Contribuições para a história de Moçambique



Contribuições para a história de Moçambique

in Revista Tempo 912, 03 Abril 1988

Quando as “deserções” da Renamo já eram notícia… (2.ª e última parte*)

Maputo (Canal de Moçambique) – Ontem o «Canal» publicou a primeira parte de uma conferência de imprensa de que a revista «Tempo» fez capa e publicou uma peça da autoria de Júlio Macaringue na sua edição 912, de 03 de Abril de 1988, com slides de Kok Nam. Paulo Oliveira foi a vedeta. Vive agora de novo em Lisboa e consta desde meados deste ano nos escaparates de algumas bibliotecas com a sua obra recém publicada, designada «Renamo: uma descida ao coração das trevas». Nesse seu livro Paulo Oliveira assume-se como agente do «SNASP - Serviço Nacional de Segurança Popular», serviços de segurança do Estado do regime de partido único que levou ao desencadeamento da sangrenta e fratricida guerra civil a que o bom senso pôs termo a 04 de Outubro de 1992, em Roma, capital italiana. Termina com esta segunda e última parte extraída da «Tempo» a recordação de um episódio de um passado não muito longínquo em que as chamadas deserções partidárias já eram notícia, quiçá como hoje estão a voltar a ser.

Bandidos armados

Paulo Oliveira confessa-se e acusa

por Júlio Macaringue, in Revista «Tempo», 1988

PORTUGAL: JORNAIS E JORNALISTAS DE MÃOS COM BANDIDOS

P —Tem conhecimento de jornalistas Portugueses que tem ligações com os bandidos armados e quais são os seus contactos na Africa do Sul? — Bem, há um jornalista, Ricardo de Melo. Ele trabalhou na Rádio em Lisboa, e é bastante ligado ao Evo Fernandes. Tem presentemente uma revista em Lisboa a «Africa Post» e há fortes indicações de que os fundos para a abertura da revista foram dados pelo próprio Evo Fernandes. Esse financiamento seria a volta de 800 contos. Esse será um dos jornalistas mais ligados com os bandidos armados. O Alexander Sloop da agenda americana UP1 foi um dos primeiros jornalistas estrangeiros a visitar zonas dos bandos armados, isto em Agosto de 1983. Ele entrou também através da Africa do Sul.

P — Você tem provas de envolvimento de cidadãos de outros países da África Austral que estão a ser treinados e também quais são os laços que houve no meio da morte de Orlando Cristina nessa «farm»?

R — Não tenho quaisquer evidências de outros elementos envolvidos em acções militares, elementos desses países. Quanto a morte de Orlando Cristina creio que foi provocada precisamente pelos serviços militares sul-africanos numa altura em que Orlando Cristina já não servia bem os propósitos da inteligência militar sul-africana. Houve depois preocupação por parte dos sul-africanos em garantir que fosse o Evo Fernandes o «secretário-geral». Na altura, como disse, estava em Pretória esse elemento das Forças Armadas Portuguesas, o coronel Fernando Ramos. O Fernando Ramos levou o piloto João Quental, e um outro elemento português de Joanesburgo, Antero Machado. Estava-se a tentar por o Antero Machado como Secretário-Geral, como substituto de Orlando Cristina. No entanto os serviços militares sul--africanos decidiram pelo Evo Fernandes.

P — Na semana passada chegaram aqui a Maputo através de caixas postais, panfletos da Renamo vindos de Lisboa. Esses panfletos tinham uma linguagem um pouco diferente. Chamam a actual Renamo de criminosa. Quem terá feito esses panfletos? Outra pergunta é se você acha que há outros quadros da Renamo do seu nível que se querem entregar as autoridades moçambicanas?

R — Bem já há cerca de um mes atrás recebi um documento idêntico. O documento foi distribuído por várias agências de notícias. Agora, não tenho a certeza se esse documento vira de elementos ligados a grupos armados em Lisboa ou se vira de qualquer outra organização. Em relação a segunda questão ainda há pouco tempo antes de vir, via-se que vários elementos não só de Lisboa como de outras capitais poderiam ter uma perspectiva de regresso a Maputo, desligando-se completamente do grupo armado. Isso deve-se a um mal-estar que se tem criado entre as diversas facções e também devido ao monopólio sul-africano sobre o grupo armado.

P — Há alguma ligação entre a Renamo e a UNITA? Pode falar de outras relações da Renamo com o exterior?

R — Bem, outras relações de que tive conhecimento nos últimos tempos, foram a tentativa de aproximação à presidência, e governo francês. Esteve há bocado em zonas controladas por grupos armados um jornalista francês do jornal «Le Figaro» que é de direita. O chefe dos grupos armados. Afonso Dhlakama decidiu que este jornalista poderia fazer a ponte com Jackes Bocage que é o assistente do Primeiro-Ministro Francês, e também com o assistente para os Assuntos Africanos da presidência francesa. Na altura da minha vinda para Maputo já não tinha qualquer informação sobre como é que o governo e a presidência franceses reagiram a essa mensagem.

Em relação a questão da abertura do Governo moçambicano, penso que há alguns que estão dispostos a voltar.

Realmente há muitos diferendos entre a Renamo e a UNITA e nunca foi permitido qualquer contacto oficial em Lisboa entre os dois grupos.

P — Você tem qualquer prova evidente do envolvimento sul-africano na sabotagem das linhas de transmissão de energia de Cahora Bassa?

R — Bem, mesmo em 1983 vi nos escritórios sul-africanos qualquer coisa relacionada com a sabotagem das linhas de Cahora Bassa. Eu creio que houve coordenação entre os militares sul-africanos e o grupo armado Renamo, sempre que era necessário destruir mais algum poste das linhas de Cahora Bassa. Portanto a questão é que se os sul-africanos quiserem que Cahora Bassa funcione, Cahora Bassa passara a funcionar. Mas se acharem que não, será muito difícil.

NOTAS (da primeira parte e desta):

(1) «Voz da Africa Livre» — Emissora criada pela Rodésia de lan Smith para difundir propaganda contra a Frelimo e o Governo de Moçambique. Emitia a partir de Gwelo. Aquando da independência do Zimbabwe, a emissora foi transportada para a Africa do Sul de onde passou a emitir. Foi silenciada aquando da assinatura do Acordo de Nkomati.

(2) Na verdade trata-se do «Zanza House» e não «Zanza Building»

(3) Orlando Cristina foi secretário, guarda-costas e braço direito de Jorge Jardim. Agente da PIDE e fundador das forças Paramilitares conhecidas por Flechas, exército privado de Jorge Jardim, que actuou em Sofala e Manica principalmente. Depois da independência do Zimbabwe, Orlando Cristina juntou-se aos sul-africanos tendo sido o «1º secretario-geral» dos bandidos armados. Foi assassinado pelos sul-africanos por já não servir aos seus interesses.

(4) É personagem largamente referenciada nos documentos da Gorongosa. É o cérebro dos bandidos armados. Aquando da tomada da «Casa Banana» era coronel. Foi portanto, promovido.

(5) "Numero Três». Entenda-se o terceiro na hierarquia.

(6) Pouco antes da conferência de Paulo Oliveira em Maputo, no passado dia 23 de Março, os bandidos sediados em Washington tornaram publica uma declaração em que acusavam a representação de Lisboa de não ser «nacionalista»...

(7) As eliminações físicas são triviais mesmo entre a casta dirigente dos bandidos armados. Foi: assim que com o Orlando Cristina, e, segundo revelações de Paulo Oliveira, o mesmo sucedeu aos irmãos Bomba. O Bomba piloto foi eliminado no interior de Moçambique.”

(Fim. A 1.ª parte desta transcrição da «Tempo» n.º 912 de 03 de Abril de 1988 foi publicada no «Canal» n.º 157)

CANAL DE MOÇAMBIQUE – 20.09.2006

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