Arquivos analíticos de políticas educativas

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arquivos anal?ticos de pol?ticas educativas

Revista acad?mica, avaliada por pares, independente, de acesso aberto, e multil?ng?e

Volume 25 N?mero 36

17 de abril 2017

Arizona State University

ISSN 1068-2341

A Hora da Alfabetiza??o no Cear?: O PAIC e suas M?ltiplas Din?micas

Lilia Asuca Sumiya Maria Arlete Duarte de Araujo

& Hironobu Sano

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Brasil

Cita??o: Sumiya, L. A., Araujo, M. A. D., & Sano, H. (2017). A hora da alfabetiza??o no Cear?: O PAIC e suas m?ltiplas din?micas. Arquivos Anal?ticos de Pol?ticas Educativas, 25(36).

Resumo: O artigo analisa como o tema do analfabetismo escolar entrou na agenda do governo do Estado do Cear?, a partir da formula??o do Programa Alfabetiza??o na Idade Certa (PAIC). Para compreendermos as raz?es que levaram o tema ao topo da agenda governamental cearense, o estudo baseia-se na literatura sobre a an?lise de pol?ticas p?blicas, com ?nfase nos processos de forma??o de agenda e elabora??o de alternativas, adotando o modelo de m?ltiplas din?micas de Kingdon (1995), e identifica os elementos da din?mica dos problemas, pol?tica e pol?ticas p?blicas. A pesquisa ? de natureza qualitativa e tem como estrat?gia o m?todo de estudo de caso ?nico. Foi realizada uma triangula??o de dados a partir de documentos institucionais relativos ao PAIC, notas taquigr?ficas de eventos organizados pela Assembleia Legislativa do Cear?, mat?rias da m?dia, estudos acad?micos e entrevistas com atores chave de diferentes institui??es. O artigo destaca o papel do empreendedor de pol?ticas p?blicas, a relev?ncia da etapa de reconhecimento do problema para a forma??o de uma ampla base de coaliz?o e o processo de constru??o das alternativas de a??o. Argumenta-se que a abordagem de m?ltiplas din?micas se constitui num

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Artigo recebido: 22/07/2016 Revis?es recebidas: 06/03/2017

Aceito: 16/03/2017

A Hora da Alfabetiza??o no Cear?

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referencial anal?tico ?til, contribuindo, portanto, para uma melhor compreens?o das etapas que comp?em a forma??o de agenda nas pol?ticas p?blicas, em particular no campo da educa??o. Palavras-chave: pol?tica educacional; formula??o de pol?ticas p?blicas; programa de alfabetiza??o

The time of literacy in Cear?: The PAIC and the multiple streams model Abstract: This study aims to understand how the issue of illiteracy became prominent on the agenda of Ceara's state government, in Brazil, by analyzing the formulation of the Literacy Program at the Right Age (PAIC). Tracing the origin of the program and applying Kingdon's (1995) multiple streams model, the study identifies the elements of problems, politics and public policy streams. This research adopts a qualitative approach and is based on a single case study method. The data set consisted of institutional PAIC-related documents, tachygraphy notes from sessions held at the Cear?'s State House of Representatives, press clippings, academic studies and interviews with key participants from several organizations. A combination of factors influenced the formulation of the literacy policy, and particularly relevant are the actions of the policy entrepreneur, the processes of problem recognition for the composition of a wide coalition, and the process of alternative specification. Finally, the results suggest that the applicability of the multiple streams approach is a useful analytical tool, and it contributes to better understanding of policy formation in the Brazilian educational field. Keywords: politics of education; policy formation; literacy education

La hora de la alfabetizaci?n en Cear?: El PAIC y el modelo de m?ltiples din?micas Resumen: Este estudio examina c?mo el problema del analfabetismo escolar entr? en la agenda del gobierno del estado de Cear?, desde la formulaci?n del Programa de Educaci?n en el Edad Correcta (PAIC). Para comprender las razones que conducieron la cuesti?n a la parte superior de la agenda del gobierno de Cear?, el estudio se basa en la literatura sobre el an?lisis de las pol?ticas p?blicas, con ?nfasis en los procesos de formaci?n de agenda y desarrollo de alternativas, a partir de la adopci?n del modelo de m?ltiples din?micas de Kingdon (1995), e identifica los elementos de la din?mica de los problemas, la pol?tica y las pol?ticas p?blicas. La investigaci?n es cualitativa y tiene como estrategia el m?todo de estudio de caso ?nico. Se realiz? una triangulaci?n de los datos a partir de documentos institucionales relacionados con el PAIC, notas taquigr?ficas de los eventos organizados por la Asamblea Legislativa de Cear?, materiales de la imprensa, estudios acad?micos y entrevistas con actores clave de diferentes instituciones. El art?culo destaca el papel del emprendedor de la pol?tica p?blica, la importancia de la etapa de reconocimiento del problema para la formaci?n de una amplia base de coalici?n y el proceso de construcci?n de las alternativas de acci?n. Se argumenta que el enfoque de las m?ltiples din?micas es un marco anal?tico ?til, contribuyendo as? a una mejor comprensi?n de las etapas que componen la formaci?n de las pol?ticas p?blicas, en particular en el campo de la educaci?n. Palabras-clave: pol?tica de educaci?n; elaboraci?n de pol?ticas p?blicas; programa de alfabetizaci?n

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Introdu??o1

O Brasil tem avan?ado na ?rea da educa??o p?blica b?sica nos ?ltimos anos, como atesta, por exemplo, a evolu??o do ?ndice de Desenvolvimento da Educa??o B?sica (IDEB) do Minist?rio da Educa??o. Para os anos iniciais do ensino fundamental da rede p?blica (1? ao 5? ano), o pa?s atingiu 4,9, numa escala de zero a 10, na ?ltima avalia??o em 2013. Contudo, esse resultado indica tamb?m que o pa?s ainda est? distante da m?dia seis, meta estabelecida para 2022 tendo como base o desempenho de pa?ses desenvolvidos.

Os resultados das avalia??es de ?mbito internacional confirmam essa dist?ncia: na ?ltima edi??o do Programa Internacional de Avalia??o de Alunos (PISA), realizada em 2015, o Brasil ficou na 59? posi??o no ranking de leitura, 63? em ci?ncias e 65? em matem?tica, considerando os setenta pa?ses que participaram da avalia??o (Pisa, 2015).

Estudos apontam que um dos grandes gargalos do pa?s, no que se refere ? aprendizagem, est? nos anos iniciais, pois o per?odo de alfabetiza??o das crian?as ? essencial para adquirir compet?ncias e habilidades em leitura que ir?o impactar a aprendizagem futura desses alunos. Os resultados do Sistema Nacional de Avalia??o da Educa??o B?sica (SAEB) de 2011 revelaram que apenas 40% dos alunos da 5? ano do ensino fundamental2 ? quando as crian?as j? deveriam estar alfabetizadas ? alcan?aram a pontua??o referente ao aprendizado esperado em l?ngua portuguesa; em matem?tica, esse ?ndice foi ainda mais baixo: 36,3% (Todos Pela Educa??o, 2014, p. 69). Por outro lado, ao se analisar as pol?ticas educacionais no Brasil, constata-se que historicamente o pa?s carece de a??es espec?ficas para as crian?as em est?gio de alfabetiza??o. As pol?ticas de alfabetiza??o mais conhecidas, tais como Mobral, projeto Minerva, Brasil Alfabetizado, entre outros, tem se dirigido a jovens e adultos que n?o tiveram a oportunidade de serem alfabetizados na idade escolar.

Foi somente a partir da d?cada de 2000 que come?aram a surgir programas de alfabetiza??o voltados para as crian?as, principalmente no ?mbito dos governos estaduais. Dentre as iniciativas, merece destaque o PAIC do Cear?, pois: (1) foi lan?ado com a ades?o de todos os munic?pios cearenses e ? fruto da articula??o de diversas institui??es p?blicas e n?o governamentais, tornando o Cear? um dos estados protagonistas no reconhecimento do problema da alfabetiza??o escolar, bem como na proposi??o de uma idade certa para se alfabetizar; (2) n?o se restringe a um programa de forma??o de professores na ?rea de alfabetiza??o, como ocorre tradicionalmente em programas dessa natureza, e sim de um programa de gest?o voltada ? garantia da aprendizagem; e, por fim, (3) o estado apresentou uma evolu??o significativa dos indicadores educacionais: para os anos iniciais do ensino fundamental, a m?dia do IDEB das escolas p?blicas municipais e estaduais do Cear? passou de 2,8 em 2005 para 5,0 pontos em 2013, um dos melhores resultados entre os estados do Norte e Nordeste. Se compararmos com as demais regi?es brasileiras, deve-se reconhecer que ainda h? um caminho a percorrer, contudo, n?o se pode ignorar o fato de ser o Estado brasileiro que mostrou uma evolu??o mais significativa no indicador desde que o IDEB foi implementado (INEP, s.d.). Al?m disso, a experi?ncia do PAIC serviu de base para a elabora??o do Pacto Nacional pela Alfabetiza??o na Idade Certa (PNAIC) do MEC.

1 Esse artigo ? decorrente da pesquisa de Tese de doutorado defendida no Programa de P?s-gradua??o em Administra??o ? PPGA/UFRN, na linha de pesquisa em pol?ticas p?blicas, elaborada pela autora principal e orienta??o dos demais. 2 A partir de 2006, a dura??o do ensino fundamental no Brasil passou de 8 para 9 anos e a nomenclatura utilizada para essa etapa mudou de s?rie para ano. Assim, as crian?as de 6 a 10 anos frequentam os anos iniciais do ensino fundamental (1? ao 5? ano).

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A trajet?ria o PAIC n?o se resume na melhoria dos indicadores educacionais e na sua difus?o da escala estadual para a nacional, pois a investiga??o sobre suas origens indicou que essa pol?tica, na realidade, teve in?cio bem antes de 2007 e envolveu uma s?rie de atores e institui??es que atuaram em conjunto.

Diante do cen?rio apresentado, este artigo se desenvolve a partir da seguinte quest?o de pesquisa: como uma determinada condi??o social adquire relev?ncia a ponto de ser considerado um problema que merece uma a??o governamental e como algumas propostas de solu??o ganham evid?ncia em detrimento de outras? Portanto, o objetivo ? compreender como a tem?tica da alfabetiza??o escolar se tornou um item priorit?rio na agenda do Governo do Estado do Cear?. Para atingir esse intuito, o artigo apresenta tr?s objetivos espec?ficos: (1) Analisar como a tem?tica da alfabetiza??o infantil ganhou relev?ncia nos governos municipais do Cear?, (2) analisar o processo de elabora??o das alternativas de a??o e, por fim, (3) analisar o processo de sele??o de uma dessas alternativas e que culminou no atual desenho do PAIC.

Do ponto de vista te?rico, este artigo se baseia nos estudos sobre an?lise de pol?ticas p?blicas, em particular no Modelo de M?ltiplas Din?micas desenvolvida por Kingdon (1995), que enfatiza o papel dos atores e ideias para explicar como um item entra na agenda governamental e como s?o produzidas as alternativas de pol?ticas p?blicas. Segundo esse modelo, a entrada de um tema na agenda governamental ? explicada a partir da an?lise dos processos que ocorrem no interior de tr?s din?micas: dos problemas, da pol?tica e das pol?ticas p?blicas, que operam cada qual com uma l?gica pr?pria.

J? existe um conjunto de estudos acad?micos realizados sobre o PAIC (Costa & Carnoy, 2015; Fonseca, 2013; Marques, Aguiar & Campos, 2009; Ribeiro, 2011). Esses estudos tiveram como foco a avalia??o de impactos do programa, as mudan?as nas pr?ticas pedag?gicas dos professores, a implementa??o da avalia??o diagn?stica, entre outros temas. Contudo, n?o se encontram na literatura educacional e das pol?ticas p?blicas estudos com foco na forma??o da agenda, ou seja, n?o se conhecem os fatores que levaram essa iniciativa a ganhar relev?ncia na agenda governamental.

O artigo est? estruturado da seguinte forma, al?m da introdu??o: na primeira se??o, faz-se uma breve discuss?o dos conceitos e elementos que comp?em o modelo de m?ltiplas din?micas, a segunda se??o apresenta os caminhos percorridos pela pesquisa, a terceira se??o apresenta-se o programa, suas principais caracter?sticas e eventos antecedentes que contribu?ram para formar o atual desenho do programa. Na quarta se??o passa-se para a an?lise do caso estudado, a partir do referencial anal?tico adotado e, por fim, nas considera??es finais s?o apresentadas as conclus?es da pesquisa, as fragilidades do modelo e uma agenda de pesquisa futura sobre o tema.

O Modelo de M?ltiplas Din?micas

O modelo elaborado por Kingdon (1995) busca compreender os fatores que levam uma determinada tem?tica a ganhar destaque e que, assim, passa a fazer parte da agenda governamental. Essa abordagem ? utilizada para o entendimento das fases de defini??o da agenda e de proposi??o de alternativas das pol?ticas p?blicas, a partir das quais uma ser? escolhida. Trata-se de uma perspectiva te?rica formulada inicialmente no final dos anos 1970 e, desde ent?o, foi e continua sendo amplamente utilizada internacionalmente e em diferentes ?reas de pol?ticas. Nicholas Zahariadis, um dos principais estudiosos do modelo, realizou estudos comparativos da pol?tica de privatiza??o na Inglaterra e Fran?a e avan?ou nas perspectivas de Kingdon, ampliando o modelo para a fase tamb?m de formula??o. O autor afirma que essa abordagem oferece respostas para tr?s quest?es essenciais: "Como a aten??o ? dividida? Como e quando ? conduzida a busca por solu??es? Como a sele??o ? enviesada?" (Zahariadis, 2007, p.65).

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Tamb?m ? poss?vel encontrar internacionalmente uma gama de estudos que adotam o modelo para compreender a entrada de diferentes temas na ?rea de educa??o, tais como pol?ticas de leitura, de congelamento de mensalidades no ensino superior, avalia??o de professores e outros (Donaldson & Papay 2015; Rexe, 2015; Young, Shepley, & Song, 2010). No Brasil, trabalhos utilizando o modelo aumentam a cada ano, em diferentes ?reas de pol?ticas, sendo que os estudos pioneiros s?o encontrados em Capella (2004), que analisou a entrada da agenda de reforma administrativa no governo federal. Na produ??o brasileira, ainda s?o relativamente escassos os estudos de pol?ticas educacionais a partir desta perspectiva, sendo poss?vel citar o trabalho de Perdicaris (2009) que analisa a entrada da gest?o por resultados nas secretarias estaduais de educa??o.

O modelo de m?ltiplas din?micas baseia-se na compreens?o das a??es que ocorrem no interior de tr?s processos: (1) din?mica dos problemas, (2) din?mica da pol?tica, e (3) din?mica das pol?ticas p?blicas. Cada uma delas opera a partir de uma l?gica pr?pria e, em geral, s?o relativamente independentes.

A din?mica dos problemas tem como objetivo central compreender como alguns temas passam a ser vistos como problemas pelas autoridades p?blicas e, dessa forma, alcan?am a agenda governamental, enquanto outros s?o ignorados. De acordo com esta abordagem, um problema s? existe quando as pessoas passam a acreditar que alguma atitude deva ser tomada a respeito. Assim, um assunto que n?o entra na agenda ? considerado como uma "condi??o", ou seja, ? uma determinada situa??o que n?o gera uma a??o espec?fica. Para que o tema receba aten??o ? preciso que aqueles que participam do processo decis?rio percebam a situa??o como um problema. Tr?s elementos tem o potencial de contribuir para a transforma??o de uma condi??o em um problema: (1) indicadores; (2) eventos foco; e (3) feedback das a??es governamentais. ? preciso destacar que cada um desses elementos, por si s?, pode n?o ser suficiente para converter uma condi??o em um problema; eles, antes de tudo, refor?am determinada percep??o social sobre uma dada tem?tica que, ent?o, poderia passar a ser considerada um problema e, posteriormente, ser levada ? agenda governamental.

Por outro lado, os eventos que ocorrem na din?mica da pol?tica e seus desdobramentos s?o considerados como poderosos definidores de agenda e s?o identificados tr?s grandes elementos: (1) clima nacional; (2) grupos de press?o e (3) altera??es no governo. Kingdon (1995) argumenta que os pol?ticos, bem como aqueles que atuam no entorno do governo, percebem como est? o clima nacional e tamb?m os momentos em que ocorre uma inflex?o. Um clima nacional favor?vel ocorre quando um n?mero bastante grande de pessoas no pa?s compartilha das mesmas ideias, ao menos por algum tempo, criando, ent?o, um "solo f?rtil" para que certas ideias germinem e cres?am, ou seja, para que sejam aceitas e entrem na agenda.

Os grupos de press?o, como movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores, sindicatos patronais, entidades de classe, setores empresariais etc., bem como o comportamento das elites pol?ticas, podem promover mobiliza??o pol?tica a favor ou contra determinada tem?tica. Caso os atores governamentais percebam que h? consenso sobre determinado tema, h? fortes raz?es para que a tem?tica avance na agenda. Por?m, em caso de conflito, a op??o pela a??o ou in?rcia depende do c?lculo pol?tico realizado. Se a decis?o for por avan?ar na discuss?o do tema, ? preciso levar em considera??o que haver? elevados custos a serem pagos. A in?rcia, por outro lado, pode ser refor?ada pela presen?a de grupos de press?o j? estabelecidos e que defendem a manuten??o do status quo.

Os eventos que ocorrem no interior do governo correspondem ao terceiro elemento da din?mica pol?tica e podem ser classificados em dois grandes grupos: (1) mudan?as no governo e (2) quest?es relativas ? ?rea de jurisdi??o. A primeira se refere ? substitui??o de atores em posi??es

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