Coordenador da colecção pedro mexia

 coordenador da colec??o pedro mexia

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? 2014, Matilde Campilho e Edi??es tintadachina, Lda.

Rua Francisco Ferrer, 6A, 1500461 Lisboa

Tels: 21 726 90 28/29/30 Email: info@tintadachina.pt

tintadachina.pt T?tulo: J?quei

Autora: Matilde Campilho Coordenador da colec??o: Pedro Mexia

Revis?o: Tintadachina Composi??o e capa: Tintadachina

1.? edi??o: Abril de 2014 2.? edi??o: Junho de 2014 isbn 978-989-671-213-6 dep?sito legal n.? 377496/14

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com cara de Whitman foi assim que voc? pensou que eu viria ao mundo foi assim que voc? me viu na floresta foi assim que voc? me viu pendurado no poste el?trico sempre pendurado num ramo qualquer sempre usando o ver?o. voc? se lembra daquele ver?o no Brooklyn em que fic?mos perseguindo os bombeiros durante todo o dia apenas para ver uma vez e depois outra vez o leque aqu?tico que se abria sobre o fogo? voc? citava poetas h?ngaros mas nesse tempo eu s? queria saber de inventar uma l?ngua que n?o existisse. voc? se lembra do concierge que nos recebia na pens?o do Brooklyn como se nunca nos houvesse visto antes? e n?o havia semana que passasse em que n?s n?o dorm?ssemos pelo menos uma madrugada na pens?o do Brooklyn. me lembro dos d?lares amassados que eu semanalmente tirava do bolso para pagar a Doug eu sabia o nome de Doug o Doug nos tratava disfar?adamente por menina e menino. voc? falava que os d?lares vinham sempre com uma forma diferente eu adoro como voc? consegue tirar um coelho do bolso eu adoro como voc? consegue tirar uma l?mpada do bolso eu adoro como voc? consegue tirar a Beretta 92fs do bolso

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foi assim que voc? pensou que eu ficaria no mundo com corpo de besta vestida usando um l?pis pousado na orelha

foi assim que voc? me viu pedindo tr?s ovos para Miss Elsie a senhora da mercearia na Court Street ela me deu oito ovos porque ela sempre dava alguma coisa ela me achava uma gra?a e ela n?o acreditava em n?meros ?mpares. eu tamb?m n?o. me lembro de voc? na mercearia do Brooklyn voc? costumava ficar l? atr?s brincando na sec??o das ferramentas. se eu tivesse mais do que um coelho, uma l?mpada ou uma pistola eu teria te comprado um Black & Decker eu acho que voc? seria a pessoa mais feliz da ilha com um Black & Decker enfiado no cinto.

foi assim que voc? pensou que eu ficaria no mundo, usando flores em meu cabelo negro, sempre escondidas no emaranhado dos cachos sempre escondidas no emaranhado do caos de minha cabe?a negra.

s? voc? sabia quantas flores eu usava porque agora eu j? sei que voc? dedicava as noites ? contagem. Deus n?o dorme e voc? tamb?m n?o.

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PR?NCIPE NO ROSEIRAL

Escute l? isto ? um poema n?o fala de amor n?o fala de cachec?is azuis sobre os ombros do cantor que suspende os calcanhares na berma do rochedo N?o fala do rolex nem da bandeirola da federa??o uruguaia de esgrima N?o fala do lago drenado na floresta americana N?o diz nada sobre a confeitaria fedorenta que recebe os not?vagos para o caf? da manh? quando o dia j? virou Isto ? um poema n?o fala de como??es na missa das sete nem fala da percentagem de mulheres que se espantam com a imagem do marido aparando a barba no ocaso N?o fala de tratores quebrados na floresta americana n?o fala da ideia de norte na cidade dos revolucion?rios N?o fala de choro n?o fala de virgens confusas

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n?o fala de publicit?rios de cotovelos gastos Nem de manadas de cervos Escute s? isto ? um poema n?o vai alinhar conceitos do tipo liberdade igualdade e f? N?o vai ajeitar o cabelo da menina que trabalha com afinco na caixa registadora do supermercado N?o vai melhorar N?o vai melhorar isto ? um poema escute s? n?o fala de amor n?o fala de santos n?o fala de Deus e nem fala do lavrador que dedicou 38 anos a descobrir uma vis?o quase m?stica do homem que canta e atravessa a estrada nacional 117 para chegar a casa ou a algum lugar pr?ximo de casa.

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EXPLICA??O DO SOPRO

S?culo xxi. Certos homens se fecham em quartos de hotel porque nos lugares an?nimos ? muito poss?vel ficar encostado numa parede branca vendo a ?gua correr no ch?o do chuveiro. Dois rapazinhos pegam as bicicletas e pedalam quatrocentos e vinte quil?metros at? achar a costa. Ao alcan??-la, tiram suas roupas e n?o mergulham: s? encostam a zona lombar na areia e repetem at? ao infinito a ladainha da tabuada do sete. Um bombeiro termina seu turno de vinte e quatro horas e entra no boteco junto ? est?tua de S?o Tarso. Pede um conjunto de sete p?es de queijo e nos espa?os entre cada um dos p?es ele fica procurando por algum peda?o da t?nica de Deus. O motorista do ?nibus sabe perfeitamente que dentro da mala da senhora de rosto limpo tem uma caixa de joias que cont?m uma caixa de medicamentos que cont?m uma caixa de anel que cont?m uma bala. O tocador de kalimba est? muito consciente de que hoje o mantra nasce da mistura de um c?ntico de prociss?o com o latir do cachorro, e est? consciente tamb?m de que todo o desenho acha sua ac?stica perfeita nas pequenas eremitas. Aquele que pinta a natureza, o ladr?o de ossos, sabe que deve empreender seu trabalho em posi??o horizontal, de corpo muito junto ao ch?o. E se por acaso o observarmos no processo por mais de sete minutos, podemos reparar que sua caixa tor?cica constantemente toca a tela, sempre na mesma cad?ncia. A mo?a de vinte e sete anos ainda est? sentada ao toucador, de frente para o pr?prio rosto, absolutamente indecisa sobre qual dos objetos escolher. Entre o batom alaranjado, a carabina calibre 12, o p? de arroz e o crucifixo em miniatura vai uma dist?ncia de dois passos a galope.

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RIO DE JANEIRO--LISBOA

um dia voc? adora meus ?culos adoro os teus ?culos no dia seguinte n?o quero que venhas na fazenda tr?s dias antes voc? ia adorar este lugar voc? quer vir at? ? fazenda? um dia eu rasgo o tecido celular do rosto realizo um sorriso constante que atravessa o morro o ponto m?gico do morro rasg?o alegre que fulmina o veio m?nimo da folha de amendoeira e pelo feixe de luz tropiquente vai parar na cara de Jo?o vendedor de suco no leblon em ricochete Jo?o grita a?a?! qualquer dia eu vou e chego

no outro dia a cidade se aborrece desdignificada pela gigante roleta que se chama medo o urubu fica empoleirado na trave enferrujada daquilo que j? foi suporte ao cartaz que anunciava o novo mundo das piscinas

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fosforescentes o p?ssaro suspenso olhando a via r?pida e catando caca debaixo da unha temendo o gira girar da pequena roda que circula sorte e azar

um dia voc? escreve para seus pais falando sobre o amor quarenta dias depois teus pais te escrevem falando sobre redes de pesca e o perigo das redes de pesca um dia voc? me envia uma carta depois a outra o rasg?o explode recordando ainda outra carta de alguns meses antes o postal eterno que dizia still crazy (after all these years) fa?o voto de sil?ncio mas na sacraliza??o hor?ria das avenidas eu penso que voc? sua m?e e seu pai conversam muito sobre peixes e que isso mant?m quieta a roleta negra e que isso mant?m aparada a unha do urubu

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e que isso faz homenagem a Jo?o e ? fruta espessa que brilha vermelha em cada copo de minha cidade

um dia voc? diz que me a**** eu a****-te no dia seguinte a amendoeira se expande e floresce cinco folhas mais nesse dia reparo que estamos contribuindo voc? e eu para o florestamento da cidade de duas cidades fa?o voto de sil?ncio mas na sacraliza??o hor?ria da respira??o eu penso que apesar da sala de casino abrigo da gigante roleta do medo apesar dos golpes de gmt -3 apesar da fita de seda que fica ondulando sua medida de 7800 km estamos dando utilidade ao amor alargando os bra?os das amendoeiras alargando os bra?os dos jacarand?s partindo as in?teis linhas de fronteira e fazendo do mundo a gigante floresta.

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I'LL HAVE WHAT SHE'S HAVING

nunca vou ser bom para ti quero dizer i talk to you for 5 hours and then i can't sleep vejo a meg ryan and then i can't sleep sou a cara do billy crystal and then i can't sleep isto aqui n?o ? manhattan and then i can't sleep acho que o teu corte de cabelo faz lembrar vagalumes no sangue do menino Emanuel que como eu disse era feito de veias perfume e ossos campo el?trico uniforme i talk to you for 5 hours sobre gen?tica divina sobre gen?tica humana sobre jejum e urologia and then i can't sleep porque fico pensando em Deus no filho de Deus nos filhos de Deus nos cachos amarelados nas camisas de colarinho blue no espadachim do anjo torto na estrada para Umba?ba na barraquinha de frankfurters and rolls

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