EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO …



EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS

A PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA SUBSTITUTA, com fundamento no artigo 129, inciso IV, da Constituição da República, artigos 60 e 117, inciso IV, da Constituição do Estado de Goiás, artigo 29, inciso I, da Lei Federal nº 8.625/93 e artigo 52, inciso II, da Lei Complementar Estadual nº 25/98, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça ajuizar a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (com pedido liminar) em face da Lei n. 2.249, de 17 de dezembro de 2004, que “autoriza a Fazenda Pública a protestar certidões de dívida ativa correspondente aos créditos tributários e não-tributários do Município de Catalão e dá outras providências”, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

1- DOS FATOS

Segundo consta do procedimento administrativo n. 86219/2006, instaurado no âmbito desta Procuradoria-Geral de Justiça, em decorrência de representação formulada pelo Promotor de Justiça de Catalão, Dr. Fábio Santesso Bonnas, o Poder Legislativo daquele município aprovou projeto de lei, de iniciativa do Prefeito Municipal, para autorizar o protesto extrajudicial dos débitos tributários e não-tributários inscritos na dívida ativa do município, o que deu ensejo à edição da Lei n° 2.249/2004, ora impugnada.

Consta, ainda, que o Poder Executivo Municipal, por força do que dispõe o artigo 3° da referida lei, firmou Termo de Convênio com o Cartório do 2° Ofício de Notas, Protestos, Títulos e Documentos, objetivando a efetivação do serviço de protesto, o que, de fato, vem acontecendo, conforme se vê da documentação inclusa.

A referida lei teve como único escopo compelir os contribuintes locais a efetuarem o pagamento dos tributos municipais em atraso, antes mesmo de tais débitos serem cobrados via execução judicial. Tanto é que o Prefeito Municipal, ao justificar a proposta legislativa, deixou consignado que: “ Para que aconteça um mutirão de pagamentos de débitos vencidos referentes a IPTU, ISSQN e outros, faz-se necessária a criação da presente lei, sendo esta finalidade do projeto que se apresenta, que será um ferramenta ágil e acreditamos capaz de arrecadar o que é devido ao erário.”

Nesse contexto, é forçoso convir que o diploma legal extrapola os limites da competência legislativa municipal, em flagrante contradição com a ordem constitucional vigente, pelo que comporta sujeição ao controle concentrado de constitucionalidade, conforme se demonstrará.

Assim, o texto da Lei n. 2.249/2004:

“Lei n. 2.249, de 17 de dezembro de 2004.

Autoriza a fazenda Pública a protestar certidões de dívida ativa correspondente aos créditos tributários e não-tributários do Município de Catalão e dá outras providências.

O povo do município de Catalão, Estado de Goiás, por seus representantes legais, aprova e eu, na qualidade de Prefeito Municipal, em seu nome, sanciono a seguinte lei:

Art. 1º - A Fazenda Pública Municipal poderá enviar para protestos, na forma e para fins previstos na Lei Federal n. 9.492 de 10 de setembro de 1997, as certidões de dívida ativa dos créditos tributários e não tributários do Município de Catalão.

Parágrafo Único – os efeitos do protesto alcançarão os responsáveis tributários, nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional.

Art. 2º - A protocolização e a efetivação do protesto das certidões de dívida ativa independem do prévio depósito dos valores relativos aos emolumentos e demais despesas, que serão pagos pelos interessados de acordo com os critérios definidos nos parágrafos seguintes.

§1º - Por ocasião do pagamento do título em tabelionato ou a desistência do protesto, com base na tabela de emolumentos e despesas vigentes na data da protocolização do título.

§2º - Por ocasião do pedido de cancelamento do protesto ou da determinação judicial da sustação definitiva do protesto ou de seus efeitos, com base nos valores da tabela e das despesas em vigor na data da apresentação dos referidos documentos, hipóteses em que, para fins de cálculo, será considerado o valor do título e sua correspondente faixa de referência na tabela de emolumentos.

Art. 3º - O Poder Executivo Municipal e os respectivos Tabeliões de Protestos e Títulos e outros documentos de dívida poderão firmar convênio dispondo sobre as condições para a realização dos protestos de que trata esta Lei.

Art. 4º - O Poder Executivo Municipal expedirá os atos necessários à regulamentação desta Lei.

Art. 5º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a 1º (primeiro) de novembro do corrente ano, revogando-se as disposições em contrário.

Secretaria da Câmara Municipal de Catalão, 17 de dezembro de 2004.

José Carlos Elias da Silva

Presidente/Vereador”

2- DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS:

2.1- DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI N.2.249/04.

2.1.1- Extravasamento da competência legislativa municipal afeta ao interesse local. Afronta ao artigo 64, Inciso I, da Constituição do Estado de Goiás.

Da leitura da Lei n° 2.249/2004, observa-se que o Município de Catalão, ao instituir o protesto extrajudicial dos contribuintes com débitos inscritos na dívida ativa, excedeu os limites de sua competência legislativa, afeta ao interesse local, prevista no artigo 64, inciso I, da Carta Estadual, e invadiu esfera privativa da União, dispondo sobre matéria de direito processual civil e registros públicos (Art. 22, inciso I e XXV da CF).

Tanto é que a mencionada lei, de forma equivocada, foi buscar fundamento de validade na Lei Federal n. 9492, de 10 de setembro de 1997, que regulamenta os serviços concernentes aos protestos de títulos e outros documentos de dívidas. Porém, é sabido que esta lei federal não se aplica às dívidas inscritas em favor da Fazenda Pública, mas apenas aos títulos e dívidas concernentes ao regime jurídico de direito privado, que, levados a protesto e não sendo pagos, permitem seja o nome do devedor inserido nos cadastros de restrição ao crédito, SERASA e SPC, criados justamente para a proteção do crédito de natureza privada.

Em se tratando de cobrança de dívida ativa pela Fazenda Pública, a legislação federal não autoriza a adoção de qualquer outra providência que não a execução judicial, regulamentada pela Lei n. 6.830/80, cujas normas processuais ali previstas são de observância obrigatória pelos demais entes federados. Daí porque lhes é vedado inovar na ordem jurídica local, para instituir medida não prevista neste estatuto.

A inscrição na dívida ativa, por ser regida pelas normas de direito público, goza de presunção de certeza e liquidez, razão pela qual prescinde do registro de protesto em cartório, pois acaso necessitasse de tal providência, o valor de título executivo constituído em seu favor estaria comprometido ou simplesmente perderia a sua razão de existir.

A propósito da competência privativa da União, vale registrar que tramita na Câmara dos Deputados proposição que visa a alteração da Lei de Execução Fiscal, para possibilitar a cobrança de títulos da dívida ativa por meio do serviço de protesto, conforme se vê da informação anexa. No entanto, o projeto é polêmico e, por certo, encontrará sérios óbices constitucionais para a sua aprovação. Tanto é que recebeu, perante a Comissão de Legislação Participativa, parecer contrário do relator, Deputado Jurandil Juarez, que opinou pela sua rejeição, arrimado nos seguintes argumentos:

“(...)Com efeito, não há dúvida de que o protesto extrajudicial, a teor do dispositivo no art. 1º da Lei n.9.492, de 10 de setembro de 1997, tem como finalidade provar ou atestar formalmente a inadimplência ou o descumprimento de obrigação representada em título ou documento de dívida. Ocorre, porém, que, à evidência, os particulares, ao utilizarem os serviços de protesto extrajudicial, não objetivam meramente a lavratura e o registro do respectivo instrumento para provar a inadimplência ou o descumprimento de obrigação originada em títulos ou outros documentos de dívida. O escopo desses credores é principalmente, na maioria das vezes, obter a solução do conflito de interesses mediante o recebimento do que lhes é devido. Se a utilização daqueles gera, reflexamente, o pagamento das dívidas representadas por títulos ou outros documentos de dívida levados a protesto, não se pode concluir, contudo, que esta seja a sua finalidade. Releva notar, entretanto, que, mesmo que o particular se valha do protesto extrajudicial como meio indireto de cobrança de dívida, não se importando com a sua finalidade legal por não haver proibição expressa quanto a tal conduta, o mesmo não pode ser feito pela administração pública. Além de a certidão da dívida ativa já provar o inadimplemento e o descumprimento de obrigação documental e a finalidade legal do protesto extrajudicial ser exatamente a mesma, é induvidoso que o próprio sistema jurídico positivo já oferece os instrumentos adequados pelos quais um crédito do Estado deve ser cobrado, qual seja, a execução fiscal acompanhada de todas as prerrogativas processuais inerentes à fazenda pública, restando evidente, pois, a ausência de interesse jurídico da administração fazendária para submeter a aludida certidão ao protesto extrajudicial e, consequentemente, também a injuridicidade da matéria.(...)Quanto ao mérito, impende assinalar que, muito embora deva ser enaltecida toda e qualquer iniciativa da sociedade em busca de contribuir para o processo legislativo, o conteúdo da sugestão ora sob exame não merece prosperar sob a forma de projeto de lei a ser apresentado por esta Comissão de Legislação Participativa. Sem dúvida, o protesto extrajudicial da certidão da dívida ativa nela previsto constituiria apenas mais uma forma arbitrária de se causar constrangimento indevido ao contribuinte para fazer com que ele, para evitá-lo, realize o pagamento sem nada questionar, deixando, dessa maneira, de exercitar o seu direito de defesa contra cobrança eventualmente indevida.(...).”

Destarte, como somente a lei federal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, pode dispor sobre as normas de cobrança dos créditos devidos à Fazenda Pública, dúvida não há de que o Município de Catalão, ao editar a Lei n° 2.249/2004, foi além do interesse local e adentrou a competência privativa da União, legislando sobre registro público e direito processual civil.

2. – Extravasamento da competência legislativa concorrente/suplementar do município em matéria tributária. Vulneração do artigo 64, inciso II, e do artigo 101, § 3º, inciso III, letra “b”, da Constituição do Estado de Goiás.

Registre-se, ainda, que o Parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 2.249/2004, ao preconizar que “os efeitos do protesto alcançarão os responsáveis tributários, nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional”, dispôs sobre norma geral concernente a obrigação tributária, matéria de competência da Lei Complementar Federal, e, novamente, exorbitou o seu âmbito de atuação.

Vê-se que norma municipal estendeu os efeitos do protesto às pessoas relacionadas no artigo 135 do CTN, para também constrangê-las ao pagamento do crédito tributário, como responsável substituto do contribuinte, impondo-lhes, desta forma, todas as conseqüências decorrentes deste registro cartorário.

Ao assim dispor, o Município de Catalão descurou-se dos limites de sua competência concorrente suplementar em matéria tributária, assegurada no artigo 64, inciso II da Carta Estadual, e inovou na ordem jurídica, para dar ao artigo 135 do CTN abrangência normativa que a lei complementar nacional, enquanto norma geral, não lhe dá. Em razão disso, acabou, ainda, incorrendo em flagrante contradição com o que reza o artigo 101, § 3º, inciso III, letra “b” da Constituição do Estado de Goiás.

Na esteira do exposto, resultam inquestionáveis os vícios de inconstitucionalidade formal da Lei nº 2.249/2004, por falta de compatibilidade vertical com os artigos 64, incisos I e II e artigo 101, § 3º, inciso III, letra “a”, ambos da Constituição do Estado de Goiás.

2.2 -DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA LEI N.2.249/04.

2.2.1.Afronta ao princípio da legalidade e das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A lei municipal impugnada também apresenta mácula de inconstitucionalidade material, pois, ao autorizar o protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa dos créditos tributário e não-tributários de Catalão, medida não prevista na Lei Federal n. 6.830/80, criou instrumento para a cobrança indireta e coercitiva desses créditos, o que importa em desrespeito aos direitos fundamentais dos contribuintes locais, por lesão ao princípio da legalidade e às garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Ora, o interesse da Fazenda Pública no ágil recebimento de seus créditos, embora legítimo, não pode sobrepor-se aos direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos contribuintes, de modo a justificar a sua atuação arbitrária, até porque o nosso ordenamento jurídico lhe assegura instrumentos legais adequados para fazer valer seu desiderato arrecadatório.

O prévio protesto extrajudicial de débito fiscal acarreta, inquestionavelmente, sérias conseqüências para o contribuinte, como, por exemplo, a inserção do seu nome no banco de dados do SERASA e/ou do SPC, sujeitando-o a toda sorte de constrangimento, devido à restrição ao seu crédito pessoal. Assim, ante coerção dessa natureza, se vê obrigado a efetuar a imediata quitação da dívida, com renúncia ao devido processo judicial, ao contraditório e à ampla defesa.

Sobre o assunto, tem-se os ensinamentos do ilustre professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo, Kiyoshi Harada, in verbis:

“(...) os governantes estão levando ao Cartório de Protestos as certidões de dívida ativa denegrindo os nomes dos contribuintes em débito, escudados em um parecer da Corregedoria da Justiça, que não tem, nem poderia ter o poder normativo. É claro que o propósito não é o de denegrir o contribuinte, mas o de coagir para agilizar a cobrança do crédito tributário formalizado na certidão, sem observância do contraditório e da ampla defesa que, fatalmente, seria exercitado pelo contribuinte, caso a Fazenda seguisse o ritual da lei. A verdade é que, sem observância do devido processo legal, o contribuinte pode ficar com a imagem denegrida, sem justa causa. Basta verificar a estatística de execuções fiscais julgadas improcedentes. Certamente, existem outras formas de agilizar e tornar eficiente a administração tributária do Estado, sem espezinhar os direitos e garantias dos contribuintes que pairam acima do poder político do Estado, porque resultantes da soberania popular (parágrafo único do art. 1º da Constituição da República). E mais, se a certidão de dívida ativa pode ser protestada como se cambial fosse, porque munida de eficácia executiva, a decisão judicial transitada em julgado contra a Fazenda, que também é munida de eficácia executiva, pode ser protestada dispensando-se a formalidade do precatório judicial, conhecido como moeda podre, porque o governante só paga quando e como quiser, sem que nada lhe aconteça, por falha das instituições políticas e jurídicas.” (artigo Confusão entre Direito Público e o Direito Privado. Sobre o protesto de certidões de dívida ativa, site http:/jus2..br/doutrina) Grifei.

Ilustrativo também é o artigo subscrito pela advogada Aline Aparecida da Silva Tavares, com o título “Formas de recebimento dos créditos regularmente constituídos e a pretensão da Administração Pública em levar a protesto as certidões da dívida ativa”:

“(...) Pois bem, regularmente constituído o crédito tributário, se o agente competente apurar irregularidade no recolhimento do tributo, deverá notificá-lo para pagar o débito ou impugná-lo, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de inscrição em dívida ativa. Não sendo pago e nem impugnado o débito, a autoridade inscreverá em dívida ativa, tornando o crédito tributário líquido, certo e exigível, porém ainda não exeqüível. Insta registrar que após o lançamento o crédito já é exigível, mas adquire liquidez e certeza com a inscrição na dívida ativa. Dívida ativa constitui-se em um conjunto de direitos ou créditos de várias naturezas, em favor da Fazenda Pública, com prazos estabelecidos na legislação pertinente, vencidos e não pagos pelos devedores. Se o crédito for de natureza tributária teremos a dívida ativa tributária, por conseguinte, a dívida ativa não-tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de contratos em geral ou de outras obrigações legais. A inscrição em dívida ativa é ato jurídico que visa legitimar a origem do crédito em favor da Fazenda Pública, revestindo o procedimento dos necessários requisitos jurídicos para ações de cobrança. Em que pese a certidão relativa a esses créditos constituir título executivo extrajudicial e enquadrar-se nos moldes fixados pelo artigo 585, inciso VI, do CPC, não pode a Administração Pública, valer-se dos meios concernentes ao regime jurídico próprio daqueles que pertencem ao Direito Privado, para poder coagir eventuais devedores a pagarem os créditos tributários regularmente constituídos. Como se sabe e, consoante prescreve ao art. 3º da LEF, a dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. Trata-se, a certidão de dívida ativa, de um título executivo extrajudicial que, justamente por gozar de presunção de certeza e liquidez, por si só, já preenche os requisitos do art. 1º da Lei nº 9.492/97, ou seja, prova o crédito da Fazenda Pública, ao mesmo tempo em que atesta a inadimplência e o descumprimento de obrigações por parte do devedor, o que já é mais do que suficiente para podermos dizer que, além de não haver previsão legal no sentido de permitir à Fazenda Pública levar seus títulos a protesto, simplesmente a mesma não possui interesse jurídico para tanto.

A Fazenda Pública, consoante preceitua o regime jurídico a qual se submete, já dispõe de prerrogativas e procedimentos próprios para poder cobrar seus créditos tributários. Trata-se da Lei nº 6.830/80, Lei de Execução Fiscal. O próprio art. 1º da referida lei é categórico ao estabelecer que a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública será regida por lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. Não obstante a supremacia do interesse público sobre o particular, deve-se assegurar um equilíbrio nas relações entre a Administração Pública e os administrados, equilíbrio este que se dá através do contraditório, aplicável ao processo de execução justamente para possibilitar àquele que suporta a atividade executiva meios de se opor contra eventual irregularidade na constituição do crédito tributário, como por exemplo, uma CDA viciada, que não seja líquida, certa e exigível, em razão da ocorrência de decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário, pagamento, parcelamento, compensação, etc.

Não estamos aqui querendo dizer que a Administração Pública deve ficar inerte e não buscar os meios e recursos que lhe possibilitem receber seus créditos, no entanto, não pode, com esse intuito, buscar novas formas de cobrança indireta como vem fazendo com o protesto de certidões da dívida ativa. Outrossim, em não havendo previsão legal no sentido de possibilitar ao Fisco adotar referido procedimento, está nítido o desrespeito ao princípio da legalidade, visto que, referido princípio determina que a Administração Pública deve se submeter aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato. Qualquer ação estatal sem o correspondente respaldo legal, ou que exceda ao âmbito permitido pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação”.

Levando a protesto as certidões da dívida ativa, que em regra já prova o inadimplemento e o descumprimento de obrigação documental, sendo que a finalidade do protesto é exatamente esta, está claro que a Administração Pública está desvirtuando totalmente a finalidade do instituto do protesto, incorrendo, inclusive, se é que podemos estender a tal ponto, em excesso de exação.” (Advogada associada a Harada Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie e Pós-Graduada em Direito Tributário pelo IBET- Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – site .br.)Grifei.

Nessa senda, vêm decidindo os Tribunais pátrios:

“(...) O protesto serve para constituir o devedor em mora, o que, entretanto, não se exige em relação ao crédito tributário. Cuida-se, destarte, pelo que é dado concluir no restrito âmbito de sumária cognição, de medida inteiramente desnecessária, cujo real escopo é intimidar o contribuinte.

Não se ignora que a Lei 9492/97 prevê, em seu artigo 1º, o protesto de “outros documentos de dívida”, além dos ali referidos. Mas parece que a certidão de dívida ativa não se inclui entre esses “outros documentos”, visto como sua cobrança constitui atividade vinculada da Administração. A esta não é dado escolher como pretende receber seus créditos. Leia-se, a propósito, o artigo 3º do Código Tributário Nacional.

Não se afigura infundado o entendimento de que só mesmo pela via prescrita pela Lei 6 830/80 pode a Fazenda Pública levar a efeito a cobrança da dívida ativa. E, previsão de protesto do título não há.

O protesto, mister admitir, constitui inaceitável meio de coerção. O contribuinte, para não ter o nome levado aos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, acaba constrangido a pagar sem se valer dos meios de defesa que a lei põe a sua disposição. Desarrazoado não é, via de conseqüência, vislumbrar desrespeito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. (...)

Em resumo a cobrança da dívida ativa, ao que se pode concluir por enquanto, há de se realizar pelo procedimento previsto na Lei de Execuções Fiscais. Descabido e desnecessário se mostra o protesto de títulos”. (Agravo de Instrumento n. 672.012.5/0) Grifei.

“TRIBUTÁRIO E COMERCIAL. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROTESTO PRÉVIO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃOD E CERTEZA E LIQUIDEZ. ART. 204 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. FAZENDA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO PARA REQUERER A FALÊNCIA DO COMERCIANTE CONTRIBUINTE. MEIO PRÓPRIO PARA COBRANÇA DO CRÉITO TRIBUTÁRIO. LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO AO REGIME DO CONCURSO UNIVERSAL. PRÓPRIO DA FALÊNCIA. ARTS. 186 E 187 DO CTN.

I – A Certidão da Dívida Ativa, a teor do que dispõe o art. 204 do CTN, goza de presunção de certeza e liquidez que somente pode ser afastada mediante apresentação de prova em contrário.

II – A presunção legal que reveste o título emitido unilateralmente pela Administração Tributária serve tão somente para aparelhar o processo executivo fiscal, consoante estatui o art. 38 da Lei 6 830/80 (Lei de Execuções Fiscais).

III – Dentro desse contexto, revela-se desnecessário o protesto prévio do título emitido pela Fazenda Pública. (...)”(RESP 287.824-MG, Rel. Ministro Francisco Falcão)Grifei.

Ressalte-se, a título de argumentação, que no Texto Magno existem determinados princípios e preceitos normativos que devem ser observados na organização constitucional dos Estados-Membros, sob pena de serem reputados inconstitucionais. Em face disso, pode-se concluir que os direitos fundamentais, insculpidos no artigo 5º da Constituição Federal, por serem considerados pela doutrina como “normas centrais” e pela natureza do conteúdo de suas disposições, não necessitam de reprodução no texto da Constituição do Estado para que a ele sejam integrados. Isto porque, possuem o atributo da imediatidade que automaticamente os agrega, de maneira cogente, às Cartas Constitucionais, independentemente de estarem expressamente aí redigidos.

Raul Machado Horta [1] explica com maestria o que são “normas constitucionais centrais” e a incorporação imediata ao Texto Constitucional Estadual dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, dizendo o seguinte:

“As normas centrais da Constituição Federal, participando das características da norma jurídica, designam um conjunto de normas constitucionais vinculadas à organização da forma federal de Estado, com missão de manter e preservar a homogeneidade dentro da pluralidade das pessoas jurídicas, dos entes dotados de soberania na União e de autonomia nos Estados-Membros e nos Municípios, que compõem a figura complexa do Estado Federal. As normas centrais não são normas de centralização, como as do Estado Unitário. São normas constitucionais federais que servem aos fins da participação, da coordenação e da autonomia das partes constitutivas do Estado Federal. Distribuem-se em círculos normativos, configurados na Constituição Federal, para ulterior projeção nas Constituições dos Estados. Nem sempre dispõem de aplicação imediata e automática. Identificam o figurino, o modelo federal, para nele introduzir-se, posteriormente, o constituinte estadual, em sua tarefa de organização do Estado Federado. (...)

A introdução de normas centrais da Constituição Federal no domínio da Constituição do Estado Federado, no exercício da atividade constituinte, converte o ordenamento constitucional do Estado em ordenamento misto na sua composição normativa, uma parte provindo do poder autônomo de auto-organização e a outra resultando da transposição das normas centrais da Constituição Federal, para o campo normativo da Constituição Estadual. Salvo na hipótese de normas centrais da Federação – direitos fundamentais, separação de poderes, forma de Governo e de Estado – que independem de transposição normativa e são dotadas de imediatidade – as normas centrais de outra natureza reclamam atividade do órgão constituinte estadual, para integração dessas normas na organização constitucional do Estado. (Destaquei)

Nessa linha de entendimento, não se pode entender que a lei ora impugnada está em rota de colisão apenas com a Constituição Federal, posto que o direito fundamental da pessoa humana está obrigatoriamente agregado ao Estatuto Estadual, ainda que não esteja reproduzido expressamente, realizando o chamado federalismo equilibrado.

Dessa maneira, resulta demonstrada a inconstitucionalidade formal e material da Lei nº 2.249/2004, do Município de Catalão, por violação dos artigos 64, incisos I e II, 101, § 3º, inciso III, letra “b” da Constituição do Estado de Goiás e aos direitos fundamentais previstos no artigo 5º, incisos I, LIV e LV da Constituição Federal. Daí porque cabe a esse Egrégio Tribunal de Justiça reconhecer a invalidade deste ato legislativo, para expurgá-lo do ordenamento jurídico do Município de Goiânia, em respeito à supremacia das normas constitucionais.

3- DA MEDIDA CAUTELAR. PRESENÇA DOS REQUISISTOS EXIGIDOS PARA A SUA CONCESSÃO.

Na esteira da argumentação aduzida, afigura-se plausível a argüição de inconstitucionalidade ora articulada, o que traduz o fumus boni iuris necessário à concessão da medida cautelar, tendente a suspender, provisoriamente, os efeitos do ato legislativo atacado.

O periculum in mora também ressai transparente, pois, acaso não haja pronta resposta do Poder Judiciário, o Município de Catalão continuará a constranger, de forma ilegal e inconstitucional, os contribuintes locais a efetuar o pagamento de suas dívidas tributárias e não-tributárias, mediante o prévio protesto extrajudicial, sob pena de inserir os seus nomes nos cadastros nacionais de proteção ao crédito, o que constitui verdadeiro abuso.

Assim sendo, estando presentes os requisitos exigidos para a concessão da medida cautelar, nos termos previstos do artigo 10 da Lei nº 9.868/99 e artigo 46, inciso VIII, “a”, da Constituição do Estado de Goiás, pleiteia-se a suspensão ad cautelam dos efeitos da Lei nº 2.249/04, até julgamento final desta ação.

4- DOS PEDIDOS.

Diante do exposto, o Ministério Público, por sua Procuradora-Geral de Justiça Substituta, requer o seguinte:

a) a suspensão ad cautelam dos efeitos da Lei Municipal n. 2.249/2004, de Catalão, até o julgamento final desta ação, fazendo-se, na oportunidade, as comunicações de praxe, a fim de que o município suspenda a aplicabilidade deste diploma normativo.

b) a solicitação de informações, no prazo de trinta dias, do Prefeito e do Presidente da Câmara Municipal de Catalão, nos termos do artigo 6º da Lei Federal nº 9.868/99;

c) a citação do Procurador-Geral do Estado, nos termos do artigo 60, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás;

d) a abertura de vista dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça para o pronunciamento final;

e) a autuação desta peça, juntamente com o procedimento administrativo anexo (n.86219/2006), do qual consta cópia do texto legal impugnado, e

f) o julgamento definitivo da presente ação, mediante o reconhecimento da procedência do pedido e declaração da inconstitucionalidade da Lei n. 2.249/04, por incompatibilidade formal e material com a Constituição do Estado de Goiás – artigos 64, incisos I e II, e 101, § 3º, inciso III, letra “b” - e direitos fundamentais do cidadão.

Goiânia, 17 de Janeiro de 2008.

ANA CRISTINA RIBEIRO PETERNELLA FRANÇA

PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA SUBSTITUTA

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[1] Direito Constitucional, 2ª Ed. Del REY, BH, 1999, p. 282 e 285

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