EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE …
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 129, inciso IV, da Constituição da República, pelo artigo 60 da Constituição do Estado de Goiás e pelo artigo 52, inciso II, da Lei Complementar Estadual n.º 25, de 06 de julho de 1998, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça propor AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, em face da Lei Complementar n.º 042, de 31 de dezembro de 2002, que instituiu a Contribuição de Iluminação Pública - CIP, no Município de Anápolis-Go, pelos fatos e fundamentos abaixo alinhados:
1 – DOS FATOS
Com arrimo no artigo 149-A da Constituição Federal, acrescido pela Emenda Constitucional n.º 39, em 19 de dezembro de 2002, o legislador municipal de Anápolis instituiu, no âmbito daquele município, a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública, denominada CIP, e o fez com a seguinte redação:
LEI COMPLEMENTAR N.º 042 - 31 de dezembro de 2002
“Dispõe sobre a contribuição de iluminação pública e dá outras providências.”
A Câmara Municipal de Anápolis aprovou e eu, Prefeito Municipal, sanciono a seguinte Lei Complementar:
Art. 1º. Fica instituída, no âmbito do Município de Anápolis, a Contribuição de Iluminação Pública – CIP, prevista no artigo 149-A da Constituição Federal, para o custeio de serviços de iluminação pública prestados aos contribuintes nas vias e logradouros públicos, com exceção na zona rural (fazenda e similares).
Parágrafo único. Entende-se como iluminação pública àquela que esteja direta e regulamente ligada à rede de distribuição de energia elétrica e que sirva às vias e logradouros públicos.
Art. 2º. A Contribuição incidirá sobre a prestação do serviço de iluminação de vias, logradouros, demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramentos e expansão da rede da iluminação pública, efetuada pelo Município no âmbito de seu território.
Art. 3º. Sujeito passivo da contribuição é o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor, a qualquer título, de imóveis, edificados ou não, situados no território do Município de Anápolis.
§1º. É sujeito passivo solidário da CIP, o locatário, o comodatário ou possuidor a qualquer título de imóvel edificado situado no território do Município e que tenha ligação privada e regular de energia elétrica.
§2º. O lançamento da CIP poderá ser feito indicando como obrigado qualquer dos sujeitos passivos solidários.
Art. 4º. A base de cálculo da Contribuição é o resultado do rateio do custo dos serviços de iluminação das vias e logradouros públicos pelos contribuintes em função do número de unidades imobiliárias servidas pelo sistema de iluminação pública.
§1º.O valor da CIP será fixo, em moeda corrente, sendo lançado anualmente para os imóveis não edificados e mensalmente para os edificados.
§2º. O custeio do serviço de iluminação pública compreende despesas com energia consumida pelos serviços de iluminação pública, despesas com administração, operações, manutenção, eficientização e ampliação do sistema de iluminação pública.
§.3º O valor do rateio da Contribuição, apurado com base no custeio anual do serviço de iluminação das vias e logradouros públicos observará a distinção de área, de localização dos imóveis não edificados e de acordo com a quantidade de consumo e categoria de consumidor (industrial, comercial, rural e residencial), será dividido em 12 (doze) parcelas mensais, fixados os valores da CIP com base na planilha do Anexo Único, para o exercício de 2002.
§4º A determinação da classe/categoria de consumidor observará as normas da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, ou órgão regulador que vier a substituí-la.
§5º. O valor da CIP para os exercícios subsequentes a 2002 será determinado mediante aplicação, sobre os valores definidos no Anexo Único desta Lei, da variação da inflação anual medida pelo índice de correção que vier a ser aplicado para os débitos tributários municipais.
§6º. Caso seja, por norma federal, admitida à correção monetária de débitos fiscais por período inferior a um ano civil, o valor da CIP devida mensalmente passará a ser atualizada em periodicidade mensal, a partir do mês subsequente ao da previsão normativa federal.
§7º. O lançamento da CIP será feito diretamente pelo Município, anualmente, juntamente com o IPTU ou não, relativamente à contribuição devida pelos proprietários, titulares do domínio útil e possuidores de imóveis não edificados, na forma disposta em regulamento, o qual deverá estabelecer, inclusive, o prazo de pagamento da contribuição.
Art. 5º. É facultada a cobrança da Contribuição na fatura de consumo de energia elétrica, emitida pela empresa concessionária ou permissionária local, condicionada à celebração de contrato ou convênio.
Parágrafo único. O Poder Executivo fica autorizado a celebrar contrato ou convênio com a empresa concessionária ou permissionária de energia elétrica local, para promover a arrecadação da Contribuição de Iluminação Pública – CIP.
Art. 6º. Fica o Poder Executivo obrigado a no máximo 15 (quinze) dia da queixa do contribuinte, executar o serviço necessário na rede de iluminação.
I – Caso não haja a execução no tempo previsto no art. 6º, fica o Executivo Municipal sujeito a penalidade de devolução do valor pago da CIP nos últimos seis meses, sendo que será pago mediante crédito correspondente no IPTU.
Parágrafo único – E a cada 15 (quinze) dias da não execução da obra, repete-se a penalidade, indefinidamente.
Art. 7º. Aplica-se à Contribuição, no que couber, as normas do Código Tributário Nacional e legislação tributária no Município, inclusive aquelas relativas às infrações e penalidades.
Art. 8º. Fica autorizado ao Município a cobrar da empresa concessionária pelo uso do solo onde passam os postes de iluminação pública, em todo o Município. Os valores da taxa serão fixados pelo Prefeito Municipal
Art. 9º. O Chefe do Poder Executivo baixará normas regulamentadoras para melhor aplicação desta lei, que entra em vigor na data de sua publicação.
GABINETE DO PREFEITO DE ANÁPOLIS, aos 31 dias do mês de dezembro de 2002.
Ernani José de Paula.
Prefeito Municipal.”
LEI COMPLEMENTAR Nº 042, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2002.
ANEXO ÚNICO
I – CONTRIBUINTES PROPRIETÁRIOS, TITULARES DO DOMÍNIO ÚTIL OU POSSUIDORES DE IMÓVEIS NÃO EDIFICADOS.
1. REGIÃO A
R$ 0,12 (doze centavos de real) por m2 – anualmente
|01 |ANÁPOLIS CITY |
|02 |BAIRRO JUNDIAÍ |
|03 |BAIRRO ANDRACEL |
|04 |VILA SANTANA |
|05 |CENTRO |
|06 |CIDADE JARDIM |
|07 |JARDIM BANDEIRANTE |
|08 |RESID. ARAÚJO VILLE |
|09 |VILA TOCANTINS |
|10 |VILA LOURDES |
|11 |VILA STA TEREZINHA |
|12 |VILA N. SRA. DA ABADIA |
|13 |BAIRRO SANTO ANDRÉ |
|14 |RESIDENCIAL SUN FLOWER |
|15 |AV. BRASIL |
|16 |AV. TIRADENTES |
|17 |AV. PEDRO LUDOVICO (ate a divisa da V. São Joaquim) |
|18 |AV. PRES. KENNEDY |
|19 |AV. FERNANDO COSTA |
|20 |VILA CELINA |
2. REGIÃO B
R$ 0,08 (oito centavos de real) por m2 - anualmente
|01 |BAIRRO ALVORADA |
|02 |BAIRRO SÃO CARLOS I E II ETAPAS |
|03 |VILA STA MARIA DE NAZARÉ |
|04 |VILA SANTA IZABEL |
|05 |BAIRRO MARACANÃ |
|06 |BAIRRO MARACANANZINHO |
|07 |ANEXO MARACANANZINHO |
|08 |RESID. VIRGÍNIA CORREIA |
|09 |VILA SÃO JORGE |
|10 |VILA GÓIS |
|11 |VILA JUSSARA |
|12 |BAIRRO BATISTA |
|13 |VILA MILMAR |
|14 |VILA DONA MARIA |
|15 |VILA MIGUEL JORGE |
|16 |JARDIM ANA PAULA |
|17 |VILA INDUSTRIAL (JUNDIAÍ) |
|18 |ALTO DA BELA VISTA |
|19 |PARQUE DOS EUCALIPTOS |
|20 |SETOR BOUGAINVILLE |
3. REGIÃO C
R$ 0,06 (seis centavos de real) por m2 – anualmente
|01 |JARDIM EUROPA |
|02 |BAIRRO JK OESTE |
|03 |BAIRRO JK NOVA CAPITAL |
|04 |JARDIM AMÉRICA |
|05 |VILA FORMOSA |
|06 |BAIRRO ELDORADO |
|07 |VILA SÃO JOSÉ |
|08 |VILA JOÃO LUIZ DE OLIVEIRA |
|09 |JARDIM GONÇALVES |
|10 |VILA STA ROSA |
|11 |VILA STA RITA |
|12 |JARDIM SAMAMBAIA |
|13 |VILA MOREIRA |
|14 |VILA FALLUH |
|15 |VILA STA MARIA |
|16 |VILA BRASIL |
|17 |BAIRRO SÃO LOURENÇO |
|18 |VILA SÃO JOÃO |
|19 |VILA MENINO JESUS |
|20 |BAIRRO N. SRA. APARECIDA |
|21 |BAIRRO ITAMARATY |
|22 |VILA JAYARA LESTE |
|23 |VILA JAYARA NORTE |
|24 |SETOR LAGO DOS BURITIS |
|25 |BAIRRO DAS BANDEIRAS |
|26 |VILA HARMONIA |
|27 |VER. ARQUIBALD |
|28 |JARDIM PROGRESSO |
|29 |PARQUE IRACEMA |
|30 |JARDIM ALEXANDRINA |
|31 |BAIRRO ANTÔNIO FERNANDES |
|32 |B. ANEXO ANTONIO FERNANDES |
|33 |CIDADE UNIVERSITÁRIA |
|34 |BAIRRO BOA VISTA |
4. REGIÃO D
R$ 0,04 (quatro centavos de real) por m2 – anualmente
|RESTANTE DOS BAIRROS, DISTRITOS E DEMAIS E LOCALIDADES DO MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS |
II – CONTRIBUINTES PROPRIETÁRIOS, TITULARES DO DOMÍNIO ÚTIL, POSSUIDORES, A TÍTULO PRECÁRIO OU NÃO, DE IMÓVEIS EDIFICADOS E QUE TENHAM LIGAÇÃO REGULAR E PRIVADA DE ENERGIA ELÉTRICA NO MUNICÍPIO.
|CLASSE |INTERVALO DE CONSUMO (kWh) |VALOR MENSAL |
|INDUSTRIAL |0 até 300 |R$ 5,64 |
|INDUSTRIAL |301 até 500 |R$ 8,46 |
|INDUSTRIAL |501 até 1000 |R$ 11,28 |
|INDUSTRIAL |1001 até 9999999 |R$ 14,10 |
|COMERCIAL |0 até 100 |ISENTO |
|COMERCIAL |101 até 300 |R$ 4,94 |
|COMERCIAL |301 até 500 |R$ 8,46 |
|COMERCIAL |501 até 1000 |R$ 11,28 |
|COMERCIAL |1001 até 9999999 |R$ 14,10 |
|RESIDENCIAL |0 até 100 |R$ ISENTO |
|RESIDENCIAL |101 até 150 |R$ 1,41 |
|RESIDENCIAL |151 até 200 |R$ 2,82 |
|RESIDENCIAL |201 até 500 |R$ 4,94 |
|RESIDENCIAL |501 até 9999999 |R$ 8,46 |
2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS.
2.1- DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI COMPLEMENTAR N.º 042/2002 PELA AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR NACIONAL.
De início, cumpre consignar que o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ao proferir julgamento nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas por esta Procuradoria-Geral de Justiça, já se posicionou pela inconstitucionalidade formal das Leis Municipais instituidoras da cobrança da Contribuição de Iluminação Pública, ao argumento de que essa espécie tributária não prescinde de lei complementar nacional.
Veja, a propósito, os termos em que se acha redigida a ementa relativa ao julgamento da ADI n.º 237-9/200, verbis:
“Ementa – Constitucional. Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 279/2002. Contribuição para o Custeio de Iluminação Pública. Inconstitucionalidade formal e material.
1- A espécie tributária não prescinde de lei complementar nacional para reger a hipótese de incidência genérica (artigo 101, §3º, III, “a”, CE), até porque ao Município não foi conferido competência para legislar sobre direito tributário (artigo 4º, II, “a”, CE).
2- A contribuição de iluminação pública renova a anterior taxa de iluminação pública, declarada inconstitucional pela corte suprema. O referido tributo tem caráter uti universi e não uti singuli, faltando-lhes os requisitos da especificidade e da indivisibilidade, devendo ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos, retribuição indireta. Afronta ao princípio da isonomia tributária (art. 102, II da CE).
3. - Declarada a inconstitucionalidade formal e material, com efeito ex nunc.” (ADI n.º 237-9/200 ).
Em Acórdão mais recente, proferido na ADI n.º 307-4/200, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, acolhendo voto do Relator, Des. Leobino Valente Chaves, reiterou posicionamento anterior:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Contribuição para Custeio de Iluminação Pública. Lei nº 898, de 31.12.2002, do Município de Orizona, Inconstitucionalidades formal e material. I – É indispensável Lei Complementar Nacional para a definição da hipótese Genérica das espécies tributárias, e o município ao fazê-lo, entra em confronto com a alínea “a”, inciso III, Parágrafo 3º, do Art. 101 da Constituição Estadual, reconhecendo-se o vício formal na respectiva norma. II – se a modificação na legislação sobre o custeio da energia elétrica atinge a todos, indiscriminadamente, e tendo tal contribuição natureza tributária, não há que se estabelecer discriminação entre os beneficiários, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia. Ressai, portanto, inconstitucional a Lei n] 898, de 31 de dezembro de 2002, do Município de Orizona, por ofensa ao princípio da isonomia tributária, contido no art. 102, inciso II, e art. 104, Parágrafo 3, ambos da Constituição do Estado de Goiás. Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente”.
Nessa linha de entendimento também manifesta-se o professor Ives Gandra da Silva Martins, em artigo doutrinário publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, 92:20. Confira-se:
“Ora, se realmente foi criada, pela E.C. nº 39/2002, uma contribuição e não uma taxa, a questão que se coloca é saber como caracterizar tais aspectos, num tributo em que as duas únicas menções constantes do texto constitucional são:
a) que se trata de contribuição para custear o serviço de iluminação pública; e
b) que poderá ser cobrada na conta de consumo de energia elétrica.
Não declara, o legislador supremo, quem será o contribuinte, qual o tipo de iluminação pública, em que espaço poderá ser utilizado, se, no caso de a energia ser fornecida pelo Estado, caberá aos Municípios o poder de cobrar o tributo, além de inúmeros outros aspectos não estarem conformados pelo texto maior.
Admita-se, por exemplo, que um determinado Município cobre o tributo destinado à iluminação pública de companhias de ônibus que prestam serviços de transporte intermunicipal, cujos veículos transitam por suas ruas, apesar de a sede da empresa estar em outro Município, que, por seu lado, também exija a taxa de iluminação daquela companhia por ter seu estabelecimento instalado neste Município. Quem dirimirá o conflito?
O aspecto da definição do contribuinte é fundamental, pois a iluminação é utilizada por munícipes do próprio Município e de outros Municípios. É justo, pelo princípio da isonomia, que os munícipes de outros Municípios utilizem o serviço de iluminação, deixando os encargos para os municípios locais? Seria justo, por exemplo, que cidadãos, residentes em bairros pobres, paguem a taxa de iluminação para que os veículos de elevado valor transitem pelas ruas da periferia?
E quem serão os contribuintes? Os moradores das ruas bem iluminadas ou também proprietários de terrenos ali localizados, que nunca se utilizam dessa iluminação? E os ambulantes de outros Municípios que se beneficiarem da iluminação pública para vender seus produtos naquele local, como serão cobrados em sua conta de luz? Poderá a conta de luz de um munícipe ser onerada pela contribuição de iluminação relativa a outro Município daquele burgo?
É evidente que, à falta de esclarecimento no texto constitucional, só uma solução seria possível, para evitar conflitos de competência: a edição de lei complementar, nos termos do artigo 146, inciso I e III, letra “a”, assim redigido:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I- dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II- estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fato geradores, bases de cálculo e contribuinte.” (...)
Prosseguindo, o mestre arremata: “O artigo 146, I e III, “a” da CF tem , aliás, um único intuito, ou seja não permitir que, em vez de um “Sistema Tributário”, o Brasil hospede 5.500, correspondente a 5.500 entidades federativas do país. Convenço-me de que, se não houver lei complementar – em admitindo que a referida Emenda Constitucional nº 39 instituiu um contribuição e não uma taxa, o que o faço apenas para efeitos de argumentação-, certamente o Brasil poderá conhecer 5.500 contribuições ilegítimas de iluminação, cada uma delas podendo gerar os mais variados conflitos de competências. Esta é a razão pela qual considero que a jurisprudência conformada pelo STF na ADIn 28-4 – que julgou inconstitucionais as diversas leis estaduais que instituíram o A.I.R.E.., por falta de lei complementar – aplica-se rigorosamente, ao caso presente, exigindo-se que, se pretenderem os Municípios cobrar tal taxa, façam-no só depois que o Congresso Nacional produza a lei complementar necessária a viabilizar sua instituição pelas respectivas lei ordinárias, definido os aspectos que devem integrar a hipótese de imposição. Caso contrário, todas as leis municipais que a instituírem serão manifestamente inconstitucionais, como foram consideradas as leis estaduais que veicularam o Adicional de Imposto de Renda Estadual.”
Ante ao posicionamento já referendado por essa Corte de Justiça, força é convir que a lei sub examine também padece do mesmo vício formal de inconstitucionalidade, por desrespeito ao artigo 101, §3º, inciso III, alínea “a”, da Constituição do Estado de Goiás.
2.2 - DAS INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS DA LEI COMPLEMENTAR N.º 042/2002.
- VIOLAÇÃO DO ARTIGO 102, INCISO II, DA CARTA ESTADUAL.
Da leitura do artigo 149-A da Constituição Federal, percebe-se que a COSIP ou CIP foi criada para custear o serviço de iluminação pública, antes financiado pela Taxa de Iluminação Pública – T.I.P, cuja inconstitucionalidade foi reiteradamente declarada pelos Tribunais Superiores deste país.
O legislador Constituinte Reformador, no propósito de afastar a eiva de inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública, consubstanciada na cobrança de uma taxa em decorrência da utilização efetiva ou potencial de um serviço público que não era específico, nem divisível, em desrespeito ao comando previsto no art. 145, II, da Constituição Federal, alterou o nomen jurís do tributo, para denominá-lo contribuição, objetivando, assim, viabilizar tal arrecadação.
Acontece que a COSIP ou CIP não tem o perfil do gênero contribuição, ditado pela Constituição Federal, já que não se destina ao interesse de categorias profissionais ou econômicas, nem representa intervenção da União no domínio econômico, nem financia a seguridade social. Trata-se, portanto, de uma contribuição anômala, cuja finalidade é o custeio de um serviço público inespecífico e indivisível – iluminação pública. A simples alteração da nomenclatura do tributo não tem, obviamente, o condão de tornar a sua cobrança constitucional, pois a mácula antes apontada ainda persiste, em razão de a ação estatal custeada possuir caráter “uti universi”.
Nesse diapasão, vale transcrever trecho do voto proferido pela Desembargadora/Relatora Beatriz Figueiredo Franco, na referida ADI n.º 237-9/200:
“Se não por este fundamento, também sufrago o entendimento de que a própria EC nº 39/2002 padece de inconstitucionalidade material, porque a referida espécie nada mais é do que taxa travestida, como já vem decidindo alguns tribunais. Nessa esteira, os julgados abaixo coligidos:
Contribuição de Custeio de iluminação pública (COSIP’S). Antigas taxas municipais de iluminação pública (TIP’S). Ação de restituição de cobrança indevida. Tutela antecipada. Deferimento. Agravo de instrumento interposto pelo ente municipal contra essa decisão antecipatória. Súmula 670, da suprema corte. O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa. Fato gerador caracterizado por um serviço geral – uti universi – inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não sendo de ser custeado senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Recurso ao qual se nega provimento. (TJRJ, 10ª Câmara Cível, AI nº 2004.002.14413, rel. Des. Orlando Secco, j. 22.02.2005)
Tributário. Município de Saquarema. Contribuição de iluminação pública que renova a anterior taxa de iluminação pública, cuja inconstitucionalidade já foi declarada pelo STF. Cobrança de tributo que tem caráter uti universi e não uti singuli, faltando-lhes os requisitos da especificidade e da divisibilidade. Generalidade do serviço a ser custeado pelo cidadão e prestado pelo Estado, com retribuição indireta. Sentença que bem repeliu preliminares de ilegitimidade e que, no mérito, denegou a ordem. Recurso não provido. (TJRJ, 15ª Câmara Cível, AC nº 2004.001.10020, Rel. Des. Henrique Magalhães de Almeida, j. 22.09.2004)
Oportuno transcrever trecho do voto da lavra do Ministro Ilmar Galvão, no RE 231.764-6/RJ, explicitando o tema. Diz:
A iluminação pública favorece a todas as pessoas que passam na rua e também aos donos de imóveis, porém não é possível individualizar a quantidade de luz gasta por cada um, para ser possível a cobrança da taxa.
Já afirmou o professor Ruy Barbosa Nogueira, citado pelo Desembargador Álvaro Cruz, em voto vencedor proferido na Representação Interventiva por Inconstitucionalidade nº 9.318-0, em 15.02.89 (RT volume 642, às páginas 103/104), que “se é, por sua natureza (ontológica) comum (iluminação pública do povo) e por sua finalidade (teleológica) a todos, indistintamente (iluminação pública ou para o povo), de acordo com a própria qualificação jurídico-normativa constitucional e da legislação nacional ou complementar sobre o factum, isto, do serviço público suscetível de ser fato gerador de taxa, porque não é serviço ou prestação de serviço específico, nem destacável em unidades autônomas de utilidade, nem prestado individualmente ao contribuinte (mas a todos), nem individualmente por ele usufruído (mas indistintamente por todos). Em resumo, é um serviço de uso comum (uti universi))”.(Taxas de Serviço e Suas Limitações Constitucionais).
Quando da edição da referida Emenda Constitucional (nº 39/2002) o Supremo Tribunal Federal já havia considerado inconstitucional a malsinada taxa de iluminação pública, “posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais”¹. Dessa forma, a inserção da referida contribuição representa mesmo afronta ao princípio da interdependência entre os poderes, ou afronta ao poder judiciário (artigo 60, III, CF) porquanto já havia decidido pela inconstitucionalidade do tributo. 1(AI 474335, AgR/RJ, Rel. Ministro Eros Grau, DJ de 04.02.2005)”
A despeito de a própria EC n.º 39/02 estar em desarmonia com o sistema tributário plasmado na Constituição Federal, vê-se que a Lei Complementar n.º 042/2002 também traz em seu bojo disposições flagrantemente inconstitucionais, que atentam contra o princípio da isonomia tributária.
O §3º do art. 4º, ao estabelecer distinções em virtude da capacidade contributiva dos contribuintes, “(...) observará a distinção de área, de localização dos imóveis não edificados e de acordo com a quantidade de consumo e categoria de consumidor (industrial, comercial, rural e residencial), será dividido em 12 (doze) parcelas mensais (...)”, violou o princípio da isonomia tributária, cuja afronta torna-se mais clara quando se percebe pelas tabelas do Item II do Anexo Único, que a lei, além de fazer distinção entre contribuintes residenciais, comerciais e industriais, utiliza o consumo individual de energia elétrica destes como base de cálculo do tributo.
A par disso, constata-se pelo Item I do mesmo Anexo Único que a base de cálculo da CIP, quanto aos imóveis não edificados, repousa em elementos – localização e área do imóvel – que se identificam com o conteúdo da base imponível pertinente ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), o que, obviamente, não pode ser aceito.
Ora, se a finalidade da CIP é o custeio da iluminação pública, outra não pode ser sua base de cálculo senão o valor total do custo desse serviço, excluindo-se qualquer outro fator que não esteja vinculado a tal serviço. Com efeito, não há dúvida de que inexiste qualquer correspondência entre o serviço a ser custeado e o valor pago pelo consumidor à empresa estatal, em decorrência de seu consumo mensal/particular de energia elétrica ou em razão da localização e dimensão da sua propriedade. Despropositada também é a previsão de contribuições diferenciadas para consumidores residenciais, industriais e comerciais, eis que estes estão em situação de igualdade frente ao serviço público a ser custeado.
Destarte, é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese de se admitir válida a exigência de contribuição para a manutenção do serviço de iluminação pública, o § 3º do artigo 4º, e o Anexo Único da Lei Complementar nº 042/2002, do Município de Anápolis, atentam contra o princípio da isonomia tributária e inquinam de invalidade todos os demais dispositivos deste ato legislativo.
- DA VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE INSTITUIÇÃO DE TRIBUTOS DE COMPETÊNCIA DO ESTADO OU DOS MUNICÍPIOS, ALÉM DOS IMPOSTOS ELENCADOS NA CARTA ESTADUAL, QUE INCIDA SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS A ENERGIA ELÉTRICA – VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 104, §3º, DA CARTA GOIANA
Por outro lado, o legislador de Anápolis, quando vinculou a cobrança da CIP ao consumo de energia elétrica particular das unidades autônomas, contraditou expressamente a Carta Goiana em seu artigo 104, § 3o.
Assim dita a Carta Goiana:
“Art. 104 - Compete ao Estado instituir:
I - Imposto sobre:
b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 3º - À exceção dos impostos de que tratam o inciso I, alínea "b", do caput deste artigo e o inciso III do anterior, NENHUM outro TRIBUTO, de COMPETÊNCIA do Estado ou dos MUNICÍPIOS, INCIDIRÁ sobre operações relativas a ENERGIA ELÉTRICA, combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais do País.” Grifos nossos
A violação é tão flagrante que dispensaria maiores comentários, eis que, em favor dos contribuintes, o legislador constituinte estadual decorrente criou uma garantia na cláusula do parágrafo terceiro, do artigo 104, de que restaria vedado aos Municípios a instituição de qualquer outro tributo, de competência do Estado ou dos Municípios, além dos impostos de que tratam tal parágrafo terceiro, que venha incidir sobre operações relativas a energia elétrica.
Agredido restou o direito do contribuinte de Anápolis, pelas normas da Lei Complementar n.º 042/2002, pois, além de o princípio constitucional da isonomia ter sido quebrado, mediante a instituição de tratamento diferenciado entre contribuintes que encontram-se em situação equivalente (usufruem igualitariamente da iluminação pública), o citado Município criou tributo que incide sobre operações relativas a energia elétrica.
Na esteira do exposto, estando demonstrada a inconstitucionalidade formal e material da Lei Complementar n.º 042/2002, do Município de Anápolis-GO, por afronta aos artigos 101, §3º, III, alínea “a”; 102, inciso II; e 104, § 3º, todos da Carta Goiana, cabe a esse Colendo Tribunal de Justiça proclamar a sua ineficácia normativa, para expurgá-la do ordenamento jurídico daquele município.
3 - DA MEDIDA CAUTELAR. NECESSIDADE DA CONCESSÃO. PLAUSIBILIDADE DA ARGÜIÇÃO. FUMUS BONI IURIS. PERICULUM IN MORA.
Por toda a argumentação aduzida, restam presentes os pressupostos autorizadores da concessão de tutela cautelar, revelados na presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.
A fumaça do bom direito é revelada pela inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 042/2002, já que flagrante a vulneração dos artigos 101, §3º, III, “a”; 102, inciso II; e 104, §3º, todos da Carta Goiana.
Por outro lado, também resta patente a presença do periculum in mora, sendo sua constatação de fácil exame, pois, como o tributo é cobrado juntamente com a energia elétrica consumida, na mesma fatura, sequer podem os contribuintes deixar de pagar o tributo e buscar a prestação jurisdicional equivalente, porque estariam atrasando o pagamento de sua energia elétrica à CELG e correndo o risco de sofrerem corte no fornecimento deste produto, por inadimplemento.
Ademais, quanto maior a demora na concessão da medida cautelar pretendida, mais contribuições os munícipes estarão pagando e, como sempre é certa a delonga na obtenção da devida repetição de indébito, pela dificuldade de recebimento dos cofres públicos – notadamente no âmbito dos precatórios judiciais –, o cidadão pode amargar anos de espera para receber de volta os valores pagos indevidamente, isso caso consiga tal intento, o que é por demais um absurdo.
Destarte, pede-se a esse Egrégio Tribunal, por seu Órgão Especial, que reconheça a necessidade excepcional de se conferir a medida cautelar para, de plano, suspender os efeitos da Lei Complementar n.º 042/2002, do Município de Anápolis.
4 - DOS PEDIDOS
Ante aos fundamentos jurídicos retro alinhados, este Procurador-Geral de Justiça requer o seguinte:
a) a concessão, pela maioria absoluta desse Egrégio Órgão Especial, de MEDIDA CAUTELAR para suspender a eficácia da Lei Complementar n.º 042/2002, do Município de Anápolis, por lesão aos artigos 101, §3º, inciso III, alínea “a”; 102, inciso II, e 104, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás.
b) solicitação de informações, no prazo de 30 (trinta) dias, do Senhor Prefeito Municipal e do Presidente da Câmara Municipal de Anápolis-GO.
c) a citação, nos termos do art. 60, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás, do Senhor Procurador-Geral do Estado, para proceder, no prazo de 15 (quinze) dias, a defesa do texto impugnado;
d) a juntada do procedimento administrativo n.º 23958/2003, no qual consta cópia integral da Lei Municipal impugnada.
e) abertura de vista dos autos ao Ministério Público, para o pronunciamento final, após a manifestação das pessoas mencionadas nos itens ‘b’ e ‘c’ deste articulado e no prazo de lei;
f) e, em decisão final, que seja julgada procedente a pretensão deduzida, com a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 042/2002, por incompatibilidade formal e material com os comandos ditados pela Carta Estadual.
Goiânia, 25 de abril de 2007.
EDUARDO ABDON MOURA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
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