução enzimática de três enzimas (amilase, protease e lípase). A desinfecção química de alto nível é destinada aos artigos semicríticos termosensíveis, adotando-se para isso solução desinfetante o glutaraldeído 2%, os artigos são submetidos a etapas sistematizadas (limpeza, enxágüe, secagem, desinfecção, enxágüe e secagem), sendo expostos a essa solução por um período de 30(trinta) minutos, ao final do processo esses artigos são embalados em sacos de algodão cru esterilizados, sendo monitorada a solução do glutaraideídeo quanto a concentração de substância ativa e ao ph pela CCIH.

O processo de esterilização no hospital é feito por plasma de peróxido de hidrogênio (STERRAD) englobando as seguintes fases: Vácuo – retira-se o ar de dentro da câmara de esterilização; Injeção – uma vez processado o vácuo é enviado um sinal para que as agulhas existentes nas válvulas de injeção perfure a ampola de peróxido de hidrogênio; Difusão – o peróxido de hidrogênio na fase gasosa, se “espalha” por todo material para que o peróxido tenha oportunidade de chegar em todos os cantos; Ventilação – o ar é filtrado para dentro da câmara do equipamento, igualando a pressão interna com a externa.

Anteriormente o processo de limpeza mecânica era realizada pelo instrumentador da equipe cirúrgica, que antes do ato cirúrgico promovia a desinfecção de alto nível mantendo imerso em glutaraldeído a 2% por 30(trinta) minutos, protocolo seguido desde o ano de 1999, quando iniciaram os procedimentos vídeo laparoscópicos no hospital.

Atualmente a CME (Central de Material e Esterilização) do Hospital Porto Dias é centralizada, todo o processo de esterilização é feito nela. O artigo é submetido à limpeza mecânica e manual pelo instrumentador da equipe cirúrgica e após isto os artigos são inspecionados, acondicionados e esterilizados pela equipe do hospital, para em seguida serem embalados e esterilizados no Plasma de Peróxido de Hidrogênio(STERRAD).

Os instrumentadores da equipes cirúrgicas no mês de novembro de 2004 participaram de um curso sobre o tema da limpeza e esterilização dos artigos de vídeo-laparoscopia.

O hospital informou que tomou conhecimento de casos de infecção por micobactéria quando começou a ocorrer a continuidade de relatos de “alergia” ao glutaraldeído, devido a isso, em setembro de 2004, alguns pacientes foram encaminhados ao médico infectologista para investigação. Sendo estes avaliados e o material colhido das feridas cirúrgicas foi enviado ao Instituto Evandro Chagas, onde foi detectado presença de micobactéria, porém ainda não caracterizando como Mycobacterium Abscessus .

O hospital enviou rotina de higienização onde demonstra os cuidados na limpeza do bloco cirúrgico, no banheiro em geral e a orientação que se observa para o pessoal da limpeza.

No dia 03 de novembro foi realizada reunião extraordinária no hospital, com a presença de médicos-cirurgiões, membros da CCIH e a direção do hospital, onde foram discutidas providências em relação ao surto da Mycobacterium Abcessus.

Os protocolos de processamento de vídeo laparoscopia foram revistos, assim como do centro de material esterilizado, sendo suspensas todas as cirurgias por um período de 15 dias, sendo iniciada uma investigação pela CCIH, sendo enviado equipamentos para análise no Instituto Evandro Chagas.

Entre as medidas preventivas tomadas, as mais importantes que consideramos foram processar os equipamentos de vídeo laparoscopia no glutaraideídeo, por um período de 10(dez) horas, para esterilização após limpeza com detergente enzimática, haja vista que anteriormente os equipamentos ficavam imersos na substância por apenas 30 (trinta) minutos, sendo que a partir da chegada do equipamento Sterrad em dezembro de 2004, todos os materiais termosensíveis incluindo os laparoscópicos passaram a ser esterilizados utilizando o peróxido de hidrogênio(fls. 964-Vol IV).

Às fls. 966/976 dos autos constam os relatórios técnicos das cirurgias, onde estão descritos os procedimentos realizados nos paciente de forma pormenorizada, documentos esses assinados pelos médicos-cirurgiões.

Foram juntados às fls. 975/983, o programa de prevenção e controle de infecções hospitalares, onde são seguidas as determinações da Portaria nº 2.616/MS/GM, de 02 de maio de 1998, sendo que o Programa de Controle de Infecção Hospitalar(PCIH) é “o conjunto de ações desenvolvidas deliberadamente e sistematicamente, com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares”.

As atas das reuniões da CCIH (2004/2005) constam às fls. 987/1002 dos autos. Na reunião realizada no dia 09 de setembro de 2004 foi aventada pela primeira vez a questão do produto glutaraldeído, que supostamente estaria causando alergia aos pacientes e deveriam ser melhor investigados os casos, pois já havia notícia de um paciente de outro hospital ter sido contaminado por micobactéria.

No dia 20 de outubro de 2004 na reunião da CCIH(fls 996), foi levantada a possibilidade de surto, sendo confirmada a ocorrência de micobactéria de crescimento rápido, não sendo ainda identificada a espécie pelo Instituto Evandro Chagas, inclusive o Dr. Lourival Marsola , Presidente da CCIH informou que já havia comunicado os fatos à ANVISA, questionando os problemas com o produto glutaraldeído e as infecções por micobactéria após cirurgia.

Na reunião ocorrida no dia 03 de novembro de 2004(fls. 997-Vol. IV), foram tomadas diversas providências pela CCIH em relação às infecções por micobactéria, ocasião em que foi relatado pelos médicos a ocorrência de inúmeros casos, sendo tratado novamente o assunto no dia 09 de dezembro de 2004 (fls. 999).

Em que pese não tenha a direção dos hospitais réus, com exceção da Unimed, admitido expressamente a responsabilidade pelas infecções hospitalares transmitidas aos pacientes submetidos à cirurgia, não negaram a ocorrência dos fatos descritos na presente ação, inclusive nas reuniões da CCIH ocorridas no Hospital Porto Dias e Saúde da Mulher o assunto foi amplamente discutido e nas próprias informações do hospital foram relatadas as providências tomadas pela instituição quando o problema da mycobacterium abcessus ganhou a dimensão de surto, o que não poderia certamente ser de outra forma.

É fato notório que os pacientes que foram submetidos a cirurgia nesses hospitais foram acometidos de infecção hospitalar, não havendo no nosso entendimento, de acordo com a legislação em vigor, como os réus fugirem da responsabilidade civil do pagamento dos danos materiais e morais sofridos pelas vítimas do evento.

3 - LISTA DAS VÍTIMAS DE INFECÇÃO HOSPITALAR QUE APRESENTARAM RECLAMAÇÃO NO MP:

SAÚDE DA MULHER

1.IVANY PINTO NASCIMENTO

Tv. Apinagés, 569, apto. 102, Batista Campos, CEP 66033-170

2.MARCELO EUTÓRGIO VIEIRA DA IGREJA

Conjunto Maguari, Alameda 15, casa 56, Icoaraci

3.ANA BEATRIZ DE OLIVEIRA PANTOJA PIMENTEL

Av. Conselheiro Furtado, 1574, apto 1501, Edifício Rio de La Plata.

4.MARIA JOSÉ ARGUELLES MOTTA

Trav. 14 de Março, 1320, apto. 1502

5.MARIA ELIZABETH FONSECA DE MENEZES

Rua Mundurucus, Passagem Máquinas, n.º 69.

6.RUTH HELENA COSTA SANTOS

Av. Conselheiro Furtado, Vila da Paz, 25, Nazaré, entre Generalíssimo Deodoro e Quintino Bocaiúva.

7.SIMONE SOEIRO VIEIRA

Av. Visconde de Souza Franco, 1114, apto 401.

8.MÁRCIA GISELE FRANÇA DE MATOS

Tv. Tiradentes, 700, apto. 602, Santarém, Pará.

9.SUELY CAVALCANTE

Residencial Sabiá, Quadra 03, N.º 9.

10.AILDE BATISTA DOS SANTOS

Rua Vizeu, 364, Conjunto Médice II, Marambaia.

11.ALDA FRANÇA COSTA

Conjunto Vitória Régia, Alameda 1, casa n.º 9.

12.OSCARINA PEREIRA MUNIZ

Rua Oswaldo de Caldas Brito, 490.

13.RAIMUNDA DOS SANTOS CAMPOS

Rua Américo Santa Rosa, 562, Bairro Canudos.

14.ANTÔNIA REGINA DA PAIXÃO RODRIGUES

Rua Américo Santa Rosa, 564.

15.KARLA CELESTE MENEZES QUEIROZ

Av. Gentil Bittencourt, n.º 1485, apto. 201.

16.ALESSANDRA DO ROSÁRIO BRITO

Conjunto Panorama XXI, Quadra 28, casa 11.

17.JOSÉ ALVES DE ARAÚJO

Av. 25 de Setembro, n.º 37, São Braz.

18.EPAMINONDAS DA SILVA SOUZA

Rua Canal do Galo, 23-A, entre Djalma Dutra e Nena Barreto, Telégrafo.

19.NÃLIA SOCORRO MORAES GOMES

Tv. Monte Alegre, 1265, Bloco Karen, Apto. 202, Jurunas.

20.OSWALDO PINHEIRO DILLON

Passagem Santa Maria, 88, Sacramenta.

21.ROBERTO NAZARENO ALBUQUERQUE DA SILVA

Conjunto Júlia Sefer, Rua 14, casa 94, Ananindeua.

22.MARIA DO SOCORRO MARTINS COSTA

BR 316, Rua Anabeju, 300, Castanheira.

23.MARIUZA MATIAS PALHETA

Trav. Lomas Valentinas, 2409, Marco.

24.MARIA DO SOCORRO OLIVEIRA PIMENTA

Av. José Bonifácio, 2071, Altos.

25.AUDI MARIA DE LIMA FERREIRA

Av. Naziazeno Ferreira, s/ n.º, Bairro do Riozinho, Bragança, Pará.

26.ANA CRISTINA MARTINS PINTO

Av. Braz de Aguiar, 73, apto. 21

27.ANA CRISTINA DO ESPÍRITO SANTO PIRES

Rodovia Augusto Montenegro, Residencial José Homobono II, Bloco 09, apto. 101, Tapanã

28.FLÁVIA CRISTINE ALCÂNTARA SANTOS

Rua Epitácio Pessoa, 46, Guamá.

Porto Dias

29.ULYSSES JOSÉ TAVARES

Av. 16 de Novembro, 594, apto 1101, Cidade Velha

30.SALOMÃO ELIAS BENMUYAL

Rua Arcipreste Manoel Teodoro, 103, apto 1703

31.CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA MONTEIRO

Tv. Curuzu, 2215, apto 602.

32.SUELY REGINA DOS SANTOS ALHO

Tv. Humaitá, 1470, entre Duque de Caxias e Visconde

33.MARIA BEATRIZ ARAÚJO DOS SANTOS

Rua Reginaldo de Souza, 34, Distrito Industrial

34.ROSICLER IANDECY MOURA BARBOSA

Rodovia Augusto Montenegro, km 8, Residencial José Homoboro Paes de Andrade I, bloco 01, apto. 104, Tapanã.

35.ARYADNE CAROLINE LEÃO DE ANDRADE

Rua de Américo Santa Rosa, n.º 806, entre Teófilo Conduru e Francisco Monteiro.

36.MARIA MADELEINE BASTOS DA VERA CRUZ

Rod. Augusto Montenegro, Passagem Maria das Graças, n.º 42.

37.PATRÍCIA CARLA NOGUEIRA

Av. Almirante Barroso, n.º 892, apto. 208 - B.

38.NÚBIA MÁRCIA MIRA GÓES

Av. Xavantes, nº 174, B, Beirol, Macapá, Amapá.

39.MARIA JOSÉ CARDOSO SANTOS

Av. Dr. Freitas, Passagem Santa Helena, 231.

40.JANETE PAMPLONA RODRIGUES

Av. Duque de Caxias, Vila S. Gabriel, 54, Marco.

41.MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA LAMEIRA

Rua Diogo Móia, 417, Umarizal.

42.LÚCIA MARIA MOREIRA DUARTE

Av. Conselheiro Furtado, 246.

43.EDUARDO ANTÔNIO BASTOS SANTOS

Rodovia Mário Covas, Condomínio Pau d’Arco, rua 04 , casa 04, Coqueiro, Ananindeua.

44.RUI GUILERME MESSIAS CASTRO

Tv. Soares Carneiro, Passagem Belém, n.º 150, Umarizal.

45.ANA CRISTINA MARTINS PINTO

Av. Braz de Aguiar, 73, apto. 21.

UNIMED

46.TAHÍS CHAVES PENNER TAVARES

Conjunto Bela Vista, Tv. João Pessoa, 3306, Val-de-Cães.

47.GUIOMAR GALVÃO ARCOVERDE

Tv. Pina de Ribeiro, 96, São Braz.

48.ROSALVO MONTEIRO BRITO

Tv. Curuzu, nº 1603.

49.EMILIANO ROBERTO COELHO DOS SANTOS

R. São Domingos, n.º 66, Terra Firme, Montese.

50.CLAÚDIA REGINA SANTOS FERREIRA

Trav. Bom Jardim, n.º 104, Cidade Velha.

51.ANA MARY BAETAS

D. Pedro I, 235, Umarizal.

52.SAMUEL VIEIRA CRUZ

Rua Carlos Magno, Al. 1º de Maio, n.º 03, Marambaia.

53.MARIA DO ROSÁRIO DE FÁTIMA SOUZA CAETANO

Rodovia Augusto Montenegro, km 05, Privê Sol Dourado, Bloco F, Apto. 203, Parque Verde.

BENEFICIENTE PORTUGUESA

54.REINALDO JOSÉ TEIXEIRA GONÇALVES

Av. Cora de Carvalho, 877, Centro, Macapá, Amapá.

55.MARIA RAIMUNDA CARDOSO MIRANDA

Rua Inácio Gabriel, n.º 15, Marituba, Pará.

56.MARIA AMÉLIA BENTES CAVALCANTE

Av. Conselheiro Furtado, 290, apto. 1008, Edifício Monsenhor Azevedo.

57.MARIA DA GLÓRIA BREU SOUZA FILHA

Rua Silva Santos, 128, entre Ferreira Cantão e 1º de Março.

58.ROSE MARY DE SOUZA COUTINHO

Passagem São João, nº 01, bairro do Telégrafo Sem Fio

HOSPITAL SÍRIO LIBANÊS

59.REGINA FALCÃO MEDEIROS

Passagem Vitória, 339, Terra Firme, entre São Pedro e Rua Nova.

60.EDNA MORAIS BARROSO

Rua Curuçá, 136, Umarizal.

61.RAIMUNDA MIRALDA CRUZ MAGNO

Rua do Fio, 173, Av. Pedro Álvares Cabral, Telégrafo.

SAÚDE DA CRIANÇA

62.JOANA VALDERINE DE SOUSA ROSÁRIO

Rua Alacide Nunes, Passagem Três Marias, n.º 30.

63.SANDRA SUELY PEDREIRO CAVALCANTE

Trav. Felipe dos Santos, Quadra 327, casa 428, lote 28, Vila dos Cabanos, Barcarena, Pará.

64.ANA CELY MONTEIRO DA SILVA

Rua Tancredo Neves, Quadra 07, n.º 18, Tenoné, Passagem Fé em Deus.

ORDEM TERCEIRA

65.ELIZÂNIA SANTOS DE OLIVEIRA

Rua Mundurucus, 2602, casa 01.

66.MARIA DE NARARÉ LISBOA LAGO

Conjunto Parklândia, Quadra Q, n.º 8.

3- ASPECTOS JURÍDICOS DA QUESTÃO.

3.1. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E DA ADEQUAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA A TUTELA DOS DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Em que pese a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) esteja prestes a completar 20 (vinte) anos e o Código de Defesa do Consumidor (8.078/90) esteja completando 15 (quatorze) anos, a atuação do Ministério Público na defesa dos direitos ou interesses metaindividuais ainda continua causando polêmica entre os juristas, notadamente no que se refere aos chamados direitos individuais homogêneos.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/95), dispõe no Art. 25, que incumbe ao Ministério Público, promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, para proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao consumidor, além de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”.

De acordo com o parágrafo único do artigo 81, do CDC, a defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeito deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Podem ser atribuídas três características aos direitos individuais homogêneos:

1) trata-se de um conjunto de interesses individuais, ou seja, um agrupamento de interesses individuais;

2) que haja uma identidade desses interesses;

3) que haja a possibilidade de exigir o interesse em face da mesma pessoa ou mesmas pessoas.

Usando dos critérios do CDC, extrai-se que, pelo aspecto subjetivo, os direitos ou interesses individuais homogêneos tem como titulares pessoas perfeitamente individualizadas, que também podem ser indeterminadas, mas determináveis sem nenhuma dificuldade. Pelo aspecto objetivo e pelo caráter predominantemente individualizado, são eles sem dúvida divisíveis e distinguíveis entre seus titulares. Sob o aspecto de sua origem, possuem eles origem comum. Em relação a essa origem comum é que existe ponto de semelhança entre os direitos ou interesses individuais homogêneos e os direitos ou interesses difusos, pois ambas as categorias, diferentemente dos direitos coletivos em sentido estrito, nascem ligadas pelas mesmas circunstâncias de fato, não obstante, sejam, quanto à titularidade e objeto, totalmente distinguíveis.

A legitimação do Ministério Público está expressa no texto constitucional (art. 127, caput, e art. 129, III). A mesma Lei maior confere ao legislador infraconstitucional poder para conceder ao parquet outras funções compatíveis com suas atribuições (art.129,IX, da CF), e a legitimidade no caso é institucional e está respaldada,como se vê, no texto constitucional. A atuação é de interesse social, e sempre que houver a afirmação de direito pertinente aos interesses ou direitos individuais homogêneos, o Ministério Público poderá atuar, com o ajuizamento da respectiva ação coletiva. O que ele defende não é o interesse de cada vítima ou de seus sucessores, mas o interesse globalmente considerado que, no caso, é o interesse social, justificado para evitar a proliferação de demandas individuais, a dispersão das vítimas titulares dos direitos e o desequilíbrio jurídico decorrente da possibilidade de decisões jurisdicionais contraditórias sobre o mesmo assunto.

Para a maioria da doutrina e da jurisprudência, ao Ministério Público cabe não somente a defesa dos direito difusos e coletivos, mas também os direitos individuais homogêneos.

Conforme ensinamento da consagrada doutrinadora do direito Consumerista, Claudia Lima Marques, “no caso brasileiro, trata-se da realização de um direito fundamental (positivo) de proteção do Estado (Rechte auf positive Handlungen-v. Alexy, p.179 e ss.) para o consumidor (art.5º, XXXII, da CF/1988). O consumidor foi identificado constitucionalmente (art. 48 do ADCT) como agente a ser necessariamente protegido de forma especial.

O Código de Defesa do Consumidor é claro, em seu art. 1.º, ao dispor que suas normas dirigem-se à proteção prioritária de um grupo social, os consumidores, e que constituem-se em normas de ordem pública, inafastáveis, portanto, pela vontade individual. São normas de interesse social, pois, como ensinava Portalis (apud Georges Ripert,L’ ordre économique et la liberte contractuelle, Mélanges offert à Geny, Paris, 1959, p. 347), as leis de ordem pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos particulares.

O Código de Defesa do Consumidor constitui verdadeiramente uma lei de função social, lei de ordem pública econômica, de origem claramente constitucional.

Visando tutelar um grupo específico de indivíduos, considerados vulneráveis às práticas abusivas do livre mercado, esta nova lei de função social intervém de maneira imperativa em relações jurídicas de direito privado, antes dominadas pelo dogma da autonomia da vontade. São normas de interesse social, cuja finalidade é impor uma nova conduta, transformar a própria realidade social”( Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, ed. Revista dos Tribunais, p. 54).

A jurisprudência dominante hoje no Brasil, sabiamente é no sentido de se admitir a legitimidade do Ministério Púbico na defesa de interesses individuais homogêneos, notadamente os nossos tribunais superiores:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇÃO COLETIVA – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE – INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE DA MENSALIDADE – UNIMED. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos quando existente interesse social compatível com a finalidade da instituição. Reajuste de prestação de plano de saúde (Unimed). Art. 82, I, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Precedentes. Recurso conhecido e provido (STJ – Resp 177965/PR – rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 18.05.1999).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – IMPETRAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO A FIXAÇÃO E O PAGAMENTO DE MENSALIDADES ESCOLARES – ADMISSIBILIDADE – DIREITOS E INTERESSES QUE PODEM SER CONSIDERADOS COLETIVOS OU SE CONSIDERADOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS SEUS TITULARES SÃO CONSUMIDORES - INTELIGÊNCIA DO ART. 2º , PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.078/90. Ementa da Redação. O Ministério Público tem legitimidade para ingressar com ação civil pública visando a fixação e o pagamento de mensalidades escolares, pois os interesses e direitos daí decorrentes podem ser considerados coletivos. Mas, ainda que esses direitos sejam considerados como individuais homogêneos, pode o órgão ministerial propor a ação, eis que têm vinculação com o consumo, ou seja, podem os titulares do direito ser considerados consumidores, nos termos do art. 2ª ,parágrafo único, da Lei 8.078/90 (STF – 2ª T. – RE 185.360 – 3/SP – rel. Min. Carlos Velloso – j. 17.11.1997 – RT 752/116).

Rodolfo Camargo Mancuso entende “que o ponto de equilíbrio nessa controvérsia depende de que seja devidamente valorizado o disposto no art. 127 da CF, onde se diz que o parquet compete a defesa dos “interesses sociais e individuais indisponíveis”. Ou seja, quando for individual o interesse, ele há de vir qualificado pela nota da indisponibilidade, vale dizer, da prevalência do caráter de ordem pública em face do bem da vida direto e imediato perseguido pelo interessado. Até porque, de outro modo, a legitimação remanesceria ordinária, individualmente ou em cúmulo subjetivo.

Registre-se entendimento no sentido de que a nota da indisponibilidade (CF, caput) pode, ainda, derivar do próprio interesse social em que seja prevenida a atomização dos conflitos coletivos, os quais, tratados fora dos esquemas de jurisdição coletiva, acabam gerando múltiplas demandas judiciais, com efeitos deletérios bem conhecidos: sobrecargas do judiciário, duração excessiva de feitos, risco de decisões qualitativamente diversas. No ponto, Nery e Nery sustentam que a ação civil pública movida pelo Ministério Público em matéria de interesses individuais homogêneos é deduzida no interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa julgada (CDC, art. 103, III), evitando decisões conflitantes”.

Assim se deu no rumoroso caso da explosão, por vazamento de gás, ocorrida em shopping center situado em Osasco SP, tendo o MP ajuizado ação coletiva, em defesa dos interesses individuais homogêneos das vítimas e/ou de suas famílias. Outro exemplo é caso dos contratos de leasing de automóveis, quando houve a subida vertiginosa no cambio do dólar, onde o Ministério Público ajuizou ação coletivas em favor dos consumidores contra vários bancos, em diversos Estados da Federação.

Esses exemplos mostram como se pode configurar o interesse social. Num conflito coletivo com número muito expressivo de sujeitos, com tal refratário à técnica do litisconsórcio ativo facultativo (v. parágrafo único do art. 46 do CPC, redação da lei 8.952/94), essa situação acaba ensejando que esses interesses metaindividuais sejam conduzidos para a jurisdição coletiva.

Negar o interesse geral da sociedade na solução destes litígios e exigir que cada lesado comparecesse a juízo em defesa de seus interesses individuais seria desconhecer os fundamentos e objetivos da ação coletiva ou da ação civil pública” (Ação Civil Pública, Ed. Revista dos Tribunais, 7ª edição, pág. 114).

O constituinte não deixou qualquer margem de dúvida para a questão. Ora, se vem expresso no artigo IX do art. 129 da CF que o parquet pode “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade”, o Código de Defesa do Consumidor e outras inúmeras leis ao conferiram atribuições diversas ao Ministério Público, certamente estão em perfeita consonância com o texto constitucional.

A atuação do parquet é imperativa fundamentalmente para evitar a proliferação de demandas individuais, a dispersão das vítimas titulares dos direitos e o desequilíbrio jurídico decorrente da possibilidade de decisões jurisdicionais contraditórias sobre o mesmo assunto.

3.2. O DIREITO À SAÚDE

A saúde, para efeitos de aplicação do art. 196 da CF/88, pode ser conceituada como: “um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar”(Fernanda Schaefer, in Responsabilidade Civil dos Planos e Seguros de Saúde, páginas 22/23, 2003, Ed. Juruá).

Antigamente chegava-se ao conceito de saúde como ausência de doença. Hodiernamente, é outra a concepção, pois o termo é polissêmico, cujo significado, em suas raízes latinas, é solda, soldado, ou seja, uma peça única, inteira. Em suas origens gregas, o significado da palavra saúde é, dentre outros, inteiro, real, integridade. A organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “completo bem-estar físico, mental, social e político”.

O art. 196 da Constituição Federal, preceitua: “a saúde é direito de todos e dever do Estado (grifo nosso), garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Outro importante conceito é trazido pelo art. 197, da Constituição Federal, que afirma: “São de relevância Pública (grifo nosso) as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. Assim, serão considerados de relevância pública as ações e serviços de saúde que interessam à efetivação dos princípios fundamentais do Estado Democrático de direito, inclusive os tidos como privados.

Finalmente, o art. 199 da Constituição Federal abre as portas do sistema de assistência à saúde ao setor privado: “A assistência a saúde é de livre iniciativa privada”. Essa liberdade será sempre exercida de forma complementar ao Sistema Único de Saúde, observados todas as suas diretrizes (arts. 21 e 22 da Lei 8.080/90 – Lei Orgânica Nacional da Saúde). A flexibilização do sistema universalista ocorreu face ao alto custo de manutenção da saúde pública e possibilitou a organização da iniciativa privada sob as formas básicas de seguros e medicina pré-paga e suas derivações.

Não se pode falar em direito à saúde, sem indagar o que significa o termo saúde. O primeiro conceito de saúde é atribuído ao poeta satírico Juvenal, que viveu em Roma entre os anos 42 e 130 D.C.: “mens sana in corpore sano”. O poeta quis dizer “Alma sã num corpo são”. Não basta a saúde da alma; é necessária também a saúde do corpo.

Capra, citado por Rocha (199, p.43), afirma que a saúde pública é uma “busca contínua pelo equilíbrio entre influências ambientais, modo de vida e os vários componentes”. É, por isso, que a Constituição Federal preocupou-se não só com as ações curativas mas também com as preventivas, e com a concretização da sadia e digna qualidade de vida. A saúde é um direito de caráter difuso e coletivo, indivisível, que se efetiva a partir da afirmação diária e contínua da cidadania plena.

De acordo com o artigo 127, II, da CF. é função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos poderes e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. Assim, sendo violados os direitos dos consumidores no exercício do direito constitucional à saúde, no caso sub examen tendo havido a ocorrência de danos materiais e morais na prestação dos serviços de saúde, é dever institucional do parquet ingressar em juízo para pleitear a reparação desses danos.

3.3. A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DOS HOSPITAIS

A responsabilidade objetiva permite que o juiz ordene a reparação do dano sem que se prove a culpa daquele a quem será imputado esse dever. Surgiu das dificuldades verificadas em definir a culpa diante de eventos danos concretizados em certas atividades em que a posição humana é inferiorizada. O fato (atividade) surge para atender as expectativas de lucro de quem explora esses segmentos, os chamados “criadores de risco” por Alvino Lima, de modo que, quando a vítima entrar no esquema que envolve riscos e dele sair prejudicada, não haverá de provar a culpa para obter a reparação do dano sofrido; basta que prove a relação de causalidade entre o dano e o fato gerador. Uma vitória, sem dúvida, da luta pela maior e mais efetiva proteção ao consumidor.

De acordo com o artigo 927, § único do Código Civil, “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei”. Na verdade, os hospitais só se exonerariam da responsabilidade se comprovasse: não ter realizado os serviços, culpa exclusiva do autor ou terceiro ou ocorrência de caso fortuito ou força maior.

O artigo 6º da Lei 8.078/90(CDC) exige, como direito básico, a proteção da vida e da saúde contra os riscos e práticas decorrentes do fornecimento de serviços, bem como o direito à efetiva reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos.

Dispõe a Lei 8.078/90 (código de Defesa do Consumidor) :

Artigo 14: “O fornecedor de serviços responde, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Na lição lapidar de Claudia Lima Marques, “a responsabilidade imposta pelo art. 14 do CDC é objetiva, independente de culpa e com base no defeito, dano e nexo causal entre o dano ao consumidor-vítima (art. 17) e o defeito, do serviço prestado no mercado brasileiro. Com o CDC, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na terminologia de Antônio Herman Benjamin, isto é de que não haja um defeito na prestação do serviço e conseqüente acidente de consumo danoso à segurança do consumidor-destinatário final do serviço, é verdadeiro dever imperativo de qualidade (arts. 24 e 25 do CDC), que expande para alcançar todos os que estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CDC, impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que organizam, os servidores diretos e os indiretos (parágrafo único do art. 7º do CDC)”(in Comentários ao CDC, pág. 248, 2004, ed. Revistados Tribunais).

A única exceção do sistema do CDC de responsabilidade objetiva é § 4º do art. 14 do CDC, que privilegia os profissionais liberais, retornando ao sistema subjetivo de culpa, razão pela qual o Ministério Público não discute na presente ação a responsabilidade dos médicos, haja vista que numa ação coletiva como esta não teríamos condições de discutir caso a caso, ou seja, individualmente a relação médico-paciente, se houve ou não a ocorrência de culpa por ocasião dos serviços prestados.

Recorrendo novamente aos ensinamentos da brilhante professora Claúdia Lima Marques, “Trata-se do fornecimento de serviços por profissionais liberais cuja responsabilidade será apurada mediante verificação de culpa. Explica-se a diversidade de tratamento em razão da natureza intuitu personae dos serviços prestados por profissionais liberais. De fato, os médicos e advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos profissionais – são contratados ou constituídos com base na confiança aos respectivos clientes.

Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva em quaisquer de suas modalidades: negligência, imperícia ou imprudência”.

Entretanto, a jurisprudência e a doutrina são pacíficas com relação a responsabilidade de hospitais em caso de infecção hospitalar, havendo a obrigação da reparação dos danos causados aos pacientes :

HOSPITAL - INFECÇÃO GRAVE – RESPONSABILIDADE OBJETIVA - HOSPITAL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – INDENIZAÇÃO – REPARAÇÃO DE DANOS – SIMPLES TRAUMATISMO NO DEDO DE UM MENOR QUE, NÃO OBSTANTE O ATENDIMENTO MÉDICO RECEBIDO, ACABA SE TRANSFORMANDO EM INFECÇÃO GRAVE, A PONTO DE SER NECESSÁRIA A AMPUTAÇÃO CIRÚRGICA DO MEMBRO – FALHA DE SERVIÇO CARACTERIZADA - VERBA DEVIDA PELO ESTABELECIMENTO HOSPITALAR, POIS NOS TERMOS DO ART. 14 DA LEI 8.078/90, RESPONDE OBJETIVAMENTE INDEPENDENTE DE CULPA, PELOS DANOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. Ementa oficial: como prestadores de serviços que são, os estabelecimentos hospitalares respondem objetivamente pela reparação de danos causados aos consumidores. Essa responsabilidade tem por fato gerador o defeito do serviço, conforme expressamente previsto no art. 14 do CDC, que em última instância, criou para o fornecedor um dever de segurança e idoneidade em relação aos serviços que presta aos consumidores. Simples traumatismo no dedo de um menor que, não obstante o atendimento médico recebido, acaba se transformando em infecção grave, a ponto de se fazer necessária amputação cirúrgica da terceira falange, caracterizada falha do serviço e leva à indenização, independentemente de culpa” (TJRJ –2ª Câm. – Ap 11.323/98 – rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho – j. 15.12.1998 – RT 768/353).

RESPONSABILIDADE CIVIL – HOSPITAL–ESTABELECIMENTO QUE ENQUADRA-SE COMO FORNECEDOR DE SERVIÇO – RESPONSABILIDADDE OBJETIVA PELO ACIDENTE DE CONSUMO, QUE SÓ É AFASTADA SE DEMONSTRAR QUE O DEFEITO INEXISTE OU QUE A CULPA É DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO – INTELIGÊNCIA DO ART. 14 § 3º, DA LEI 8.078/90. Ementa Oficial: Considerando que o hospital se enquadra na categoria de fornecedor de serviço, devem ser consideradas, para o fim da definição de sua responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, as diretrizes traçadas pelo Código de Defesa do Consumidor, a saber: de um lado, a aptidão ou idoneidade do produto ou serviço geram responsabilidade pelo chamado vício, caso em que o fornecedor só arca com as conseqüências jurídicas do fornecimento de um produto ou serviço imperfeito; de outro lado, a falta de segurança do produto ou serviço acarreta, por sua vez, responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto/serviço (acidente de consumo), especificamente no que diz respeito aos danos produzidos, caso em que a imperfeição do serviço recebe o nome de defeito. Tratando-se de defeito, a responsabilidade do fornecedor do serviço é objetiva, só sendo afastadas se e quando demonstrar (e a prova fica a seu cargo) que, tendo prestado o serviço, o defeito inexistiu, ou, então, que foi do consumidor ou de terceiro a culpa exclusiva pelo defeito (art. 14, § 3º, do CDC) (TJSP – 6ª Cam. – Ap c/ Ver 70.286-4/6- rel. Des. Antônio Carlos Marcato – J. 29.04.1999 – RT 771/212).

4. DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA

A antecipação de tutela, prevista nos artigos 273 e 461 do CPC, não tem natureza de medida cautelar; tem, pois caráter satisfativo. Não protegem simplesmente o processo, como as cautelares (cunho assecuratório), mas antecipam o próprio direito objeto do pedido.

A tutela antecipada é um instituto novo no Direito, que trata da prestação jurisdicional cognitiva, de natureza emergencial, executiva e sumária. E como por ela se busca desde logo os efeitos de uma futura sentença de mérito, sua natureza jurídica só pode ser de execução latu sensu da pretensão deduzida em juízo. É, em suma, medida de natureza excepcional que intenciona dar efetividade à prestação jurisdicional, pois, caso não se alcançasse a antecipação da tutela, implicaria na ocorrência de dano irreversível ou na carência do objetivo almejado pela sentença.

O artigo 273 do Código de Processo Civil assim dispõe:

“O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I- haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (...)”

Dessa forma, para a concessão da antecipação de tutela prevista no CPC, como acima exposto, deve existir prova inequívoca da existência do direito - aquela cuja clareza e precisão não enseja dúvida na convicção do julgador -, onde serão admitidos todos os possíveis meios comprobatórios. Há, também, a exigência da verossimilhança, ou seja, a possibilidade de existência do direito, juízo este que repousa na persuasão íntima de que as questões fáticas induzirão a que o autor merecerá a prestação jurisdicional em seu favor.

A decisão do juiz que concede a Tutela Antecipada deve ser plenamente justificada, clara e precisa, indicando as razões de seu convencimento, impedindo desse modo, a irreversibilidade do provimento.

A presente Ação Civil Pública tem por objetivo precípuo a tutela dos direitos dos consumidores para a indenização dos danos sofridos.

Os gastos com medicamentos e com o tratamento após a contaminação pela micobactéria levou as vítimas a arcarem com enormes prejuízos financeiros, pois somente com medicamentos o tratamento custa em torno R$ 300,00(trezentos reis mensais), conforme documentos de fls. 51/52, além dos serviços profissionais que foram obrigados a contratar, como psiquiatra, psicólogo, etc.

Além disso, as vítimas mudaram completamente suas rotinas, afastaram-se do trabalho por longos períodos, cumprindo licença médica, sendo que algumas delas tiveram a renda diminuída sobremaneira, em razão de trabalharem de forma autônoma.

Muitas das vítimas não têm como custear o tratamento, e hoje somente tem tomado a medicação graças à Secretaria Municipal de Saúde, que vem distribuindo gratuitamente esses medicamentos.

Deve ser ressaltado, que a SESMA vem tendo dificuldades financeiras para assumir esse encargo, quando no nosso entendimento a obrigação maior é dos hospitais que causaram infecção hospitalar em seus pacientes.

Ora, de acordo do como artigo 949 do Código Civil, no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará ao ofendido nas despesas do tratamento, necessária se faz antecipar a tutela no sentido de obrigar os hospitais réus custearem de imediato pelo menos as despesas com medicamento das vítimas.

O dano é a circunstância elementar da responsabilidade civil, que é a lesão a um bem jurídico, um patrimônio, não podendo haver reparação onde não houve prejuízo. Ora, não há dúvida que as vítimas de infecção hospitalar sofreram graves ofensas à saúde, com prejuízos de aspectos materiais e morais.

No caso sub examen esses dano foi provocado dentro de uma relação de consumo, no interior de uma unidade hospitalar, ocorreu um fato do serviço, ou seja, os acidentes de consumo decorrentes de graves falhas na execução do serviço hospitalar, que causaram sérios danos à saúde física e psicológica do paciente-consumidor, e por isso, merecem ser indenizados.

Conforme previsto no artigo 949 do Código Civil, no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido nas despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV afirma que não se deve excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, sendo obrigatório ao magistrado a concessão da referida tutela.

No tema, artigo 461 do Código de Processo Civil consagra o instituto da tutela específica, medida através da qual, em ações que objetivem o cumprimento de obrigações de fazer – consoante o objeto da presente demanda, o juiz determinará previamente providências que assegurem o alcance do desiderato perseguido por meio do provimento jurisdicional. Assim dispõe a legislação processual civil, in verbis:

“ Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”.

Ademais, preceitua o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (grifo nosso)

§ 3º: Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente (...)” (destacamos)

Complementando a ordem de proteção contida no dispositivo acima, estabelece, ainda, a Lei da Ação Civil Pública n.º 7.347 de 24 de junho de 1985, artigos 11, 12, que poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação, objetivando a cessação da atividade nociva.

In casu, deflui-se que os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar restaram inteiramente comprovados, de vez que é indiscutível a direito assegurado aos consumidores lesados no que concerne ao fornecimento dos medicamentos - fumus boni juris-, havendo risco à saúde e a vida dos pacientes se não tomarem os medicamentos prescritos pelos médicos, por ser medida imprescindível à efetividade da sentença – periculum in mora.

Ante o exposto, uma vez demonstrada a pertinência da concessão da TUTELA ANTECIPADA, requer SEJA DETERMINADO LIMINARMENTE AOS RÉUS QUE FORNEÇAM MENSALMENTE OS MEDICAMENTOS CLARITROMICINA 500 mg, 04 (QUATRO) CAIXAS COM 14(CATORZE) COMPRIMIDOS E OMEPRAZOL 20 mg, 04 (QUATRO) CAIXAS COM 14(CATORZE) COMPRIMIDOS, PARA AS VÍTIMAS DA INFECÇÃO HOSPITALAR RELATADA NA PRESENTE AÇÃO, INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO MÉDICO, PELO PERÍODO DE 6 MESES, CONFORME PRESCRIÇÃO MÉDICA.

5. - DO PEDIDO

Ante o exposto, o Ministério Público do Estado do Pará, por meio do Promotor de Justiça signatário, com base nos argumentos de fato e de direito mencionados, REQUER:

1-Seja os réus citados, através do seu representante legal, para apresentar, se assim o desejarem, contestação a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, sob pena de revelia e demais cominações legais;

2-Seja julgada procedente a demanda, condenando-se os réus a efetuarem o pagamento de indenização por danos materiais e morais causados aos consumidores vítimas de infecção hospitalar especificados nesta exordial, em quantum a ser fixado em liquidação de sentença – que entendemos por artigo;

3-A concessão de medida liminar inaudita altera pars, em tutela antecipada, seja determinado liminarmente aos réus que forneçam mensalmente os medicamentos claritromicina 500 mg, 04 (quatro) caixas com 14(catorze) comprimidos e omeprazol 20 mg, 04 (quatro) caixas com 14(catorze) comprimidos, para as vítimas da infecção hospitalar relatada na presente ação, indispensáveis ao tratamento médico, pelo período de 6 meses, conforme prescrição médica.

4- Caso Vossa Excelência entenda necessário, uma vez que os fatos relatados nesta petição são públicos e notórios, protesta o autor pela produção de todos os meios de provas admitidas em direito; inclusive, a inversão do ônus da prova, nos exatos termos do art. 6º , inc. VIII, do CDC;

5- Seja realizada a publicação em Imprensa Oficial, para os fins colimados no art. 94 do CDC.

Protesta por todos os meios de prova admitidos em Direito, inclusive documentais, periciais e testemunhais e demais provas que se façam necessárias no transcurso da presente demanda.

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 300,00 (trezentos reais).

Belém, 06 de maio de 2004.

MARCO AURÉLIO LIMA DO NASCIMENTO

3º Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, em exercício

Sentença

Proc. 20051027894-5

Vistos, etc.

Cuida-se de Ação Civil Pública impetrada por MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL por intermédio da 3a. Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor em face de HOSPITAL PORTO DIAS S/C LTDA; DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA. (INSTITUTO SAÚDE DA MULHER) ; UNIMED COOPERATIVA DO TRABALHO MÉDICO (HOSPITAL GERAL DA UNIMED); BENEMÉRITA SOCIEDADE BENEFICENTE DO PARÁ (HOSPITAL D. LUIZ I); CLÍNICA ZOGHBI LTDA.; VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO e CLÍNICA INFANTIL DA PARÁ (SAÚDE DA CRIANÇA).

O Ministério Público informou a respeito de possível epidemia de uma bactéria conhecida e identificada como mycobacterium abcessus. Aduz que foram identificados 66 (sessenta e seis) pacientes de 07 (sete ) hospitais que teriam sido infectados pela referida bactéria e que estas pessoas estão recebendo ajuda da SESMA, tendo em vista que precisam de medicamentos caros que devem ser utilizados por cerca de 06 (seis) meses, no mínimo.

Foi concedida por este juízo a antecipação dos efeitos da tutela de mérito a fim de que os réus fornecessem mensalmente os medicamentos requeridos na exordial aos pacientes relacionados às fls. 47/52.

Foi impetrada Reconvenção pelo HOSPITAL PORTO DIAS e pela clínica DIAGNOSIS Centro de Diagnósticos Ltda. Alegam que não houve prova técnica de que as infecções foram contraídas nas dependências destes hospitais e que o reconvindo, pelos meios de comunicação, difamou o seu prestígio, sua imagem e sua honra. Requerem indenização para que seja reparado o dano.

O Ministério Público informou, na petição de fls.3077, que constantemente é procurado por vítimas da referida bactéria para que seu nomes constem da lista de pessoas que têm o direito, concedido pela liminar, aos medicamentos capazes de combater a ação daquelas. Pretende a extensão do benefício concedido na liminar a todo o universo de pessoas contaminadas, cabendo a estas a prova de que realizaram cirurgia no local e que estão infectadas.

Este juízo indeferiu o pleito do Ministério Público por entender que a extensão da liminar poderia trazer problemas de execução da antecipação da tutela, em prejuízo aos que já se encontram protegidos pela concessão inicial. Foi deferido o pedido quanto à admissão do litisconsorte ativo ANA CÉLIA SOUZA, tendo ficado os demais pedidos para análise posterior.

A UNIMED BELÉM e a clínica DIAGNOSIS interpuseram Agravo de Instrumento, tendo sido indeferido o efeito suspensivo destes.

Houve contestação do HOSPITAL PORTO DIAS, tendo este alegado preliminarmente, litispendência e ilegitimidade ativa ad causam do MP e, no mérito, argüido a inexistência de prova de que os pacientes foram contaminados pela referida bactéria e de que tal contaminação tenha ocorrido nas dependências do hospital. Aduziram ainda que existem diversas formas de contaminação e que nenhuma delas é exclusiva de ambiente hospitalar.

A clínica DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA., em contestação, pretendeu, preliminarmente, a integração dos planos de saúde à lide como litisconsortes passivos necessários e aduziu a ilegitimidade ativa ad causam do MP. No mérito, alegou que não há qualquer prova técnica quanto à responsabilidade da contestante no que tange à infecção das bactérias.

A UNIMED apresentou contestação às fls. 3296/3326, argüindo a preliminar de ilegitimidade do Ministério Público e, no mérito, a inexistência de prova da infecção hospitalar.

O MP, às fls.3349, requereu a extensão, ao Município de Belém, dos efeitos da liminar aos pacientes contaminados pela bactéria em cirurgias realizadas na clínica ZOGHBI LTDA, tendo em vista a aquisição desta pelo Município, para que recebam os medicamentos mensalmente através da Secretaria Municipal de Belém.

A Clínica ZOGHBI LTDA apresentou contestação às fls. 3576/3592 alegando que tratou-se de um surto de infecção ocorrido na cidade, não havendo provas de que houve infecção hospitalar. Aduz ainda que as supostas vítimas, ao procurarem o hospital, já estavam acometidas de algum mal.

O Ministério Público apresentou réplica à contestação às fls. 3605/3620, argüindo sua legitimidade para impetrar a ação, alegando que esta objetiva defender direitos individuais homogêneos de um grupo de pessoas, as vítimas de infecção hospitalar. Quanto à litispendência, aduz que esta inexiste por se tratar de ação civil pública e ação individual e que este entendimento já é pacífico no STJ. Aduz que a intervenção de terceiro pretendida pelos réus, não pode ser deferida em prejuízo do consumidor e que, se existem avencas entre os planos de saúde das vítimas e os réus, essas deverão ser resolvidas entre eles. Alega que os hospitais são os responsáveis objetivamente no caso de infecção hospitalar, pois são fornecedores de serviços, tendo portanto a obrigação de manter a qualidade na prestação destes e a obrigatoriedade de reparação dos danos causados.

Às fls. 3683/3726, foi juntado o relatório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária- ANVISA, cujo objeto é a investigação do surto de infecção ocorrido em Belém

Foram juntados documentos.

Os réus BENEMÉRITA SOCIEDADE PORTUGUESA BENEFICENTE DO PARÁ, VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO e CLÍNICA INFANTIL DO PARÁ não apresentaram contestação no prazo legal.

Foi juntado aos autos cópia da decisão do STJ que negou seguimento aos Agravos de Instrumento interpostos por Diagnosis Centro, bem como pelo Hospital Porto Dias.

É o relatório. Passo a decidir.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Passo inicialmente à análise da preliminar argüida quanto à ilegitimidade do Ministério Público.

Vejamos o que diz o Código de Defesa do Consumidor a respeito:

“Lei nº 8.078/90

Da Defesa do Consumidor em Juízo

CAPÍTULO I

Disposições Gerais

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, Parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

         I - o Ministério Público

(...)”

A Constituição Federal assim dispõe:

“Seção I - DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (grifo nosso).

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Eis a jurisprudência acerca do assunto:

"A ação civil pública presta-se a defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa." (RE 195.056, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 9-12-99, DJ de 30-5-03)

Ainda, a Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público, no que tange aos interesses individuais homogêneos, tem como objetivo primordial a obtenção de sentença única, com eficácia erga omnes da coisa julgada, evitando assim que sejam prolatadas decisões conflitantes.

Visto isso, entendo que o Ministério Público Estadual é parte legítima para figurar como autor da presente demanda.

DO MÉRITO

Vencida a preliminar passo ao mérito.

De tudo o que foi carreado aos autos é necessário que se esclareçam alguns pontos nodais que devem ser desatados pelo julgador. O primeiro deles diz respeito ao fundamento jurídico-processual do pedido contido na inicial, ou seja, a eventual condenação com base no Código de Defesa do Consumidor. O segundo ponto é definir se há nexo de causalidade entre o fato e o dano, definir o alcance da sentença em caso de condenação e, por fim, determinar se tal responsabilidade é objetiva ou subjetiva.

FUNDAMENTO JURÍDICO-PROCESSUAL. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

A primeira questão, embora devesse a rigor ter sido analisada determinando se tal responsabilidade é objetiva ou não já nas preliminares de mérito, guarda relação com o próprio direito material pleiteado e não somente com a dinâmica processual. Cuida-se da aplicação do Código de Defesa do Consumidor que passo a denominar de CDC a partir deste ponto. Quanto a isto ratifico o que disse às fls. 78 dos autos ao afirmar inclusive juntando jurisprudência, que há relação de consumo entre hospitais e pacientes. Eis o aresto que junto:

STJ- CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E LABORAL. SERVIÇOS MÉDICOS. AÇÃO. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

A competência para julgar as ações movidas por pacientes contra os respectivos médicos e ou hospitais é da Justiça Comum. A ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela modificação do art. 114 da Constituição Federal, promovida pela Emenda Constitucional nº 45/04, não altera a competência para o julgamento das demandas que não envolvem "relação de trabalho típica", uma vez que, segundo a doutrina especializada, tratando-se de relação em que o contratado é prestador de serviços ao público em geral, isto é, o tomador do serviço é um número indeterminado de pessoas (mercado consumidor), tal relação não é de trabalho, mas "relação de consumo". Conflito conhecido, declarando-se competente o juízo suscitado.( grifo nosso).

(Conflito de Competência nº 64669/SP (2006/0126883-4), 2ª Seção do STJ, Rel. Nancy Andrighi. j. 11.10.2006, unânime, DJ 26.10.2006).

Assim sendo, não restam dúvidas quanto à relação existente entre hospitais e pacientes. A relação jurídica envolvendo paciente e nosocômio é de consumo, respondendo a instituição, de forma objetiva, pelos eventuais danos causados ao consumidor pelo defeito na prestação do serviço (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor). Observe-se, que não existe aqui relação direta entre o serviço médico contratado e o resultado esperado do hospital, tendo em vista que este é apenas o local onde são efetuados os procedimentos, com garantia de hospedagem que forneça os meios necessários e recomendados por profissional habilitado. De outro modo e de maneira mais simples, diga-se que o nosocômio, seja de que nível for, se não tem a obrigação de devolver o paciente ao seio social sempre curado, o que seria em tese inviável, pelo menos não deve contribuir para que a moléstia seja acrescida de outras ofertadas, quando da estadia do paciente naquele local. Trocando mais ainda em miúdos. Não se pode admitir por mero exemplo, que o paciente se interne por conta de uma diverticulite e saia do hospital com um tétano, adquirido em função da má higiene do local, ou mesmo nem saia com vida. Deveriam ser suficientes as vicissitudes que a vida oferece a cada um, sem necessidade de ajuda de quem deveria ter a obrigação de oferecer serviços de excelência em matéria de higiene e combate bacteriano. Difere aqui da responsabilidade contratual com o médico, ou mesmo o plano de saúde, pois se provado que o erro foi médico ou do procedimento indicado, outras questões deverão ser discutidas, como a natureza do tratamento, se era obrigação de meio ou de fim et coetera. Desta forma, partindo deste pressuposto, ficando provado o nexo de causalidade entre o fato e o dano e que a responsabilidade não era do médico e sim do nasocômio, este deve responder pelos eventuais danos causados a seus pacientes.

NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FATO E O DANO

Quanto ao caso trazido a juízo, os pacientes reclamaram de serem vítimas de infecção hospitalar, sofrendo diversos procedimentos de debridamento e recorrendo a antibióticos caros sem que se apresentasse resultado satisfatório. Informaram ainda que o processo de cicatrização era lento e as feridas a rigor não cicatrizavam, causando-lhes transtornos, entre os quais a dificuldade de retomarem seu dia-a-dia e o gasto excessivo com medicamentos. A maioria das vítimas declarou ter se submetido a procedimento cirúrgico pelo método laparoscópico no ano de 2004. Os primeiros exames laboratoriais não detectaram a existência de uma bactéria específica ou conhecida, aliás os exames eram a princípio negativos. Pesquisa do Instituto Evando Chagas concluiu que a maioria dos pacientes estava infectada pela mycobacterium abcessus, tendo sido o estudo genético realizado na cidade de São Paulo.

O relatório produzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária- ANVISA, intitulado Investigação de casos de Infecção por mycobacterium não tuberculose pós procedimento invasivo no município de Belém –Pa – Ano de 2004 em investigação coordenada pela Gerência de Investigação e Prevenção das Infecções e dos Eventos Adversos – GIPEA – e divulgado em 25 de julho de 2006 em Brasília (fls. 3.683/3800), é bastante esclarecedor a respeito do assunto.

Tal bactéria, ao contrário do que se pensava inicialmente, é velha conhecida da literatura, sendo o M. abcessus uma micobactéria de crescimento rápido (MCR). Foi reconhecida em 1953 como um patógeno humano dadas suas características e incluída no complexo M. fortuitum (consistente ainda da espécie M. chelonae, sendo este posteriormente dividido em subspécie abcessus e subspécie chelonae).

Em 1992, Kazunoki e Ezaki estabeleceram pela técnica de hibridização de DNA, que esses microorganismos eram espécies separadas, sendo que, entre estes quatro grupos conhecidos, encontra-se a M. abcessus. Logo, não se trata de uma novidade que desafie novos estudos, mas investigação e meios adequados para evitá-la. Informa ainda o relatório que são poucos os casos de infecções descritos por MCR no Brasil. Os sintomas eram consistentes de regra em hiperemia (vermelhidão); hipertermia (calor); Edema (inchaço); vesículas (bolhas); nódulos (tumorações); fistulização (drenagem); secreção (serosa- - piosanguinolenta; difícil cicatrização (não resposta a tratamentos convencionais); recidiva (retorno dos sintomas após melhora inicial). Prossegue o relatório da ANVISA afirmando que:

“Em novembro de 2004, foram identificadas 69 pessoas infectadas. Estes números foram significativamente ampliados no transcorrer do processo investigativo, totalizando 311 em junho de 2005, conforme descritos no Gráfico 1” (fls. 3.700)

“O surto foi confirmado por meio da investigação epidemiológica e estudos descritivos realizados junto aos pacientes e em instituições hospitalares do Município, no período de novembro de 2003 a abril de 2004...Embora o surto tenha ocorrido entre abril de 2004 e dezembro do mesmo ano, foi encontrado indício de casos de infecção por M. abcessus no município em 2001, além de casos suspeitos, mas não confirmados laboratorialmente em 1992” (idem).

O mesmo relatório aponta os hospitais cujos pacientes adquiriram a infecção (fls. 3702): Beneficente Portuguesa; Clínica do Bebê; Dicorps; Divina Providência; Hospital Amazônia; Hospital Geral da Unimed; Hospital Geral de Belém; Hospital Guadalupe; Hospital Ordem Terceira; Hospital Porto Dias; Hospital Santa Clara; Instituto Saúde da Criança; Hospital Saúde da Mulher; Hospital Sírio Libanês; INCOR.

Ressalte-se que o Hospital Saúde da Mulher, Porto Dias e Beneficente Portuguesa juntos respondem por cerca de 67,5% das infecções e que, a Clínica do Bebê, Divina Providência, Hospital Amazônia, INCOR e Hospital Santa Clara, respondem por apenas 2,5% dos casos investigados.

Os procedimentos a que foram submetidos os pacientes infectados pela ordem de incidência foram: colecistectomia (58,52%); Hernia Esofágica (7,07%); Laparascopia (4,82%); Mesoterapia (4,50%), Bariátrica (3,54%); SI (8,04%); outros (13,50%).

No item coleta de dados das instituições (fls. 3.713) o relatório afirma que:

“ Em nenhum dos hospitais envolvidos com a ocorrência de pacientes infectados pelo M. abscessus, havia qualquer sistema de rastreabilidade dos itens potencialmentes suspeitos. Fato que obrigou a equipe de investigação a buscar junto aos fabricantes e distribuidores a identificação dos lotes que, supostamente, teriam sido utilizados no período...

O levantamento preliminar indicou falha no controle dos produtos sujeitos à vigilância sanitária em todas as instituições. A ausência de um sistema de monitoramento sobre produtos, medicamentos e saneantes indica desorganização da estrutura farmacêutica dos hospitais, o que colabora para a elevação do risco associado à utilização dessas tecnologias da saúde”

Às fls.36 do relatório (3.718 dos autos), aponta-se para as falhas nos processos de limpeza, desinfecção e esterilização dos equipamentos. O documento afirma que foi verificada a inoperância das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar em todas as instituições envolvidas na ocorrência de casos de infecção por M. abscessus .

Aduz ainda que as visitas foram feitas nos seguintes locais: Hospitais Beneficente Portuguesa, Guadalupe, Sírio Libanês, Saúde da Mulher, Porto Dias e Incor, onde foram observadas falhas nas etapas do processo de esterilização. Afirma, em determinado trecho, que as rotinas e processos de trabalho nos centros cirúrgicos destes hospitais são falhos. Prossegue a investigação afirmando que: “De acordo com os dados levantados, os equipamentos utilizados para os procedimentos de videocirurgia circulam entre os hospitais que apresentaram infecção por MCR, tornando-os , portanto, um dos principais suspeitos de serem carreadores das micobactérias entre os serviços...Conforme relatos coletados após as cirurgias, o instrumentador lavava as peças do aparelho de vídeo no próprio hospital e as guardava até ser necessário levá-las para outro serviço, onde a equipe de cirurgiões realizaria novo procedimento. Nesse processo , detectaram-se alguns pontos críticos que podem justificar a hipótese de contaminação dos equipamentos por MCR em vários hospitais simultaneamente:

1)O uso do produto químico glutaraldeído por vários dias, em bandejas transparentes e em volume insuficiente para cobrir todo o equipamento e sem um controle da efetividade da substância; 2) A validade do saneante (glutaraldeído) refere-se ao produto ativado, enquanto estiver no galão, e não para o que está em uso nas bandejas. Neste devem ser verificadas a manutenção da qualidade durante toda a sua utilização, por meio de testes mínimos de controle. Este último não foi realizado em qualquer das instituições envolvidas; 3) A utilização da água “esterilizada” em autoclaves do próprio hospital, sem verificação da qualidade final ou garantias da qualidade final do processo. A autoclavação não é método recomendado para esterilização de líquidos; 4) O uso de água destilada que não é, necessariamente, estéril. As instituições utilizavam a água destilada em substituição à solução com qualidade injetável, ou seja, estéril; 5) Circulação de instrumentos entre os diferentes hospitais e sua utilização por várias equipes cirúgicas. (fls. 3.719/3720).

O referido relatório pontua em considerações finais (fls.3.724) que:

“O não aparecimento de casos novos, após a modificação no processo de limpeza, desinfecção e esterilização dos equipamentos de videolaparoscopia em alguns dos hospitais que apresentaram “casos” evidencia fortemente a correlação desta parte do processo, na responsabilidade pelas infecções nos pacientes que foram submetidos a procedimentos invasivos, utilizando a técnica de videoscopia”.

“Apesar de não identificada a fonte como sendo única, a causalidade das infecções está intrinsecamente relacionada com a assistência hospitalar (internação e procedimento cirúrgico).” Vejamos parte da conclusão do relatório (fls. 3.726):

“...existe um ponto comum entre todos os processos analisados: a prática inadequada, identificada na investigação, de desinfecção e esterilização nos serviços de saúde com casos no Município de Belém, em bandeja única para os aparelhos de vídeo de todos os cirurgiões. Este fato justifica a contaminação de todos os aparelhos e conseqüentemente dos pacientes. Esta hipótese, entre as demais é a mais positiva já que se justifica pela plausibilidade biológica e como fator facilitador da transmissão cruzada entre todos os aparelhos de vídeo.”

Consta ainda do Resumo da Conclusão (fls. 3.726):

“Os casos de infecção por micobactéria de Belém, apontam para um problema que vem sendo discutido há algum tempo nos meios técnicos e acadêmicos e merece uma tomada de atitude mais enfática e eficiente dos órgãos reguladores, da atividade profissional e da indústria, no sentido de incorporar as práticas de esterilização de aparelhos de vídeo e rastreabilidade e monitoramento da eficácia dos produtos”.

Quanto aos pacientes submetidos à mesoterapia, o único ponto em comum com os demais pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos mais invasivos foi o cirurgião que as realizou e os instrumentais utilizados. Também, de acordo com o relatório da ANVISA, há várias falhas nos estabelecimentos hospitalares, onde se pode observar a inadequação de alguns procedimentos neles realizados, dentre os quais destacamos: A presença de sinais de manchas superficiais nas articulações dos instrumentais encontrados em alguns estabelecimentos; caixa de aço inoxidável não furada para esterilizar instrumental na autoclave a vapor, utilizando a rotina de tampa semi-aberta. A recomendação da ANVISA como padrão esperado seria o seguinte: se forem detectados sinais de oxidação no material, este deveria ser substituído, pois as reentrâncias dificultam o processo de esterilização; a utilização de caixa de aço furada para acondicionar o material que seria submetido à esterilização, pois todo o material deve estar embalado e fechado antes do início da esterilização para impedir que entre em contato com o ar ambiente após o término do processo.

Diante das provas carreadas aos autos, não há dúvidas de que houve um surto de infecção ocasionado pela micobactéria abcessus e que os pacientes submetidos à procedimentos cirúrgicos nos referidos hospitais foram por esta infectados.

Vejamos o que diz a jurisprudência acerca da matéria:

(STJ) RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. INFECÇÃO HOSPITALAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. ART. 14 DO CDC. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO.

1. O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si.

2. O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para revê-lo.

3. Recurso especial não conhecido.

(Recurso Especial nº 629212/RJ (2004/0019175-2), 4ª Turma do STJ, Rel. Cesar Asfor Rocha. j. 15.05.2007, maioria, DJ 17.09.2007).

A legislação aplicável então ao caso é o Código de Defesa do Consumidor que assim estatui em seu artigo 14:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (grifo nosso).

Logo, cabia aos hospitais provar a inexistência do dano ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Tal desiderato não foi alcançado pelos requeridos.

Há que se ressaltar que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada a todas as pessoas pela própria Constituição Federal no seu art. 196. Trata-se de um bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade devem velar os que detêm a atribuição de prestar tais serviços, ainda que em caráter particular.

Cabe ao fornecedor do serviço, no caso os hospitais, comprovar que tal infecção não se deu dentro do seu estabelecimento ou que não concorreu para tal fato.

Os hospitais não podem transferir os riscos da sua atividade aos pacientes, pois sua responsabilidade é objetiva, ou seja, respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados por deficiência na prestação de seus serviços médico-hospitalares, de acordo com o art. 14 do CDC.

Quanto às provas constam dos autos pareceres técnicos científicos expedidos pelo Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, Instituto Médico Legal (fls. 3.626/3664), afirmando nos casos analisados que as lesões constatadas fogem do padrão habitual de pós-operatório esperado para cirurgias de tais natureza. Há laudo que faz referência direta a Mycobacterium abcessus II. (fls. 3627).

DO EFEITO ERGA OMNES DA DECISÃO

No curso dos autos, observa-se que os pacientes provam a internação com documentos no período que compreende o surto da bactéria abscessus ocorrido em Belém. Além de que, nunca é demais ressaltar que o dispositivo da sentença terá eficácia erga omnes e que, cada prejudicado buscará na liquidação e execução da sentença demonstrar o efetivo prejuízo sofrido em face da contaminação pela bactéria abscessus. Também não é demais ressaltar que cuidando-se a rigor de interesse individual homogêneo, a fim de que cesse qualquer discussão doutrinária a respeito e, embora entenda que o artigo 91 da lei 8.078/90 ao falar de ação civil coletiva, também abrange a ação civil pública, embora sem a melhor técnica, alargando o requisito exigido pelo inciso IV do artigo 1º da Lei 7.347/85, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito de tal possibilidade ao afirmar que:

STJ-214175) PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MENOR SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF/88. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7º, 200, E 201 DO DA LEI Nº 8.069/90. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA.

1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da Administração Pública, nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF/1988, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis.

5. Sob esse enfoque a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF/1988, arts. 127 e 129).

6. In casu, trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o fornecimento de medicamento para o menor Rafael Vailatti Favero, portador de cardiopatia congênita.

7. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.

8. Outrossim, o art. 6º do CPC configura a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual".

9. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do e. STJ admite ação individual acerca de direito indisponível capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp 688052/RS, DJ 17.08.2006; REsp 822712/RS, DJ 17.04.2006; REsp 819010/SP, DJ 02.05.2006).

10. O art. 461, § 5º do CPC, faz pressupor que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o seqüestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição de medicamento objeto da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.

11. Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial nº 869843/RS (2006/0152570-3), 1ª Turma do STJ, Rel. Luiz Fux. j. 18.09.2007, unânime, DJ 15.10.2007). (grifo nosso).

STJ-211997) PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE ATIVA - ASSOCIAÇÃO - COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO SOBRE BENFEITORIAS - IMÓVEIS SITUADOS EM TERRENOS DE MARINHA - CONCESSÃO DE LIMINAR SEM A OITIVA DO PODER PÚBLICO - ART. 2º DA LEI 8.437/92.

1. Não cabe ao STJ, em sede de recurso especial, examinar possível violação a dispositivos constitucionais.

2. A relação jurídica decorrente do contrato administrativo de enfiteuse sobre imóveis situados em terrenos de marinha, regulada pelo Decreto-Lei 9.760/46, não se enquadra no conceito de relação de consumo, o que afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

3. As associações têm legitimidade ativa para propor ação civil pública visando a proteção de direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, como substituta processual - legitimação extraordinária, mesmo que não se trate de relação de consumo.

4. A concessão de liminar contra o Poder Público, quando não esgote o objeto da ação é admitida, na interpretação do art. 1º, § 3º, da Lei 8.437/92.

5. É nula a liminar concedida contra pessoa jurídica de direito público sem a observância da sua oitiva prévia (art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, parcialmente provido.

(Recurso Especial nº 667939/SC (2004/0080341-8), 2ª Turma do STJ, Rel. Eliana Calmon. j. 20.03.2007, maioria, DJ 13.08.2007). (grifo nosso)

E deixo de colacionar outras decisões apenas para reiterar que a teor do que dispõe o artigo 97 do CDC onde afirma que a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82. Logo, a liquidação individualizará cada caso, alcançando a extensão do dano bem como definindo o quantum a partir da prova juntada pelo exeqüente. Além disto, tendo a sentença efeito erga omnes, abrangerá todos aqueles que foram infectados, desde que fique claro o nexo de causalidade entre o fato danoso neste processo apurado e os danos efetivos sofridos pelos exeqüentes. Reproduzo a posição de José dos Santos Carvalho Filho ao afirmar que... “No que toca aos direitos individuais homogêneos, muito embora haja muitos indivíduos no grupo, cada um deles tem direito próprio, que pode variar sob os aspectos quantitativos e qualitativos.” (in Ação Civil Pública, Lumen Juris, 6ª ed., pg 30)

O efeito erga omnes, então, mitiga o artigo 472 do CPC no caso em espécie, na medida em que terceiros receberão o influxo da decisão proferida nestes autos, inclusive casas de saúde que não participaram da relação jurídica. Ademais, embora o artigo 16 da lei da Ação Civil Pública seja alvo de ácidas críticas em face de sua duvidosa constitucionalidade, não se pode olvidar que não é o caso dos presentes autos, pois tratando-se de direitos individuais homogêneos, a liquidação se realizará por artigos na forma do que preceitua o 475-E do CPC, que remete ao procedimento ordinário, quando então serão citados os responsáveis pela contaminação para individualização das reparações civis na forma do artigo 475-F do CPC, ou seja, não se pode alegar que os hospitais que não participaram desta relação processual estejam obstados de exercer ampla defesa, ficando entretanto, restrita a liquidação, apenas à comprovação do nexo de causalidade e que o dano tem relação com a bactéria identificada neste processo.

Sem embargo destas considerações, tenho que há provas suficientes nos autos de que houve o surto da bactéria abscessus na cidade Belém, especialmente nas casas de saúde elencadas na inicial. Em maior ou menor grau, os nosocômios contribuíram para a disseminação da referida bactéria. Quanto ao nexo de causalidade, os diversos prontuários juntados aos autos corroboram a responsabilidade dos hospitais, na medida em que provam as internações no período do surto. Logo, tenho que está provado o nexo de causalidade entre as lesões apresentadas pelos pacientes e o fato gerador do dano, ou seja, a internação dos mesmos.

DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS HOSPITAIS EM FACE DE PRECEDENTES DO STJ.

Por fim, resta a definição a respeito da responsabilidade do hospital, se objetiva ou subjetiva. Vale a pena ressaltar os votos que levaram à lavratura do acórdão que serviu de paradigma para esta decisão constante às fls. 12/13 deste decisum. Trata-se do Recurso Especial nº 629212/RJ (2004/0019175-2), 4ª Turma do STJ, Rel. Cesar Asfor Rocha. j. 15.05.2007, maioria, DJ 17.09.2007). Discutia-se então a responsabilidade objetiva de um hospital em relação a determinado paciente. O voto vencedor faz diferença entre a indenização por erro médico e a responsabilização objetiva do hospital. Discutiu-se então, o que havia constado no REsp n. 258.389/SP, relatado pelo Ministro Fernando Gonçalves, em que, afastada a culpa dos médicos, não se poderia responsabilizar o hospital objetivamente. Trecho do referido julgamento foi citado:

“ O artigo 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnico-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa).”

Prosseguindo na discussão, o voto afirma que o precedente distinguiu entre os danos decorrentes da atividade médica daqueles oriundos do fato da internação em si. Neste caso, a responsabilidade seria então objetiva. É o caso da infecção hospitalar. Prossegue o voto do eminente Relator Ministro César Asfor Rocha:

“...A referida atividade de “guarda”, distinguindo-se do tratamento propriamente dito, é risco assumido pelo hospital, independentemente de quem tenha assistido o paciente ou da natureza do vínculo entre a instituição e o médico lá atuante.

Daí a responsabilidade objetiva em caso de infecção hospitalar: Sua ocorrência decorre da atividade prestada em exclusividade pelo hospital, pois este, na qualidade de fornecedor de serviço de internação é responsável pela guarda e incolumidade física do paciente.”

Tal entendimento deixa claro apenas que a condenação do hospital não é substitutivo de eventual fracasso na comprovação da culpa do profissional de saúde. É preciso, desde o início, delimitar a lide, partindo do pressuposto de que ou o erro foi médico, havendo necessidade de apuração de culpa, ou foi do nasocômio, partindo da responsabilidade objetiva, embora possa até o profissional ser denunciado à lide ou vice-versa. Neste caso, o pedido alternativo seria incompatível com o escopo processual de delimitar tais responsabilidades, dada a natureza destas, uma subjetiva, outra não.

Incursionou ainda o voto, pelo argumento anterior da Turma no sentido de que, a incolumidade do paciente é obrigação contratual de meio, logo, presumida, e que somente poderia ser afastada por evento externo. O Eminente Ministro ressalta que tal posicionamento não explicaria como ficariam as situações em que, havendo infecção hospitalar, estaria excluída a responsabilidade do hospital, não somente quando houvesse agente externo, mas quando tivessem sido oferecidos todos os meios para a garantia da incolumidade física do paciente, independentemente do hospital assumir os riscos da internação, pois as infecções inevitáves, ficariam imunes à reparação, bastando ao nasocômio a prova do suposto cuidado com a internação e higiene das instalações. Neste ponto, entendo que a posição do Ministro Relator dá vida ao artigo 14 do CDC, tendo em vista que, embora reconhecidamente as infecções sejam causadas em regra por condições propiciadas pelos hospitais, não é de todo incomum que algumas infecções se alastrem, apesar de eventuais cuidados providenciados por esses. Não há dúvidas também, que tais estabelecimentos são verdadeiras empresas e, logo, devem assumir o risco de seus negócios. De outra forma, que garantia teria o paciente em caso de infecção hospitalar? Nenhuma, caso se tenha como pressuposto, tratar-se de uma relação contratual fundada a responsabilidade na culpa do estabelecimento.

O voto do Ministro Aldir Passarinho também ratifica o entendimento do Relator e foi proferido nos seguintes termos:

“Aliás, não fosse assim, a partir de agora, estaríamos simplesmente isentando qualquer possibilidade de indenização por infecção hospitalar. E isso é um precedente perigosíssimo. Quer dizer, o risco da atividade tem que ser assumido. E tem que ser assumido pelo hospital. E parece-me que o acórdão a quo fez a ressalva. Não foi hermético, evidentemente, ele atribuiu a responsabilidade objetiva que é, realmente, objetiva, no caso da infecção, não tenho dúvida nenhuma disso, com a máxima vênia da doutrina destacada pelo ilustre advogado da tribuna. Mas como aqui se decide o caso concreto, o que prevalece é o que se decide e não a doutrina.

O acórdão a quo ressalvou, evidentemente, que se se provasse alguma circunstância que afastasse essa responsabilidade objetiva, quer dizer, algum quadro de, talvez, por exemplo, tal deficiência orgânica do paciente, que seria natural que ele fatalmente poderia ser atingido por qualquer infecção, e não propriamente uma infecção específica, como se sabe que as hospitalares são, porque é um vírus resistente a vários tipos de doenças. Mas não foi esse o caso.

O voto do Sr. Ministro César Asfor Rocha é rigorosamente de acordo com a linha de pensamento dessa turma, pelo menos nos precedentes mais modernos.”

Dito isto, o caso concreto nos remete à licitude dos hospitais em tentar provar que não deram causa ao surto da bactéria abscessus. Tal desiderato não foi alcançado pelos referidos estabelecimentos. Também ficou bastante claro que o resultado de interveniência direta dos que tinham o dever de tentar diminuir a incidência do surto produziu uma diminuição drástica na propagação da bactéria, o que não deixa de ser louvável.

Outrossim, não resta dúvida de que a infecção hospitalar ocorreu dentro dos estabelecimentos dos réus e, sendo a responsabilidade neste caso objetiva, não houve a prova de que tal fato não tenha ocorrido nestes locais, ou de que tenha sido causada por intervenção de profissional específico ou mesmo evento externo.

O ponto fulcral do caso é a existência do nexo de causalidade necessário à configuração da responsabilidade civil dos réus, o que restou plenamente configurada, ante às provas constantes nos autos, pois a infecção dos pacientes ocorreu em razão da internação e cirurgia realizada nos referidos estabelecimentos. Há que se ressaltar que os réus em nenhum momento comprovam que a contaminação dos pacientes pela bactéria tenha ocorrido fora de suas dependências.

DISPOSITIVO DA SENTENÇA

Assim sendo, condeno os hospitais PORTO DIAS S/C LTDA; DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA. (INSTITUTO SAÚDE DA MULHER); UNIMED COOPERATIVA DO TRABALHO MÉDICO (HOSPITAL GERAL DA UNIMED); BENEMÉRITA SOCIEDADE BENEFICENTE DO PARÁ (HOSPITAL D. LUIZ I); CLÍNICA ZOGHBI LTDA.; VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO e CLÍNICA INFANTIL DA PARÁ (SAÚDE DA CRIANÇA), bem como todo e qualquer estabelecimento de saúde que tenha contribuído para a disseminação e infecção de pacientes pela bactéria mycobacterium abcessus, a efetuarem o pagamento de indenização por danos materiais e morais aos autores e demais pacientes infectados comprovados nos autos, danos estes a serem apurados em liquidação de sentença por artigo, conforme preceitua o art. 475-F do CPC.

Sem custas e honorários.

P.R.I.

Belém, 16 de maio de 2008.

MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO

Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Fazenda da Capital

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