Título - Universidade Federal do Rio Grande do Sul



II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho

Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

[pic]

GT História da Publicidade e da Propaganda

Coordenação: Prof. Adolpho Queiroz (UMESP)

II ENCONTRO NACIONAL DA REDE ALFREDO DE CARVALHO

Florianópolis, SC – abril de 2004

Acusadores ou acusados? – A troca de papéis entre PSDB e PT nos episódios Eduardo Jorge e Waldomiro Diniz

Kleber Carrilho

Graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, pós-graduado em Marketing e Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, mestrando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, professor de Redação Publicitária na Faculdade de Publicidade, Propaganda e Turismo e de Linguagem Publicitária na Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Metodista de São Paulo.

Resumo: A eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a Presidência da República em 2002 trocou os papéis de PSDB e PT no cenário político nacional. Os tucanos, que conviveram com uma ferrenha oposição dos petistas por oito anos, começaram a aprender a jogar no outro lado. Com um intervalo de quatro anos, dois episódios de suspeita de corrupção mostram a inversão dos discursos de acusadores e acusados e os seus papéis diversos. O objetivo deste trabalho é verificar, com vistas nos conceitos de difusão e de contrapropaganda da propaganda ideológica, como os principais líderes de ambos os partidos tentaram usar, nos primeiros momentos após os escândalos de Eduardo Jorge, em 2000, e de Waldomiro Diniz, em 2004, suas entrevistas e artigos na Folha de S. Paulo, com a intenção de legitimar suas idéias e defender-se das ações da oposição.

Palavras-chave: propaganda ideológica, imprensa, corrupção.

Acusadores ou acusados? – A troca de papéis entre PSDB e PT nos episódios Eduardo Jorge e Waldomiro Diniz

Kleber Carrilho

“Vejam como é engraçada a vida pública brasileira! Que belo teatro é esse! Mas, às vezes, teatro mambembe, de atores canastrões.”

Deputado Jefferson Perez (PDT-AM), na tribuna da Câmara dos Deputados, em 2 de março de 2004, quando defendeu a instalação da CPI Waldomiro Diniz usando um artigo do atual ministro José Dirceu que, em 2000, defendeu a formação da CPI Eduardo Jorge.

Introdução

A fala do deputado Jefferson Perez, em 2 de março de 2004, foi apenas uma manifestação de eco ao que pensavam já grande parte dos políticos, principalmente da oposição. O Partido dos Trabalhadores, que tanto tinha apoiado Comissões Parlamentares de Inquérito durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, agora usava artimanhas parecidas à dos tucanos para tentar evitar a investigação do possível envolvimento do Ministro da Casa Civil José Dirceu no episódio em que um de seus cooperadores mais diretos, Waldomiro Diniz, fora flagrado, dois anos antes, pedindo “favores financeiros” ao empresário Carlinhos Cachoeira em seu próprio nome e para candidaturas a governador apoiadas pelo PT, além da de Rosinha Matheus, no Rio de Janeiro.

Houve uma comparação, na fala do deputado Jefferson Perez, ao momento em que o governo anterior se viu numa situação parecida. O ex-Secretário Geral da Presidência e coordenador da campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge, tinha sido acusado pela revista IstoÉ de ter trabalhado pelos interesses do juiz do TRT Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, dentro do governo.

Nas duas ocasiões, situação e oposição travaram grandes batalhas para mostrar à população, através de diversos meios, que estavam do lado certo. Tentativas de montar de CPIs, deslegitimar o discurso e os argumentos dos adversários foram muito utilizados pelos dois lados.

Neste trabalho, através da leitura das matérias na Folha de S. Paulo, o jornal de maior circulação no país, tenta-se mostrar como líderes e congressistas tentaram utilizar-se desse meio para difundir suas idéias e contra-atacar as idéias dos adversários.

A Folha de S. Paulo – a influência do jornal de maior circulação no país

A história da Folha de S. Paulo começou a partir da idéia de alguns jornalistas de O Estado de S. Paulo de fundar um novo jornal. Em 1921, esse grupo deu início às atividades da Folha da Noite. Alguns anos mais tarde, nasceu também a Folha da Manhã. Os dois juntos deram forma à Organização Folha da Manhã Ltda. Em 1960, a direção da empresa optou pela fusão dos dois jornais, que deram origem à Folha de S. Paulo. Mais tarde, a empresa passou também a editar a Folha da Tarde e o Notícias Populares, descontinuados há alguns anos e substituídos pelo Agora São Paulo.

A Folha de S. Paulo, desde seu início, teve uma linha político-editorial marcada pela defesa dos interesses da classe média urbana de São Paulo. Mesmo com mudanças na redação do jornal, essa linha fez com que, durante muito tempo, ele fosse visto pelos partidos e movimentos de esquerda como um jornal voltado aos interesses dos grandes grupos econômicos. Mesmo com atuações de grande destaque na luta contra a ditadura, na campanha pelas diretas e no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, para alguns ficou a imagem do jornal que não tomou posição na eleição indireta em que concorreram Paulo Maluf e Tancredo Neves. O próprio Partido dos Trabalhadores, em algumas ocasiões, acusou a Folha de S. Paulo por fazer campanha contra seus candidatos, principalmente quando das candidaturas de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 1989, 1994 e 1998.

Propaganda ideológica – difusão e contrapropaganda

Para definir difusão e contrapropaganda, é importante ressaltar que elas são categorias da propaganda ideológica, cuja função, segundo Queiroz (2000; p. 67),

é a de formar a maior parte das idéias e convicções dos indivíduos, e, com isso, orientar todo o seu comportamento social. O fato pode ser observado historicamente como no caso dos governos militares, quando se apelou para o orgulho patriótico da população (‘Brasil, ame-o ou deixe-o’, 1970) e para o espírito de fé no país, para que a população aguardasse a chegada de dias melhores e suportasse as dificuldades, tomando, como foco, o otimismo e a confiança nos slogans (‘Ninguém segura este país – Médici – e ‘Plante que o João garante’ – Figueiredo).

É importante ainda notar que a propaganda ideológica funciona de maneira diversa da publicidade institucional, pois essas mensagens são veiculadas de maneira indireta, em veículos que tentam passar uma imagem neutra. Por isso, suas principais aparições estão na imprensa.

Ainda sobre os efeitos da propaganda ideológica, Queiroz (2000; p. 70) diz que ela

permite disseminar, de forma persuasiva, para toda a sociedade, as idéias de determinado grupo. Depois de emitidas, através dos diversos meios de comunicação, elas passam a ser retransmitidas, direta ou indiretamente, no seio das diversas instituições sociais.

Nos casos aqui estudados, vê-se a tentativa de utilização principal de duas categorias da propaganda ideológica, a difusão e a contrapropaganda, conceitos presentes em Garcia (1982).

Sobre difusão, pode-se dizer que ela é a codificação da ideologia. Sistematicamente difundida, as mensagens do sistema de controle ideológico são propagadas. Segundo Queiroz (2000; p. 70), “dentre as formas de difusão, utilizadas pela propaganda ideológica, a oral é a mais importante. É a partir da difusão que surge a possibilidade de produzir uma impressão de unanimidade tão persuasiva quanto os próprios argumentos do orador”.

Quanto à contrapropaganda, Domenach (1963; p. 32) a define como “a propaganda de combate às teses do adversário, podendo ser caracterizada por algumas regras secundárias que lhe são inerentes”. Já segundo Queiroz (2000),

ela se caracteriza pelo emprego de algumas técnicas que visam a amenizar o impacto das mensagens opostas, procurando anular o seu efeito persuasivo. Procura sempre colocar as idéias dos adversários em contradição com a realidade dos fatos, explorando outras idéias, defendidas pelo próprio grupo adversário ou, então, com as idéias que estão em desacordo com certos princípios e valores aceitos e arraigados entre os receptores.

Neste trabalho, são procuradas referências nas matérias da Folha de S. Paulo, nos dias que se seguiram à divulgação dos escândalos de Eduardo Jorge, em 2000, e de Waldomiro Diniz, em 2004, às falas dos parlamentares e dos líderes do Partido dos Trabalhadores, do Partido da Social Democracia Brasileira e de seus apoiadores. É feita uma breve apresentação do conteúdo de tais discursos para que se possa localizar aspectos de difusão e contrapropaganda.

Em 2000, IstoÉ acha ligações entre Eduardo Jorge e o juiz Nicolau

Após a descoberta de que o juiz do TRT paulista Nicolau dos Santos Neto, conhecido posteriormente como “Lalau”, desviara quase 170 milhões de reais da construção do novo prédio do tribunal, algumas conexões entre ele e membros do governo foram reveladas.

Segundo a revista IstoÉ, um dos seus principais colaboradores dentro do governo era o Secretário-Geral da Presidência da República Eduardo Jorge, que também foi o coordenador da reeleição de Fernando Henrique Cardoso.

Esse episódio deu origem a uma grande luta política, principalmente no Congresso, na tentativa dos partidos de oposição para a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, o que era considerado desnecessário pelos parlamentares que apoiavam o governo.

Nos jornais, essa briga foi diária. Na Folha de S. Paulo de 18 de julho de 2000, uma matéria reproduz a fala do ministro da Justiça José Gregori:

O ministro definiu como "fofocalhada" o noticiário da semana passada a respeito do envolvimento do ex-secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge, com a obra superfaturada do TRT. "O governo começa a exorcizar a fofocalhada que se gerou na semana passada em cima de um fato grave".

Um dos principais articuladores do governo nesse momento, o senador Antônio Carlos Magalhães também fazia coro para uma investigação restrita, sem a formação da CPI. Em 17 de julho de 2000, uma matéria da Folha trazia o seguinte texto:

A posição de ACM, de propor que Eduardo Jorge só deponha daqui a duas de semanas e que o Congresso analise o caso de forma limitada, é tida como a mais favorável ao Planalto. "Temos de fazer uma investigação pela Comissão de Justiça ou outra comissão. Não necessariamente uma CPI. E o Ministério Público também deve apurar."

O presidente do Senado isentou FHC de possíveis irregularidades envolvendo Eduardo Jorge. "Não se pode confundir agora o senhor Eduardo Jorge com o Palácio do Planalto. Ele já foi do Planalto, mas agora não é. Eduardo Jorge também não pode ser confundido com o presidente só porque eles eram amigos", disse o senador, referindo-se aos 15 anos em que o ex-secretário-geral da Presidência trabalhou com FHC.

Do outro lado, defendendo uma grande investigação, que incluísse inclusive um possível conhecimento do problema pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, estava o Partido dos Trabalhadores e outros da oposição. Nos jornais, sua palavra sempre era a favor da CPI. No dia 31 de agosto de 2000, o então presidente de honra do partido, Luís Inácio Lula da Silva disse num artigo por ele assinado:

É claro que, em termos de ética na política, nunca é tarde para corrigir desvios e buscar um padrão honesto de conduta. O Brasil está há muito precisando disso. Mas, no caso desse governo, penso que a sociedade brasileira tem o dever de exigir uma única condição: aceitam-se até o arrependimento tardio e as promessas para o futuro, mas que não se deixe de investigar a fundo o presente e o passado para identificar os culpados pela roubalheira e acabar com a impunidade. Mãos limpas, sim, mas sem "operação abafa" e com CPI. O governo parece acreditar que já se safou das investigações por causa dos resultados parciais favoráveis que obteve, na subcomissão do Senado, com o esquema montado para o depoimento do ex-secretário-geral da Presidência e caixa de campanha de FHC. Parte da imprensa, subserviente ao poder, fez de tudo para amplificá-los. Mas isso não tem impedido que, a cada dia, surjam fatos novos e novas revelações que desmentem as declarações de Eduardo Jorge e demonstram que ainda há muito a investigar e a descobrir.

Quatro anos depois, a Revista Época mostra Waldomiro Diniz

No dia 13 de fevereiro de 2004, a sexta-feira escolhida pelo Partido dos Trabalhadores para a comemoração dos seus 24 anos, a Revista Época, da Editora Globo, chegou às bancas trazendo como reportagem principal a descoberta de um vídeo de 2002 onde Waldomiro Diniz (Subchefe de Assuntos Parlamentares, ligado à Casa Civil), na época presidente da empresa de loterias do Rio de Janeiro, a Loterj, negociava propinas com o empresário do jogo do bicho, bingos e jogos eletrônicos Carlinhos Cachoeira, além de doações de verbas para as campanhas eleitorais dos candidatos a governador de Rosinha Matheus (PSB-RJ, hoje no PMDB), Geraldo Magella (PT-DF) e Benedita da Silva (PT-RJ).

No dia seguinte, a Folha de S. Paulo já trazia também informações sobre o caso, com a participação de líderes do governo e da oposição. Dentro do próprio PT, o deputado Chico Alencar, do Rio de Janeiro, diz que algumas pessoas já tinham se preocupado quando da indicação de Diniz para o cargo. Porém, sua maior defesa foi ao ministro José Dirceu, dizendo que não havia nenhuma participação ou conhecimento dele no episódio.

[pic]

Na primeira página, um foto do presidente com a mão na boca, o que poderia assinalar dúvida, está ladeado por José Dirceu e José Genoíno, presidente do partido.

Dez matérias, no interior do jornal, apresentam o ocorrido a partir da matéria da Época. Em oito delas, o dono da voz é o PT, inclusive uma na qual José Genoíno relaciona o presidente do PSDB, José Serra, ao caso:

"É importante que o Jutahy [Magalhães, deputado federal do PSDB] esclareça se essa investigação, essa escuta sobre o Waldomiro, que vem de 2002, se isso não estava naquele clima da disputa eleitoral do candidato dele, no caso o José Serra", disse Genoino no Hotel Glória, no Rio, onde o PT comemorou seu 24º aniversário. O presidente do PT disse acreditar que as denúncias contra Waldomiro, exonerado do cargo de subchefe de Assuntos Parlamentares, não abalaram a sigla nem o ministro José Dirceu. "Waldomiro não é filiado ao PT, e o governo já tomou as providências legais de exoneração dele. Dirceu não tem nada a ver com isso".

Por outro lado, o jornal também traz a palavra de José Serra, em que ele diz que o PT não deve procurar um bode expiatório, mas sim investigar ao máximo as acusações. Segundo o ex-candidato à Presidência, o PSDB não tinha nenhum conhecimento sobre o caso.

Ainda sobre o PSDB, há numa outra matéria a palavra do senador Antero Paes de Barros, do Mato Grosso, em que ele pede a demissão do ministro da Casa Civil José Dirceu:

"Há necessidade, por razões de Estado, de que o José Dirceu seja demitido. Não posso dizer que ele está envolvido, mas perdeu a autoridade para ficar. (...) O cidadão [Waldomiro] era seu braço direito, morou com ele. Ou o presidente toma essa decisão, respeitando sua extraordinária biografia, ou essa biografia vai para o lixo."

Considerações finais

Nota-se, a partir do conteúdo do jornal Folha de S. Paulo nos dias posteriores à divulgação dos dois escândalos, em 2000 e em 2004, que os líderes e os parlamentares do Partido dos Trabalhadores e do Partido da Social Democracia Brasileira, trabalharam tenazmente na tentativa de difundir suas idéias, de maneira inversa. Enquanto a defesa de uma grande investigação pertencia ao PT em 2000, essa atitude foi acampada pelo PSDB e seus aliados em 2004. Ao mesmo tempo, a tentativa de mostrar os episódios apenas como meros acidentes, que poderiam ser investigados pela polícia, sem a necessidade de maior envolvimento político, foi a defesa do PSDB, quando era governo, em 2000, e do PT, em 2004.

É importante frisar que, para essa tentativa, os líderes e parlamentares dos partidos vêem na imprensa o melhor palanque para defender suas idéias. Em vez de apenas dizer entre seus pares ou nas tribunas do Congresso Nacional, talvez mais importante seja utilizar jornais, revistas, rádio e televisão como locais para difundir suas idéias e contrariar as dos adversários.

A utilização da difusão e da contrapropaganda é clara, sempre com discursos que relacionam os adversários ao problema, como foi o caso em que o presidente do PT, José Genoíno, vincula o presidente do partido da oposição, José Serra, ao vazamento das informações contra seu governo, ou que respondam às idéias dos opositores, deslegitimando seus discursos e tentando fazer a população acreditar que os outros estão errados.

Bibliografia

DOMENACH, Jean-Marie. A propaganda política. São Paulo : Difel, 1963.

FOLHA DE S. PAULO. Edições de 13 a 19 de julho de 2000 e de 14 a 20 de fevereiro de 2004, em .br

GARCIA, Nélson Jahr. O que é propaganda ideológica. São Paulo : Brasiliente, 1982.

MARQUES DE MELLO, José. Gêneros jornalísticos na Folha de S. Paulo. São Paulo : FTD-ECA/USP, 1987.

QUEIROZ, Adolpho et alli. Pittagate, uma leitura de propaganda ideológica na Folha de S. Paulo. Coleção Comunicação nº 14, Edipucrs, 2000.

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download