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UNIVERSIDADE EST?CIO DE S?OSMAR SHINEIDR SOARES DE OLIVEIRAO DESENHO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE GARANTIAS DA INF?NCIA E JUVENTUDE E SUA ASSIMILA??O SOCIAL: ESTUDO DE CASO DO DISQUE 100 NO MUNIC?PIO DO RIO DE JANEIRORio de Janeiro 2016OSMAR SHINEIDR SOARES DE OLIVEIRAO DESENHO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE GARANTIAS DA INF?NCIA E JUVENTUDE E SUA ASSIMILA??O SOCIAL: ESTUDO DE CASO DO DISQUE 100 NO MUNIC?PIO DO RIO DE JANEIRODisserta??o apresentada, como requisito parcial para obten??o do título de Mestre em Direito, ao Programa de Pós-Gradua??o em Direito da Uni- versidade Estácio e Sá.Linha de Pesquisa: Direitos Fundamentais e No- vos DireitosOrientadora: Professora Doutora Vanice Regina Lirio do ValleRIO DE JANEIRO 2016iiiivAGRADECIMENTOSAgrade?o em primeiro lugar todo o apoio oferecido por minha m?e, Elisabete Shineidr, e a torcida de meu pai, Osmar Soares de Oliveira.? enorme confian?a, apoio constante e inspira??o da Dra. Rosana Cipriano: que seu trabalho no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro continue sendo um exem- plo a ser seguido!Agrade?o, com todo cora??o, a orienta??o constante da Professora Dra. Vanice Lírio Regina do Valle – sei que jamais conseguirei agradecer suficientemente estes dois anos de apoio e ensino constantes. Somente posso dizer que um dia quero ter a horna de homenagea-la sendo um professor t?o bom quanto a professora que tive e sempre terei em você.?s valiosas contribui??es da Professora Dra Edna Raquel Rodrigues Santos Hoge- mann durante a qualifica??o deste presente trabalho, também meus maiores agrade- cimentos.Agrade?o também a Profa. Dra. Maria Aglaé Tedesco Vilardo, por sua gentileza ao aceitar participar da banca, será uma honra poder receber suas contribui??es para o enriquecimento deste trabalho.Aos membros do grupo de pesquisas “Novas Perspectivas em Jurisdi??o Constituci- onal”, por toda torcida, aprendizado, por me fazer sentir em casa desde o primeiro dia.Aos professores e professoras do Programa de Pós-Gradua??o em Direito da UNESA, com a certeza de que cada aula que tive sem dúvida contribuiu para este trabalho.Aos funcionários da Secretaria do Programa de Pós-Gradua??o em Direito da UNESA, pela paciência, por ouvir minhas dúvidas constantes, por tranquilizar minha mente em momentos de incerteza.Esta disserta??o só existe por vocês existirem, novamente, o meu muito obrigado!“Where the wave of moonlight glosses The dim gray sands with light, Far off by furthest RossesWe foot it all the night, Weaving olden dancesMingling hands and mingling glances Till the moon has taken flight;To and fro we leap And chase the frothy bubbles, While the world is full of troubles And anxious in its e away, O human child! To the waters and the wild With a faery, hand in hand,For the world's more full of weeping than you can understand.”The Stolen Child – W. B. YeatsRESUMOO presente trabalho busca investigar se o desenho institucional org?nico da rede de prote??o a inf?ncia e juventude, tal como proposto na Constitui??o Federal de 1988, foi trazido para a realidade, assim percebendo indícios do conhecimento da coletivi- dade que deveria integrá-lo. Parte-se da percep??o da constru??o com origens múlti- plas, envolvendo demandas externas e internas que trouxeram para o texto da Cons- titui??o Federal de 1988 e do Estatuto da Crian?a e do Adolescente (Lei n?. 8.069/90) o reconhecimento dos direitos sociais para crian?as e adolescentes. Tal conjunto de direitos recebem um novo desenho institucional, chamado “rede de prote??o integral”, que exige um diálogo constante entre diversos atores, com foco especial no Poder Executivo, mas reclamando o relevante envolvimento da sociedade. A partir de ugma pesquisa bibliográfica, procura o autor estabelecer o aporte teórico para o sistema de arantias estatuído pelo referido quadro normativo. Numa abordagem empírica, o modo de funcionamento dessa mesma rede em área especifica do Município do Rio de Ja- neiro se tem avaliado através de sujeitos presentes nas denúncias do “Disque 100”Palavras-chave: Conselho Tutelar; Constitui??o Federal; Direitos da Crian?a e Ado- lescente; Disque 100; SociedadeABSTRACTThe research tries to investigate the institutional design regarding children and teen- agers which was first shown on the Federal Constitution of 1988, and it tries to bring up if society, who should integrate that same protective networkit, is indeed inserted in it. The departure point is the theorical recognition of a political construction of multiple origins, relating itself within a series of demands, both internal and external, which brought to the Constituional text of 1988 and the Statue of Children and Teenagers (Lei n?. 8.069/90) which extends to children and teenagers a normative protection of social rights. The enforcement of that protective network is brought by a new institu- tional design aimed to achieve “integral protection”, where a constant dialog is required between many actors, with a special focus on the Executive branch. From bibliograph- ical resarch, the author tries to stabilsh the teorical support for a system of guarantees with special focus on the Municipality experience, while the empirical research expects to diagnose the demands from children and teenagers based on the results of viola- tions of rights of a series ofs subjects living on the Municipality of Rio de Janeiro.Keywords: Children and Teenager?s Rights; Child Protective Services; Disk 100; So- ciety;LISTA DE GR?FICOSGráfico 1 - Presen?a do tema “direitos das crian?as” nas 52 edi??es do “Jornal da Constituinte”Gráfico 2 - Número de Sujeitos e Número de Denúncias Gráfico 3 - Número de crian?as por famíliaGráfico 4 – Distribui??o de faixa-etária entre os sujeitos Gráfico 5 – Distribui??o por sexoGráfico 6 – Distribui??o de denúncias a partir da ra?a das vítimas. Gráfico 7 – Sujeitos e condi??es presentes de frequência escolar. Gráfico 8 - Viola??es aos direitos da inf?ncia e juventudeGráfico 9 - Viola??es referentes ao núcleo 1 Gráfico 10 - Viola??es referentes ao núcleo 2Gráfico 11 - Dispers?o por regi?es dos sujeitos do survey Gráfico 12 – Responsabiliza??o individual dos sujeitosGráfico 13 – Interferência do Poder Público em crian?as com mau comportamento. Gráfico 14 - Vis?o dos sujeitos a respeito do Conselho Tutelar e crian?as e adoles- centes com maior poder aquisitivoGráfico 15 - Utiliza??o do Conselho Tutelar pelos sujeitos amostraisGráfico 16 - Nível de satisfa??o dos sujeitos amostrais em rela??o ao atendimento do Conselho TutelarGráfico 17 - Conhecimento dos sujeitos amostrais a respeito das propostas do Poder Executivo Municipal para promo??o dos direitos da inf?ncia e juventudeLISTA DE QUADROSQuadro 1 – Linha do tempo de leis 1940-1987Quadro 2- Diferen?as entre os modelos conforme esquematizado por Brancher (2000, p. 121)Quadro 3 - Estrutura básica do sistema de prote??o à inf?ncia e juventude Quadro 4- Fluxo Operacional de crian?a ou adolescente em situa??o de violência psicológica (adaptado ABMP, 2010, p. 5)Quadro 5 - Fluxo Operacional de crian?a ou adolescente em situa??o de violência psicológica no ?mbito intrafamiliar (adaptado ABMP, 2010, p. 14)Quadro 6 – Fluxo Operacional de crian?a ou adolescente em situa??o de violência psicológica no ?mbito intrafamiliarQuadro 7 - Abuso sexual contra a crian?a ou adolescente (Adaptado, ABMP, 2010, p. 18)Quadro 8- Reavalia??o prévia das a??es para preven??o dos vínculos familiares e comunitários antes da decis?o de afastamentoQuadro 9 - Reavalia??o prévia das a??es para preven??o dos vínculos familiares e comunitários antes da decis?o de afastamentoQuadro 10 – Responsabiliza??o dos pais ou responsáveis pelo CT Quadro 11 – Descri??o dos BairrosQuadro 12 – Agress?es catalogadasQuadro 13 – Distribui??o de sujeitos por bairros (núcleo 1) Quadro 14 – Distribui??o de sujeitos por bairros (núcleo 2)Quadro 15 – Tabela comparativa entre Núcleo 1 (Coelho Neto) e Núcleo 2 (Barra da Tijuca)Quadro 16 – Distribui??o por idade Quadro 17 – Faixa-etária e leitura ECAQuadro 18 – Percentual de reconhecimento de órg?o do sistema de garantiasLISTA DE ABREVIATURASABMP - Associa??o Brasileira de Magistrados, Promotores de Justi?a e Defensores Públicos da Inf?ncia e da JuventudeABRAPIA - Associa??o Brasileira Multidisciplinar de Prote??o à Crian?a e ao Adoles- centeCC – Código CivilCONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Crian?a e do Adolescente CREAS - Centros de Referência Especializado de Assistência Social CRFB – Constitui??o da República Federativa do BrasilECA – Estatuto da Crian?a e do Adolescente EMBRATUR - Instituto Brasileiro de TurismoFCBIA – Funda??o Centro Brasileiro para a Inf?ncia e Adolescência FEBEM – Funda??o para o Bem-Estar do MenorFUNABEM – Funda??o Nacional de Bem-Estar do Menor IPEA – Instituto de Pesquisa Econ?mica AplicadaLOAS – Lei Org?nica da Assistência Social ONU – Organiza??o das Na??es UnidasPNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor SAM – Servi?o de Assistência ao MenorSDH – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SIPIA – Sistema de Informa??o para a Inf?ncia e AdolescenciaSumárioINTRODU??O1O PERCURSO DE CONSTITUCIONALIZA??O DE UM SISTEMA DE PROTE??O A VULNER?VEL6A LEGISLA??O DE 1940-1980 COM FOCO NA ASSIST?NCIA ?INF?NCIA E JUVENTUDE8UM OLHAR DO BRASIL NA D?CADA DE 1970: AS SEMENTES DA CIDADANIA NA ESTRUTURA??O DE UM “NOVO BRASIL” ESUAS RELA??ES COM A INF?NCIA E JUVENTUDE16OS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE NO BRASIL DOS ANOS1980 E A SUA SEMENTE CONSTITUCIONAL21A CONVEN??O INTERNACIONAL DOS DIREITOS DAS CRIAN?ASDA ORGANIZA??O DAS NA??ES UNIDAS23O PROTAGONISMO POPULAR NOS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE NA CONSTRU??O DA CARTA MAGNA DE 198826A CONSTRU??O DE UM SISTEMA DE PROTE??O INTEGRAL ?INF?NCIA E JUVENTUDE34A “REDE” E SEU ASPECTO INSTITUCIONAL39QUANDO O MACRO DIALOGA COM O MICRO: O PAPEL DO “DISQUE HYPERLINK \l "_bookmark9" 100” NA SUA RELA??O COM A REDE DE PROTE??O463.2.1 UMA BREVE AN?LISE DOS FLUXOS OPERACIONAIS DAS COMUNICA??ES DIRECIONADAS AO “DISQUE 100”493.3 A FAM?LIA NO FLUXO OPERACIONAL: CONVIV?NCIA FAMILIAR EAS RESPOSTAS INSTITUCIONAIS DO CONSELHO TUTELAR53AN?LISE EMP?RICA DE FUNCIONAMENTO E PERCEP??OSUBJETIVA DA REDE DE PROTE??O62AMOSTRA E METODOLOGIA DA PESQUISA63A DEFINI??O DA AMOSTRA63MORFOLOGIA DOS SUJEITOS INTEGRANTES DA AMOSTRA69SEXO E IDADE73MATR?CULA79AS VIOLA??ES AOS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE:AN?LISE SETORIAL DE DEMANDAS804.2 SURVEY PARA DETERMINAR A PERCEPA??O SOCIAL EMRELA??O AOS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE85DEFICITS DE EFETIVIDADE DA REDE DE PROTE??O INTEGRAL99A FAM?LIA COMO COMPONENTE DA REDE DE PROTE??OINTEGRAL102A SOCIEDADE COMO COMPONENTE DA REDE DE PROTE??OINTEGRAL109A CULTURA SOCIAL COMO ELEMENTO DE BLOQUEIO DAPROPOSTA DA REDE DE PROTE??O SOCIAL112CONCLUS?O117REFER?NCIAS121ANEXO A136ANEXO B1371INTRODU??OAs constru??es legislativas envolvendo a inf?ncia e juventude sofreram pro- fundas transforma??es a partir da reestrutura??o jurídico-social que se engendrou nos anos 1980. Diferentemente do que se passou em outras searas, em uma série de outros direitos, este cambio exigiu uma readequa??o daqueles que atuam na área jurídica e toda a sociedade. O ponto nevrálgico dessa adapta??o, é possível dizer, repousa na ressignifica??o de termos e conceitos que surgem de uma nova concep- ??o principiológica que transformará o antigo “menor” em “crian?a ou adolescente”.N?o se pode tratar do tema sem um breve percurso histórico, que aponte os principais motivos sociais e jurídicos de direito nacional e internacional, que puderam assim trazer uma ruptura paradigmática.A análise da transi??o entre um direito da inf?ncia e juventude estabelecido em código e leis esparsas, para um modelo constitucionalizado, que se operou em diversos níveis, tais como a própria mudan?a da vis?o e cultura relativas ao que sig- nificaria ser crian?a e adolescente, reflexo de demandas populares. Essa mesma transforma??o também pode ser observada no norteamento legislativo que refletirá na atua??o da Administra??o Pública na condu??o de suas diversas institui??es tais como os centros de acolhimento e estruturas socioeducativas criadas nas primeiras seis décadas do século passado.Faz-se necessário, desde a introdu??o deste trabalho, estabelecer que o con- junto legislativo que antes parecia estabelecer uma resposta paliativa, focada nos pro- blemas sociais já expostos, raras vezes apresentava resultados satisfatórios para as quest?es da inf?ncia e juventude.O primeiro conceito norteador de todas as mudan?as legais e institucionais que vieram, foi o de que as crian?as e adolescentes seriam sujeitos de direito, e por isso n?o poderiam mais ser observados sob o manto da passividade, que muitas ve- zes engessava oportunidades de solu??es alternativas de conflitos, que dependeriam de maior autonomia da crian?a, do adolescente e da família em que estavam inseridas. A passagem de uma cultura de exclus?o para uma cultura de inclus?o e empodera- mento, como aponta Méndez (1998, p. 12-20), representa a saída de uma estrutura que n?o conseguiu proteger os mais vulneráveis sem reconhecer, antes, sua plena2condi??o como indivíduos detentores de voz a respeito de seus direitos e necessida- des.Assim, a transi??o de um direito menorista (1927-1988) para um direito em estatuto é marcada pelo reconhecimento de que na inf?ncia e adolescência se encon- tram indivíduos em condi??o especial de desenvolvimento, onde o foco n?o é somente no aspecto repressor, o que limita o conjunto de políticas públicas apenas às crian?as e adolescentes consideradas excluídas da normalidade (como no??es de pureza, ino- cência, obediência), e sim na garantia de um pleno desenvolvimento de todas as cri- an?as e adolescentes – impedindo viola??es e reconhecendo a import?ncia de uma série de direitos socais tais como lazer e educa??o.Neste contexto, é preciso compreender que boa parte da primeira década após a promulga??o da Carta Cidad? tinha como principais características uma exi- gência de constru??o de uma cultura democrática, especialmente focada em sua di- mens?o representativa, e pela estabiliza??o econ?mica, “circunst?ncia que postergou pelo menos para a segunda metade de década de 90 os problemas teóricos de ope- ra??o da constitui??o que se cunhara” (VALLE, 2012, p. 3).No ?mbito da inf?ncia e juventude, tal observa??o também carrega pertinência, se por um lado verifica-se uma produ??o legislativa intensa para regulamentar esta nova orienta??o constitucional, em especial o Estatuto da Crian?a e Adolescente de 1990 e as diversas leis que viriam a estruturar os conselhos de direitos. Por outro lado, ainda encontramos resquícios da cultura pré-1988 tanto na realidade das institui??es que tratam de crian?as e adolescentes, quanto na compreens?o da sociedade a res- peito do que s?o os direitos da inf?ncia e juventude.Assim, partindo das modifica??es dos direitos da inf?ncia e juventude, que apresentam um forte conteúdo principiológico, o tema desenvolvido na presente dis- serta??o apresenta como recorte a rela??o entre os diversos atores que comp?e o desenho institucional e a sua percep??o acerca das possibilidades nele contidas. Por- tanto, recorreu-se a uma pesquisa bibliográfica, mas também oportunizando instru- mentos de percep??o da realidade como se coloca, justificando as abordagens empí- ricas presentes no desenvolvimento do trabalho.3O objeto da presente pesquisa compreende o desenho institucional que se estabelece a partir da Constitui??o Federal de 1988 no tema da inf?ncia e adolescên- cia, evidenciando a relev?ncia do papel da sociedade como integrante e impulsiona- dora dessa mesma rede de prote??o. A hipótese, de que essa integra??o n?o tenha ainda reverberado de maneira adequada no imaginário social, se vê testada pelo seg- mento empírico do trabalho, a partir da análise de ocorrências registradas no sistema Disque 100. Plena a pertinência para com a linha de pesquisa no qual se subscreve, ou seja, “Direitos Fundamentais e Novos Direitos”, considerado exatamente o foco na implementa??o em concreto dessa mesma moldura normativa.O problema que se coloca é que a constata??o que os trabalhos na área dos direitos da inf?ncia e juventude se preocupam com a justifica??o principiológica pre- sente na Constitui??o Federal de 1988 e o novo paradigma instaurado, porém focam apenas nas expectativas em rela??o ao Estado e a família. Disto decorre uma larga produ??o acadêmica que privilegia apenas dois atores, onde há uma maior predomi- n?ncia da cobran?a dos entes públicos com uma tendência a posicionar a família como simples vítima de uma série de ineficiências da qual ela n?o faz parte. A ausên- cia da sociedade como um elemento importante do desenho das promo??o e prote??o de crian?as e adolescentes representa uma grande lacuna nesta área de pesquisa.Portanto, o presente tema se justifica em sua tentativa de explorar um aspecto pouco estudado – a assimila??o do terceiro ator, a sociedade – junto do Estado e da família, buscando elementos bibliográficos e empíricos e mantendo um constante di- álogo com o que foi produzido no Brasil e no exterior, para que se possa, assim, com- preender n?o apenas a vis?o do sistema de garantias, mas aqueles que comp?e a sua engrenagem. Pretende-se, assim, uma pequena contribui??o para os futuros tra- balhos na área da inf?ncia e juventude, posto que o presente trabalho n?o se coloca como solu??o aos problemas que porventura forem apresentados, mas conclama à própria sociedade, fora dos muros da acadêmia, a realizar uma autocrítica possibilita- dora de mudan?as.N?o se pode tratar da inf?ncia e juventude sem um aporte multidisciplinar, o que exigiu a inclus?o da vis?o de outras áreas do conhecimento como história da inf?ncia e juventude; assistência social e psicologia.4As principais quest?es norteadoras se baseavam em descobrir se há, de fato, neste desenho institucional da rede de prote??o dos direitos da inf?ncia e juventude, elementos que foram aproveitados do modelo passado e como eles est?o sendo tra- balhados sob o novo modelo, assim como entender o papel do Estado e da família nas garantias dos direitos da inf?ncia e juventude.A metodologia utilizada para atingir tal fim se pautou em pesquisa bibliográfica teórica com o aporte da pesquisa empírica de sujeitos envolvidos em denúncias envi- adas ao programa Disque 100 em determinada área do Município do Rio de Janeiro. Essa parcela empírica do esfor?o se desenvolve no modelo descritivo, com a utiliza- ??o de uma abordagem quantitativa, ou seja, procurando descrever as características de uma determinada popula??o com uma interpreta??o inferencial.Na análise dos dados buscou-se o método estatístico para obter informa??es descritivas sobre as frequências das denúncias, tipos de viola??es, idade, ra?a, sexo e bairros envolvidos.N?o se tenciona encontrar solu??es para os problemas encontrados no sis- tema, mas promover uma reflex?o inicial acerca do desenho de forma a aprofundar o trabalho em futura tese de doutorado.Assim, formulada a Introdu??o, o trabalho prossegue no Capítulo 2 com a descri??o do processo segundo a inf?ncia e juventude foi assumindo espa?o histori- camente, até a análise das características congruentes da produ??o legislativa entre 1940 e 1980.Este percurso histórico permite o desenvolvimento de um background explicativo para a normatividade que se tem inaugurada com e a partir da Constitui??o de 1988.Na sequência, o Capítulo 3 dedica-se à explicita??o do desenho institucional para o desenvolvimento futuro e a implementa??o dos compromissos axiológicos for- muladora pela Carta de 1988 em rela??o a inf?ncia e a juventude. A abordagem des- critiva evidencia uma vis?o acerca de como se deveriam travar as rela??es entre os múltiplos atores chamados a transpor para a realidade, o projeto de transforma??o social traduzido no Texto Fundamental.O Capítulo 4 traduz a dimens?o empírica da pesquisa, apresentando, em sua primeira parte, as demandas enviadas ao Disque 100 envolvendo o recorte de vinte e5um bairros do Município do Rio de Janeiro sob competência territorial de dois Conse- lhos Tutelares, respectivamente Barra da Tijuca e Coelho Neto. Os dados compreen- dem uma amostra de 1.272 sujeitos, vítimas de alguma viola??o aos seus direitos, assim estabelecendo suas caraterísticas. Na segunda parte do capítulo empírico, se apresenta um questionário (método survey) de caráter qualitativo, com a participa??o de duzentos e cinco sujeitos, com o objetivo de identificar a assimila??o da popula??o a respeito dos diversos órg?os que comp?e o sistema de garantias e prote??o à in- f?ncia e juventude. As duas abordagens empíricas proporcionam uma perspectiva quantitativa e qualitativa do reconhecimento pela popula??o, das possibilidades de resposta institucional da rede de prote??o.O Capítulo 5 foca seus esfor?os na caracteriza??o da delicada rela??o entre sociedade e o desenho institucional que se criou a partir da Constitui??o Federal de 1988, em um primeiro momento situando as quest?es que a doutrina apresenta para a constru??o dos direitos, para em seguida discutir a cultura que se instituiu a partir dos elementos teóricos e empíricos apontados nos capítulos anteriores.Por fim, nos anexos apresentam-se os elementos necessários para maior as- simila??o da pesquisa empírica, com o Anexo A apresentando um formulário para descri??o de denúncias do Disque 100 e o Anexo B com o questionário que foi reali- zado para a segunda etapa da pesquisa empírica.6O PERCURSO DE CONSTITUCIONALIZA??O DE UM SISTEMA DE PROTE??O A VULNER?VELEntender a constru??o dos direitos da inf?ncia e juventude no Brasil passa por estabelecer, mesmo que brevemente, como eram instrumentalizadas as quest?es deste grupo específico na esfera pública. A própria constru??o histórica da figura da crian?a apresenta diversos desafios que s?o necessariamente transpostos para a re- la??o do Estado com esse mesmo segmento social.Os estudos iniciados por Airès (1975) indicam que a representa??o da inf?ncia durante boa parte da história era inexpressiva no contexto social e cultural europeu, indicando uma ausência de um sentimento da inf?ncia, fruto de quest?es práticas como os altos índices de mortalidade infantil.Contextualizando as peculiaridades brasileiras, Del Priore (2008, p. 95) aponta um estranhamento de europeus com a participa??o das crian?as na vida social das famílias, demonstrando carinhos públicos e até mesmo um mal estar do genitor quando pessoas estranhas ao núcleo familiar tentavam corrigir peraltices de seus fi- lhos.Esta rela??o específica que desenvolvemos no Brasil, onde há uma aproxima- ??o pessoal mais explicita em rela??o à inf?ncia, também encontra paradoxos que se manifestam na ordem jurídica estabelecida no período pretérito, como uma busca de interferência mínima do Estado nas rela??es familiares de classes mais abastadas, enquanto interferia profundamente na vida das famílias mais pobres.Tal afirma??o surge da análise dos fatores históricos1 e dos textos jurídicos an- teriores ao recorte que faremos no presente capítulo e que apontam um forte conteúdo de caráter patrimonialista e patriarcal na parte destinada à família no Código Civil de 1916 (Lei n? 3.071/16)2, estabelecendo um amplo poder ao pai, que recaia sem maio- res restri??es, sob seus filhos e a esposa, assim como o Código de Menores (Decreto 17.943/27).1 Como por exemplo as Ordena??es do Reino e os conceitos de inf?ncia que eram compartilhados por diversas sociedades ocidentais – recomenda-se a leitura das obras do historiador francês Phi- lippe Ariès (1914-1984) e da historiadora brasileira Mary Del Priori (1952-presente), fontes inesgo- táveis de informa??es que consubstanciam um maior aprofundamento no papel que as crian?as e adolescentes tinham e ainda possuem.2 ? possível elencar uma série de artigos do antigo código que confirmem esta interpreta??o, já sedimentada no conjunto doutrinário do direito de família, como o artigo 233 que estabelece o7Em especial a codifica??o da inf?ncia de 1927, a primeira deste tipo no país, declarava uma atua??o especifica junto aos menores considerados em situa??o pre- cária3, o que indicava a interferência do Estado somente no combate aos “males” da pobreza que afetavam a inf?ncia e juventude, e que terá como marco o ano de 1941, com a institui??o do Servi?o de Assistência ao Menor (SAM)4. Tem-se aqui uma ex- pressiva segmenta??o, onde a forma e conteúdo das rela??es familiares eram do do- mínio do privado, e o Estado só era chamado a intervir em rela??o aos núcelos fami- liares marcados por uma vulnerabilidade o advento da Constitui??o Federal de 1934, criou-se uma ponte entre Igreja e Estado em um foco que foi considerado como propulsor de um princípio de coopera??o (IAMAMOTO; Carvalho 2014 p.194), onde os sindicatos e os operários (em sua grande maioria católicos) constroem um sistema social que ultrapassa a vida empregatícia do trabalhador, envolvendo obras sociais de maior alcance como a cons- tru??o de habita??es populares e maior efetividade dos servi?os sociais.Se por um lado temos a Igreja fomentando uma maior seriedade da prática social, outro propulsor desta movimenta??o é o Juízo de Menores, que, subsidiado pelo Ministério da Justi?a, busca profissionais especializados para lidar com a assis- tência ao menor. Iamamoto e Carvalho (2014 p.196-198) apontam uma série de even- tos que v?o construir a estabiliza??o da assistência social como uma prática profissi- onal mais organizada, com especial destaque para os anos 1940, onde surgem diver- sas escolas de servi?o social nas capitais brasileiras em uma lenta forma??o de pro- fissionais especializados.As mudan?as realizadas ao longo das próximas quatro décadas acabaram por ganhar destaque como ponto de partida de um aprofundamento da estrutura que se criou para as políticas da inf?ncia e juventude, tornando mais claro o motivo da rupturamarido como chefe da sociedade conjugal, e seus incisos que lhe permitem administrar os bens comuns ou particulares da mulher.3 Seu artigo 1? estabelecia que todas as políticas públicas apresentadas no código serviam apenas para alguns grupos de menores, estabelecidos nos artigos 14, 26, 69 e outros como os menores abandonados, vadios e libertinos, conforme as próprias express?es do texto legal.4 ?rg?o do Ministério da Justi?a que atuava de forma correcional-repressiva, em uma natureza jurídico-administrativa duplamente orientada, já que recebia o adolescente infrator nos internatos e a crian?a e o adolescente em situa??o de abandono nos patronatos agrícolas e escolas de apren- dizagem de ofícios urbanos.8entre o modelo ora estudado para o novo desenho institucional que vigorará da Cons- titui??o Federal de 1988 até o presente.A LEGISLA??O DE 1940-1980 COM FOCO NA ASSIST?NCIA ? INF?NCIA E JUVENTUDEApesar das inúmeras críticas ao sistema preterido, e que perpassam, em parte, para o sistema atual – e que ser?o contextualizados quando da análise do sistema atual a partir do capítulo três, n?o se pode negar que existiu um conjunto expressivo de leis que buscavam resolver os dilemas das políticas públicas da inf?ncia e juven- tude.Deve-se pontuar que, no contexto das leis examinadas, existem momentos chave da história nacional e que se materializam na produ??o legislativa e nas políti- cas públicas estabelecidas. Este recorte realizado compreende três fases históricas bem definidas no contexto da história política do Brasil.A primeira é o Estado Novo (1930-1945), cuja marca é um conjunto político populista compreendendo certo autoristarismo estatal empreendidas pelo governo de Getúlio Vargas. A segunda etapa histórica, que deve ser levada em considera??o quando da análise das leis abaixo apontadas é fase da ditadura militar (1964-1985), onde se observa uma série de restri??es aos direitos civis, trazendo uma lógica mili- tarista para a concep??o das políticas sociais.O último recorte compreende o que se considera como período de redemocra- tiza??o, que pode ser compreendido como iniciado ao final da década de 1970, tor- nando-se consolidado na década de 1980, foco principal do presente capítulo, mar- cado pelas discuss?es da Assembleia Nacional Constituinte para a reda??o da Carta Cidad? de 1988.Assim, apresenta-se a linha do tempo abaixo, apontando as contribui??es le- gais de maior relev?ncia para o tema da inf?ncia e juventude entre 1940 e 1987, com a finalidade de estabelecer um breve panorama histórcico-legal que permita maior contextualiza??o do tema do presente trabalho.9Quadro 1 - Linha do tempo mostrando as leis entre 1940-1987Fonte: o próprio autorO primeiro texto jurídico em destaque é o Decreto-Lei n? 3.200/415, dispondo sobre a organiza??o e prote??o da família, estabelecendo uma série de medidas que buscavam fomentar um aumento do número de crian?as por família, protegendo eco- nomicamente estes genitores para atingir este objetivo. Em seu artigo 24, promoviam redu??es em taxas de matrícula e outras relativas ao ensino e impostos federais que pudessem ser relacionados aos atos escolares em uma escala progressiva baseada no número de filhos6.Há um reconhecimento do papel do Estado no auxílio de famílias miseráveis, perfilhando o papel das institui??es assistenciais existentes e aquelas que viriam a5 Este Decreto se reveste de especial import?ncia para os doutrinadores da área do direito de família, em especial o seu artigo 3? que prevê a possibilidade de casamento entre colaterais de 3? grau, o que o torna objeto de análise do judiciário até os dias atuais.6 Em famílias com mais de um filho se promovia a redu??o de vinte por cento para o segundo filho, de quarenta por cento ao terceito, chegando a sessenta por cento para o quarto filho em diante.10surgir, por meio de subsidio dos entes federativos para a efetividade do trabalho des- tas organiza??es. O artigo 30 apresentava um rol exemplificativo que compreendia a presta??o de alimentos, internamento dos filhos menores para fins de educa??o e quaisquer outras atua??es de prote??o das famílias carentes.Em uma vis?o mais abrangente de garantia de direitos para estas famílias em situa??o de pobreza, o artigo 31 previa a reserva de vinte por cento de cotas gratuitas nas associa??es recreativas ou desportivas que gozavam de alguma benesse oficial. O breve apanhado de artigos deste texto legislativo refor?a uma política da Era Vargas de incentivo para que as famílias tivessem mais filhos7, estipulando até um conceito de família numerosa, sendo estas aquelas com oito ou mais filhos até dezoito anos de idade, ou incapazes de trabalhar, e que estivessem sob custeio dos pais ou guardi?es.Nasce, na década de 1940, um conjunto legislativo extremamente abrangente de direitos para a inf?ncia pobre, expandindo-se de tal maneira que até mesmo a Le- gi?o Brasileira de Assistência (LBA)8, criada pelo Decreto-Lei 4.830/42, torna-se um exemplo de institui??o que será cooptada para fins maiores do que aqueles previstos quando de sua cria??o.A LBA é pensada inicialmente para tratar de quest?es pontuais de sua época, no caso o auxílio aos familiares dos combatentes brasileiros na Segunda Guerra Mun- dial, e depois acaba por se encaixar como programa social. Se em um primeiro mo- mento a atua??o é no sentido de manter as famílias, logo sua atua??o centrada nas famílias mais pobres da popula??o, fundada nos conceitos da medicina higienista em voga na época, com campanhas de moraliza??o e higiene (SILVA, TUMELERO 2013; RIZZINI, 2011).A LBA se estrutura nacionalmente n?o só como uma repassadora de verbas das obras assistenciais particulares e coordenadora do conjunto privado e público de assistência, mas como institui??o atuante “nas brechas da rede assistencial” (IAMA-7 Tal norte das políticas públicas da época ganha clareza no artigo 138, d da Constitui??o Federal de 1934, refor?ados pelo artigo 32 do Decreto-Lei 3200 de 19 de Abril de 1941, que previam adici- onal de 15% nos impostos devidos pelos solteiros e viúvos sem filhos.8 Originalmente nomeada Legi?o de Caridade Darcy Vargas, representando caraterística que seria mantida por todos os bra?os da LBA – a presen?a ativa das Primeiras Damas (do Poder Executivo Federal e Estadual). Sua constitui??o encontra-se no Decreto-Lei 4.830/42.11MOTO; CARVALHO 2014 p.266), sendo entendida como a primeira campanha assis- tencial que efetivamente atua nacionalmente, em uma constru??o de política pública para o Brasil e n?o só as grandes capitais.Sua atua??o, dentro das famílias, envolvia um largo conjunto de auxílios com encaminhamentos para servi?os n?o só da inf?ncia e juventude como obten??o de empregos para os pais, quest?es de saúde, dentre outras, em uma atua??o “pater- nalista” na referida institui??o através da presta??o de auxílios emergenciais e paliati- vos à miséria, s?o representados, em especial, por suas propagandas que valoriza- vam o aspecto “m?e da sociedade, da pobreza, lar dos carentes, socorro dos aflitos” (SILVA, TUMELERO, 2013 p.8), onde o foco seria a manuten??o do núcleo familiar, impedindo que este venha a ser rompido por quest?es sociais externas, como as eco- n?micas.O Decreto n? 16.575/44, estabelece outro front de atua??o, onde o foco é jo- gado nas crian?as e adolescentes que n?o conseguiram manter-se apenas com a atua??o dos programas sociais existentes - o Servi?o de Assistência a Menores (SAM), órg?o integrante do Ministério da Justi?a e Negócios Interiores, articulando com os Juízos de Menores, tinha por finalidade prestar aos menores desvalidos e infratores das leis penais a devida assistência social.Seu desenho institucional previa uma abordagem aparentemente completa, contendo em sua organiza??o uma série de a??es, como a Se??o de Diagnóstico e Tratamento Médico (SDT), a Se??o de Pesquisas Pedagógico-Sociais (SPS), Se??o de Coloca??o e Ajustamento de Menores (SCM), e tinha como órg?os executores o Instituto Profissional Quinze de Novembro (IPQN), Patronato Agrícola Venceslau Braz (PAVB), Escola Jo?o Luís Alves (EJLA.), Pavilh?o Anchieta (PA) e o Hospital Central (HC).A finalidade deste era receber tanto os jovens infratores quanto aqueles aban- donados por suas famílias, em caráter “corretivo-repressivo-assistencial” (LIBERATTI, 2002 p.60), e, conforme pontua o autor, representava mais uma administradora de institui??es do que uma política de atendimento ao infrator.As viola??es aos direitos básicos das crian?as e adolescentes internadas ao longo das próximas duas décadas no SAM é de tal modo flagrante que ganha o título, através da imprensa, de “internato dos horrores” e “sucursal do inferno”, que que12acaba por promover manifesta??es do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, através do ent?o Ministro Ribeira da Costa, que denunciava as institui??es da época como fábrica de delinquentes (RIZZINI, 2011 p.61).Importante relato o presente no livro do ex-diretor do SAM, Paulo Nogueira Fi- lho, em obra de 1956:Espantou-me a promiscuidade em que viviam aqueles seres de todos os ta- manhos, de todas as idades e procedência, vivendo numa ociosidade depri- mente. Comiam e dormiam; uns entregavam-se à pederastia e outros fuma- vam maconha; os que podiam incorporavam-se a “gang” para as excurs?es externas de rapina ou para a promo??o de rebeli?es internas.Nem livro, nem uma aula, nem um esporte. O projeto cinematográfico estava quebrado; n?o havia bola, nem peteca, nem ginástica e muito menos rádio ou vitrola. Para distra??o, os menores ouviam, de quando em quando, gritos dos enclausurados e viam, diante de si, permanentemente, os muros alvos e altos, que, encimados por uma rede de arame farpado, circulavam a casa e o pátio (NOGUEIRA FILHO, 1956, p. 37 apud P?BLIO, 2011).? possível inferir, através de fontes mais atuais, que poucas foram as mudan- ?as na realidade das institui??es para a jovens considerados infratores, tal como apre- sentado por Oliveira (2003), em relato de adolescente internado no atual Departa- mento Geral de A??es Socioeducativas (DEGASE), onde se apresenta um cenário que merece detida aten??o.Na descri??o realizada por este adolescente, o juiz lhe informou que a senten?a n?o era uma pena, e sim uma medida especial de ressocializa??o, porém, a realidade de sua experiência abarcou violência física e sexual, deixando neste jovem a sensa- ??o de que ausência de humanidade ao se descrever nos seguintes termos: “(...) o meu cheiro estava insuportável, minha roupa enfim... só saí daquela calamidade inicial após dois dias. Dois dias de angústia, de violência, de desprezo...” (OLIVEIRA, 2003, p.4-5).Seu discurso aponta que alguém da equipe técnica, que n?o lhe foi informado sobre qual a fun??o9, lhe recepcionou após os dois primeiros dias e lhe questionou se estaria bem, ao que coloca a sua invisibilidade diante daquela profissional, que mesmo sujo e com hematomas visíveis n?o atentou ao fato de que recepcionava um adolescente que havia sofrido uma série de violências.9 N?o é possível determinar qual seria a fun??o desta pessoa, já que o artigo n?o indica.13Porém, n?o se pode afirmar que a Administra??o Pública n?o procurou efetiva- mente trabalhar as quest?es que se mostravam problemáticas na área da inf?ncia e juventude, sendo possível estabelecer que os dados obtidos através dos diversos tex- tos legais apontem uma supervaloriza??o do trabalho como forma de salva??o destes jovens como se observa através do Decreto-Lei 8.622/46, que representa uma tenta- tiva de inser??o da juventude no universo do trabalho, estabelecendo a obrigatorie- dade do comerciário que possuísse mais de nove empregados a incluir no seu corpo de trabalhadores um certo número de menores praticantes, instituindo ao agente pri- vado a matrícula destas no SENAC.Ao final dos anos 1940, a Lei n? 560/49 institui o servi?o de coloca??o de crian- ?as de 0 a 14 anos em casas de famílias, a título gratuito ou oneroso, estipulando aos participantes do projeto que provessem educa??o familiar, alimenta??o, alojamento, vestuário, tratamento médico e dentário, recrea??o, instru??o escolar e religiosa, em um modelo que buscava replicar o lar original destas crian?as e adolescentes que se viam sem possibilidade de convivência em seus núcleos familiares.Para os jovens acima de 14 anos, refor?ando uma no??o de dignidade que o trabalho poderia fornecer, além da necessidade de estabelecer alguma regulamenta- ??o melhor elaborada ao trabalho juvenil, o Decreto n? 31.546/51 trazia um novo mo- delo de inser??o de adolescentes (entre 14 e 18 anos) no mercado de trabalho. O modelo do “jovem aprendiz” aparece pela primeira vez esmiu?ado, cumprindo um tipo estabelecido nas Consolida??es das Leis do Trabalho de 1943. O referido instrumento normativo estabeleceu de forma clara a presen?a do bin?mio educa??o-trabalho que nasce nos profícuos anos 1940 para os direitos da inf?ncia e juventude no Brasil.Se da observa??o da década de 1950, a partir da análise do conjunto de leis pesquisadas, aponta pouca produ??o legislativa para a cultura jurídica dos direitos ora estudados, os anos 1960 reiniciam uma nova gama de leis importantes, como a Lei n? 4.024/61, com as diretrizes e bases da educa??o nacional, estabelecendo a edu- ca??o como um direito de todos e que será dada no lar e na escola.O Decreto n? 53.153/63, refor?ando a nova ressignifica??o da import?ncia do estudo, vem regularizar o Salário-Família do Trabalhador, já preceituado na Constitui- ??o Federal daquele mesmo ano, garantindo quotas pecuniárias destinadas a auxiliar certos trabalhadores no sustento e educa??o dos filhos.14O ano de 1964 vem reformular o antigo SAM, determinando a cria??o da Fun- da??o Nacional do Bem-Estar do Menor, cujo estatuto se encontra no Lei N? 4.513/64, uma entidade com aut?noma administrativa e financeira, atuando nacionalmente em uma proposta de formula??o e implanta??o de uma política nacional do bem-estar do menor, com um reconhecimento, mediante o estudo do problema e planejamento das solu??es, e a orienta??o, coordena??o e fiscaliza??o das entidades que executem essa política (art. 5?).Da análise da lei de sua institui??o com o Decreto n? 56.575/65, que estabelece seu estatuto, pode-se inferir que o seu atendimento ainda seguia as orienta??es do Código de Menores de 1927, com foco nos desvalidos, abandonados e infratores, di- recionado para uma atua??o que seria tanto preventiva quanto corretiva dos males sociais causados pelas crian?as em situa??o de rua e aquelas que cometiam infra- ??es.As diretrizes da institui??o previam uma prioridade às políticas públicas de in- tegra??o do menor na comunidade e na família, tema que ganhará status constitucio- nal na Carta Cidad?, inclusive com a previs?o de famílias substitutas, com uma súbita sensibilidade do legislador ao entender que o Brasil, por seu tamanho e extens?o, possuía necessidades especificas em cada regi?o, inclusive com um incentivo de au- topromo??o destas diversas comunidades.A competência da funda??o envolvia um largo conjunto de atua??es pontuais que previam estudos, inquéritos e pesquisas, já com a previs?o de eventos acadêmi- cos que promovessem um levantamento nacional de dados, o que permitiria uma ar- ticula??o entre as entidades públicas e particulares e o aperfei?oamento de pessoal técnico e auxiliar.Um aspecto interessante, e que dialoga com esta previs?o de uma articula??o ampla de diversas entidades é o seu Conselho Nacional, que tinha representa??es t?o diversas como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associa??o de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), o Conselho Federal dos Assistentes Sociais (CFAS), a Legi?o Brasileira de Assistência (LBA), o Servi?o Nacional de Aprendiza- gem Comercial (SENAC), o Servi?o Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), a Associa??o Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), assim como a representa??o de outras religi?es através15da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), a Confedera??o Evangélica do Brasil (CEB) e Confedera??o Israelita do Brasil (CIB).A cria??o do Conselho Nacional é um passo importante para uma maior efeti- vidade do modelo socioeducativo, já que este era composto por diversos seguimentos da sociedade que ou já atuavam historicamente na prote??o da inf?ncia e juventude (como as entidades religiosas), assim como aquelas que possuíam larga experiência profissional na atua??o destes grupos (a exemplo dos Assistentes Sociais), sendo este conselho responsável por definir a política nacional do bem-estar do menor.Porém, a prática resultou de um visível fracasso, apontado com a modifica??o de todo o sistema através da cria??o da Funda??o Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) com a Lei 5.258/67, e que a doutrina especializada aponta como uma transi??o pouco sucedida, já que incorporou n?o só os imóveis do antigo SAM como muitos de seus funcionários, n?o podendo se desvincular o fato de que o Brasil se encontrava sob início de um regime militar, iniciado em 1964, que dificultava a con- cretiza??o de um sistema menos punitivo e mais voltado para a família (VOGEL, 2011p. 287-320), e que ainda pode ser percebido ainda na atualidade, representando um dos elementos que comp?e o questionamento da presente pesquisa.Importante ressaltar que o Brasil, em 1968, realiza acordo com as Na??es Uni- das para assimilar a Declara??o Universal dos Direitos da Crian?a, que introduziria, em tese, o melhor interesse da crian?a, em uma vis?o de prote??o integral, nos dese- nhos institucionais dos países signatários. Tal direcionamento exige uma vis?o crítica do contrassenso entre esta ratifica??o e a manuten??o sem modifica??es da FUNA- BEM, criada um ano antes do referido texto internacional.Ainda se estabelece um critério baseado na situa??o irregular, sem uma comu- nica??o efetiva com o conjunto legislativo que fora demonstrado neste capítulo, esta- belecendo as medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatos defi- nidos como infra??es penais. Há uma distin??o entre menores moralmente abando- nados e pervertidos ou em perigo de tornar-se, e seu afastamento das outras crian?as e adolescentes n?o “criminosos”, Passetti (1986) aponta que o foco é a desagrega??o da família, que promove o abandono das crian?as, que acabam tendo facilitadas a entrada no mundo criminoso.16Aquelas que efetivamente precisavam do servi?o ainda dependiam da cria??o de institui??es específicas em seus Estados, o que nem sempre se observava como em um julgamento de 1973 em que o STF10 permitiu que um adolescente fosse colo- cado em presídio comum, contanto que ficasse em c?modo especial. A peculiaridade deste julgado é que ele surge do Estado de S?o Paulo, reconhecidamente um dos mais ricos do Brasil, o que permite divagar-se sobre a realidade destes jovens em outros Estados com menos recursos.UM OLHAR DO BRASIL NA D?CADA DE 1970: AS SEMENTES DA CIDADANIA NA ESTRUTURA??O DE UM “NOVO BRASIL” E SUAS RELA??ES COM A INF?N- CIA E JUVENTUDEA palavra cidad?o em si é polissêmica, e exige um trabalho exclusivo para o seu estudo, portanto, n?o pretende o presente trabalho alongar-se nestes conceitos para além de sua express?o como a constru??o específica dos movimentos sociais no Brasil que promoverá as modifica??es que ser?o amplamente discutidas neste e no próximo capítulo.O que é esta cidadania em seu sentido sociológico, e como ela é exercida no Brasil? Dagnino (2004 p. 103-106) estabelece três elementos para definir a quest?o na realidade nacional contempor?nea: (I) sua deriva??o das experiências concretas dos movimentos sociais, (II) ênfase mais ampla na constru??o da cidadania, (III) como consequência das duas primeiras, a organiza??o de uma estratégia de constru??o democrática, estabelecendo um nexo constitutivo entre a cultura e a política – daí a sua incorpora??o conceber as subjetividades, a amplia??o da a??o política, a institui- ??o de novos sujeitos sociais e consequentemente novos direitos.O posicionamento de Dagnino se relaciona diretamente com o pensamento de Hannah Arendt, em especial quando prop?e que a nova cidadania nasce da ideia de um “direito a ter direitos”, que retira um pouco a centralidade do mundo jurídico e até10 1. Lei n. 5.258/67, artigo 3, parágrafo 1. Em se tratando de menor comprovadamente perigoso, que em poucos dias praticou varios crimes graves, o destino provisorio a que se refere a supraci- tada regra pode ser um comodo especial do presidio comum, desde que putro mais indicado n?o haja na jurisdi??o do juiz de menores que ordenou tal internamento. 2. Recurso de hc a que o stf nega provimento. (BRASIL, STF 1973)17mesmo na implanta??o de políticas públicas pelo executivo, e desenvolve uma rela??o complexa de diálogos necessários para o desenvolvimento das quest?es que s?o es- senciais aos grupos que convivem na sociedade, exigindo n?o apenas os direitos, mas também fixar o que é direito, como exposto em um artigo:O processo de constru??o de cidadania como afirma??o e reconhecimento de direitos é, especialmente na sociedade brasileira, um processo de trans- forma??o de práticas arraigadas na sociedade como um todo, cujo significado está longe de ficar limitado à aquisi??o formal e legal de um conjunto de di- reitos e, portanto, ao sistema político-jurídico. A nova cidadania é um projeto para uma nova sociabilidade: n?o somente a incorpora??o no sistema político em sentido estrito, mas um formato mais igualitário de rela??es sociais em todos os níveis, inclusive novas regras para viver em sociedade (negocia??o de conflitos, um novo sentido de ordem pública e de responsabilidade pública, um novo contrato social, etc.). (DAGNINO, 2004a p.154)Sob esta ótica, que n?o é exclusiva de Dagnino, o papel n?o-essencialista do direito e o Estado é preconizada por diversos autores que observam a dificuldade na rela??o hegem?nica muitas vezes protagonizada pelo universo jurídico onde a instru- mentaliza??o pelos grupos dominantes compreende uma estrutura de política vertica- lizada de onde o direito só surge de cima para abaixo, confirmado por Santos (2003,p. 35), quando coloca que estes só confirmariam as estruturas de poder sem realizar qualquer modifica??o estrutural.Portanto, a busca pelos direitos precisa, necessariamente da integra??o do que Santos (2003, p.35) chama de “mobiliza??es políticas de ?mbito mais vasto, que per- mitam que as lutas sejam politizadas antes de serem legalizadas”, ou seja, é evitar a despolitiza??o do direito e entende-lo como algo que, na sociedade cosmopolita atual, depende n?o só do direito estabelecido em si, mas dos processos políticos de maior inclus?o destas demandas a serem positivadas.A constru??o deste direito em sua no??o de baixo pra cima, na verdade, con- templaria exatamente o empoderamento daqueles que seriam “n?o cidad?os”, ou seja, daqueles que s?o excluídos das discuss?es políticas - porém só é possível cons- truir esta nova cidadania com “sujeitos sociais ativos, definindo o que eles consideram ser os seus direitos e lutando pelo seu reconhecimento” (DAGNINO, 2004, p. 108), o que acabaria por promover uma cultua de direitos, que na realidade brasileira incluiu18uma série de novas demandas legais (civis, políticas e sociais), que, diferente de ou- tros países, ocorreram em momentos distintos, respeitando a própria estrutura??o que a sociedade e as for?as políticas se permitiam.A cidadania, neste contexto, deixa de ser uma no??o centrada apenas na par- ticipa??o política do indivíduo e considera uma série de outras atitudes e rela??es estabelecidas, Dagnino (2004), indica que isso é possível quando se transcende o conceito basilar do liberalismo e modifica as regras de pertencimento – o novo cida- d?o, cada vez mais busca a participa??o na defini??o do sistema, n?o mais se con- tentando com a participa??o no que já está estabelecido, o que muda o foco da mera intera??o para a efetiva inclus?o social.As demandas brasileiras acabaram por priorizar n?o apenas a igualdade, mas também um direito à diferen?a, que se funda numa reinvindica??o de que se possa viver tal como estes indivíduos se identificam, sem que isso venha a ter, como conse- quência um tratamento n?o ison?mico, que envolve n?o só conseguir olhar para a diferen?a do outro, onde se permita o ativismo individual em uma rela??o onde todos possam ter o seu quinh?o (DAGNINO, 2004; CARDOSO, 2004), sem que se suponha que o reconhecimento de direitos pelo Estado seja o final da quest?o e luta cidad?.Neste cenário político brasileiro da década de 1970 em diante, pode-se cons- truir este período inicial como um verdadeiro marco para que se possa estruturar o lugar do cidad?o brasileiro na sua constru??o cidad?, em um cenário de quebra de paradigmas político-sociais que plantaram as sementes de uma série de transforma- ??es, sendo possível apontar duas fases distintas para os movimentos sociais: a da emergência heroica e a fase de institucionaliza??o (CARDOSO, 2004 p. 81-82).? possível estabelecer duas fases para os movimentos sociais e sua constru- ??o: a primeira fase, que segue até o come?o de 1980, foi caracterizada pelos acadê- micos como uma ocupa??o de um espa?o vazio, ou seja, em uma situa??o de ditadura militar em que n?o existiam canais de representa??o, construiu-se um instrumento de mobiliza??o política que refor?aria a espontaneidade e autonomia. ? preciso situar a no??o de “Estado inimigo” recorrente nesta época, onde as rela??es clientelistas e a opress?o presente facilitou uma sensa??o de antagonismo geral aos sistemas repre- sentativos como as partidárias.19Neste contexto, a reda??o da Lei n? 6.697/79, criando um novo Código de Me- nores, substituindo o de 1927, nos obriga a replicar as críticas realizadas no subitem anterior quanto ao contrassenso aos acordos internacionais que previam uma abor- dagem integral da inf?ncia e adolescência, que se observa em um novo conjunto de artigos para definir direitos e deveres de crian?as e adolescentes sob uma abordagem que n?o privilegiava a integralidade de políticas públicas e direitos e deveres de todo o conjunto da inf?ncia e juventude.O Brasil, com a codifica??o de 1979, construiu como norte de sua atua??o na quest?o da inf?ncia e juventude um modelo conhecido como “doutrina da situa??o irregular”, e que ganhou sua melhor defini??o no artigo 2? da Lei 6.697 de 10/10/79 (Código de Menores), compreendo direitos e deveres pontuais, focados n?o em todas as crian?as e adolescentes, mas somente àquelas em situa??o de pobreza, os casti- gados imoderadamente pelos genitores, com “desvio” de condutas ou infratores, por- tanto, todas em situa??o que n?o condiziam com a regularidade que se esperava da inf?ncia e juventude, conforme já se pontuava na codifica??o da inf?ncia de 1927.Portanto, n?o se pode apontar modifica??o da vis?o já longamente estressada de um direito que joga o holofote apenas na experiência daquele que já é infrator ou abandonado, promovendo o caráter punitivo do direito ao invés de um aproveitamento das estruturas de caráter mais preventivo, apontando um distanciamento com o con- junto das leis anteriormente abordadas no presente capítulo, colocando o direito da inf?ncia e juventude sob um abismo em que as a??es assistencialistas n?o dialoga- vam com as pretens?es punitivas do Código de Menores de 1979.Esta op??o do legislador em promover direitos e deveres focados apenas nas crian?as e adolescentes que viviam as consequências das amarguras da vida, com pouca atua??o nas causas que levavam crian?as e famílias a atingirem a situa??o de miséria social, abusos parentais e “desvios” de conduta ou infra??es, consolidou a figura do “menor”, que já se encontrava presente nos códigos específicos anteriores ao de 1979, como aquele que ou já era “delinquente” ou viria a se tornar um, cultura que se manifestou sem freios nos meios de comunica??o de massa, e na própria po- pula??o, que n?o raras vezes, até hoje, distinguem o “menor” (delinquente) e a crian?a e adolescente (aqueles que n?o estejam em situa??es de fragilidade, e, à princípio, n?o representariam perigo moral e social).20O Código de Menores de 1979, segundo Liberati (1991, p.2) se apresentava como verdadeiro instrumento de san??es sob a vestimenta de um texto que pretendia ser protetivo, sem prever qualquer direito, transferindo a “situa??o irregular” para a crian?a e ao adolescente, quando na verdade o problema se encontrava na família sem estrutura e no próprio Estado que n?o cumpria suas políticas sociais básicas, uma interpreta??o que tem outros defensores tais como Oliveira (2003), Seda (2008), Rizzini (2011) e Rosemberg (2010).A emergência apontada por Cardoso (2004), promovida por uma série de direi- tos que ainda n?o encontravam uma materializa??o social eficiente, seja pela inexis- tência de direitos fundamentais reconhecidos ou, como o caso da inf?ncia e juventude, pela manuten??o de um conjunto de direitos que n?o representavam os anseios soci- ais que v?o ganhando cada vez mais voz enquanto o regime político prevalecente desde a década de 1960 se esvanecia e abria oportunidades maiores de diálogo entre os interesses políticos vigentes e as quest?es sociais que n?o mais se calavam.A mudan?a da fase de emergência heroica para a fase de institucionaliza??o n?o encontra um ponto de muta??o visível, Cardoso (2004) aponta que esta n?o surge naturalmente dos próprios movimentos, mas sim como resposta ao que come?a a ocorrer a partir de 1982, com as elei??es estudais, em um novo contexto em que as agências públicas come?am a dialogar com os movimentos sociais11.? interessante perceber que a autora n?o estabelece uma rela??o entre os mo- vimentos sociais e o Estado, preferindo descrever a rela??o como entre os grupos e as agências públicas, já que indica que “(...) esse processo era muito parcial. Aconte- cia na saúde, por exemplo, mas n?o acontecia na educa??o; criava-se um conselho da mulher, mas n?o eram criados conselhos em outras áreas (...)” (CARDOSO, 2004 p.83).Portanto, torna-se necessário o aprofundamento dos anos 1980, para que se possa estabelecer o que efetivamente se buscou quando da constru??o da Constitui- ??o Cidad? e posteriormente o próprio Estatuto da Crian?a e do Adolescente.11 A autora critica o termo “coopta??o”, muitas vezes utilizado para descrever este aparente mov i- mento do Estado em face dos movimentos sociais.21OS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE NO BRASIL DOS ANOS 1980 E A SUA SEMENTE CONSTITUCIONALNo final dos anos 1980, come?a na América Latina uma onda de reformas cons- titucionais de grande impacto12, com a carta cidad? do Brasil marcando o início deste movimento13, Gargarella (2013) aponta que grande parte destas mudan?as s?o frutos de quest?es que o autor considera “sombrias”, separando-as entre seus motivos polí- ticos, como a presen?a da ditadura, e os econ?micos, com a ado??o das reformas neoliberais ao final daquela década.Até o advento da carta cidad?, estávamos sob a proposta da constitui??o bra- sileira de 1967, um dos diversos modelos ditatoriais aplicados na América Latina, pro- mulgada sob o governo do militar Humberto Castelo Branco, se apresenta como exemplo de instrumento de institucionaliza??o de um regime autoritário, com a ampli- a??o do papel do Executivo em detrimento dos outros poderes14, fruto de uma série de Atos Institucionais realizados na década de a imposi??o do Ato Institucional número 5 de 1968 e a Emenda número 1 de 1969, busca-se legitimar a presen?a de junta militar (Comando Supremo da Revo- lu??o), que viria a encabe?ar os diversos governos que se seguiriam.O período de transi??o do modelo autoritário para uma democracia, sob a forma de um novo projeto de poder e express?o política e social acaba por proporcionar, na experiência latino-americana, um movimento muito particular de novos textos consti- tucionais, buscando restituir o desenho democrático ao processo político, em especial, com a expans?o dos direitos básicos, aproveitando os tratados internacionais de di- reitos humanos firmados nas cinco décadas prévias e conferindo-lhes a import?ncia12 Há certa discuss?o acadêmica a respeito do posicionamento da constitui??o do Brasil em 1988 como representante do que chamaram de “novo constitucionalismo latino-americano”, o presente trabalho se posiciona com autores como Rodrigo Uprimny e Roberto Gargarella e outros, que en- tendem a nossa constitui??o no contexto deste “novo constitucionalismo”.13 Constitui??o do Brasil em 1988, Col?mbia em 1991, Venezuela em 1999, Equador em 2008,Bolivia em 2009.14 A leitura dos anais da constitui??o de 1967 disponível em coes/anais/pdf/Anais_Republica/1967/1967%20Livro%206.pdf demonstra que existia uma prioriza- ??o da conten??o das oposi??es políticas por meio de Atos Institucionais que ignoravam as dire- trizes estabelecidas pela constitui??o de 1946, e a preocupa??o de diversos membros do Legisla- tivo a respeito dos poderes que o Executivo viria a receber, como se observa na leitura do voto do senador do Pará Cattete Pinheiro (BRASIL, 1967 775-778).22antes negada para a prote??o de direitos que haviam sido violados pelos regimes autoritários (GARGARELLA, 2013 p.251).Dentro desta conjuntura de modifica??es profundas, observa-se que a demo- cracia constitucional parecia inevitável, apontando para a no??o de que a democracia seria o único mecanismo legitimo, assim como a necessidade de estipular que estes governos eleitos pela maioria deveriam manter a constante observa??o dos direitos fundamentais, mesmo os das consideradas minorias, onde se encontraria a uma ver- dadeira limita??o ao poder – o que corrobora uma série de direitos fundamentais, n?o apenas aqueles excluídos por regimes autoritários como o de diversas minorias antes n?o contempladas (GARGARELLA, COURTIS, 2009; FERRIZ, TROBAT, 2011; SAN- TOS, 2011).Os dados estatísticos dos anos 1980 envolvendo crian?as e adolescentes po- dem indicar um dos motivos que explicam a efervescência da discuss?o dos seus direitos em diversos países, Mower (1997) demonstra que as agress?es físicas às crian?as no Reio Unido sofreram aumento de 70% de 1979 a 1984, e registros de abuso infantil chegaram a 2.2 milh?es de casos em 1988, no hemisfério sul, a Orga- niza??es das Na??es Unidas apontavam também a precariedade dos direitos da in- f?ncia e juventude, em especial a carente, em cidades como o Rio de Janeiro e S?o Paulo, que chegaram a reunir 100 casos mensais de assassinato de crian?as de rua. Em uma década em que as estatísticas envolvendo violência contra a popula-??o infanto-juvenil choca, combinado com a manuten??o de políticas públicas de as- sistência à inf?ncia e juventude orientadas exclusivamente para a situa??o irregular come?a a produzir na sociedade um desgaste em rela??o ao papel do Estado e ganha voz através dos movimentos sociais, que, impulsionados pelo período de transi??o e a promessa de uma nova estrutura democrática, aproveitar?o para colocar os direitos da inf?ncia e juventude em evidência nunca antes percebida no país.Se for possível afirmar, a partir do que já foi amplamente pontuado no presente capítulo, que o Brasil apresentava uma defasagem legislativa quando comparado aos textos internacionais assinados nas décadas de 1940 e 1950, por outro, resta claro que o país dos anos 1980, neste processo árduo de constru??o de uma nova identi- dade, se mostra aberto a acompanhar as discuss?es de sua própria época: desde231978, a Organiza??o das Na??es Unidas vinha arrazoando um novo documento jurí- dico internacional que pudesse atualizar os compromissos com os direitos fundamen- tais da inf?ncia e juventude já esbo?ados em conven??es anteriores.A CONVEN??O INTERNACIONAL DOS DIREITOS DAS CRIAN?AS DA OR- GANIZA??O DAS NA??ES UNIDASAo analisar a constru??o do conjunto de direitos que surgiram na área da inf?n- cia e juventude o pesquisador se depara com a import?ncia da Organiza??o das Na- ??es Unidas – sua import?ncia é tal, que sua ausência poderia tornar enfraquecida qualquer análise que se pretenda fazer a respeito do tema dos direitos das crian?as e adolescentes.A Declara??o Universal do Direito das Crian?as de 1959, apesar de ser um marco na área da inf?ncia e juventude, por sua natureza de declara??o principioló- gica15, n?o se apresentou como solu??o para as quest?es que foram surgindo e se agravando ao longo das duas décadas seguintes.Em 1978 o governo da Pol?nia apresenta o projeto para uma Conven??o Inter- nacional sobre os Direitos da Crian?a, que repetia substancialmente o texto da Decla- ra??o, com o diferencial apenas de garantir a sua implementa??o de forma vinculante, o momento político parecia certo, já que existia uma movimenta??o global para a co- memora??o do vigésimo aniversário da Declara??o de 1959 (PILOTTI, 2000).A recep??o ao projeto, tanto por parte dos Estados quanto das OIGs (organi- za??es intergovernamentais), n?o foi positiva, portanto, conveniou-se estabelecer um Grupo de Trabalho a partir de um novo rascunho realizado pela Pol?nia após consulta dos diversos governos pela Secretaria Geral da ONU. Os encontros do grupo se rea- lizaram anualmente, ocorrendo entre 1979 e 1988, com ampla participa??o dos países industrializados e pouca participa??o de países africanos e outros que n?o tinham possibilidade financeira e política para enviar delega??es oficiais.15 S?o dez os princípios gerais que deveriam ser observados pelos países signatários, cabendo a cada Governo a responsabilidade de produzir documentos jurídicos próprios que pudessem seguir as recomenda??es de cada um deles.24Uma crítica pertinente à constru??o do texto do que viria a se tornar a Conven- ??o Internacional dos Direitos das Crian?as é o monopólio da vis?o ocidental, em es- pecial daqueles países ocidentais, industrializados e ricos, Pilotti (2000) identifica um bloco em especial que chegava a se reunir antes do come?o das sess?es do Grupo de Trabalho para estabelecer estratégias negociais, formados pela Austrália, Canada, Estados Unidos, Finl?ndia, Noruega e o Reino Unido, com especial atua??o dos Es- tados Unidos.O protagonismo dos Estados Unidos da América pode ser explicado pelo receio com o predomínio de direitos sociais da proposta polonesa, para isso, o governo norte- americano conseguiu incorporar um conjunto de direitos civis e políticos para as cri- an?as, com eventual apoio de países latino-americanos, em embates próprios da Guerra Fria da época, assim como eventuais conflitos ideológicos com países isl?mi- cos.A própria UNICEF (2007 p.17-18) reconhece parcialmente as críticas, n?o só dos países asiáticos e africanos, mas também de acadêmicos do ocidente, sobre como a Conven??o é um texto do ocidente para crian?as ocidentais, propondo dificul- dades na sua proposta de aplica??o universal. Em defesa do potencial global do texto aprovado em 1989, a UNICEF aponta que, apesar da baixa aderência dos países orientais na constru??o dos rascunhos iniciais, o envolvimento destes países foi sendo incorporada paulatinamente às discuss?es internacionais, e apontam os artigos refe- rentes à ado??o como um exemplo das preocupa??es das regi?es asiáticas e africa- nas.Pilotti (2000, p. 43-45) aponta em especial as participa??es da Argentina e do Brasil nas reuni?es do Grupo de Trabalho, que do bloco latino-americano, s?o os úni- cos países que estiveram presentes às 9 sess?es realizadas entre 1981 e 1988. Gon- ?alves (1989, apud ROSEMBERG, MARIANO 2010), exp?e que a atua??o dos repre- sentantes brasileiros foi discreta, porém constante.A constru??o de um diálogo que pudesse estabelecer o norte dos temas, tanto da reda??o da Conven??o Internacional dos Direitos das Crian?as, no ?mbito interna- cional, quanto do texto final da Constitui??o Federal de 1988, n?o foi realizado so- mente entre os atores públicos. A constante participa??o dos atores n?o governamen-25tais se percebe no sentido de trazer a realidade das ruas para o texto jurídico, a exem- plo da distin??o entre “meninos de rua” e “meninos na rua”. Foram os membros das ONGs e OINGs focadas nas crian?as abandonadas quem perceberam que a maioria das crian?as e adolescentes em situa??o de rua ainda possuía rela??es afetivas e convivência com seus grupos familiares, poucos realmente se encontravam separa- dos dos familiares de forma definitiva (PILOTTI, 2000 p.63).A relev?ncia desta observa??o empírica permitia estabelecer que a figura jurí- dica do “abandono” acabava por n?o representar apenas quest?es sociais especificas da pobreza, mas uma constru??o de cunho ideológico de estigmatizar a pobreza, cor- relacionando a pessoa pobre a uma pessoa irresponsável.Ou seja, enquanto as ONGs, compreendendo a complexidade da quest?o, onde as crian?as e adolescentes possuíam um lar e algum suporte, mesmo que pre- cário, por parte da família; estas possuíam uma abordagem mais preventiva, de valo- riza??o comunitária, enquanto as a??es governamentais possuíam um caráter taxa- tivo e repressivo, onde, como já comentado brevemente neste capítulo, nós tínhamos um código de menores que preferia institucionalizar e penalizar a efetivamente traba- lhar as quest?es psicossociais que este “abandono genérico” disponibilizava, fruto, também, do “Estado minimalista preocupado em alcan?ar equilíbrios macroecon?mi- cos por meio da redu??o do gasto social” (PILOTTI, 2000, p.63 tradu??o nossa).A import?ncia do papel destes atores n?o governamentais ganha especial re- levo para o presente estudo, já que o caso mais conhecido de atua??o é do Movimento de Meninos e Meninas de Rua, promovendo realiza maio de 1986 um encontro naci- onal em Brasília onde reúne centenas de crian?as e adolescentes em situa??o de rua, chamando a aten??o da popula??o para a violência que sofriam esta parte da popu- la??o. Este evento representa a for?a que a ideia de democratiza??o e necessidade de estabelecer novas políticas na inf?ncia e juventude, mas n?o se pode considerar único, já que uma série de ONGs, OINGs e diversos movimentos v?o se encontrando, organizando e construindo uma ponte entre as demandas sociais e os representantes do Brasil no Grupo de Trabalho da ONU, que por sua vez acabará também por “infil- trar-se” nas discuss?es da Constituinte de 1987/1988.Esta intera??o entre o Poder Constituinte e as quest?es internacionais já era celebrada por Saldanha (1986), que entendia a globaliza??o uma realidade que este26poder deveria recepcionar, com duplo efeito: enquanto se mostra em seu potencial de revolucionar a forma como se constrói o projeto de sociedade através da constitui??o, por outro exerce verdadeira limita??o ao poder constituinte, que deve levar em conta, na sua constru??o, os tratados e outros documentos jurídicos internacionais que aquele país tenha assinado.No caso da Constituinte de 1987/1988, o que se observará ao longo do próximo capítulo é a presen?a marcante do que se discutia no ?mbito internacional durante a reda??o da Conven??o sobre os Direitos da Crian?a na elabora??o da lógica da in- f?ncia e juventude no texto constitucional atual.O PROTAGONISMO POPULAR NOS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE NA CONSTRU??O DA CARTA MAGNA DE 1988O primeiro desafio que se apresenta ao pesquisador da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) para aqueles que buscam entender as quest?es polêmicas na área da inf?ncia e juventude é a carência de fontes interpretativas através de argumentos de autoridade: as fontes bibliográficas que tratam o tema n?o tocam nas discuss?es sobre as crian?as e adolescentes, Pinheiro (2004 p. 5) coloca que o tema fora secun- darizado, e que “enquanto fontes que tratam de temas polêmicos da ANC n?o incluem a quest?o da crian?a e do adolescente, a participa??o de popula??o em geral, através de entidades representativas, atribui-lhe destaque no processo constituinte”.Cabe ao pesquisador a leitura e interpreta??o de grande parte das fontes origi- nais das atas e demandas populares na área de inf?ncia e juventude, quanto ao pro- cesso estabelecido para a Constituinte de modo geral, o trabalho segue o caminho da leitura do Regimento Interno da ANC16 e o fruto de pesquisas realizados por Pinheiro (2004) e Andrade e Bonavides (1991).Nossa Constituinte foi marcada por uma maioria de membros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)17, apresentando ainda uma organiza??o16 Resolu??o número 2 de 1987, e algumas de suas modifica??es, realizadas na Resolu??o número 3 de 1988 (BRASIL, 1987b)17 Informa Pinheiro (2004) que a alian?a entre o PMDB e o Partido da Frente Liberal (PFL), for- mando a “Alian?a Democrática”, concentrava mais de dois ter?os dos Constituintes.27que permitia a oferta de contribui??es por n?o-parlamentares como especialistas, or- ganiza??es n?o governamentais (ONG’s), entidades religiosas, associa??es e a po- pula??o de modo geral.O artigo 13 do Regimento interno previa oito comiss?es, cada uma com ses- senta e três membros titulares, que representariam um macro tema, e seriam divididas em subcomiss?es e uma nona comiss?o, a de sistematiza??o dos trabalhos delas para a elabora??o do projeto do texto que viria a se tornar a Constitui??o de 1988. Cumpre destacar que o artigo 14 do mesmo Regimento estabelece de cinco a oito reuni?es para audiência de entidades representativas da sociedade, espa?o que será utilizado, como já vem sendo destacado ao longo do presente capítulo, para uma am- pla participa??o da sociedade na quest?o da inf?ncia e juventude.Se por um lado o regimento parece priorizar a participa??o dos diversos atores n?o governamentais na Constituinte, é preciso lan?ar um olhar crítico sobre a reali- dade daquele momento, e que a leitura das atas da Subcomiss?o da Família, do Me- nor permite expor de forma contundente em alguns dos questionamentos dos próprios Constituintes, tais como:O SR. RELATOR (Eraldo Tinoco): – Exatamente. E, dentro da sistemática que o Presidente se referiu no início, nós n?o devemos fazer convites, mas esperarmos que as entidades ou pessoas busquem a Subcomiss?o. Mas nós podemos induzi-las.O SR. CONSTITUINTE PAULO MARQUES: – Acho que deveria ser o con- trário, se me permitem a franqueza, porque se nós formos esperar que tomem a iniciativa de vir, até para instrumentalizar essa comunica??o fica difícil. Gostaria, Sr. Presidente, de colocar uma quest?o, se V. Ex.? me permite: que cada Integrante dessa Subcomiss?o pudesse, se n?o agora, mas na próxima reuni?o, já sugerir nomes de entidades ou pessoas a que pudesse a Subcomiss?o se dirigir para efetuar o convite, porque tenho im- press?o de que, em face da grande turbulência em que vive a Assem- bleia Nacional Constituinte – e isso aqui é enorme, há um País enorme, onde há pessoas expressivas em vários pontos deste País, que pode- riam vir aqui. Mas gostaria de apenas para esclarecer a profunda quest?o, se eu quiser convidar, por exemplo, uma pessoa da Paraíba ou do Rio Grande do Sul, de que forma nós poderíamos efetivar esse convite? A Subcomiss?o assumiria o transporte dessa pessoa para cá? (BRASIL, 1988a p. 18 grifo nosso)Este pequeno trecho da primeira ata de reuni?o representa uma série de outros questionamentos parecidos, onde o próprio presidente da subcomiss?o, Nelson Aguiar, relata que procurou o Presidente Ulysses Guimar?es18, e este declarou n?o18 Presidente da ANC28existir verbas para o custeio do transporte e hospedagem. Andrade e Bonavides (1991p. 457) jogam uma luz na afirma??o do integrante Paulo Marques, que comenta sobre o momento tortuoso que vive os responsáveis pela elabora??o do texto constitucional, quando exp?e que as comiss?es e subcomiss?es foram criadas como uma “espinha dorsal da Constituinte” e receberam críticas da oposi??o radical, sendo também víti- mas da própria dificuldade típica da experiência humana em integrar o pluralismo de histórias, interesses e vis?es dos integrantes das comiss?es e subcomiss?es.? possível pontuar também que, muitas vezes, a Constituinte se prestou a dis- cutir temas que aparentemente n?o se adequavam à discuss?o constitucional, An- drade e Bonavides (1991) apontam, por exemplo, a proposta de um artigo de que os carros oficiais seriam pintados da mesma cor, a ser definida em lei complementar. Corroborando a informa??o doutrinária, durante a presente pesquisa, foram encontra- dos uma série de discursos que, vistos hoje, parecem antag?nicos com a t?nica de liberdades e democracia que se imiscui na maioria dos debates da época.Este olhar crítico ao processo beneficia a devida contextualiza??o e uma pers- pectiva sem demagogias a respeito do evento histórico e jurídico, como o faz Valle (2009) ao estudar especificamente o papel das políticas públicas na Carta de Outu- bro, pontuando que própria sistemática da organiza??o dos trabalhos deliberativos, com subcomiss?es valorizando uma constru??o descentralizada produziu um docu- mento multifacetado, que nem sempre possuem densidade suficiente para indicar uma clareza absoluta sobre os par?metros que se esperam daqueles que est?o atu- ando no poder.Observar esta mudan?a de paradigma, refletida também no c?mbio de um mo- delo de Estado, depende também de tempo para que se possa apresentar como uma realidade a pluralidade de inten??es, visto que n?o se pode negar que ainda existe uma ordem política estatocêntrica, verticalizada, que convive com os novos modelos propostos na Constitui??o Cidad? – onde as autoridades públicas s?o apenas uns dos muitos atores em uma negocia??o constante, e a partir de baixo, com todos os outros atores das políticas públicas nas suas múltiplas fun??es (VALLE, 2009).Apesar de todas as particularidades, pode-se afirmar que o anseio da partici- pa??o dos diversos setores da sociedade é superior às dificuldades financeiras. A atua??o do Movimento Nacional pela Participa??o Popular na Constituinte, iniciado no29estado do Rio de Janeiro e do Plenário Pró-Participa??o Popular, estabelecido no es- tado de S?o Paulo, para apresentar alguns exemplos outros que n?o os da inf?ncia e juventude apresentados no presente capítulo, v?o garantir a possibilidade de partici- pa??o popular ampla, como a garantia da possibilidade de emendas populares no regimento interno da Assembleia Nacional Constituinte.A urgência da participa??o popular, seja por demandas dos próprios setores n?o governamentais organizados à época ou pela própria natureza de pretens?o de- mocrática do processo da Constituinte, pode ser observada na publicita??o das dis- cuss?es realizadas na constru??o do texto constitucional. O presidente da ANC tinha poderes para requisitar dos meios de comunica??es de massa até sessenta minutos diários para expor temas de interesse, sendo uma das fontes mais constantes de atu- aliza??o o programa de rádio “A voz do Brasil”, onde atualizou a popula??o sobre os avan?os da constituinte durante dezesseis meses consecutivos (ANDRADE, BONA- VIDES, 1991).Para estimular a participa??o da popula??o, foi amplamente divulgada a possi- bilidade de enviar propostas à Constituinte através de formulário próprio disponibiliza- dos pelos correios e as 72.719 sugest?es recebidas foram catalogadas como suges- t?es dos cidad?os e encaminhadas para setor especifico19, outra fonte de estimula??o de participa??o surge assim como a cria??o do “Jornal do Constituinte”, que possuía uma sess?o destinada à veicula??o de cartas20.A análise das cinquenta e duas edi??es do jornal da ANC21 permite diagnosti- car, em parte, aquilo que a Constituinte considerava importante para a divulga??o du- rante seus trabalhos. Em sua primeira edi??o do jornal, Benevides (1987, p. 2) come- mora em artigo destacado, a inclus?o, por parte do ent?o relator Fernando Henrique Cardoso, de artigo no Regimento Interno da ANC permitindo a apresenta??o de pro- posta de emenda ao projeto da constitui??o22, e a previs?o, hoje sabemos correta, de que nenhuma iniciativa se tornaria maior, em conteúdo e participa??o, do que aquela protagonizada pelo movimento “Crian?a na constituinte”.19Sistema de Apoio Informático à Constituinte (SAIC)20 Nem todas as edi??es traziam as cartas dos leitores.21 Compreendendo as datas de 8 de junho de 1987 a 14 de agosto de 198822 Com os seguintes requisitos: mínimo de 30 mil eleitores, sendo representadas por três entidades associativas legalmente reconhecidas.30De fato, este movimento surge pela articula??o de diversos grupos sociais or- ganizados, buscando a inser??o dos direitos da inf?ncia e juventude, que acabou por ser subscrita pelo constituinte Nilson Gibson (PMDB), fruto da enorme ades?o popular através dos abaixo-assinados (um milh?o e duzentas mil assinaturas), merecendo destaque para o seguinte trecho da justificativa:Na coleta dessas assinaturas houve fatos emocionantes: crian?as que ainda n?o sabiam escrever, mas sabiam de suas necessidades e direitos, queriam marcar a folha com seus dedos coloridos de tinta; crian?as que mandavam cartinhas junto com a folha de abaixo-assinado, expressando muito mais do que o texto que encabe?ava a folha de assinaturas. Houve jovens e adultos que saíram à rua, às pra?as, às cal?adas para conversar com as pessoas que passavam e envolve-las nessa luta em defesa da crian?a. (BRASIL, 1988b)Apesar de pesquisas em dados do Arquivo Histórico do Museu da República do Rio de Janeiro, que disp?e de ampla cole??o de documentos referentes à época, indicar que número expressivo da sociedade n?o chegou a perceber mudan?as em sua rotina ou uma atitude mais ativa durante a fase de reuni?es da constituinte, como indica ampla parcela da sociedade brasileira n?o chegou a perceber mudan?as es- senciais na rotina de sua vida, nem tomou parte ativa no processo constituinte (VER- SIANI, 2010), por conta de quest?es que s?o inerentes de nossa cultura e diversos fatores sociais ainda latentes à época.Mesmo que possamos questionar a real extens?o da participa??o da popula??o de modo geral, n?o há dissenso sobre a ativa participa??o dos movimentos sociais organizados e de alguns indivíduos singulares e afins na constru??o do projeto cons- titucional (ANDRADE, BONAVIDES 1991; PILOTTI, 2000; PINHEIRO, 2004, RIZZINI,2011, UNICEF, 2011).A segunda edi??o do Jornal da Constituinte, com foco especial nas quest?es da educa??o, privilegia artigos sob a ótica dos direitos da inf?ncia e juventude, discu- tindo o modelo de ensino que se buscava, assim como o destino de verbas a elas alocadas, onde o discurso prevalente à defesa do tema envolvia a corre??o de injus- ti?as sociais e uma maneira de tirar as crian?as das ruas.Quando a temática retorna na quarta edi??o, encontramos uma quantidade sig- nificativa de cartas de leitores do jornal trazendo abordam os direitos deste grupo es-31pecifico em tópicos como controle de natalidade e cuidados para as crian?as especi- ais, duas cartas diferentes pedindo a cria??o de abrigo-escola ou de um órg?o espe- cífico para cuidados integrais às crian?as em situa??o de rua e puni??o para os geni- tores que n?o colocam seus filhos na escola.Quando da quinta edi??o do jornal, em 20 de julho de 1987, as emendas popu- lares ganham novo destaque nos artigos, e a principal inclus?o discutida é exatamente a da inf?ncia e juventude, com uma atualiza??o do número de brasileiros que exigiram inser??o do tema na constitui??o, que agora era de dois milh?es23.Na mesma edi??o, o Constituinte Nelson Aguiar conclui, com base nas diversas discuss?es desenvolvidas até aquela etapa, que a temática da inf?ncia e juventude n?o poderia ser resumida à falta de recursos, e que a constitucionaliza??o destes direitos faria assumir uma nova cultura, onde esta faixa da popula??o seria entendida sob a ótica de verdadeiros sujeitos de direitos (BRASIL JORNAL DA CONSTITUINTE, 20 de julho de 1987 p. 13).Tal conclus?o se respalda na própria escolha editorial do Jornal da Constituinte, como demonstrado graficamente através de estudo realizado por este pesquisador:Gráfico 1 – Presen?a do tema “direitos das crian?as” nas 52 edi??es do “Jornal da Constituinte”Jornal da Constituinte - Presen?a dos Direitos dasCrian?as806040200Crian?a nosArtigos 47Crian?a nosArtigos 66Crian?a nas Crian?a nasCartas10Cartas6Crian?a nos ArtigosCrian?a nas Cartas19871988Fonte: Próprio autor23 Esta é uma fase com uma série de propostas da popula??o, como a emenda PE00002-4 que previa uma coibi??o a qualquer prática censura enquanto coexistiam propostas como a PE00084 - 9 que defendia uma manuten??o do instituto da censura, indicando que deveria ficar sob respon- sabilidade do Departamento da Polícia Federal. Porém, nenhuma apresentou a ades?o popular das emendas em rela??o aos direitos da inf?ncia e juventude, percebe-se, a partir da na-análise dos documentos oficiais e reportagens de jornais que a emenda que vedava qualquer tipo de cen- sura teve a ades?o de apenas trinta mil brasileiros – número impifio quando considerados os dois milh?es que exigiam a inclus?o, no texto da Constitui??o a nascer, dos direitos da inf?ncia e juven- tude.32Todas as edi??es24 contavam com dezesseis páginas, em uma estrutura??o que variava conforme a necessidade das publica??es25, com os temas mais presentes nas discuss?es populares e na própria constituinte. O gráfico acima foi construído a partir da análise das cinquenta e duas edi??es disponíveis na forma online no sítio da C?mara dos Deputados, primeiro analisando a presen?a da palavra “crian?a” através do sistema de busca do leitor de arquivos pdf, ent?o analisando o contexto em que apareciam.A contabiliza??o do presente quadro demonstra quantos artigos do jornal trata- vam, direta ou indiretamente26, dos direitos da inf?ncia e juventude, excluindo as re- peti??es da palavra “crian?a” – ou seja, se determinado artigo do jornal utilizasse a palavra “crian?a” seis vezes seguidas, ela seria contabilizada como apenas uma para a constru??o do presente gráfico, sempre analisando todo o conteúdo dos artigos, tornando os resultados confiáveis quanto à presen?a de temas específicos da inf?ncia e juventude.O mesmo procedimento foi aplicado em rela??o às cartas dos cidad?os envia- das para Brasília, onde somente se contabilizou a primeira presen?a da palavra “cri- an?a”, excluindo-se repeti??es do termo na mesma carta.A quantidade de artigos demonstra o interesse, por parte da constituinte, na publicidade das discuss?es dos direitos da inf?ncia e juventude – também, como já demonstrado, pela press?o dos movimentos sociais organizados e as discuss?es in- ternacionais relativas ao tema – tornando a quest?o social e jurídica da crian?a uma constante nas edi??es27.Enquanto há certa regularidade nos temas dos artigos, abordando a import?n- cia da saúde e educa??o na inf?ncia e juventude, as cartas dos leitores apresentam interessante diversidade temática, recortando os debates genéricos apresentados nos24 Com exclus?o da edi??o especial de Junho de 1987, apresentando o anteprojeto da constitui??o, e que contou com 24 páginas.25 Como a ausência da área destinada à carta dos leitores, que n?o se encontra presente em inú- meros exemplares, um dos prováveis motivos para a pequena quantidade de cartas tratando da inf?ncia.26 Por exemplo, alguns artigos tratavam dos direitos das mulheres, porém sempre com destaque para a prote??o da inf?ncia27 Das cinquenta e duas edi??es, apenas sete n?o apresentam referência significativa às quest?es da inf?ncia e juventude.33artigos do jornal e trazendo para a realidade da necessidade da discuss?o de ques- t?es sobre os direitos de minorias específicas como as crian?as com deficiências físi- cas ou mentais.A disparidade numérica observada entre artigos e cartas publicadas n?o deve ser interpretada como uma baixa participa??o popular em rela??o ao tema, por dois motivos: como anteriormente apontado, nem todas as edi??es traziam o espa?o de cartas recebidas pela popula??o e quando apresentadas, eram sempre em média 5 cartas. Assim, é possível estabelecer que tanto pela análise dos artigos quanto da presen?a de cartas há uma forte liga??o entre a constru??o do texto da Constitui??o Federal e a demanda popular por estes direitos.Desenvolvido o percurso histórico-evolutivo do tratamento do tema da inf?ncia e da adolescência no cenário normativo brasileiro, e compreendidos os termos em que a matéria alcan?ou a Assembleia Constituinte, tem-se os elementos necessários a uma melhor compreens?o dos termos em que se p?s o desenho institucional forjado para o tratamento do tema. Essa a matéria que se desenvolve no capítulo subse- quente.34A CONSTRU??O DE UM SISTEMA DE PROTE??O INTEGRAL ? INF?NCIA E JUVENTUDEExaminada a constru??o histórica da inclus?o da inf?ncia e juventude como um foco constitucional, se faz necessário situar o que chamamos de “sistema de prote??o integral” ou “sistema de garantias da inf?ncia e juventude” e sua estrutura no corpo jurídico e administrativo atual.O texto constitucional n?o estabelece a arquitetura institucional do sistema re- lativo à inf?ncia e juventude, se preocupando apenas com uma indica??o dos princí- pios que devem ser perseguidos pela Administra??o Pública. Assim, os direitos fun- damentais da inf?ncia e juventude ganharam um destaque de grande import?ncia na estrutura??o da Carta Magna, expandindo-se para além daqueles previstos nos arti- gos 5? e 6? da Constitui??o Federal, compreendendo ainda “o dever de assegura- mento pelo mundo adulto (Estado, Sociedade e Família) dos direitos de crian?as e adolescentes a que refere o caput do artigo 227” (MACHADO, 2003, p.138).O sistema de garantias28 dos direitos da crian?a e do adolescente compreende um conjunto extenso de estruturas institucionais, bem como atores governamentais e n?o-governamentais, que precisam atuar de forma integrada e articulada para a de- fesa e promo??o dos direitos fundamentais da inf?ncia e juventude29. Isto n?o significa que inexistam protagonismos no novo modelo, mas pode-se afirmar que existiu um deslocamento de um sistema que antes se baseava em uma rela??o verticalizada entre Estado e a família para um modelo que implica na compreens?o de que os ato- res públicos possuem uma import?ncia estrutural, porém s?o precedidos pela autono- mia familiar e dependem do comprometimento da sociedade. Isto, por si só, já justifi- caria afirmar que o sistema pós 1988 apresenta uma proposta de um novo modelo.Em compara??o com o que se observava no Código de Menores de 1979, o texto da Constitui??o Federal de 1988 e do Estatuto da Crian?a e do Adolescente retirou do Judiciário o protagonismo antes vivido (LORENZI, 2007, p. 5), assim, o28 Sua melhor conceitua??o encontra-se na Resolu??o n° 113/06 do CONANDA “Art. 1? O Sistema de Garantia dos Direitos da Crian?a e do Adolescente constitui-se na articula??o e integra??o das inst?ncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplica??o de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promo??o, defesa e controle para a efetiva??o dos direitos humanos da crian?a e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.”29 Também chamado de “Doutrina da Prote??o Integral”.35termo ‘autoridade judiciária’ aparecia no Código de Menores de 1979, setenta e cinco vezes enquanto na Lei da Funda??o do Bem Estar do Menor, aparecia oitenta e uma vezes30.O próprio Estatuto da Crian?a e do Adolescente também utiliza diversas vezes o termo “autoridade judiciária”, porém o novo panorama jurídico trazido pelo Estatuto da Crian?a e do Adolescente possui caráter universal, onde o Judiciário é apenas um dos muitos atores envolvidos na rede, muitas vezes passando ao largo de muitas quest?es que seriam, em tese, resolvidas por outros atores pertencentes ao Executivo. Enquanto o Código de Menores de 1979 tinha regras específicas para as crian?as e adolescentes em situa??o de risco, o que efetivamente trazia uma tutela jurisdicional obrigatória para resolver todas as quest?es descritas naquela codifica??o.O ECA, ent?o, já em seu primeiro artigo, adota uma postura de atuar na cha- mada “prote??o integral” prevista na Carta Magna e Digiácomo e Digiácomo (2013, p.3) apontam que esta é uma resposta tanto ao texto constitucional quanto à norma- tiva internacional, que já tratamos no capítulo anterior, e que uma leitura teleológica importa compreender que sob esta orienta??o, toda interpreta??o deve ser realizada em favor das crian?as e adolescentes “para exigir da família, da sociedade e, acima de tudo, do Poder Público, o efetivo respeito a seus direitos relacionados neste e em outros Diplomas Legais, inclusive sob pena de responsabilidade (cf. arts. 5?, 208 e 216, do ECA)”.Neste sentido, é preciso situar como as políticas públicas se tornam instru- mento para a concretiza??o dos direitos conquistados nos anos 80 e 90 no Brasil e, como se faz necessário investimento nas políticas sociais e uma busca por um Judi- ciário que possa pautar suas decis?es na busca de um maior equilíbrio social.O desafio, portanto, é compreender a crian?a e adolescente como sujeitos de direitos, com todas as garantias necessárias para o desenvolvimento saudável destes indivíduos, ou seja, é trata-los como legítimos titulares de direitos desde o nascimento, independente de encontrar-se em situa??o de risco ou n?o (LIMA, VERONESE 2012,30 Esta afirma??o da autora, com base nos termos de quantidade de vezes em que o termo se apresenta, pode ser rebatida já que, n?o necessariamente, as setenta e uma vezes da recorrência do termo é que qualificam o protagonismo do Judiciário. Tal compreens?o surge do contexto de uma cultura jurídica especifica que foi apresentada no capítulo anterior e que compreendia a figura do juízo como uma substitui??o necessária aos genitores de crian?as e adolescentes em situa??o de risco.36p.95-99), o que acaba por exigir o rompimento com cultura de um direito preocupado apenas com a popula??o infanto-juvenil em situa??o irregular.Quadro 2 – Diferen?as entre os modelosAspectoAnteriorAtualDoutrinárioSitua??o IrregularProte??o IntegralCaráterFilantrópicoPolítica PúblicaFundamentoAssistencialistaDireito SubjetivoCentralidade LocalJudiciárioMunicípioCompetência ExecutivaUni?o / EstadosMunicípioDecisórioCentralizadorParticipativoInstitucionalEstatalCogest?o/Sociedade CivilOrganiza??oPiramidal HierárquicaRedeGest?oMonocráticaDemocráticaFonte: Brancher (2000, p. 121)O quadro acima demonstra como a cultura dos direitos da inf?ncia e ju- ventude, anterior à Carta Magna de 1988, refor?ava uma estrutura focada em grupos de risco social, portanto limitando sua atua??o às crian?as em situa??o de pobreza e comportamentos sociais indesejados, que carregavam a centralidade de decis?es para o Judiciário, criando assim uma atitude paternalista dos juízes em rela??o às crian?as e adolescentes que eram atendidas pelas varas especializadas, construindo um sistema que n?o protegia a crian?a ou adolescente que dela se servia, mas tendia a torná-la no principal sujeito de penas corretivas ao invés do devido reconhecimento da sua condi??o de vítima (DONIZETTI 1991, p.2; VERONESE 1999, p. 11; ABMP 2008, p. 84).Apesar de muitos acertos na estrutura??o comparativa apresentada por Bran- cher, se faz necessário estabelecer uma posi??o crítica, em especial se consideradas as informa??es disponibilizadas ao longo do capítulo anterior. Podemos, de fato, des- considerar tudo que foi realizado antes de 1988 como apenas um conjunto de a??es filantrópicas?37Será que podemos dar o veredito de que só ocorriam políticas públicas da in- f?ncia e juventude após a Constitui??o de 1988? Se entendermos políticas públicas como “um programa de agir estatal minimamente desenhado a partir de uma diagnose de problemas e da explora??o de solu??es possíveis” (VALLE 2011, p.11), é insofis- mável que n?o se pode desconsiderar que estas sempre existiram na área da inf?ncia e juventude.N?o é por isso que n?o se possa efetivamente criticar o modelo anterior, que, e nestes termos concordamos com Brancher (2000), revestiam-se também sob forte manto filantrópico. Porém, a análise do texto constitucional presente, que estabelece a necessidade de uma estrutura??o da Administra??o Pública para a integral prote??o da inf?ncia e juventude, ainda prevê a filantropia como um dos eixos para a solu??o dos males da pobreza, violência e outras quest?es que afetam a popula??o infanto- juvenil.Tal se demonstra com a leitura literal do próprio artigo 227, parágrafo primeiro, da Constitui??o Federal, quando estabelece a presen?a das “organiza??es n?o go- vernamentais” como participantes do processo.? sob este aspecto que se faz necessário trabalhar a no??o do sistema de ga- rantias e defesa da inf?ncia e juventude como o resultado de uma longa constru??o dos movimentos sociais e, como situam Rizzini, Pereira e Thapliyal (2007), o Estatuto da Crian?a e do Adolescente é tido como um marco por transpor para o direito positi- vado uma série de reivindica??es que modificaram a forma de se entender as políticas públicas da inf?ncia e juventude.Assim, a Constitui??o Federal de 1988 trouxe como marca a solidariedade ju- rídica entre Estado, família e a própria sociedade, portanto, sob o manto constitucional onde os direitos das crian?as e adolescentes forma revestidos.Deve-se repensar todas as políticas anteriormente assumidas, buscando nelas uma nova estrutura, inclusive or?amentária, diretamente em cada ramo do Poder Exe- cutivo, através de seu Plano Or?amentário Plurianual e outros recursos de planeja- mento, buscando, na medida de suas possibilidades, manter a prioridade nas políticas públicas prevista na própria Constitui??o Federal, como determinado no caput do ar- tigo 227.38Porém, como a responsabilidade é compartilhada, se previu a constru??o de um sistema que, para sua sustentabilidade e eficácia, contasse também com outros atores. ? preciso situá-lo como um instrumento jurídico que ganha for?a e sentido principalmente por meio da sociedade civil organizada, que, previsto no Estatuto da Crian?a e Adolescente, “possibilitou a cria??o de estruturas em nível local para expan- dir a participa??o dos membros das comunidades e da sociedade civil, em geral, em iniciativas relativas à inf?ncia e adolescência” (RIZZINI, PEREIRA, THAPLIYAL, 2007 p.4).? neste contexto de diálogo entre diversos atores governamentais e n?o gover- namentais que ocorre a instrumentaliza??o mais efetiva destes direitos, que nasce, dentre outras formas, da cobran?a constante da atua??o do poder público nas ques- t?es que lhe sejam corresponsabilidade.Esta nova estrutura se traduz em um sistema de prote??o baseado no que a doutrina, de forma majoritária, dentro e fora dos textos jurídicos, se refere ao aspecto de uma rede, composta por diversos servi?os da administra??o pública dos diversos entes Executivos e sociedade civil, conectados por uma orienta??o de promo??o e prote??o de direitos da inf?ncia e juventude, tendo Brancher (2000, p. 130) o seguinte posicionamento:Na prática indissociável dos indivíduos que integram as organiza??es, a ex- press?o “Rede de Prote??o” utilizada para o sistema de garantia do estatuto melhor se refere ao uso do termo na sua acep??o metafórica. Assim, muito embora seu funcionamento esteja calcado em rela??es interpessoais que, em dado momento, os operadores de cada organiza??o possam acionar, o que designamos por sistema de garantia de direitos da inf?ncia e da juventude e o que vem se tornando corrente denominar por “Rede” reflete um sistema de conex?o entre as diferentes organiza??es integradas por esses indivíduos. Naturalmente, como resultante da a??o humana correspondente à presta??o de servi?os a que se referem, tais rela??es organizacionais passam a guardar características em grande parte associadas ao tráfego das rela??es interpes- soais subjacentes.O sistema desenvolvido é ambicioso, n?o só por suas inúmeras institui??es desenvolvendo programas nacionais e regionais, mas também por sua proposta mul- tidisciplinar, carregando suas atua??es para áreas de políticas públicas que n?o nas- ceram com o enfoque especifico da inf?ncia e juventude, tal como o Sistema ?nico de Saúde (SUS), o que tornaria impossível o seu aprofundamento no presente trabalho.39Portanto, no presente capítulo, pretende-se apresentar o panorama geral desta “rede”, a fim de perceber como ela se desenhou após todo o movimento descrito no capítulo anterior.A “REDE” E SEU ASPECTO INSTITUCIONALN?o é possível compreender a extrema complexidade do que chamamos de “rede de prote??o” sem antes estabelecer as diferen?as entre o seu aspecto instituci- onal, ou seja, aquele que compreende as estruturas dessa mesma natureza afetas às esferas de atribui??o dos Poderes Executivos (Federal, Estadual e Municipal), e seu aspecto operacional, que no presente trabalho será entendido como as políticas pú- blicas que se construíram a partir do desenho mais abrangente do sistema. A lógica constitucional de integra??o dos múltiplos níveis e agentes dessa mesma chamada rede de prote??o gera dificuldades na compreens?o do papel de cada qual nesse macro objetivo de preserva??o a este particular grupo de vulneráveis, pelo que, rele- vante a compreens?o da dimens?o institucional.Quadro 3 – Estrutura básica do Sistema de Prote??o à Inf?ncia e JuventudeFonte: Próprio autor40Como se pode observar na estrutura acima, existe uma forma??o parecida para os três níveis de atua??o da administra??o pública, formada por um fórum executivo, que delibera através dos seus respectivos conselhos, possuindo fundos or?amentá- rios específicos vocacionados ao financiamento de políticas públicas para a inf?ncia e juventude.Podemos estabelecer como princípios basilares de toda a a??o da chamada rede de prote??o à inf?ncia e juventude dentro dos seguintes temas: a prioridade ab- soluta, a prote??o integral, a descentraliza??o político-administrativa, e a participa??o da sociedade civil.O princípio da prioridade absoluta e prote??o integral surgem do artigo 227 da Constitui??o Federal de 1988 e do artigo 4? do Estatuto da Crian?a e Adolescente, determinando que família, Estado e sociedade devem assegurar com absoluta priori- dade, todos os direitos da inf?ncia e juventude elencados no texto constitucional, ou seja, os direitos à vida, à saúde, à alimenta??o, à educa??o, ao esporte, ao lazer, à profissionaliza??o, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fa- miliar e comunitária.? importante situar que toda a sistemática de promo??o ou defesa dos direitos fundamentais da inf?ncia e juventude s?o em primeiro lugar fun??o da família, Digiá- como e Digiácomo (2013, p. 6) chamam aten??o para o fato de que tanto na reda??o do texto constitucional, quanto na reda??o do artigo referente ao tema no Estatuto da Crian?a e Adolescente come?a com o mesmo mandamento “? dever da família…”, portanto esta é a primeira institui??o que tem a obriga??o de defender sua descen- dência. A conclus?o, é de se apontar, é intuitiva, já que é o ambiente familiar que se tem o contato mais próximo e permanente com a crian?a e adolescente, sendo essa, portanto a instancia primariamente vocacionada ao seu arrimo.Caso a crian?a ou adolescente venha a necessitar de uma medida de prote??o, o Estatuto da Crian?a e do Adolescente, em seu artigo 100, estabelece o seu foco nas necessidades pedagógicas, preferencialmente construindo o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários dos sujeitos da medida protetiva. Neste sentido, a prevalência da obriga??o familiar seria entendida n?o como uma interferência do peso do Estado sob a realidade privada, já que o próprio estatuto prevê uma interven??o41mínima, com prevalência às medidas que mantenham ou reintegrem as crian?as e adolescentes em suas famílias naturais ou extensas.O princípio da descentraliza??o político-administrativa e a participa??o da soci- edade civil ser?o melhor exploradas no Capítulo 5 do presente trabalho, porém, se faz necessário estabelecer que descentralizar é pautar a Administra??o Pública “em um contexto de divis?o de tarefas, responsabilidades e de a??es entre governo e socie- dade” (LIBERATI, 2012, p.141). Esta se encontra intimamente ligada à participa??o social, pois a última refor?a a primeira – em uma situa??o em que n?o há um poder centralizador, a sociedade civil é convidada a participar e cuidar da gest?o das ques- t?es que lhes afetam, e assim a democracia se fortalece, especialmente em países como o Brasil, que saíram de uma experiência de regime político autoritário (CRUZ, 2006, p. 35-38).A Resolu??o N? 113/06 do Conselho Nacional de Direitos da Crian?a e do Ado- lescente (CONANDA), surge com o intuito de finalmente estabelecer de forma melhor elaborada, quais seriam as políticas de atendimento de direitos previstas no Estatuto da Crian?a e Adolescente (BRASIL, 2010 p.46), e o faz com base em uma série de eixos, que a Secretaria de Direitos Humanos (SDH Federal) apresenta em seu sítio na internet com uma vers?o resumida para o grande público (BRASIL, 2015).Um dos principais méritos que podem ser apontados é uma defini??o e explici- ta??o do funcionamento do Sistema de Garantia dos Direitos da Crian?a e do Adoles- cente31 em seus primeiros três artigos, quando descreve a rede em seu artigo 1? como uma articula??o integrada de órg?os públicos e da sociedade civil com a finalidade de “aplica??o de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de pro- mo??o, defesa e controle para a efetiva??o dos direitos humanos da crian?a e do adolescente” (BRASIL, 2006 p.1), competindo a este conjunto de atores a promo??o, defesa e efetiva??o dos diversos direitos fundamentais das crian?as e adolescentes.Quanto aos eixos, estes dividem-se em três: “eixo da defesa dos direitos hu- manos”, “eixo da promo??o de direitos” e o “eixo do controle e efetiva??o dos direitos”, onde o primeiro deles se preocupa com a efetiva??o do direito fundamental de acesso à justi?a, e divide-se entre os de natureza judiciais (varas da inf?ncia e juventude e suas equipes multiprofissionais como psicólogos e assistentes sociais), os público-31 Também chamados de “Sistema de Prote??o” e “Rede”42ministeriais (Promotorias de justi?a, Procuradorias de justi?a, e as corregedorias ge- rais do Ministério Público), assim como as Defensorias Públicas, a Advocacia Geral da Uni?o, as polícias administrativas, os Conselhos Tutelares e as ouvidorias.O eixo de promo??o de direitos é a atua??o transversal e inter-setorial das po- líticas previstas nos artigos 86 a 89 do Estatuto da Crian?a e Adolescente, que envol- vem todo o conjunto de políticas básicas preventivas ou n?o, da inf?ncia e juventude, que v?o desde o direito fundamental à educa??o até as medidas socioeducativas para a juventude que comete atos análogos a crimes.O eixo do controle, por sua vez, é realizado pelos órg?os colegiados como os conselhos dos direitos da inf?ncia e juventude, as entidades sociais e os diversos atores que possuem previs?o constitucional para tal32. Portanto, no ?mbito federal o fórum e o conselho est?o ligados à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), já em suas estrutura??es estaduais e municipais, observa-se uma pluralidade de setores que clamam para si a competência para atuar nos seus res- pectivos fóruns e conselhos.Os Conselhos de Direitos da Crian?a e do Adolescente, apesar da presen?a representativa da Administra??o Pública em seus cargos, possuem autonomia como órg?o33, o que, em tese, permitiria a constru??o de um conjunto de metas que n?o ficariam vinculadas ao mandato de determinado partido em situa??o de poder.Portanto, é preciso encarar que a rede, por sua própria estrutura plural, com uma gest?o descentralizada e que precisa conjugar a extensa quantidade de direitos estabelecidos pela Constitui??o Federal e o Estatuto da Crian?a e Adolescente apre- sente problemas estruturais peculiares, já que tal fragmenta??o pode culminar em si- tua??es onde o diálogo entre seus distintos níveis e componentes nem sempre é bem engrenado.32 Conforme aponta o artigo 21, III da Resolu??o n? 113/06, “os órg?os e os poderes de controle interno e externo definidos nos artigos 70, 71, 72, 73, 74 e 75 da Constitui??o Federal.”33 Quest?o parecida com o Conselho Tutelar, ligado ao Executivo Municipal – estes possuem en- contram-se inseridos naquela estrutura administrativa, porém s?o dotados de autonomia. ? possí- vel questionar-se até que ponto eles s?o efetivamente independentes, já que n?o s?o raros relatos de conselheiros tutelares a respeito da dependência em rela??o ao administrador pública para fornecer as kombis, realizar o pagamento das contas telef?nicas e uma série de outras quest?es de infraestrutura que indicam uma ausência de autogerência (vide capítulo cinco do presente tra- balho).43Este sistema desenhado entende uma orienta??o horizontal, capaz de viabilizar o desenvolvimento de a??es integrada, e concordando com Bobbio (1992, p. 16), o problema n?o é necessariamente a justifica??o ou defini??o dos direitos disponíveis, mas efetivamente como viabiliza-los politicamente. Como indica Baptista (2012, p. 188), a complexidade de sua arquitetura n?o deve impedir “uma articula??o lógica Inter setorial, interinstitucional, Inter secretarial e, por vezes, intermunicipal”, onde a sua própria estrutura leva a diversos subsistemas que v?o se especializando.? na constru??o do texto do Estatuto da Crian?a e do Adolescente (ECA)34, que o legislador escolheu aprofundar e direcionar a instrumentaliza??o dos direitos funda- mentais previstos na Constitui??o Federal de 1988. ? neste diálogo entre o que a Constitui??o estabeleceu como direitos fundamentais da inf?ncia e juventude, e o aprofundamento destes direitos no texto do Estatuto da Crian?a e Adolescente que se constrói uma orienta??o que é tanto verticalizada quanto horizontalizada.Porém n?o se pode incorrer nem no risco de diminuir a import?ncia do poder público, delimitando o sistema de garantias como uma presta??o constante, pois as- sim se renegaria a proposta constitucional original de uma estrutura horizontal que só pode sobreviver com uma alta dose de participa??o cidad?, como também n?o se pode aumentar infinitamente o peso da participa??o cidad? através da sociedade civil, diminuindo o papel do Estado. O ideal é a busca de um equilíbrio, com uma a??o estatal marcadamente subsidiária, e que nunca dispensa a intercess?o da sociedade civil.Um aspecto peculiar ao tema é sua municipaliza??o, conforme a própria orien- ta??o constitucional nos artigos 227, §7? e art.204, e desenvolvido no artigo 88 do ECA que coloca como diretriz primeira da política de atendimento a municipaliza??o. Reconhecer a multiplicidade e as particularidades das quest?es da inf?ncia e juven- tude em um país de dimens?es continentais, e colocar o município como a porta de entrada das políticas públicas da área permite a identifica??o dos problemas mais urgentes e uma resposta mais célere para uma série de perguntas que dominam a área da inf?ncia e juventude.34 “Art. 86. A política de atendimento dos direitos da crian?a e do adolescente far -se-á através de um conjunto articulado de a??es governamentais e n?o-governamentais, da Uni?o, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. ”44Como pontuam Souza e Lira (2008, p. 65), a Carta Magna situa o papel da Uni?o como um coordenador, que venha a formular apontamentos gerais, devendo cada Estado e Município cuidar de suas particularidades onde “os atores locais envol- vidos na área da inf?ncia e da juventude devem encarar a municipaliza??o do atendi- mento como conteúdo programático”.Assim, entra a cria??o do conselho municipal, e sua vincula??o ao Conselho Tutelar, órg?o unicamente do Poder Executivo municipal.A fundamenta??o de tal posicionamento nasce da no??o de que n?o seria pos- sível conceber que os atores federais pudessem ter o pleno acesso e conhecimento das particularidades, especialmente se tratando em um país do tamanho como o Bra- sil, repleto de diversas culturas e peculiaridades, portanto, caberia aos atores munici- pais a elabora??o de suas quest?es internas.Neste sentido, o Conselho Tutelar acaba por representar uma porta de entrada para o acesso à realidade da inf?ncia e juventude de determinado local, sob respon- sabilidade de uma secretaria específica, como no caso do município do Rio de Janeiro, que atualmente35 fica sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Desenvolvi- mento Social (SMDS), que coordena dezessete conselhos tutelares. Estes, por sua vez, precisam dialogar com outros onze Centros de Referência Especializado de As- sistência Social (CREAS/CDS) e um sem número de outros órg?os.Nesta rela??o dialógica, encontramos o Estado e a Uni?o com um papel de estimular e facilitar financeiramente a realiza??o da coleta de informa??es e defini??es da maioria dos programas, porém s?o claras as inten??es do legislador em rela??o à autonomia e o dever do Município na condu??o de boa parte das políticas públicas da área.Em uma vis?o sequencial do processo de formula??o de políticas públicas, em que se observa o sistema em suas seis etapas distintas, ou seja, o problema que exige um diagnóstico, a solu??o, estratégia, avali??o dos recursos e execu??o, exige-se repensar o papel do tempo neste processo, onde a constata??o das experiências pas-35 O termo “atualmente” foi utilizado já que as secretarias responsáveis pelo sistema de garantias de direitos das crian?as e adolescentes no município do Rio de Janeiro já foram outras ao longo dos últimos 20 anos.45sadas para que se possa projetar um determinado futuro desejado depreende neces- sariamente de um “intervalo de matura??o, de evolu??o dos vetores com os quais ele opera” (VALLE, 2009 p.45).Na inf?ncia e juventude a formula??o, implanta??o e monitoramento das políti- cas públicas compreende um complexo conjunto de participa??es, com necessária participa??o infanto-juvenil. O trabalho realizado pela ABMP (Associa??o Brasileira de Magistrados, Promotores de Justi?a e Defensores Públicos da Inf?ncia e da Juven- tude), com uma série de fluxogramas, representa bem o sistema e será a base das considera??es aqui realizadas.O papel da sociedade civil é, sem dúvidas, uma das mais complicadas da equa- ??o proposta pelo sistema de rede36, pois, como já apontava Valle (2009 p. 49), o equilíbrio de todas as rela??es subjetivas que permeiam os temas das políticas públi- cas, e isso se aplica de forma muito mais pungente às quest?es da inf?ncia e juven- tude, é tema delicado, já que “a simples afirma??o da superveniente dissintonia entre política pública e o querer coletivo n?o se pode reputar suficiente à legitima??o do reorientar do agir estatal”.Portanto, a proposta do texto constitucional que prevê a sociedade civil em uma série de papéis dentro das políticas públicas37 precisa ser pensado dentro de uma lógica capaz de garantir sua própria eficácia. A solu??o tem sido o fortalecimento das redes primárias de prote??o, que envolvem a própria família, em sua acep??o mais extensa, ou seja, além dos próprios genitores, que apesar de possuírem restri??es que s?o típicas do seu tamanho limitado e da informalidade, conforme aponta Guará (2010, p. 43-48), também prestam uma rede de afeto e proximidade capaz de atuar com maior express?o nas quest?es emergenciais, sem, obviamente, retirar do Estado o seu papel n?o só como corresponsável, mas também como facilitador do fortaleci- mento destas entidades familiares.Neste sentido, existem bons exemplos de fomento e empoderamento da soci- edade e, mesmo que nem sempre nas?am da quest?o da inf?ncia e juventude, muitas36 N?o só em uma constru??o teórica, mas também pelos diversos artigos já citados, há clara in- ten??o do legislador em considerar a participa??o popular na elabora??o de políticas públicas para inf?ncia e juventude como ingrediente essência à legitimidade das políticas desenvolvidas.37 Auxiliando no diagnóstico dos problemas, desenvolvendo e apresentando dados, indicando pos- síveis solu??es e monitorando a implementa??o das políticas públicas, denunciando as faltas, in- suficiências e inadequa??es a partir do planejamento democrático previsto, em especial, nos ar ti- gos 198, III, 204, II e 206, VI da Constitui??o Federal de 1988.46vezes acabam por afetar positivamente essa mesma seara. Uma ilustra??o dessa cross-fertilization se tem no recém-criado curso livre de cento e quarenta e quatro horas desenvolvido pela Coopera??o Social da Presidência da Fiocruz, cujo objetivo é formar lideran?as sociais, focando n?o só nos moradores, mas também aqueles que já atuam em áreas sócio ambientalmente vulnerabilizadas, para que possam aprender a elaborar projetos sócio comunitários38. Ainda que n?o se tenha aqui temas especí- ficos no campo da prote??o à inf?ncia e adolescência, a melhoria de qualidade na vocaliza??o pela sociedade de suas próprias expectativas contribui para o aprimora- mento do referido diálogo.QUANDO O MACRO DIALOGA COM O MICRO: O PAPEL DO “DISQUE 100” NA SUA RELA??O COM A REDE DE PROTE??OO Disque 100 come?ou sob o nome “Disque Denúncia”, em 1997 como um servi?o prestado pela Associa??o Brasileira Multidisciplinar de Prote??o à Crian?a e ao Adolescente (ABRAPIA), em convênio com o Ministério da Justi?a e o Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), cujo objetivo era possibilitar que a popula??o denunciasse casos de violência sexual envolvendo crian?as e adolescentes (COSTA, 2012 p.56), que come?ou com uma atua??o regional no Rio de Janeiro.No ano 2000 o Governo Federal promove o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Infanto-Juvenil, após uma série de mobiliza??es sociais, envolvendo ato- res governamentais e n?o governamentais, “visando alcan?ar maior eficiência, efeti- vidade e eficácia dos programas sociais de enfrentamento da violência sexual” (PAI- X?O; DESLANDES 2010 p.4), onde se prop?s um disque nacional e mais abrangente que apenas o foco na violência sexual.Em 2003, o Governo Federal assume este servi?o, atuando através da Secre- taria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) em uma coopera??o com o Ministério da Saúde, que ofereceu seu sistema de registros de denúncias à ouvidoria do SUS, e o Ministério do Turismo. Conforme a previs?o do Plano Nacional38 O curso é dividido em três módulos e compreendem a forma??o sócio-política, com conceitos sobre a forma??o do Estado, as políticas públicas e participa??o social, um modulo de planeja- mento e elabora??o de projetos e o último modulo compreenderá a implanta??o de projetos sócio comunitários, com foco na capta??o de recursos e parcerias.47de 2000, o servi?o passa a atender quaisquer viola??es aos direitos da inf?ncia e juventude, retirando o foco inicial das quest?es de explora??o sexual. Em 2004 se inicia a busca por um sistema próprio de informa??o para registro de denúncias, es- quematizado pela SDH para atender as peculiaridades das denúncias recebidas, sendo implantado em 2005.Uma das características do Disque 100 é sua constante evolu??o desde que passou de um servi?o gerido por um ator n?o governamental para uma política pública federal oficial. A administra??o pública permitiu a expans?o do servi?o, que com um maior or?amento, possibilitou o aumento do número de funcionários, permitindo que no ano de 2006 os atendimentos telef?nicos pudessem ser realizados vinte e quatro horas por dia. Também pode-se pontuar como um momento de maior organiza??o do servi?o, com a inclus?o de um número de protocolo para cada denúncia, o que permi- tiria um acompanhamento de cada denúncia recebida.Em 2007 surge um Termo de Coopera??o entre a SDH, a Safernet Brasil e o Departamento de Polícia Federal, com foco na apura??o de denúncias de pornografia infantil disponibilizadas na internet, e em 2009, cria-se um e-mail que possibilitou no- vas formas de denunciar as violências contra a inf?ncia e juventude e outro acordo, desta vez com o Fórum Nacional de Coordenadores de Centros de Apoio da Inf?ncia e Juventude dos Ministérios Públicos dos Estados e Distrito Federal (FONCAIJE) es- tabelece-se a obriga??o dos promotores da inf?ncia e juventude monitorarem as de- núncias recebidas através do Disque 100.Até a presente data, o Disque 100 funciona com o envio de todas as denúncias recebidas diretamente ao Conselho Tutelar responsável pela área em que a crian?a residia com cópia para o Ministério Público, sob os cuidados da promotoria responsá- vel pela fiscaliza??o daqueles conselheiros. Assim permitindo uma constante averi- gua??o da atua??o dos Promotores no acompanhamento das denúncias, que reali- zam diversas reuni?es ao longo do ano para elaborar as melhores medidas para os casos que demandem atua??o.? possível estabelecer o fluxo simplificado do servi?o conforme quadro abaixo:48Quadro 4 – Estrutura simplificada do Disque 100Fonte: o próprio autorA Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), é responsável pela implementa??o das políticas de promo??o e prote??o aos direitos humanos no Brasil, e utiliza-se da Subsecretaria de Promo??o dos Direi- tos da Crian?a e do Adolescente (SPDCA), para formular e coordenar a política de promo??o, defesa e garantia dos direitos da crian?a e do adolescente no ?mbito naci- onal e interministerial, sendo um de seus programas mais importantes o Disque 100. As informa??es colhidas pelo servi?o na área da inf?ncia e juventude, indepen-dente de seu conteúdo sempre ter?o como destinatário principal o Conselho Tutelar, posto que o sistema de prote??o tem como base a municipaliza??o das políticas pú- blicas, e subsidiariamente poderá ser encaminhado para outros órg?os que precisem ser acionados tais como a Procuradoria Regional do Trabalho, Delegacias Especiali- zadas, dentro outros, e se tornam instrumentos diagnósticos imprescindíveis para ava- liar, em partes39, a situa??o das crian?as e adolescentes e a eficácia da atua??o ad- ministrativa naquele município.Em tese, o Disque 100 permite o mapeamento de regi?es críticas e contribui com o fine tuning das políticas públicas e permite o acompanhamento da popula??o que denuncia40, e o mapeamento de regi?es críticas do Estado do Rio de Janeiro ainda n?o é possível, pois estes dados, até a finaliza??o da presente pesquisa n?o39 Já que n?o é o único meio de se denunciar casos de violência contra a inf?ncia e juventude, posto que a popula??o tem à disposi??o o próprio Conselho Tutelar, as delegacias especializadas, as ouvidorias do Ministério Público e da Defensoria Pública, dentre outros servi?os.40 Diz-se em tese, pois durante a fase de pesquisa e tabula??o se tentou acessar os sítios dispo- nibilizados aos denunciantes para que possam fazer acompanhamento do caso e em todas as vezes, durante cinco meses, n?o se conseguiu acessar uma única vez o endere?o, dado como inexistente49estavam disponibilizados, já que ainda se encontra em aprimoramento das ferramen- tas diagnósticas41.O funcionamento do servi?o ocorre da seguinte maneira (BRASIL, 2010 p. 11): o indivíduo liga para o Disque 100 e é atendido pela recep??o automatizada da Uni- dade de Resposta Audível, onde lhe é fornecido a op??o de obter o telefone do Con- selho Municipal de sua regi?o, falar diretamente com um atendente ou obter algum retorno a respeito de denúncias previamente realizadas, ao optar por realizar uma denúncia, recebe atendimento especializado, com indica??es dos servi?os de prote- ??o ou mesmo orienta??o em casos onde a liga??o surja da própria vítima ou agressor.Após a narra??o do caso, o atendente registrará no sistema e posteriormente ocorrerá uma revis?o e classifica??o das denúncias, que s?o enviadas em até 24 ho- ras para os órg?os competentes pela central de encaminhamentos que divide os re- latos entre “denúncias urgentes”, “denúncias diferenciadas” e “denúncias gerais”, po- rém, n?o se restringe apenas a receber e encaminhar, já que existe uma central de monitoramento, responsável por inserir no sistema a resposta do Ministério Público e os retornos para os casos, por fim sendo monitorados e mapeados pela área de dados e tratamento da informa??o.3.2.1 UMA BREVE AN?LISE DOS FLUXOS OPERACIONAIS DAS COMUNICA- ??ES DIRECIONADAS AO “DISQUE 100”Escolhemos três situa??es que podem auxiliar na compreens?o de como os atores governamentais e n?o governamentais podem dialogar quando ocorrem viola- ??es específicas à inf?ncia e juventude.Utilizamos para tanto os fluxos operacionais recomendados pela ABMP, e que podem ser utilizados tanto por denúncias recebidas por quaisquer dos órg?os envol- vidos na rede de prote??o, inclusive ao próprio Disque 100.41 O autor da presente pesquisa buscou coletar os dados do Rio de Janeiro e durante as datas de 02/03/2015 a 04/02/2016 n?o conseguiu acesso a estes – uma possível explica??o para isto é que apenas no ano de 2014 o SIPIA Sinase - Sistema Nacional de Acompanhamento de Medidas So- cioeducativas, conseguiu se organizar, mas ainda com problemas para a alimenta??o dos dados em alguns Estados, como o exemplo do Rio de Janeiro, que ainda n?o possuí uma série de infor- ma??es quando pesquisados no sítio pretende, assim, permitir uma melhor visualiza??o de aspectos do sistema de garantias à inf?ncia e juventude, traduzindo melhor as complexas rela??es exis- tentes entre os diversos atores – públicos e privados42.Quadro 5: Fluxo Operacional de crian?a ou adolescente em situa??o de violência psicológicaFonte: Adaptado (ABMP, 2010, p. 5)Caso uma crian?a ou adolescente esteja vivendo alguma violência psicoló- gica43, que pode ser identificada como aquela que “decorre de palavras, gestos, olha- res a ela dirigidos, sem necessariamente ocorrer o contato físico” (SILVIA et al, 2007,42 A Associa??o Brasileira dos Magistrados Promotores de Justi?a e Defensores Públicos (ABMP) desenvolveu no ano de 2006 o programa “Fluxos Operacionais Sistêmicos” que permitiu o de- senvolvimento do “Caderno de Fluxos Operacionais Sistêmicos”, fonte de todos os quadros apresentados no presente capítulo,43 Na vis?o do Ministério da Saude a violência psicológica é “toda a??o ou omiss?o que causa ou visa causar dano à auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: amea?as, humilha??es, chantagem, cobran?as de comportamento, discrimina??o, explora??o, crítica pelo desempenho sexual, n?o deixar a pessoa sair de casa, provocando o isolamento de amigos e51p. 98), existem diversos caminhos, tanto no aspecto mais amplo do sistema de garan- tias, como o próprio Disque 100, até o seu aspecto mais micro, no atendimento de um assistente social ou algum profissional como o próprio professor em sala de aula.O aspecto em rede fica claro quando se percebe que o Disque 100, ao receber uma denúncia dessas, terá a op??o de notificar tanto o Conselho Tutelar, quanto o Ministério Público e, entendendo necessário, a delegacia44. Independente da origem da denúncia, o que liga a todos é a recomenda??o da notifica??o do Conselho Tutelar, tornando claro o seu aspecto como “porta de entrada” e encaminhamento de todas as quest?es envolvendo a inf?ncia e juventude, seja para o Sistema ?nico de Saúde ou Centros de Referência de Assistência Social.Quadro 6 – Fluxo Operacional de crian?a ou adolescente em situa??o de violênciapsicológica no ?mbito intrafamiliar1081405177381Fonte: Adaptado da ABMP (2010, p. 14)familiares, ou impedir que ela utilize o seu próprio dinheiro. Dentre as modalidades de violência, é a mais difícil de ser identificada. Apesar de ser bastante freqüente, ela pode levar a pessoa a se sentir desvalorizada, sofrer de ansiedade e adoecer com facilidade, situa??es que se arrastam durante muito tempo e, se agravadas, podem levar a pessoa a provocar suicídio”. (BRASIL, 2001) 44 Como será descrito no próximo capítulo, é comum ao Disque 100 que ele notifique conjunta- mente tanto o Conselho Tutelar quanto o Ministério Público, n?o importa qual seja a denúncia recebida. A delegacia, especializada ou n?o, é que representa uma op??o nos casos de violência psicológica.52Como apontado neste capítulo, a família é a primeira referência nos cuidados da inf?ncia e juventude, buscando sempre trazer à responsabilidade os genitores des- tas vítimas, porém, as vezes os agressores s?o os próprios pais, o que exige uma atua??o que se desdobrará em duas hipóteses: na primeira, há necessidade de afas- tar o genitor agressor, o que exigirá a comunica??o de um advogado que venha a defender os interesses da vítima, n?o impedindo a atua??o do Ministério Público, e na ausência dos dois, ingressa a Defensoria Pública, na segunda hipótese, em regra, se evitará buscar o Judiciário.Em ambas hipóteses há previs?o de uma concorrência de atendimentos, con- jugando alguma área específica da saúde e o acompanhamento do Conselho Tutelar.Quadro 7: Abuso sexual contra a crian?a ou adolescenteFonte: Adaptado da ABMP (2010, p. 18)O segundo exemplo escolhido trata dos casos em que existam indícios de abuso sexual. ? possível perceber, em uma compara??o com o exemplo anterior, que novamente o Conselho Tutelar possui um protagonismo.Considerando que ao Conselho Tutelar cabe receber e encaminhar denúncias, acompanhando as vítimas em todos os casos – de uma violência psicológica que n?o53se revista de maior gravidade até casos complexos como aqueles que envolvem a incolumidade sexual de crian?as e adolescentes, é preciso compreender que a plena atua??o destes atores depende da colabora??o de todos os sujeitos envolvidos na prote??o da inf?ncia e juventude. Assim, a percep??o do espa?o assumido pelos ato- res privados, em especial família e sociedade, na prote??o dos direitos de crian?as e adolescentes ganha um novo relevo.Enquanto cabe ao Conselho Tutelar o acompanhamento das denúncias, n?o necessariamente se configura como sua fun??o a resolu??o das demandas a partir do próprio aparelho tutelar, assim, mesmo com a obrigatoriedade de denúncia por parte de agentes públicos profissionais do sistema de assistência social, da área de educa??o ou saúde, n?o se pode reduzir suas atua??es apenas ao ato de comunicar os fatos, cabendo também uma atua??o primária dentro de seus limites. Assim, há necessidade de constante qualifica??o destes profissionais para que possam n?o ape- nas identificar um possível abuso sexual, mas também os indícios de violências psi- cológicas que possam ser resolvidas dentro das próprias estruturas, seja a escola ou hospital45.3.3 A FAM?LIA NO FLUXO OPERACIONAL: CONVIV?NCIA FAMILIAR E AS RES- POSTAS INSTITUCIONAIS DO CONSELHO TUTELARCumpre clarificar o papel da família em todo este contexto de funcionamento da chamada “rede de prote??o”. Há clara previs?o constitucional de específico dever assinalado à família e à sociedade, de assegura??o dos atributos valorizados no Texto Fundamental como indispensáveis às crian?as e adolescentes – mas como isso se traduz e se manifesta no funcionamento da rede de prote??o que se está a examinar? Na condi??o de responsáveis primários pelo bem-estar de suas crian?as e ado- lescentes, muitas vezes a própria família nuclear pode se tornar a própria agressora, ou mesmo a principal incentivadora nas quest?es que levam à viola??o, como nos45 Com isso, o que se defende é que a própria escola, por exemplo, possa ter meios de atuar no sentido de realizar trabalhos com estas famílias que estejam reproduzindo violência psicológic em rela??o aos seus filhos, em uma atua??o que possa minorar a demanda do Conselho Tute- lar, que assim poderia manter aten??o maior aos casos efetivamente mais graves, tais como os de violência sexual.54casos em que o adolescente mantém atividade análoga a crime sem que a família atue em algum sentido para a sua promo??o.A leitura do princípio da convivência familiar n?o pode ser realizada sem o con- texto que o próprio constituinte escolheu, estipulando que ele existe em conjunto ao princípio da convivência comunitária. O que se busca preservar, portanto, n?o é ape- nas a estrutura familiar nuclear, mas todo o conceito de espa?o natural construído em determinada rua, vizinhos, colegas da escola. Essa é uma das causas determinantes igualmente, da integra??o dessas mesmas esferas sociais – família, e coletividade de convívio mais próximo – no desenho institucional da “rede de prote??o”.Portanto, se a estrutura??o dos direitos infanto-juvenis, no modelo atual, é en- tendida dentro de uma divis?o de responsabilidades entre a família, o Estado e soci- edade, é importante deslocar prioritariamente o foco para a experiência familiar em conson?ncia com a escala de valores elencada pela Constitui??o Federal, que prioriza efetivamente o papel e a defesa da manuten??o da realidade familiar das crian?as e adolescentes (HOGEMANN, SANTOS 2010, p.7).Assim, o Estatuto da Crian?a e do Adolescente em seu artigo 19 estabelece que toda crian?a ou adolescente tem direito de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária. Portanto, a regra é que ela se mantenha dentro do alcance de decis?o daqueles que lhe s?o os responsáveis primários, e mesmo quando colocados em uma família que n?o lhe seja a nuclear, n?o se poderá priva-la do contato com suas origens.Todavia, no momento em que s?o institucionalizados, essa gama de prote??o é meramente simplificada a um tratamento massificado, padronizado, limi- tando-os e segregando-os da família e da comunidade, ou seja, há uma co- letiviza??o de suas vidas, n?o há um olhar individualizado. Suas qualidades e limita??es s?o reduzidas e tratadas como crian?as e adolescentes abando- nados. Quando institucionalizados, seguem uma rotina preestabelecida, s?o privados de desenvolver seu potencial como indivíduos. O que se vislumbra é um número, uma coletividade (a institui??o n?o oferece condi??es de uma crian?a ou de um adolescente desenvolverem sua personalidade, sua indivi- dualidade, seus vínculos afetivos) que disputa o mesmo espa?o e a aten??o das pessoas. Ou seja, a crian?a e o adolescente s?o privados de seu espa?o subjetivo, vivem numa realidade de família artificial e carente afetivamente, desamparados no que tange à seguran?a de se sentirem amados. (FANTE, LATIFF, 2007, p.168)55? nesta realidade legislativa em que o acolhimento institucional é a ultima ratio, sempre instituída com o Norte na excepcionalidade e a provisoriedade destas deci- s?es46.Assim, adaptamos alguns fluxos presentes no livro do ABMP (2008) com o mesmo objetivo – permitir a visualiza??o dos diversos caminhos possíveis quando se trata dos direitos da inf?ncia e juventude. Tornar mais clara a fun??o da família no sistema estabelecido pelo Estatuto da Crian?a e do Adolescente, permitirá, posterior- mente, dialogar com o significado de seu papel na estrutura desenvolvida a partir da Constitui??o Federal de 1988 e dialogar com a pesquisa empírica a ser apresentada no capítulo posterior.Quadro 8 – Reavalia??o prévia das a??es para preven??o dos vínculos familiares e comunitários antes da decis?o de afastamentoProte??o à crian?as eadolescentes vítimas de abandono e negligênciaProte??o à crian?as eadolescentes vítimas de maus-tratos e outras formas de violênciaDireito à moradiaadequadaProte??o à crian?as eadolescentes e suas famílias que moram ou trabalham na ruasCrian?a ouadolescente com direito à convivência familiar violado/ amea?ado a 12 anos e sobrevivência,prote??o e desenvolvimentoDesenolvimento infantil - 0Garantia dos direitos socioassistenciaisDireito do adolescente emconflito com a lei e educa??o de medidas socioeducativas em meio abertoFonte: Adaptado da ABMP (2010, p. 120)Como se observa no quadro acima, existe um conjunto de fatores prévios que devem ser observados na avalia??o das quest?es narradas, cada uma exigiria uma atua??o diferenciada por parte dos atores institucionais. Adolescentes envolvidos em atos análogos a crime deveriam ser mantidos, dentro de certa razoabilidade, o quanto mais inserido em seu lar quanto for possível, enquanto crian?as e adolescentes que46 Conforme se depreende da leitura do artigo 92 do Estatuto da Crian?a e do Adolescente.56se encontrem em situa??es de maus-tratos diversos dentro de seus próprios domicí- lios dependeriam de outras respostas.Família, neste contexto, é um conjunto complexo, posto que é maior que a pos- sibilidade de defini??o, em uma ampla conjuga??o de elementos que s?o tanto indivi- duais – na figura dos papéis que se espera de cada um dos envolvidos – como tam- bém a soma de todos os seus integrantes. Tal estrutura possui sua própria história, e n?o se pode compreender a viola??o aos direitos dos filhos enquanto n?o se buscar as viola??es sofridas pelos próprios genitores agressores quando estes eram crian?as e adolescentes.Ent?o, caberia ao ator institucional, ao encontrar alguma viola??o, ter a vis?o global das diversas condi??es daquela crian?a ou adolescente e seu contexto familiar, econ?mico e o leque de op??es disponíveis n?o do Poder Público, mas também das organiza??es comunitárias, que eventualmente possam diminuir a dependência das solu??es públicas para as situa??es apresentadas.Quadro 9 – Reavalia??o prévia das a??es para preven??o dos vínculos familiares e comunitários antes da decis?o de afastamento parte2Avalia??o da impossibilidade de permanência da crian?a ou adolescente com pais ou responsáveis (família de origem)Ministério PúblicoConselho TutelarReceber o diagnóstico da situa??ofamiliar com recomenda??o de afastamento de crian?a ou adolescente do convívio com pais ou responsáveis (família de origem)ECA Art 101 § 9Família buscando acolhimento da crian?a e adolescente: acionar os servi?os das políticas públicas ou a Vara da Inf?ncia e Juventude (nos casos mais graves).Fonte: Adaptado da ABMP (2010, p. 120)Assim, caso seja a família a buscar o Conselho Tutelar pedindo o acolhimento daquela crian?a ou adolescente, deve este órg?o atuar em seu aspecto mediador en-57tre os diversos servi?os da rede, e em último caso, acionar a Vara da Inf?ncia e Ju- ventude. Importante ressaltar que ao conselheiro n?o cabe a mera atua??o burocrá- tica, já que o Estatuto da Crian?a e Adolescente prevê uma série de medidas extraju- diciais típicas deste órg?o.Porém n?o se pode também sobrecarregar o órg?o com quest?es que n?o lhe s?o próprias47, o que n?o os exime da obriga??o de esgotar as medidas protetivas48 que possuem em m?os49.AbandonoAto infracionalViolência físicaNegligênciaViolência psicológicaCONSELHO TUTELAR Art. 129 ECAMonitorar o cumprimento das medidas, solicitar infor- ma??es dos servi?os públi- cosQuadro 10 – Responsabiliza??o dos pais ou responsáveis pelo CTFonte: Adaptado da ABMP (2010, p. 189)Constatados abandono ou outra quest?o que indique a necessidade de respon- sabiliza??o dos responsáveis50 pela viola??o denunciada, o Conselho Tutelar possui47 A pesquisa de Fischer (2007, p. 253) aponta que na Regi?o Sudeste, 90% dos conselheiros afiram ter resolvido problemas de indisciplina escolar, 65% fiscalizou sistematicamente bares, bo- ates e restaurantes, 56% determinaram registro civil de nascimento ou óbito e 33% mediaram acor- dos extrajudiciais de presta??o alimentícia por parte dos genitores – todas fun??es que n?o s?o previstas para atua??o do Conselho Tutelar.48 Vide quadro abaixo49 Após esta etapa, busca-se o Ministério Público, com as indica??es necessárias, para que se possa aplicar o afastamento da crian?a ou adolescente daquele lar – temporariamente ou definiti- vamente.50 Conforme Digiácomo e Digiácomo (2013, p. 204) quando o caput trata da figura dos responsá- veis, estes devem ser interpretados de forma ampla, portanto se inclue no rol os genitores, guar- di?o, tutor, dirigente de entidade de acolhimento ou qualquer outro que seja considerado o respon- sável legal. Recomendam os autores que as medidas destinadas aos pais ou responsável devem58uma ampla gama de op??es. O artigo 129 do Estatuto da Crian?a e Adolescente prevê como uma das solu??es possíveis, priorizaremos alguns nos próximos parágrafos.O encaminhamento a servi?os e programas oficiais ou comunitários de prote- ??o, apoio e promo??o da família, portanto programas como o “bolsa família”, no caso do Município do Rio de Janeiro o programa “bolsinha carioca” e outros disponíveis na regi?o domiciliar dos responsáveis, que demonstram tentativas de fortalecer a família, em uma tentativa de diminuir a incidência de fatores econ?micos nas viola??es per- cebidas.No caso específico de responsáveis toxic?manos ou alcoólatras se exige a in- clus?o em programa oficial ou comunitário de auxílio, orienta??o e tratamento, em programas que devem ser previstos nos or?amentos destinados à saúde pública, sob o fundamento do arts. 4?, caput e par. único, alínea “d”, 90, §2? e 100, par. único, inciso III, do ECA (DIGI?COMO, DIGI?COMO 2013, p.205). Na esteira desta medida, tam- bém existe previs?o de atendimento psicológico e/ou psiquiátrico, também submetido ao or?amento da saúde.A medida de encaminhamento a cursos ou programas de orienta??o possui um exemplo significativo no Estado do Rio de Janeiro através do programa “Escola de Famílias”, patrocinado pelo Tribunal de Justi?a, que oferece às famílias que já estejam com suas quest?es litigiosas sob a jurisdi??o daquele tribunal uma espécie de curso onde se trabalhará as quest?es familiares com uma equipe multidisciplinar.O programa contempla famílias com processos nas Varas da Inf?ncia e Juven- tude, Varas de Família e aquelas com litígios nos Juizados Especiais Criminais, con- tanto que envolvam quest?es relativas à inf?ncia e juventude e justifica sua existência por for?a do próprio artigo 129 ora apresentado. Cabe aqui expor a justificativa do projeto na íntegra:Acreditamos que problemas e sofrimentos, quando tratados como oportuni- dade de reflex?o e transforma??o, se tornam elementos de resgate de nossa humanidade, permitindo nossa mútua aproxima??o, t?o necessária para des- mistificar a ideia vigente de que somos seres isolados e que nossas a??es, sentimentos e pensamentos s?o movimentos solitários e que n?o têm reper- cuss?o sobre os demais. Essa ideia, difundida de forma poderosa, faz com que as famílias percam de vista que as conex?es e inter-rela??es que elasser aplicadas em conjunto com as medidas de prote??o do art. 101, do ECA, em um trabalho que possa abranger os responsáveis e as crian?as e adolescentes que est?o sob sua responsabilidade.59estabelecem entre si e com sua rede de pertinência s?o de fundamental im- port?ncia na constru??o das individualidades de seus membros e, portanto, uma das principais definidoras de sua forma de sentir e de se comportar (RIO DE JANEIRO, 2016)51.Portanto, a responsabiliza??o n?o existe somente em um contexto repressor, e n?o existem dúvidas quanto à diferen?a do modelo anterior ao da Constitui??o Federal de 1988 – cumpre relembrar que no primeiro capítulo demonstrou que em diversos momentos acabava-se por afastar a crian?a ou adolescente do lar, institucionalizando- a de forma a vitimizar duas vezes estes sujeitos, mesmo que existissem diversas pre- vis?es legais com o foco no fortalecimento familiar.Nesta nova orienta??o, em teoria, há um refor?o intenso na estrutura daquela família através de uma série de a??es intermediadas pelo Conselho Tutelar, portanto, é a responsabiliza??o direta dos responsáveis através de medidas que busquem me- nor interferência na presen?a destes junto aos filhos, através de orienta??es que es- tabele?am nestes responsáveis a incorpora??o de seus papéis como tais. N?o resol- vidas as quest?es, consequências mais graves poder?o ser requeridas por via judi- cial52.As respostas dos conselheiros, ao menos no recorte do presente trabalho, pa- recem indicar uma rela??o fragilizada com os genitores. Durante acompanhamento de reuni?es entre o Ministério Público e o Conselho Tutelar observou-se uma rela??o que sofre modifica??es de acordo com a natureza da agress?o – enquanto os agres- sores se encontravam fora do núcleo familiar, existia coopera??o mutua constante, já nos casos em que os agressores residiam na mesma residência, por quest?es óbvias, o Conselho Tutelar muitas vezes se encontrava sem possibilidade de atuar plena- mente.A Denúncia 301517 do Conselho Tutelar de Coelho Neto demonstra algumas peculiaridades, a família residia em outro Estado, e ao mudar-se para o Rio de Janeiro alguém do bairro fez uma liga??o ao servi?o telef?nico. A denúncia ao Disque 100 apontava tanto a quest?o do abuso em rela??o à crian?a do sexo feminino quanto negligência materna em rela??o aos outros filhos.51 Vide sítio Respectivamente a perda da guarda, a destitui??o da tutela e a suspens?o ou destitui??o do poder familiar (Artigo 129, Incisos VIII, IX e X ECA)60Chamado ao Conselho Tutelar, o genitor informou que a denúncia era verda- deira e o agressor seria o tio das crian?as e que teria tentado abusar sexualmente de mais de uma delas. Porém os fatos ocorreram no outro Estado e a mudan?a do genitor para o Rio de Janeiro, inclusive trazendo as crian?as, teve como fato propulsor as viola??es sofridas em rela??o aos filhos. A menina abusada foi ouvida pela psicóloga do Conselho Tutelar e encaminhada para os servi?os psicossociais disponibilizados no Centro Municipal de Saúde Amaral Peixoto.Coexistindo com o caso anterior também narraram a denúncia 290701, aten- dida pelo mesmo conselheiro. Esta envolvia n?o uma viola??o direta à crian?a ou ado- lescente, mas o comportamento destes em casa e na escola. Em contato com a geni- tora, esta confirmou que a denúncia partiu dela, e era verídica – ent?o o conselheiro entrou em contato com a escola e confirmou a frequência de apenas 25%.Na mesma casa, um adolescente de doze anos, também apresentava compor- tamento considerado inadequado, inclusive levando uma faca para amea?ar a profes- sora, e a din?mica familiar n?o parava nestes dois irm?os, já que a irm? deste, de 10 anos, já possuía vinte e oito faltas escolares.Este é um caso que aponta com clareza a multiplicidade de quest?es que uma denúncia pode apreender, e a necessária individualiza??o das quest?es. Dois dos irm?os foram ouvidos pela psicóloga do Conselho Tutelar e encaminhados para a po- liclínica Amaral Peixoto para tratamento psicológico. Todos os familiares foram inse- ridos em um programa criado por aquele Conselho Tutelar chamado “Relacionamento pais e filhos responsáveis”, ou seja, ocorreu a aplica??o da responsabiliza??o dos responsáveis conforme artigo 129 do Estatuto da Crian?a e Adolescente.Outra conselheira trouxe relatório sobre a denúncia 316489. Durante a visita domiciliar, verificou-se que a família recebia benefícios assistenciais, assim como um benefício previdenciário do adolescente especial (LOAS), que era todo o sustento da- queles indivíduos. Ocorre que a conselheira, através de uma série de indícios que n?o foram citados, desconfiou que estes benefícios n?o s?o revertidos ao adolescente com necessidade especial, sugerindo ao Ministério Público instaura??o de procedi- mento administrativo para maior análise.Em outras denúncias (respectivamente 231785, 255735, 212706 etc.) foram identificados casos em que existia pouca aderência dos genitores ao chamado do61Conselho Tutelar – n?o s?o raros os casos em que estes s?o chamados e n?o com- parecem, ou que acabam por se mudar e n?o informam novo endere?o e até casos em que n?o atendem ou permitem o ingresso do conselheiro em suas residências.Esta tens?o na rela??o entre o Conselho Tutelar e alguns genitores pode ser observado no Ofício n? 76/14, onde se narra que em visita realizada à residência da genitora de uma determinada crian?a eles foram recebidos de forma bem grosseira, segundo ela por estar muito indignada com a denúncia. O ofício descreve que entre as diversas frases gritadas pela genitora, esta teria dito que cuida bem dos filhos, que “n?o admite ninguém questionar sua conduta, que há tantas crian?as por aí sendo maltratada e n?o s?o denunciadas”.Prosseguem os conselheiros informando que a genitora, ent?o, pegou seus fi- lhos de forma grosseira, tirando as roupas destas e deixando-os extremamente des- confortáveis, tal a brutalidade com que a genitora se comportou com os próprios filhos, na frente de representantes do Conselho Tutelar. Assim, os conselheiros a advertiram que aquele comportamento só confirmava as denúncias recebidas, e tentaram orienta- la a respeito da import?ncia do trabalho do conselheiro na prote??o das crian?as.Assim, a genitora foi notificada para comparecer ao Conselho Tutelar, no que informou que n?o poderia pois tem síndrome do p?nico, ao que os conselheiros infor- maram que ela poderia pedir à avó das crian?as para levar os documentos necessá- rios (comprova??o de matrícula escolar, carteira de vacina??o, etc.), porém, na data prevista a família n?o compareceu, n?o houve também nenhum telefonema justifi- cando a ausência, no que restou aos conselheiros realizarem nova notifica??o, que também se mostrou infrutío as respostas dos conselheiros adquiridas pelo autor da presente pes- quisa s?o estatisticamente irrelevantes, n?o devem ser considerados como fiel des- cri??o das experiências de todos os Conselhos Tutelares, porém espera-se que estes exemplos possam permitir alguma reflex?o a respeito do fluxo de trabalho realizado por estes profissionais e possam permitir, no Capítulo 5, uma maior contextualiza??o com a delicada rela??o entre sociedade e o desenho institucional da inf?ncia e juven- tude.62AN?LISE EMP?RICA DE FUNCIONAMENTO E PERCEP??O SUBJETIVA DA REDE DE PROTE??OCompreende-se que a estrutura institucional, sinalizada pela Constitui??o Fe- deral e desenvolvida pela normatividade que lhe sucedeu, opera a partir de uma lógica de intercomunica??o entre os órg?os estatais de atua??o, a família e a sociedade – eis que nos termos da evolu??o teórica e normativa do conceito de prote??o à inf?ncia, esta garantia há de compreender os múltiplos cenários em que esta habita e se rela- ciona. N?o obstante o refinamento do desenho institucional concebido e anteriormente descrito, seu funcionamento no potencial máximo pressup?e o concurso de família e sociedade – portanto, extrapola os limites das competências administrativas expres- sas.O sistema de garantias da inf?ncia e juventude, como descrito nos capítulos anteriores, apresenta-se como uma complexa rede de atores governamentais e n?o governamentais, portanto, seria impossível em um único trabalho de pesquisa abordar todos os diversos instrumentos que permitem a comunica??o entre a sociedade e os órg?os de atua??o.Imp?e-se, portanto, o aporte empírico para que se possa em alguma medida aferir o grau de conhecimento e compreens?o que estas mesmas estruturas (família e sociedade) tenham do sistema, a partir de dados do programa de denúncias “Dis- que-100”, destacado no capítulo anterior como um dos exemplos de articula??o entre os diversos agentes do Executivo na promo??o e prote??o dos direitos da inf?ncia e juventude.O processo para estabelecer uma avalia??o empírica das informa??es obtidas através de denúncias feitas pela popula??o ao instrumento “Disque-100” teve seu iní- cio a partir da compila??o e categoriza??o dos dados que ser?o descritos ao longo do presente capítulo, permitindo uma maior compreens?o do fen?meno investigado atra- vés de um recorte específico, ou seja, como parte das políticas públicas da inf?ncia e juventude passam a operar a partir de sua ressignifica??o pós Constitui??o Federal de 1988, e assim tentar estabelecer como se opera a rela??o entre a atua??o do Poder Público e a popula??o. Partindo-se da premissa de que o modo próprio que a ciência tem para obter conhecimento da realidade empírica é a pesquisa, atuamos aqui dentro63de uma perspectiva descritiva que objetiva obter a informa??o do que existe para des- crever e interpretar uma realidade (RUDIO,1986 p.10).AMOSTRA E METODOLOGIA DA PESQUISAA DEFINI??O DA AMOSTRADurante dois anos (2012-2014), o autor da presente pesquisa esteve em cons- tante contato com a Promotora da 5? Promotoria e com os Conselhos Tutelares sob sua responsabilidade, ou seja, o Conselho Tutelar de Coelho Neto e o Conselho Tu- telar da Barra da Tijuca, observando o fluxo de denúncias do “Disque-100” e a atua??o destes atores na condu??o das demandas da popula??o dos bairros sob competência daquela Promotoria e Conselhos.As denúncias realizadas pelo sistema telef?nico s?o digitadas em formulários eletr?nicos do próprio “Disque-100” e encaminhados por e-mail diretamente às Pro- motorias e aos Conselhos Tutelares responsáveis pelo bairro de residência das víti- mas, e s?o estes os dados que embasaram a pesquisa empírica a ser apresentada.Através de uma autoriza??o da Promotora Rosana Cipriano, responsável pela 5? Promotoria de Inf?ncia e Juventude, o autor do presente trabalho teve acesso às denúncias pertinentes a área geográfica de atribui??o deste mesmo órg?o ministerial realizadas entre os dias 01/08/2012 a 30/11/2014, permitindo a compila??o das 442 denúncias feitas no decorrer daquele período, compreendendo um total de 1.272 su- jeitos , crian?as e adolescentes de 0 a 18 anos, do sexo feminino e masculino resi- dentes nos bairros sob competência da 5? Promotoria no Município do Rio de Janeiro . Um primeiro esclarecimento cabe formular em rela??o à delimita??o da amostra.Acima, se apontou um número de 1.272 sujeitos, identificado a partir de 442 denúncias. Através da leitura atenta a cada denuncia, se verificou que em uma mesma estrutura familiar era possível identificar uma individualiza??o de viola??es, como casos onde coexistiam negligência com quase todos os filhos.Em alguns casos onde a agress?o física era infligida somente a uma crian?a ou adolescente específica, portanto, se a amostra priorizasse a experiência coletiva,64ou seja, as denúncias, teria o pesquisador de escolher entre agrupar todas como ne- gligência ou todas como agress?o física, o que claramente viciaria os dados e preju- dicaria as inferências, que como apontam Epstein e King (2013, p.36) é “o processo de utilizar os fatos que conhecemos para aprender sobre os fatos que desconhece- mos”.Portanto, foi a partir das descri??es contidas das denúncias que se tomou a decis?o em definir como amostra o número de crian?as e n?o de denúncias analisa- das, já que assim se permite conferir aos dados uma maior fidedignidade com as de- mandas da inf?ncia e juventude, posto que um agrupamento por denúncias impediria resultados que demonstrassem a prevalência real das viola??es.Este cuidado na tabula??o valoriza a interpreta??o dos dados com o foco n?o nas quest?es sócio psicológicas da família, mas efetivamente na vivência de cada crian?a e adolescente como um sujeito de direitos, pressuposto máximo da Constitui- ??o Federal de 1988 e do Estatuto da Crian?a e do Adolescente53, permitindo também a melhor abordagem no esquema de uma inferência descritiva do atual sistema de garantias.Assim, se busca saber efetivamente quais s?o as quest?es mais imperiosas da inf?ncia e juventude e assim trabalhar com estes elementos para analisar o cenário das políticas públicas nesta área, o que possibilitaria realizar o que Eisenberg (2004, p.1746) aponta como uma fun??o essencial da pesquisa empírica, que é a de realizar investiga??es que a sociedade efetivamente demanda.O segundo esclarecimento em rela??o à abrangência da amostra diz respeito à atua??o territorial de cada Promotoria da Inf?ncia e da Adolescência, Esta atende à uma delimita??o por bairros que é definida pela própria Prefeitura do Rio de Janeiro, que estabelece grupos de bairros para atua??o de cada Conselho Tutelar, portanto, a 5? Promotoria da Inf?ncia e Juventude só recebe os encaminhamentos afetos à área53 Um bom exemplo desta quest?o se encontra em uma denúncia realizada no dia 10/03/2014 (protocolo 754119) onde o denunciante relatava uma família com três filhos: dois eram apenas negligenciados, o terceiro sofria agress?es físicas e psicológicas pelo genitor por ter uma cor mais escura que os outros filhos, o que, na cabe?a deste genitor, representava que este seria “ilegítimo”. Excluir a experiência individual desta crian?a em prol da prevalência da negligência com os outros dois, o que ocorreria caso a tabula??o seguisse apenas pelo norte das denúncias, acabaria por n?o reconhecer a import?ncia das agress?es sofridas – portanto, a tabula??o apresentará, nesta denúncia específica, que temos dos sujeitos negligenciados e um que sofre agress?es.65de atribui??o do Conselho Tutelar 12 (Coelho Neto) e do Conselho Tutelar 16 (Barra da Tijuca).Este, portanto, é o recorte territorial de nossa amostra, afeta à atribui??o igual- mente da referida 5? Promotoria da Inf?ncia e Juventude. Vale esclarecer que a pre- sente amostra compreende os dados de sujeitos residentes em dezenove bairros do Município do Rio de Janeiro, conforme quadro abaixo:Quadro 11 – Descri??o dos Bairros5? Promotoria no Município do Rio de Janeiro1CT Coelho NetoAcari Coelho Neto Costa Barros Guadalupe Barros FilhosAnchieta Parque Anchieta MariópolisParque Colúmbia Ricardo de Albuquerque Pavuna2CT Barra da TijucaBarra da Tijuca IntanhangáRecreio dos Bandeirantes Vargem GrandeCuricica Vargem PequenaJoá PiabasFonte: Próprio autorPortanto, se faz necessário esclarecer que as denúncias do “Disque-100” s?o apresentadas às Promotorias como formulários eletr?nicos no formado pdf apresen- tados da seguinte forma54:54 O modelo de uma denúncia do “Disque-100” está disponibilizada no Anexo X da presente dis- serta??o.66As denúncias formuladas ao sistema “Disque-100” (fonte dos dados trabalha- dos na presente pesquisa empírica) s?o apresentadas às Promotorias como formulá- rios eletr?nicos no formado PDF (Anexo A) que compreendem dados da seguinte na- tureza:PARTE 1 - “identifica??o do atendimento”, contendo itens de controle adminis- trativo do servi?o, como número de protocolo, número de denúncia, identifica??o do grupo de viola??o55 e data e hora de atendimento. Tais dados n?o guardam rela??o direta com a observa??o pretendida, pelo que, n?o foram tratados no presente traba- lho.Tabulou-se, no que toca a esse especifico conjunto de informa??es, apenas o número protocolar para posterior controle de possíveis duplica??es56. N?o deve cau- sar estranheza ao leitor a ausência de tabula??o da área “identifica??o do grupo de viola??o”, pois todas as denúncias recebidas tinham como identifica??o o termo “cri- an?as e adolescentes”, o que tornaria sua tabula??o desnecessária posto compreen- der 100% das denúncias.PARTE 2 – “identifica??o das vítimas e dos suspeitos” conterá elementos como o nome, idade, sexo e cor, além do endere?o de cada um destes, tudo segundo a narrativa unilateral e n?o confirmada (em princípio) do denunciante. Cumpre deixar claro que tabulou-se apenas os dados das vítimas, anotando idade, sexo, cor e o bairro de residência, permitindo a constru??o de quadros e gráficos com estes dados. PARTE 3 – “Relato do denunciante” é um espa?o para a narrativa da denúncia, composta sempre por textos curtos, prezando uma narra??o sucinta do que o denun- ciante explanou ao telefone para o atendente responsável pelo atendimento57. Este é o campo que comporta todo o relato do denunciante e apresenta qual viola??o aos direitos da inf?ncia e juventude que foram efetivamente atingidos, por sua peculiari- dade. Este foi o elemento, de vez que se tem por expresso em campo livre de formu- lário, exigiu o arbitramento de categorias que permitissem a agrega??o numérica dos55 Grupo de viola??o é a parte do documento em que se indica quais minorias s?o as vitimas: mulheres, pessoas com necessidades físicas e mentais especiais, etc. No caso da presente pes- quisa, todas envolviam o grupo de viola??o “crian?a e adolescente”.56 Entendeu-se desnecessário anotar também o número da denúncia, já que ambos s?o compostos por numera??o única e individual a cada caso.57 A análise desta área nos revelou que provavelmente o atendente transcreve os relatos com al- gum filtro, posto que n?o encontramos nenhum palavr?o ou textos carregados de emo??o.67dados como abaixo se descreverá. Os demais dados até aqui referidos s?o eminen- temente objetivos e independiam de interpreta??o prévia.Considerando que a observa??o e as inferências pretendidas desenvolver a partir da amostra ora sob descri??o é exatamente a percep??o da existência de viola- ??o a direito da crian?a e do adolescente, e a identifica??o do papel a ser desempe- nhado por cada qual dos muitos agentes integrantes do sistema constitucional de pro- te??o, esse foi o dado privilegiado na análise.A síntese de dados empíricos empreendida para viabilizar inferências padece sempre do dilema entre o detalhamento e a agrega??o. Quanto mais detalhada a compila??o, mais acurado será o retrato da realidade fática; de outro lado, a agrega- ??o previne a pulveriza??o dos resultados.Nesta parte, chegou-se a onze viola??es possíveis, como se percebe no quadro abaixo:Quadro 12 – Agress?es catalogadas58(Continua)Número de identifica- ??oTipo de viola??oDescri??o da viola??o1Agress?o física psicológicaCompreendendo qualquer ato de violência corporal ou abuso verbal contra crian?as e adolescentes.2Priva??o de ali- menta??oCompreendendo a priva??o episódica (num único dia) ou habitual de alimenta??o.3Abuso sexualCompreendendo toda denúncia envolvendo algum tipo de interesse sexual em rela??o à inf?ncia e ju- ventude.4Sindrome da Alie- na??o ParentalCompreendendo situa??es revestidas de indicativos de que um dos genitores era excluído de forma in- tensa da rela??o parental.5Pais drogadictosDenúncias envolvendo genitores usuários de drogas.58 Importante ressaltar que os casos envolvendo “Sindrome de Aliena??o Parental” n?o necessari- amente representam a narrativa dos denunciantes, sendo, portanto, uma escolha do pesquisador para melhor adequa??o.68Quadro 12 – Agress?es catalogadas59(Continua??o)6FugaCompreendendo relatos de que a crian?a ou adoles- cente saiu de casa voluntariamente.7Trabalho infantilDenúncias envolvendo crian?as trabalhando de forma irregular, distintas daquelas previstas na nor- matividade aplicável.8Pagamento pen- s?oRelatos de n?o pagamento de pens?o alimentícia por conta do responsável por essa mesma presta- ??o.9Desobediência do filhoAquelas em que os pais alegavam que seus filhos n?o se comportavam, xingavam os genitores, n?o queriam estudar foram tabuladas desta forma.10NegligênciaCompreendendo narrativas de genitores que deixa- vam as crian?as sozinhas durante o dia ou a noite para ir trabalhar ou se divertir.11Negligência do hospitalApontam todos os casos em que as viola??es sur- gem de uma consulta em hospitais das redes pública e particular.Fonte: Próprio autorO conjunto de situa??es noticiadas nas denúncias evidencia n?o só a prática de violência em rela??o aos menores, como também a inaptid?o dos pais para gerirem a presen?a em si dos filhos em suas vidas. Do ponto de vista de avalia??o da aptid?o em si do sistema de prote??o à inf?ncia e adolescência a promover o resultado cons- titucionalmente pretendido, a observa??o é relevante, eis que sugere a import?ncia das a??es de caráter educativo, de fomento a uma paternidade responsável.Portanto, aqui temos hipóteses clássicas de violência, tornando-se um dos prin- cipais pontos do objeto desta pesquisa empírica, ou seja, determinar quais os direitos fundamentais da inf?ncia e juventude apresentam maiores demandas, para posterior- mente, dialogar com os instrumentos disponíveis para a solu??o destas viola??es.59 Importante ressaltar que os casos envolvendo “Sindrome de Aliena??o Parental” n?o necessari- amente representam a narrativa dos denunciantes, sendo, portanto, uma escolha do pesquisador para melhor adequa??o.69MORFOLOGIA DOS SUJEITOS INTEGRANTES DA AMOSTRAJá se apresentou no subitem 4.1.1 acima, das raz?es metodológicas que leva- ram à ado??o do critério da avalia??o de ocorrência por sujeitos envolvidos, e n?o pela denúncia como um todo. Na permanente tens?o entre detalhamento e síntese, venceu a relev?ncia de distinguir os diversos comportamentos que poderiam vitimar também distintos sujeitos, cumpre agora aprofundar a análise da distribui??o e morfo- logia desses mesmos sujeitos na totalidade da amostra.442N de denúnciasN de sujeitos1272Gráfico 2 - Número de Sujeitos e Número de DenúnciasFonte: Próprio autorDas 442 denúncias analisadas extraímos 1.272 sujeitos, portanto se revelava importante o aprofundamento destes dados, em especial determinar como se distri- buem geograficamente, ao que chegamos aos seguintes dados:Quadro 13 – Distribui??o de sujeitos por bairros (Núcleo 1)Bairros do Núcleo 1N de sujeitosPercentualAcari636,45%Coelho Neto676,85%Costa Barros747,57%Guadalupe18318,8%Barros Filhos484,90%Anchieta18018,5%Parque Anchieta515,22%70Quadro 13 – Distribui??o de sujeitos por bairros (Núcleo 1)(continua??o)Mariópolis40,40%Parque Colúmbia171,73%Ricardo de Albuquerque909,21%Pavuna19920,37%TOTAL976100%Fonte: Próprio autorA primeira informa??o que percebemos é a presen?a da maioria dos nossos sujeitos na regi?o do núcleo 1 – se por um lado n?o há aparentes surpresas neste resultado, por conta deste núcleo compreender um número maior de bairros, o que poderia indicar uma área mais populosa – a expressividade do número de sujeitos nos bairros da Pavuna e Guadalupe permitem inferir que estas s?o áreas que demandam maior aten??o dos gestores das políticas públicas do Município do Rio.Outra inferência possível seria a de que nestes bairros existe uma cultura maior de denúncias60 de viola??es aos direitos da inf?ncia e juventude que nos outros bair- ros do núcleo 1, nisto se pode inferir que o Disque 100 como um servi?o inicial de prote??o à inf?ncia e juventude tem penetra??o nestes bairros.Quadro 14 – Distribui??o de sujeitos por bairro (Núcleo 2)Bairros do Núcleo 2N de sujeitosPercentualBarra da Tijuca7324,66%Intanhangá5317,91%Recreio dos Bandeirantes8930,06%Vargem Grande258,45%Curicica00Vargem Pequena5618,92Joá00Piabas00TOTAL296100%Fonte: Próprio autorOs dados relativos aos sujeitos residentes no núcleo 2 apontam uma distribui- ??o equilibrada de sujeitos entre Barra da Tijuca, Intanhagá, Recreio dos Bandeirantes60 Posto que nos é impossível afirmar que todas as crian?as e adolescentes que sofrem alguma viola??o efetivamente chegam a ter alguma visibilidade – os dados que apresentamos s?o as de- núncias que chegaram ao conhecimento do Disque 100, portanto, só podemos inferir dentro do alcance do servi?o.71e Vargem Pequena. N?o possuímos dados que possam permitir alguma inferência a respeito da ausência de denúncias envolvendo Joá e Piabas, quanto à ausência em Curicica, explica-se pela transferência deste bairro para a competência territorial do Conselho Tutelar de Jacarepaguá poucas semanas antes do início da coleta de dados.Os dados demonstram que a maior parte das denúncias surgem do núcleo Co- elho Neto com 974 casos, apontando que este conjunto de onze bairros representa 76,7% de toda a demanda de inf?ncia e juventude atingida por algum tipo de viola??o. Em uma compara??o com o núcleo da Barra da Tijuca, que responde por 23,3%das denúncias, há uma clara prioriza??o de demandas de viola??es aos direitos da inf?ncia e juventude, o que exigiu por parte da pesquisa estabelecer se existiam ques- t?es que pudessem estabelecer as diferen?as entre estes núcleos.Em um primeiro momento, surgiu a hipótese de que o núcleo Coelho Neto teria mais indivíduos que o núcleo Barra da Tijuca. Em uma análise de distribui??o de pro- priedades em termos de terrenos, o núcleo que compreende os bairros da Zona Oeste teria, a exce??o de Barra da Tijuca e Recreio, bairros com algumas características rurais, em especial Vargem Grande e Vargem Pequena.Assim, buscou-se informa??es junto ao sítio da Secretaria Municipal de Urba- nismo do Município do Rio de Janeiro (SMU-RJ), que apontam que os bairros repre- sentados pelo núcleo Coelho Neto indicavam um total de 367.131 indivíduos61, en- quanto o núcleo Barra da Tijuca possuía 300.823 indivíduos, portanto n?o é possível estabelecer uma rela??o entre a quantidade populacional e a maior ou menor incidên- cia de vítimas62.Quanto à uma segunda hipótese formulada, a de que talvez o núcleo Coelho Neto pudesse ter maior número de crian?as e adolescentes que o núcleo Barra da Tijuca, um estudo divulgado em 2015 o SEBRAE/RJ (2015 p. 6-7) aponta que as mai- ores concentra??es de crian?as até 14 anos se situam na Zona Oeste (22%) e Zona61 Dados de 2010 apresentados pelo sítio Ou seja, do ponto de vista estatístico n?o se pode afirmar que uma maior incidência de denúncias por parte do núcleo Coelho Neto tenha como uma explica??o a sua densidade populacional em deterimento do núcleo Barra da Tijuca. Portanto as explica??es devem partir de estudos que en- volvam outras disciplinas tais como a sociologia e a ciência política e merecem aten??o em futuros trabalhos, principalmente sob um foco de análise de renda – que o presente trabalho tentou abor- dar, mas somente encontrou dados antigos que n?o permitiram uma inferência segura.72Norte (21%), respectivamente as zonas do núcleo 1 e do núcleo 2 do presente estudo, estabelecendo assim uma igualdade populacional63.Assim, pode-se inferir que, de fato, o núcleo Coelho Neto apresenta um foco de grande import?ncia para o olhar das políticas públicas de garantias para a inf?ncia e juventude, seja no sentido de compreens?o da penetra??o do Disque 100 entre esta popula??o, ou no que apontam os próprios dados no sentido de grande prevalência de viola??es aos direitos fundamentais da inf?ncia e juventude nestas áreas.180166=38%160140120100806040200142=32%75=17%39=9%10=3%5=1%4=1%1=0% ( *)112345678Gráfico 3: Número de crian?as por famíliaFonte: Próprio autorEstes dados demonstram que famílias com apenas uma crian?a sofrendo al- gum tipo de viola??o representam 32% dos casos; enquanto duas vítimas foram en- contradas em 38% dos relatos. 17% das denúncias tratavam-se de 3 crian?as na fa- mília a sofrer algum tipo de violência, em 9% dos casos foram quatro o número de crian?as por denúncia e nas demais, que se somam em 17%, haviam entre cinco a sete vítimas64.63 Este mesmo estudo do SEBRAE aponta que a distribui??o da popula??o por faixa etária na cidade do Rio de Janeiro revela um percentual menor de crian?as quando comparados com o Es- tado do Rio de Janeiro. Os dados apontam que existem mais crian?as na regi?o da Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro, atingindo o percentual de 22%, porém, como indicado no próprio texto, a Zona Norte teria quase a mesma quantidade de crian?as.64 Apenas em uma denúncia foi retratado que haviam oito crian?as na família a sofrer algum tipo de maus tratos, como este dado ficou estatisticamente insignificante aparece como 0%.73Isolando as famílias com apenas uma crian?a, estas representam 32% das de- núncias totais, enquanto a maioria dos casos narrados, ou seja, 68%, apontam uma realidade familiar de duas ou mais crian?as ou adolescentes, onde cada um sofre alguma viola??o.SEXO E IDADEBuscou-se, ent?o, estabelecer os sujeitos em termos de sua faixa-etária, tal escolha envolveu tanto uma quest?o de legibilidade dos gráficos produzidos, já que individualizar cada idade compreendida tornaria os gráficos quanto um critério ampla- mente utilizado pelas ciências de saúde mental, ou seja, o agrupamento de sujeitos a partir de uma faixa de idade específica.500450400350300250200150100500Gráfico 4 – Distribui??o de faixa-etária entre os sujeitosNúmero de Sujeitos0 -64557 - 1239013 - 18291N?o informado159Fonte: Próprio autorPode-se verificar que mais da metade dos sujeitos, ou seja, 66,5% dos que foram vítimas de alguma viola??o, estavam entre a faixa etária de zero a doze anos, em pleno período de desenvolvimento da inf?ncia e início da puberdade ou pré-ado- lescência.Na faixa etária que corresponde ao período próprio da adolescência foram en- contrados relatos de 291 sujeitos, o que corresponde a 22,8% do número total de denúncia, enquanto um total de 10,7% dos sujeitos vitimados n?o possui idade co- nhecida, já que n?o constavam dos formulários do Disque 100.74Como apontado no capítulo anterior, a escolha do legislador quando da elabo- ra??o do Estatuto da Crian?a e Adolescente, por uma diferen?a entre crian?a e ado- lescente, representa uma deferência ao critério biopsicológico65. Mas n?o se pode alhear-se que a o agrupamento do Estatuto da Crian?a e do Adolescente é simplifi- cado, ou seja, ou se é crian?a ou adolescente – o que nem sempre possibilita maior individualiza??o das quest?es de maior pertinência.Portanto, conforme já mencionado, a op??o por uma maior elabora??o das fai- xas etárias surge em homenagem às contribui??es da psicologia como ciência e as produ??es empíricas do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que em seus censos da popula??o infantil em abrigos apontam a necessidade de agrupar as crian- ?as e adolescentes conforme uma faixa-etária que represente experiências psicológi- cas aproximadas.Desde as primeiras contribui??es teóricas freudianas sobre a constitui??o psí- quica do sujeito, psicólogos afirmam que o período da inf?ncia ocupa um lugar de destaque como um dos momentos fundamentais para o desenvolvimento e para a estrutura??o do aparelho psíquico (BRUM; SCHERMANN, 2004).As várias experiências dos primeiros anos da inf?ncia podem retardar ou mesmo impedir a evolu??o do desenvolvimento do sujeito, em um aspecto estrutu- rante da personalidade há constante intera??o dos ambientes internos (subjetividade) e externos (meio social), portanto, em meados do século XX, Erikson (1971) come?a a construir sua teoria psicossocial do desenvolvimento humano, repensando vários conceitos de Freud, sempre considerando o ser humano como um ser social, antes de tudo, um ser que vive em grupo e sofre a press?o e a influência deste, motivo pelo qual escolhemos sua abordagem, que se afina com os textos legais dos direitos da inf?ncia e juventude.Os estágios elaborados por este teórico abordam oito etapas, do primeiro ano de vida até a velhice, aqui priorizaremos uma breve apresenta??o dos quatro primei- ros estágios que envolvem a faixa-etária da maioria das vítimas (0-12 anos). O pri- meiro estágio é considerado o da “Confian?a Básica versus Desconfian?a Básica” (ERIKSON, 1971 p.227-231), que representaria os dois primeiros anos de vida, onde65 Que compreende tanto o desenvolvimento biológico do indivíduo quanto a constitui??o psíquica da inf?ncia e juventude, que vai nortear inclusive a idade para medidas socioeducativas de inter- na??o.75a primeira demonstra??o de aten??o social vem de quem costuma lhe dar alimento, colocar para dormir, e os cuidados com as primeiras fun??es biológicas – eventos que est?o mais relacionados com a qualidade do que a quantidade dos cuidados demons- trados (ERIKSON, 1971, p.229), sua n?o concretiza??o de forma sistematizada im- plica no que o autor chamou de “desconfian?a básica”, que é o sentimento de que mundo n?o corresponde aos seus anseios básicos.A segunda fase, denominada “Autonomia versus Vergonha e Dúvida” (ERIK- SON, 1971 p. 231-234), correspondente à faixa de 2 a 3 anos de idade, a crian?a já tem algum controle de seus movimentos musculares, ent?o direciona sua energia às experiências ligadas à atividade exploratória e à conquista da autonomia, se existir uma superprote??o ou críticas e limita??es ao desenvolvimento destas habilidades, surgem os sentimentos de vergonha e da dúvida.A terceira fase, que vai dos 3 aos 5 anos de idade foi chamado pelo autor de “Iniciativa versus Culpa” (ERIKSON, 1971 p. 234-238), onde se espera que a crian?a já conseguiu a confian?a, com o contato inicial com a cuidadora, e a autonomia, com a expans?o motora e o controle, portanto o momento é de associa??o de todos os fatores adquiridos a partir da iniciativa, que se dá pela expans?o intelectual através da sua curiosidade já intelectualmente mais direcionada, percebendo, através das in- tera??es sociais, as suas diferen?as em rela??o às outras crian?as, se esta dimens?o for extremamente reprimida, poderá ocorrer o desenvolvimento de uma personalidade carregada de culpa, diminuindo sua iniciativa de explorar novas situa??es ou de bus- car novos conhecimentos.A quarta fase é chamada de “Industria versus Inferioridade” (ERIKSON, 1971p. 238-240), compreendendo dos 6 aos 12 anos, onde as experiências, inclusive es- colares, acabam por subjugar a quest?o lúdica e exige uma no??o maior das ciências básicas como escrita, leitura e matemática (ERIKSON, 1971, p.238). Neste momento a crian?a é exigida em termos de cumprir fun??es sociais e atender a demandas do grupo social, esta come?a a desenvolver habilidades necessárias para o trabalho em sua sociedade, se bem desenvolvido, há um senso de produtividade, do contrário, se sente inferior – incapaz de produzir algo útil para a sociedade.? a partir das fases do desenvolvimento infantil que a personalidade vai sendo estruturada no sentido de se constituir emocionalmente de forma saudável, assim, as76várias experiências dos primeiros anos da inf?ncia podem retardar ou mesmo impedir a evolu??o do desenvolvimento do sujeito, em um aspecto estruturante da personali- dade há constante intera??o dos ambientes internos (subjetividade) e externos (meio social).Portanto, pode-se inferir que temos um alto índice de crian?as que podem vir a sofrer consequências psíquicas relevantes ao seu desenvolvimento, demandando aten??o psicossocial por parte da rede de prote??o.A seguir também tabulamos o sexo dos sujeitos da amostra, com o intuito de identificar se existia algum tipo de maior incidência de crian?as e adolescentes do sexo masculino ou feminino.Gráfico 5 – Distribui??o por sexoDistribui??o por sexo700598600579500400300200931000FemininoMasculinoN?o informadoFonte: Próprio autorOs dados apontam um equilíbrio entre sujeitos do sexo masculino e feminino, somente quando realizada uma análise por bairros é que se percebeu uma diferen?a estatística pertinente localizada na Barra da Tijuca, que apontou um maior número de sujeitos do sexo feminino como vítimas em compara??o aos do sexo masculino66.66 No total de 69 denúncias com sexo das vítimas informado, 44 eram do sexo feminin o e 25 do sexo masculino.77Em uma compara??o com os dados oficiais do Sistema de Informa??es para Inf?ncia e Adolescência (SIPIA)67, que organiza as denúncias recebidas pelos Conse- lhos Tutelares de todas as Unidades Federativas, observa-se que estes resultados tendem a se repetir, com poucas exce??es de prevalência de uma violência direcio- nada à um gênero ou outro.COR/RA?AA análise da ra?a das vítimas deve compreender, antes de quaisquer afirma- ??es, uma contextualiza??o com a realidade brasileira, considerando um efeito deno- minado por sociólogos e historiadores como o “embranquecimento”, que Hofbauer (2003) aponta como um ideário historicamente construído que estabelece uma rela??o entre a cor da pele clara com uma no??o de status social e que acaba por promover uma situa??o onde “chamar a aten??o para a cor de pele escura (ou “tra?os raciais negroides”) de alguém era uma grave ofensa, sobretudo para aqueles que buscavam ascender socialmente” (HOFBAUER, 2003, p.14). Tal cultura sobrevive até os dias atuais, apontado como reflexo a baixa porcentagem de afrodescendentes nos dados oficiais até hoje68.Portanto, n?o é possível estabelecer quantos, dentre aqueles identificados como “brancos” e “pardos”, n?o seriam melhor identificados como afrodescendentes, já que nos baseamos nos discursos dos denunciantes, que colocam sua própria sub- jetividade na conclus?o da ra?a da crian?a ou adolescente envolvida.Assim, os dados ser?o apresentados no gráfico abaixo devem ser observados com a devida contextualiza??o69.67 Disponível através do sítio Hofbauer (2003, p. 19-21) aponta que alguns autores entendem que a autoclassifica??o de cor da popula??o nem sempre corresponde à classifica??o usada pelo IBGE e por diversos autores em textos sociológicos. Há, portanto, uma tendência de tratar categorias como “negro”, “branco” e “ra?a” como fatores diretamente ligados à uma estrutura sócioecon?mica, e/ou como quest?es biológicas que prescindiriam de explica??o. Aponta Hofbauer (2003, p.20) que “esta ambigüidade conceitual deve-se, provavelmente, em parte a uma tradi??o funcional-estruturalista de abordar o conceito “ra?a/cor”, e em parte a no??es naturalizadas das diferen?as humanas”.69 Recomenda-se a leitura da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do ano de 2014, realizada pelo IBGE e divulgada no ano de 2015, que apontam que este quadro vem se revertendo, com mais brasileiros se declarando “negros” e “pardos”. Os apontamentos dos pesqui- sadores mostra a ainda necessária relev?ncia desta contextualiza??o.78Gráfico 6 – Distribui??o de denúncias a partir da ra?a das vítimas.500450400 448Parda393350300250200150 N?oInformada320 Branca 108Negra100500 1?ndio1Fonte: Próprio autorConsiderando os dados obtidos de forma literal, teríamos a prevalência de su- jeitos brancos e “pardos”70 como vítimas de viola??es diversas, e uma baixa incidência de viola??o de direitos da inf?ncia e juventude negra/afrodescendente. Deve-se impor, como já informado, a respectiva reflex?o sobre até que ponto todos os dados podem ser utilizados como referenciais de políticas públicas e constru??es de novos direitos sem que exista um suporte multidisciplinar.Qualquer interpreta??o descontextualizada, sem a observa??o de fen?menos estudados por outras ciências, podem redundar em uma constru??o de políticas que, ao invés de atuar pontualmente nos grupos que ainda n?o s?o atingidos pela aten??o do Estado para promo??o e garantia de seus direitos fundamentais, acaba por margi- naliza-los ainda mais por n?o perceber a import?ncia das subjetividades nas informa- ??es submetidas através de denúncias e outros meios71.A presen?a de apenas uma crian?a ou adolescente identificada como indígena n?o permite inferências neste trabalho, pois apesar de ser estatisticamente inexpres- sivo, o tema se reveste de enorme relev?ncia para futuros trabalhos, devido à especi- alidade do tema.70 O termo “pardo” vem sendo atacado por algumas milit?ncias como termo perjorativo. O mantenho aqui apenas por n?o terem oferecido ainda um termo considero menos ofensivo.71 Cumpre também apontar que os dados apresentam uma quantidade expressiva de sujeitos cuja ra?a/etnia n?o foram identificadas quando do momento das denúncias, o que também prejudica inferências que possam ter embassamento estatístico.79MATR?CULAOs dados neste momento apresentados, referentes à matrícula das vítimas, também exigem um certo cuidado em sua análise. A partir da observa??o sobre como as denúncias eram descritas, percebe-se que nem todos os denunciantes possuem dados a respeito dos sujeitos ora estudados72.Portanto, n?o se pode esperar que todos os denunciantes tenham conheci- mento pleno da realidade escolar destes sujeitos amostrais. Tal quest?o fica clara quando analisado o gráfico abaixo, apontando que em 43,2% dos casos n?o existia indica??o de escolaridade dos sujeitos envolvidos nas diversas viola??es.Gráfico 7 – Sujeitos e condi??es presentes de frequência escolar.Frequência X Matrícula60054950039640030020017414910001 - Matriculado2 - N?o Matriculado 3 - Matriculado semFrequência4 - N?o InformadoFonte: Próprio autorNo Capítulo 2 do presente estudo apontamos a import?ncia do tema da educa- ??o na Constituinte de 1987/88, e este discurso reflete-se na Carta Cidad? que “den- sifica o espectro de obriga??es reconhecidas ao Estado, enunciando um conjunto de a??es que, devidamente garantidas, efetivam o cumprimento desse mesmo dever”72 Um elemento que demonstra isso com clareza é o grande número de denúncias onde os formu- lários só apresentam o primeiro nome dos envolvidos, com ausência de sobrenomes – também se observou uma série de denúncias onde n?o se sabia os nomes das próprias crian?as vitimas.80(VALLE, 2009 p.66), e que v?o se solidificar, entre as popula??es mais carentes, atra- vés de auxílios como o “bolsa escola” (Lei 10.219/01) e “bolsa família” (Lei 10.836/04), que vinculam os benefícios à frequência mínima de 85% da crian?a e do adolescente. O que se pode inferir com seguran?a é que os dados apontam índices consi- deráveis de sujeitos n?o matriculados (13,7%) e daqueles que est?o matriculados,mas n?o frequentam a escola (11,7%).Considerando a amplitude do sistema de ensino, que tem representa??es nas esferas Federal, Estadual, Municipal e Distrital, todas com respectivos conselhos con- sultivos e deliberativos, é preciso questionar n?o só a atual implementa??o do con- junto de direitos educacionais, mas o papel dos diversos agentes que comp?e a rede73.AS VIOLA??ES AOS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE: AN?LISE SE- TORIAL DE DEMANDASIdentificados os sujeitos amostrais, buscou-se determinar quais seriam as vio- la??es identificadas e quais seus valores estatísticos. O primeiro gráfico apresenta os dados de todos os núcleos (1 e 2) em conjunto, a partir da análise global, setorizamos os dados do núcleo 1 e 2 para determinar prevalências de viola??es determinadas por localiza??o geográfica74.73 Permita-se um parênteses para colocar que existe um regime de colabora??o é objeto de críticas de autores como Maranh?o (2009 p.10), que identifica esta rela??o dialógica como regida pela lógica apenas da vontade política, onde os critérios discricionários refletiam-se em políticas públi- cas plurianuais de governo. Aponta o autor que apesar de algum protagonismo em rela??o ao tema na “Conferência Nacional de Educa??o”, ainda assim existem diversas quest?es que devem ser investigadas na academia, em especial. Existem bons exemplos de colabora??o financeira-consul- tiva no sistema macro da educa??o, tais como os programas nacionais de transporte escolar (PNATE), de alimenta??o escolar (PNAE), de alfabetiza??o (Brasil Alfabetizado), programa di- nheiro direto na escola (PDDE), programa de desenvolvimento da educa??o (PDE) e o FUNDEB, mas Maranh?o (2009) aponta que é preciso estabelecer uma melhor rela??o de micromanagement administrativo na área da inf?ncia e juventude, e os dados de pesquisas de evas?o escolar e um repensar do papel da escola dentro do sistema de prote??o da inf?ncia e juventude deve ser prio- rizado.74 Assim seria possível determinar se existe uma rela??o geográfica entre determinadas ocorrên- cias em rela??o à inf?ncia e juventude e outra. Em uma metrópole como o Município do Rio de Janeiro isso apresenta grande relev?ncia, levando-se em considera??o que temos um núcleo com maior poder aquisitivo e outro que é relacionado à no??o uma “áreas de risco”, que deve ser ana- lisada com o devido cuidado, já que em uma cidade como o Rio de Janeiro, esta delimita??o de risco e seguran?a é complexa e n?o comporta apenas a no??o de espa?os sociais marginalizados versus elitizados (SOUZA, 2008, p. 53-59).81NNeglig. HospitalarNegligência Desobediência Pagamento Pens?o Trabalho InfantilFuga Pais drogadictosSAPAbuso sexualPriva??o alimentosAgress?o física e psi428047425817738118744970100200300400500600N de sujeitos que sofreram a viola??oTipo de viola??o678910 11Gráfico 8 – Viola??es aos direitos da inf?ncia e juventude12345Fonte: Próprio autorOs dados indicam uma prevalência de agress?es físicas e psicológicas (39,7%), e negligência (22,2%). Estas viola??es acabam por envolver uma ampla gama de comportamentos75, que atingem diversos graus de violência física e/ou psicológica, e75 Alguns exemplos (com identidades dos sujeitos e agressores preservadas):Protocolo 676031: “Sujeito 1 e Sujeito 2 s?o agredidos psicologicamente pelo padrasto. Os fatos ocorrem a cerca de três semanas, ocasionalmente, na casa dos envolvidos. Nas agress?es psico- lógicas, s?o proferidos gritos, termos humilhantes e depreciativos contra Sujeito 1, na presen?a de Sujeito 2”.Protocolo 805243: “Sujeito 1 é agredido física e psicologicamente pela genitora, Agressora 1. Além disso, Sujeito 2 é agredida psicologicamente pela genitora. Os fatos ocorrem há cerca de três anos, diariamente, em horários variados, na casa das vítimas. Nas agress?es físicas, a suspeita defere tapas, murros, além de utilizar objetos como, vassoura, cintos, entre outros, algumas vezes dei- xando hematomas. Em rela??o as agress?es psicológicas, a genitora profere amea?as de agredir a crian?a fisicamente e expulsá-lo da residência, além de proferir termos depreciativos e humilhan- tes para Sujeito 2.”Protocolo 323737: “Sujeito 1 é negligenciado pela genitora, Agressora 1. Os fatos ocorrem há apro- ximadamente quatro meses, diariamente, na casa da vítima.Nas negligências, Agressora 1 fre- quenta juntamente com a crian?a, lugares inadequados, onde existe prostitui??o, usuários de en- torpecentes e traficantes. N?o há informa??o sobre o pai da crian?a. (...)Foi informado que a Agres- sora 1 saiu de casa deixando a crian?a com a avó (...) n?o liga para dar satisfa??es de onde se encontra nem para saber como a crian?a está”.82os dados apenas permitem inferir que dentre os sujeitos da amostra, estas s?o violên- cias constantes, mas n?o se pode afirmar que estes sujeitos ingressem na rede de prote??o a partir destes casos.Em terceiro lugar, mas n?o menos expressivo, dada a gravidade do tema, s?o os sujeitos que s?o vítimas de genitores que estejam viciados em drogas lícitas ou ilícitas que possam alterar o estado de consciência (14,9%).Algumas quest?es merecem um maior desenvolvimento, em especial os casos de priva??o de alimentos (6,9%), em que n?o foram encontradas denúncias onde as vítimas fossem adolescentes. Podemos inferir que a partir de uma certa idade estes sujeitos já tenham acesso aos conhecimentos básicos de cozinhar ou consigam, por meios diversos, adquirir alimentos, portanto, esta é uma viola??o típica de uma hiper- vulnerabilidade típica da primeira inf?ncia.Um dado que chamou aten??o durante a tabula??o é o que se classificou como “desobediência” (representando 3,8% dos casos). N?o se trata de casos em que os sujeitos sejam necessariamente as vítimas, mas em verdade tornam-se os protago- nistas dos fatos violadores na vis?o daqueles que ligaram para denunciar – já que s?o os seus genitores ou parentes próximos ligando para os servi?os do Disque 100 pe- dindo auxilio do Estado para que venham educar seus filhos.Os discursos dos denunciantes apresentam certa const?ncia – sempre tratam de crian?as ou adolescentes que xingam os pais, n?o querem ir para a escola ou arrumam algum tipo de confus?o com os vizinhos e até mesmo comportamentos mais graves, com reflexo na sociedade.? um possível indicador da falência da autoridade parental e a cren?a de que o Estado possa assumir a responsabilidade por aquilo que eles n?o se sentem mais capazes de gerir em seus lares76.76 A guisa de exemplo a denúncia de protoloco 714925 apresenta o seguinte discurso (nome do adolescente e sua escola foram substituídos por tra?os com vista à prote??o de sua identidade): “Solicita-se medida protetiva para ___. Há aproximadamente três anos ,o adolescente encontra-se em situa??o de vulnerabilidade social. ____ é muito agressivo com os familiares, além de ser de- sobediente. Ademais, o adolescente está envolvido com furtos de motocicletas na regi?o. ____ está devidamente matriculado na Escola Estadual ___, porém n?o possui frequência assídua as aulas. Sabe-se que o adolescente costuma sair sem avisar os familiares e voltar tarde da noite. Nenhum outro órg?o de prote??o à crian?a e ao adolescente foi acionado até o momento.”833714484Núcleo 1Neglig. HospitalarNegligência Desobediência Pagamento Pens?o Trabalho InfantilFuga Pais drogadictosSAPAbuso sexual Priva??o alimentos Agress?o física e psi322131852167373050100150200250300350400N sujeitos que sofreram viola??oTipo de Viola??o678910 11Gráfico 9: Viola??es referentes ao núcleo 112345Fonte: Próprio autorQuando observadas as particularidades do núcleo Coelho Neto, n?o se observa grande disparidade com os dados gerais. Conforme observado acima, ainda existe uma prevalência de agress?es físicas e psicológicas, seguida de negligências diver- sas e genitores com problemas no consumo de subst?ncias ilícitas.Este padr?o também será observado no quadro abaixo, em que se particulariza as viola??es nos quais os sujeitos amostrais est?o submetidos – o que refor?a a infe- rência de que estes s?o os temas prioritários na elabora??o de políticas públicas de prote??o da inf?ncia e juventude.8459020406080124100120140N sujeitos que sofreram viola??oTipo de Viola??o67891011Gráfico 10 – Viola??es referentes ao núcleo 2Neglig. Hospitalar1NegligênciaDesobediência10Pagamento Pens?o1Trabalho Infantil7Fuga3Pais drogadictos33SAP17Abuso sexual34Priva??o alimentos7Agress?o física e psi12345Fonte: Próprio autorN?o se observou, em rela??o ao núcleo Barra da Tijuca, qualquer dado desvi- ante, portanto, pode-se inferir que, ao menos no recorte amostral que possuímos, as viola??es que mais demandam s?o agress?es físicas e psicológicas, negligências e genitores com problemas de dependência em drogas lícitas e ilícitas77.Portanto, apresenta-se tabela comparativa abaixo para que os leitores possam tirar suas próprias conclus?es a respeito das demandas dos dois núcleos77 Um interessante estudo de Reis, Oliveira e Hungaro (2014, p. 1054) aponta que em pesquisas sobre dependência foi observado que “o perfil sociodemográfico dos entrevistados está em confor- midade com os dados majoritários da popula??o brasileira: em sua maioria as pessoas s?o mulhe- res, adultas jovens, em idade economicamente ativa e com nível de escolaridade até o ensino médio.13 Este perfil sociodemográfico também foi encontrado em pesquisa realizada pelo sistema de Vigil?ncia de Fatores de Risco e Prote??o para Doen?as Cr?nicas por Inquérito Telef?nico (Vi- gitel) para determinar o consumo de bebidas alcoólicas na popula??o adulta brasileira, que entre- vistou, em 2006, 54.369 pessoas, identificando que 38,1% da popula??o estudada consumia habi- tualmente bebidas alcoólicas e 16,2% faziam uso abusivo dessas subst?ncias.14 -15 O perfil so- ciodemográfico influencia o uso de drogas de abuso, mas também pode influenciar a percep??o social sobre problemas sociais. As mulheres e as pessoas com menor escolaridade tendem a atri- buir maior gravidade a problemas como o abuso de drogas, desemprego, pobreza, polui??o e pre- conceito racial. Desse modo, pode-se inferir que a percep??o de a??es de políticas públicas tam- bém é influenciada por pessoas com este mesmo perfil.”85Quadro 15 – Tabela comparativa entre Núcleo 1 (Coelho Neto) e Núcleo 2 (Barra da Tijuca)Número de Identifica??oTipo de Viola??oN 1%N2%1Agress?o física e psicológica37339,00%12441,9%2Priva??o alimentos676,90%72,36%3Abuso sexual848,60%3411,48%4SAP212,20%175,75%5Pais drogadictos14414,48%3311,15%6Fuga50,52%31,01%7Trabalho Infantil181,90%72,36%8Pagamento Pens?o30,30%10,33%9Desobediência373,80%103,37%10Negligência22122,00%5919,96%11Negligência Hospitalar30,30%10,33%TOTAL976100,00%296100,0%Fonte: Próprio autor4.2 SURVEY PARA DETERMINAR A PERCEPA??O SOCIAL EM RELA??O AOS DIREITOS DA INF?NCIA E JUVENTUDEConcomitantemente à tabula??o dos dados resultantes das análises das de- núncias do Disque 100, iniciou-se a coleta de dados referente à aplica??o de um ques- tionário survey, de cunho também quantitativo, com a inten??o de conhecer a percep- ??o da sociedade em rela??o aos direitos da inf?ncia e juventude.A escolha por este outro enfoque empírico mostrou-se necessária para identi- ficar quest?es que n?o seriam possíveis de serem analisadas através dos dados ob- tidos com o Disque 100, ou seja, enquanto os dados obtidos anteriormente somente apresentam indica??es a respeito das violências sofridas pelos sujeitos, n?o era pos- sível inferir as quest?es mais subjetivas tais como a resposta da popula??o indepen- dente de estarem envolvidas nas demandas por prote??o ou n?o.Assim, o conhecimento dos sujeitos a respeito dos diversos atores que partici- pam da rede de prote??o, o acesso aos direitos elencados no Estatuto da Crian?a e do Adolescente, o reconhecimento das propostas do Poder Executivo Municipal na promo??o dos direitos à inf?ncia e juventude e outros dados que poderiam assumir86import?ncia para maior contextualiza??o com o objeto da pesquisa dependendiam de outra abordagem empírica. Portanto, nesta etapa da pesquisa buscou-se coletar in- forma??es do maior número de pessoas de forma direta e padronizada, com o intuito de conhecer as opini?es, atitudes, cren?as e comportamentos relacionados aos direi- tos da inf?ncia e juventude, em um desdobramento que fossem além da opini?o teó- rica a respeito do tema, ou seja, buscou-se dar voz à popula??o para que se pudesse estabelecer efetivamente qual a assimila??o se estabeleceu entre o texto pós Consti- tui??o Federal de 1988 e as expectativas sociais.O pesquisador, orientado por seu referencial teórico, seu problema e hipóteses, construiu 14 proposi??es em forma de questionamentos relacionados ao tema e se encontram disponíveis no Anexo B. O link do questionário realizado através da ferra- menta do Google Formulários foi disponibilizando nas redes sociais, o que permitiu a coleta dos dados produzidos por uma popula??o amostral de duzentos e cinco sujeitos, de diversos Estados do país.Buscou-se atingir, através das redes sociais, uma ampla camada da popula??o entre as idades de dez anos até os que já estivessem com mais de setenta anos. Tentou-se, em especial, atrair a resposta de adolescentes entre quinze e dezoito anos, o que permitiria oferecer voz a esta parcela da popula??o que já consegue verbalizar seus interesses, buscando assim uma maior compreens?o de seu olhar a respeito das leis que passaram a existir tendo como o foco seu benefício.A escolha pela divulga??o nas redes sociais permitiu uma maior diversidade de sujeitos, evitando assim que as respostas fossem viciadas por uma baixa representa- tividade tais como só os conhecidos do pesquisador, porém, antes mesmo de lan?ado o survey, se previa como possível dificuldade a dispers?o excessiva para fora dos limites do recorte do Rio de Janeiro, quest?o que será abordada abaixo do gráfico. Ao final da coleta de dados observou-se uma maior prevalência de respostas obtidas por sujeitos moradores da Regi?o Sudeste (85%), o que permite sua utiliza??o no pre- sente capítulo, já que consegue estabelecer um diálogo com o recorte amostral da pesquisa anterior, que trata de sujeitos residentes no Rio de Janeiro.87Gráfico 11 – Dispers?o por regi?es dos sujeitos do surveyFonte: Próprio autorA concentra??o de respostas focado no Sudeste, com grande maioria de parti- cipantes do Rio de Janeiro (através do engajamento de divulga??o focados em grupos do município do Rio de Janeiro, especialmente entre estudantes universitários), per- mite alguma seguran?a para estabelecer um diálogo entre as demandas apresentadas no Disque 100 no Rio de Janeiro e a rela??o de parte da sociedade a respeito do sistema de garantias e prote??o da inf?ncia e juventude.Cumpre defender aqui que mesmo em eventual predomin?ncia de outras regi- ?es do país seria possível trazer inferências, posto que o Disque 100, assim como as demais quest?es abordadas no survey, envolvem temas que s?o pertinentes, tanto em uma abordagem regional quanto nacional.A partir dos resultados analisados, optou-se por trazer ao texto do presente trabalho apenas aqueles que foram considerados significativos para a constru??o da reflex?o, ou seja, apenas os dados que possam estabelecer uma análise geral da rela??o entre a sociedade e os temas da inf?ncia e juventude.Assim, excluímos da apresenta??o de dados apenas duas quest?es que bus- cavam estabelecer quem s?o os sujeitos da amostra a partir de sua atua??o profissi- onal78, e a pergunta “Você já leu a Constitui??o?”, todas as outras est?o expostas neste capítulo.78 Como as perguntas: “Você é graduando(a) ou já atua profissionalmente em qual área?”88O primeiro dado que ganhou relev?ncia foi a distribui??o de idade, como se observa no quadro abaixo:Quadro 16 – Distribui??o por idadeFrequênciaPorcentagem15-18 anos210,0%19-29 anos5527,0%30-49 anos9546,0%50-70 anos5125,0%70 ou mais210,0%Total205100%Fonte: Próprio autorA maior ades?o ao questionário foi de indivíduos entre 30 e 49 anos, represen- tando 46% de participa??o, seguido pela presen?a de jovens entre 19 e 29 anos (27%) e indivíduos entre 50 e 70 anos (compreendendo 25% do total). Infelizmente n?o foi possível atingir um número expressivo de adolescentes, mesmo com a utiliza??o das redes sociais e instrumentos de questionário baseados na inter- net.Os 2% de ades?o impedem que se possa inferir a vis?o do adolescente em rela??o aos seus próprios direitos e o conhecimento que tenha a respeito dos diversos agentes e institui??es que comp?e o sistema de garantias. N?o se buscou atingir um grupo específico por idade, porém a pouca ades?o de adolescentes à pesquisa restou como certa frustra??o na presente analise, já que uma maior ades?o de adolescentes permitiria inferências sob a ótica do grupo que efetivamente se beneficia do sistema de prote??es.Por outro lado, a faixa etária compreendida com maior participa??o oferece a oportunidade de perceber como este público entre 30 e 70 anos, mais maduro, com- preendendo em boa parte a cultura anterior ao Estatuto da Crian?a e adolescente, assim como suas percep??es a respeito de aspectos da rede de prote??o.89Leitura do ECA por faixa etáriaA seguir buscou-se estabelecer uma rela??o entre a faixa-etária e o conheci- mento do Estatuto da Crian?a e do Adolescente, em especial que permitisse compre- ender se existia uma predomin?ncia de certos grupos de idade com menor desconhe- cimento das premissas básicas previstas no texto legal.Quadro 17 – Faixa-etária e leitura do Estatuto da Crian?a e do AdolescenteIdadeTotal Sujei- tosLeu o ECAPorcentagemN?o leu o ECAPorcentagem15-18 anos2150,0 %150,0 %19-29 anos553868,0 %1732,0 %30-49 anos956770,0 %2830,0 %50-70 anos512854,0 %2346,0 %70 ou mais2150,0 %150,0 %Total20513566,0 %7034,0 %Fonte: Próprio autorDentre os 205 respondentes, 135 sujeitos tiveram algum acesso à leitura do Estatuto da Crian?a e do Adolescente, enquanto 70 afirmam nunca terem lido, o que estabelece, em termos percentuais, 66% de respondentes conhecedores do Estatuto da Crian?a e do Adolescente, independentemente da faixa etária.Cumpre deixar claro (conforme Anexo B), que a pergunta n?o exigia conheci- mento profundo do ECA, e sim a mera leitura de alguns artigos, estabelecendo um conhecimento n?o acadêmico do texto legal. Pode-se inferir que o Estatuto da Crian?a e Adolescente efetivamente é de conhecimento de parte significativa da popula??o integrante da amostra, representando um total de percep??o do texto, mesmo que em partes, por 66% dos sujeitos amostrais.A faixa etária com maior incidência de indivíduos que efetivamente conhecem o Estatuto é aquela que compreende 30 a 49 anos, n?o permitindo maior inferência a90respeito dos motivos para este destaque. Uma possível explica??o para esse resul- tado seria que esta é uma faixa etária composta por muitos genitores, o que permitiria sugerir que existe um interesse maior em conhecer os direitos e deveres dos filhos, ou mesmo que tenham recebido algum tipo de informa??o por parte da escola. Imp?e- se, todavia sublinhar que os dados colhidos n?o permitem corroborar de forma cabal essa alternativa explicativa.Conhecimento do sistema de garantias da inf?ncia e juventudeQuadro 18 – Percentual de reconhecimento de órg?o do sistema de GarantiasConselho Nacional dos Direitos da Crian?a e do Adolescente (CONANDA)9345.4%Conselho Municipal dos Direitos da Crian?a e do Adolescente (CMDA)4522%Conselho Estadual dos Direitos da Crian?a e Adolescente5526.8%Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS)4421.5%Vara da Inf?ncia e Juventude19695.6%Delegacias especializadas na área da inf?ncia e juventude11556.1%Fundo Para a Inf?ncia e Adolescência (FIA)7838%Conselho Tutelar20198%Disque 10010953.2%Promotoria da Inf?ncia e Juventude (Ministério Público Esta- dual)8541.5%Fonte: Próprio autorEste é o dado mais importante da pesquisa qualitativa: dos 205 sujeitos que participaram da pesquisa, 98% dizem conhecer o Conselho Tutelar; 95,6% conhecem a Vara da Inf?ncia e Juventude, 56,1% conhecem as Delegacias Especializadas e 53,2% afirmam conhecer o Disque 100.Nota-se, portanto, que dos órg?os que comp?em a Rede de Prote??o, apenas a Vara da Inf?ncia e Juventude e o Conselho Tutelar s?o os órg?os com ampla intro- je??o social, podendo-se supor que s?o mais divulgados e dialogam mais com a po- pula??o. Essa e a evidencia empírica. As explica??es, todavia, s?o controversas.91No que toca ao Conselho Tutelar, sua atua??o na escola e a ampla campanha que os conselheiros costumam realizar na época de elei??o para assumir o cargo conferem-lhe maior visibilidade. A Vara da Inf?ncia pode ter maior penetra??o por conta de sua import?ncia na autoriza??o de viagem de crian?as e adolescentes e sua presen?a em rodoviárias e aeroportos79. Os dados coletados, todavia, n?o permitem afirmar nada além da objetiva constata??o de que s?o estas estruturas – Conselho e Justi?a Especializada – as mais conhecidas entre os integrantes da amostra.Analisando todos os órg?os que atingiram mais de 50% de penetra??o entre os participantes pode-se inferir que a sociedade ainda reconhece como os de maior fa- miliaridade aquelas institui??es que possuem caráter potencialmente repressivo.O próprio Conselho Tutelar costuma se fazer presente essencialmente diante de viola??es à inf?ncia e juventude e n?o raro lhe jogam a imagem de órg?o a ser temido – já que comumente se ouve de alguns genitores a amea?a “Se você n?o se comportar, vou chamar o Conselho Tutelar”80.Assim como o Conselho Tutelar, a Vara da Inf?ncia também atua em quest?es que costumam envolver alguma quest?o prejudicial às crian?as/adolescentes e seus responsáveis, posto possuir competência específica para tratar dos casos de crian?as e adolescentes que estejam em situa??o de risco, e possuem forte liga??o com as delegacias especializadas e o próprio Disque-100.Portanto, é possível estabelecer uma corrobora??o com as informa??es dos diversos autores apresentados no capítulo dois, em especial Rizzini (2011), que aponta em diversas obras os resquícios persistentes do modelo anterior ao da Cons- titui??o de 1988 na condu??o dos direitos da inf?ncia e juventude.A assimila??o da responsabilidade individual na prote??o da inf?ncia e juventude ver- sus a responsabilidade do Estado79 No Município do Rio de Janeiro existia um posto da Vara da Inf?ncia e Juventude na rodoviária Novo Rio, e ampla divulga??o por cartazes a respeito da import?ncia da autoriza??o para viajar, disponíveis tanto na rodoviária quanto nos aeroportos.80 Tal simbologia foi explorada no resumo disponibilizado por Ana Christina Brito Lopes em sua tese com título de “De Anjos da Guarda à Bichos-pap?o: os Conselhos Tutelares e as tens?es entre a Prote??o Integral e o legado de uma cultura punitiva”, onde também disponibilizou que este dis- curso foi percebido pesquisa realizada pelo PPGD da UERJ que resultou no relatório “Conselho Tutelar e Escola Pública: uma rela??o de coopera??o ou confronto. Rio de Janeiro, 2003”.92Um dos elementos que se apresentou como de maior interesse foi a resposta dos sujeitos quando questionados se acreditavam possuir alguma responsabilidade na prote??o da inf?ncia e juventude81.Os dados apontam o que segue:Gráfico 12 – Responsabiliza??o individual dos sujeitosFonte: Próprio autorA grande maioria (93,7%) n?o se sente responsável pela defesa dos direitos da inf?ncia e juventude, o que permite inferir que, ao menos nesta amostra, a previs?o da Constitui??o Federal de 1988 em seu artigo 227, no sentido de estipular a solidari- edade na prote??o da inf?ncia e juventude, n?o é compartilhada pela sociedade.Esta inferência ganha maior peso quando se observam outros dois dados ob- tido através do survey, que buscavam aprofundar a percep??o de como se daria a distribui??o de responsabilidades para estes sujeitos.81 A pergunta se baseava nos artigos da Constitui??o Federal, em especial o 227 “? dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à crian?a, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta??o, à educa??o, ao lazer, à profissionaliza??o, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discrimina??o, explora??o, violência, crueldade e opress?o.” e do artigo 98, I do Esta- tuto da Crian?a e do Adolescente que prevê medidas de prote??o à crian?a e ao adolescente como aplicáveis sempre que os direitos das crian?as e adolescentes forem amea?ados ou violados por a??o ou omiss?o da sociedade e do Estado.;93O interesse, durante a constru??o do questionário, era instrumentalizar uma pesquisa empírica que permitisse caracterizar n?o só quem eram os sujeitos, mas também as suas próprias percep??es sobre o seu espa?o na estrutura??o do sistema de garantias da inf?ncia e juventude.A partir destes elementos seria possível descortinar também o papel assumido por estes indivíduos enquanto participantes da prote??o ora aventada pelo Consti- tuinte, assim como descobrir se existiria algum deslocamento desta responsabilidade para fora de suas esferas privadas, como se observará no próximo gráfico.Gráfico 13 – Interferência do Poder Público em crian?as com mau comporta-mento.Fonte: Próprio autorA pergunta, conforme apontada no título do gráfico, vinha com uma observa??o que apresentava exemplos que pudessem indicar quais seriam indícios de “mau com- portamento” nos termos do questionário. Portanto, indicava-se como exemplos crian- ?as e adolescentes que se envolvam em brigas na escola, com vizinhos, ou aquelas que fogem de casa82, temas que foram identificados durante a tabula??o dos dados do Disque 100.Enquanto os sujeitos defendiam, na resposta anterior, que n?o possuíam qual- quer papel na prote??o e defesa das crian?as e adolescentes, quando deslocado o82 Ou seja, sem um conteúdo infracional que precise da atua??o de uma delegacia especializada94foco para o Poder Público, 80,5% responderam que se deveria impingir à responsabi- lidade os atores públicos para quest?es que, em tese, n?o deveriam exigir esfor?os da máquina pública.Conforme apontado nos primeiros dois capítulos do presente trabalho, sempre existiu um refor?o na no??o de que os direitos da inf?ncia e juventude seriam essen- cialmente direitos dos excluídos – aí inclusos as crian?as e adolescentes mais pobres, marginalizadas em algum nível. Portanto, buscou-se uma quest?o que pudesse ava- liar se os sujeitos compreendiam o Conselho Tutelar como um órg?o que atuasse efetivamente na prote??o de todas as crian?as e adolescentes ou se este funcionaria dentro de uma estrutura ainda “menorista”. Os dados surpreenderam com a seguinte distribui??o:Gráfico 14 – Vis?o dos sujeitos a respeito do Conselho Tutelar e crian?as e adoles- centes com maior poder aquisitivoFonte: Próprio autorOs dados apontam que 32,8% dos sujeitos acreditam que o Conselho Tutelar n?o possua nenhuma utilidade ou aplica??o na prote??o de crian?as e adolescentes. Esta percentagem representa 67 sujeitos em um universo de 205 respondentes que95n?o conseguem perceber o Conselho Tutelar como um instrumento de garantia e pro- te??o de toda a inf?ncia e juventude, seja ela das camadas mais pobres ou mais abas- tadas da sociedade.Outro dado que era de interesse nesta etapa da pesquisa envolvia a experiên- cia dos sujeitos em rela??o ao Conselho Tutelar, devido a sua import?ncia na articu- la??o entre a sociedade e as políticas públicas instituídas para a inf?ncia e juventude. Assim, entre as perguntas construídas para o survey também existia uma quest?o para saber, dentre aqueles sujeitos, quais já haviam buscado o Conselho Tutelar em algum momento, ao que chegamos à seguinte informa??o:Gráfico 15: Utiliza??o do Conselho Tutelar pelos sujeitos amostraisFonte: Próprio autorNo conjunto de nossos sujeitos amostrais percebeu-se que 81,5% destes já haviam procurado o Conselho Tutelar por algum motivo, o que permite inferir que os indivíduos participantes da pesquisa efetivamente possuem uma rela??o com um ator importante do desenho institucional pós-1988 desenvolvido para a prote??o da inf?n- cia e juventude.Na constru??o das quest?es se previu que ao menos alguns sujeitos respon- deriam “sim” à esta quest?o, tendo em vista o que já foi apontado no Capítulo anterior da import?ncia do Conselho Tutelar em suas fun??es de atendimento tanto da crian?a96e do adolescente quanto o dos genitores83, estabelecendo assim uma porta de entrada ao sistema de garantia e defesa da inf?ncia e juventude. Portanto antecipamos, en- quanto da constru??o das quest?es, um item de resposta n?o obrigatória em que os participantes poderiam indicar a sua satisfa??o com o servi?o prestado por este órg?o. Estes dados podem fornecer uma indica??o de uma rela??o de confian?a ou desconfian?a sobre a prote??o prometida pelo Conselho Tutelar, ent?o se optou por quatro classifica??es que iam de “péssimo” a “ótimo”. Cumpre ressaltar que dos du- zentos e cinco sujeitos, apenas cinquenta e dois optaram por responder a esta per-gunta e os resultados s?o apresentados no gráfico abaixo.Gráfico 16 – Nível de satisfa??o dos sujeitos amostrais em rela??o ao atendi- mento do Conselho TutelarFonte: Próprio autorQuando da análise dos dados temos 51% definindo o servi?o prestado pelo Conselho Tutelar como “regular”, 23,5% atribuindo a qualidade de “péssimo”, 21,6% indicando um “bom” servi?o e 3,9% como “ótimo”.A constru??o do questionário n?o procurou focar prioritariamente a experiência do Conselho Tutelar e sim a percep??o geral dos sujeitos a respeito do sistema de83 Previstas, principalmente no artigo 136 do Estatuto da Crian?a e do Adolescente, onde apenas se exclui o atendimento ao adolescente autor de ato infracional.97garantias, por isso n?o é possível estabelecer as particularidades desta percep??o específica ao atendimento recebido.Assim, as inferências possíveis devem levar em conta que de forma genérica os sujeitos entendem o funcionamento do Conselho Tutelar como mediano, ou seja, há uma percep??o de funcionamento regular ao atendimento da sociedade, mas n?o se é possível estabelecer onde o servi?o poderia efetivamente melhorar, para isso seria necessário uma pesquisa qualitativa especifica em rela??o ao tema, que seria de grande utilidade para uma avalia??o deste órg?o essencial à inf?ncia e juventude, mas n?o cabe na presente pesquisa.Os extremos opostos, ou seja, “ótimo” e “péssimo” revelam um cenário mais específico – a baixa frequência de avalia??es de muita satisfa??o (3,9%), em compa- ra??o com o número mais expressivo (21,9%) que entende ser péssimo, revelam que existe certa desconfian?a a respeito da fun??o do Conselho Tutelar baseado em ex- periências negativas prévias.Para que se fosse possível estabelecer algum tipo de par?metro em re- la??o ao envolvimento da sociedade nas quest?es da inf?ncia e juventude, a pesquisa n?o se preocupou apenas com a avalia??o dos órg?os existentes, mas também do efetivo conhecimento dos sujeitos a respeito das propostas no ?mbito de seus muni- cípios.Gráfico 17 – Conhecimento dos sujeitos amostrais a respeito das propostas do Poder Executivo Municipal para promo??o dos direitos da inf?ncia e juventudeFonte: Próprio autor98Da análise dos resultados a respeito do engajamento dos sujeitos nas propos- tas do Município para a promo??o de direitos da inf?ncia e juventude percebeu-se que 82% n?o tinham conhecimento algum a respeito das propostas.Pode-se inferir que n?o existe uma publiciza??o dos diversos planos municipais para a garantia e promo??o dos direitos das crian?as e adolescentes, mas estes da- dos também revelam um desconhecimento dos sujeitos a respeito da transferência de responsabilidades estipulados aos diversos ramos do Poder Executivo.Existe um reconhecimento quase un?nime sobre a existência do Conselho Tu- telar conforme apontado no quadro 18, porém os sujeitos n?o parecem reconhecer este órg?o como o representante mais claro da influência do Município na atua??o dos direitos da inf?ncia e juventude ou as propostas que envolvam o Conselho Tutelar e o Conselho Municipal de Direitos da Crian?a e do Adolescente.Os eventos relacionados aos direitos da inf?ncia e juventude tais como o “Fó- rum Territorial de Participa??o Cidad? de Adolescentes da Plataforma dos Centros Urbanos”84, realizado em 2015 em um convênio entre o Fundo das Na??es Unidas para a Inf?ncia (UNICEF) e a Prefeitura do Rio de Janeiro, n?o parecem chegar ao conhecimento de grande parte da popula??o, o que dificulta uma sensa??o dos sujei- tos em rela??o ao conhecimento dos planos existentes para a promo??o de direitos da inf?ncia e juventude.Estas inferências possíveis, portanto, dependeriam de outras pesquisas empí- ricas para uma maior compreens?o do fen?meno.84 Este fórum tinha como meta estabelecer um modelo de desenvolvimento inclusivo – reduzindo desigualdades que afetem especificamente crian?as e adolescentes de grandes centros urbanos do Brasil – focando no acesso à educa??o, saúde e prote??o.99DEFICITS DE EFETIVIDADE DA REDE DE PROTE??O INTEGRAL.A constru??o de direitos da inf?ncia e juventude pode ser entendida como uma lenta estrutura??o, tanto do ponto de vista histórico, como apresentado brevemente no capítulo inicial deste trabalho, quanto do ponto de vista jurídico. De uma inexistên- cia de direitos até a atual concep??o de uma prote??o integral, muitas foram as ques- t?es sob as quais a academia se debru?ou – e nem todos os temas se encontram pacificados85.? a partir das controvérsias, que ainda persistem, que se permite compreender como as discuss?es – tanto as existentes quanto as já superadas – se beneficiaram de uma discuss?o política e social no cenário global, que se percebe repercutindo no texto constitucional nacional e nas legisla??es específicas que se seguiram, conforme apontado nos primeiros capítulos do presente trabalho.A presen?a de questionamentos plurais, muitas vezes revestidos de grande amplitude filosófica, trabalha em especial com a análise da percep??o da capacidade das crian?as e adolescentes para incorporar suficiente autonomia a ponto de entendê- las como cidad?s com plenitude de direitos, enquanto também encarregadas com os fardos dos deveres.Conforme se depreende da leitura de Archard e Mcleoad (2002, p.1-19), o que acabaria por inferir em uma possível exigência de um olhar para além da quest?o jurídica, através de conhecimentos da psicologia, antropologia e sociologia se torna- riam mais relevantes para a concep??o dos direitos da inf?ncia e juventude do que as próprias elabora??es tradicionais das teorias dos direitos humanos, que poderiam n?o ser suficientes para a análise da quest?o infanto-juvenil no contexto jurídico (ARCE, 2002 p.366).85 Aponta-se, como exemplo, as produ??es de autores estrangeiros como Archard (2002) e Archard e McLeode (2005), que questionam sob a ótica hermenêutica a possibilidade de as crian?as efetivamente possuírem direitos, e se estes direitos s?o os chamados direitos humanos, anali- sando a capacidade de agência de crian?as para assumirem a condi??o de sujeitos de direitos conforme destacados na Conven??o sobre os Direitos das Crian?as de 1989. No Brasil, con- forme apontado ao longo do presente trabalho, n?o se discute a pertinência da no??o de crian- ?as e adolesces como “sujeitos de direitos” – apontando para uma assimila??o maior do texto internacional de 1989 em rela??o à países como os Estados Unidos e aqueles integrantes no Reino Unido.100Diversos autores, nacionais e estrangeiros, pontuam que as reflex?es a res- peito dos direitos da inf?ncia e juventude s?o um fen?meno recente (ARCHARD, 2002; ARCHARD, MCLEAOD, 2005; CREIGHTON, 2012; GUGGENHEIM, 2005; PILOTTI,2000; PINHEIRO, 2015; RIZZINI, 2011) e n?o raro, conforme ressaltado no Capítulo 2 deste trabalho, as discuss?es se pautaram por uma vis?o paternalista, reproduzindo, assim uma percep??o de prote??o ao invés da constru??o de uma teoria que estabe- lecesse a crian?a e o adolescente como detentores de direito.Sob muitos aspectos, n?o há quem discorde da necessidade premente de se proteger os direitos da inf?ncia, e o caminho natural para expressar essa quest?o é reconhecê-las como detentoras de direitos (ARCHARD, MCLEOAD 2002, p. 4-5). Por- tanto, apenas a sua enuncia??o n?o se mostra suficiente, sendo necessário que ocorra uma transposi??o para a realidade de seus titulares. Assim, a indica??o da existência de direitos é fruto de uma luta emancipatória, tal como observado no Capí- tulo 2 do presente trabalho, mas ainda se faz necessário fortalecer as conquistas a partir de demandas que possam transpor o que foi proclamado à realidade das crian- ?as e adolescentes (BOBBIO, 1992 p.32).Neste contexto, se coloca a problemática de como exigir, n?o apenas judicial- mente, mas também dentro da própria esfera administrativa, estes direitos tendo em vista a sua motiva??o. Compreender sob o que demandar permite manejar a extens?o e aplica??o do que foi enunciado mantendo sua fundamentalidade, assim, identifi- cando o que há de fundamental, se poderia impedir uma prolifera??o de direitos que n?o se revestem de import?ncia e que podem desviar os esfor?os no que Griffin (2002, p.19- 30) aponta como consequência desta dispers?o a dilui??o da import?ncia nor- mativa dos direitos fundamentais da inf?ncia e juventude86.Assim, a delimita??o precisa partir do que se construiu com a Conven??o dos Direitos das Crian?as de 1989, objeto do capítulo 2, e que foram introduzidas no texto da Carta Cidad? e do Estatuto da Crian?a e do Adolescente. Pode-se identificar um86 Neste sentido, complementam Archard e McLeod (2002, p. 5): This line of argument is pursued by James Griffin. Through an analysis that focuses on the development of the human rights traditi on, Griffin argues that the language of human rights is best reserved for beings capable of agency. Less restrictive conceptions of rights, such as those that link rights to the protection of needs, lead to a proliferation of rights of a sort that dilutes the normative importance of rights. Griffin maintains that denying that infants have rights need not diminish the moral significance of their claims to care. The absence of a right need not signal diminished moral importance.101tripé de motiva??es específicas em que uma base é a busca por uma autonomia da inf?ncia e juventude, que lhes permitiram ser reconhecidas como sujeitos de direitos, e as outras duas bases seriam o reconhecimento de sua condi??o como dependentes por um lado dos próprios genitores, e por outro da comunidade em que se inserem87.Dentre os autores, Archard se apresenta como uma fonte de maior express?o para analisar o papel do Estado e da família dentro do contexto dos direitos das cri- an?as e adolescentes. Realizando o recorte dentro do Estado Liberal, Archard (2005,p. 110 – 120) aponta que o Estado possui um interesse legitimo no bem estar das crian?as, mas n?o pode ser o cuidador principal destas, em uma abordagem em que caberia aos entes uma atua??o em ultima ratio, portanto, no equilíbrio entre seu inte- resse protetivo e uma recomendável menor influência na esfera familiar, o Estado as- sume para si o papel público de amparo que deve ser circunscrita pelo espa?o privado que é representado pela família.Uma crítica pertinente de Archard é no sentido de que existe uma duradoura doutrina que coloca “o Estado, em sucess?o ao monarca, como um parens patriae, pai da na??o, e portanto responsável pelo desenvolvimento de sua juventude” (2005,p. 110)88, o que n?o se coaduna com a vis?o liberal de responsabilidade familiar. Ainda é Archard quem aponta também que há um erro em empreender uma divis?o bruta do aspecto privado da família e do viés público do Estado, já que este atua constan- temente na rela??o familiar, seja através de leis, órg?os e até mesmo de escolhas políticas que refletem nas quest?es econ?micas e sociais – e esta interferência n?o é neutra, como postulam alguns autores do liberalismo clássico.A concep??o sintonizada com a impossibilidade de se estabelecer uma divis?o clara entre o que é privado e o que é público com rela??o aos direitos da inf?ncia e juventude também ressoa com a realidade nacional. ? a inferência que se extrai uma vez observadas as diversas leis que ora surgem como incentivo à manuten??o dos filhos na escola através de benefícios financeiros em um “Bolsa Família”, seja na ten-87 Portanto, é uma rela??o delicada entre promover uma inf?ncia e juventude que se sinta sujeito de direitos e o reconhecimento de que existe um aparato na família e na comunidade mais próxima (outros familiares que n?o sejam os genitores ou guardi?es legais, a escola e os seus professores etc).88 “A longstanding influential doctrine holds the State, in succession to the monarch, to be parens patriae, ‘parent of the nation’, and thus responsible for the upbringing of its youth.”102tativa do Legislador em estabelecer limites às quest?es culturais que podem ser pre- judiciais ao desenvolvimento saudável da inf?ncia como a “Lei da Palmada” (Lei 13.010/2014)89.Neste sentido, aponta-se como um dos papéis do Estado, a sua fun??o de pro- puls?o social, previsto em diversos setores da Constitui??o Federal, tais como saúde, educa??o, distribui??o de renda, porém, n?o mais observado sob os moldes de um sistema clássico unitário de administra??o, onde inexistiria participa??o conjunta entre Estado e a sociedade – e sim um modelo pluralista, onde a coexistência dos atores públicos e privados permitem uma constru??o mais sólida. E dentro deste contexto, ao Estado cumpre dupla atua??o na rela??o com os direitos da inf?ncia e juventude – enquanto atua através de normas cogentes, como quando estabelece um freio em comportamentos diversos típicos à cria??o de crian?as e adolescentes, mas também estimulando condutas, como o incentivo de uma cultura familiar de inclus?o escolar.Nesta complexa rela??o, observadas tanto na realidade dos Estados Unidos da América do Norte quanto no Brasil, talvez a manuten??o desta vis?o paternalista de Estado seja uma das responsáveis por dificultar o estabelecimento de uma autonomia da inf?ncia e juventude. Assim, o presente tema deve ser observado a partir de uma análise mais apurada sobre o papel das famílias e da sociedade frente aos dados empíricos observados.5.1 A FAM?LIA COMO COMPONENTE DA REDE DE PROTE??O INTEGRALO presente trabalho destacou, em seus capítulos iniciais, que a constru??o deste novo desenho institucional surgiu em um contexto de grande otimismo, que teve de se sustentar face às diversas quest?es práticas que se colocaram na materializa- ??o desta cultura jurídico-administrativa inédita. A compreens?o de que se deveria89 O nome pelo qual é mais conhecido, e, portanto, escolhido para o texto “Lei da Palmada” foi instituída pela mídia e aceita pela sociedade como tal, porém, quando de sua aprova??o na Co- miss?o de Constitui??o de Justi?a e Cidadania da C?mara dos Deputados recebeu o nome de “Lei Menino Bernardo”, em homenagem a uma crian?a assassinada pelo pai no Estado do Rio Grande do Sul. O tema ainda n?o tem grande repercuss?o na academia, apesar de sua aplica??o já se ae apresentar como polêmica, porém, serve como exemplo recente de como o Legislativo atua na regula??o deste e outros temas.103garantir à inf?ncia e juventude direitos fundamentais que permitissem uma maior con- cretiza??o de sua autonomia como sujeitos de direitos, acaba por promover uma me- nor desigualdade90 entre o mundo do adulto e daqueles que ainda se desenvolvem.Ao longo do Capítulo 2, foi pontuado que nos textos legais de 1940 até 1988, a família ganha um protagonismo constitucional a partir da Constitui??o Federal de 1934, e os reflexos nas diversas leis s?o perceptíveis por uma série de medidas protetivas do núcleo familiar. Enquanto o papel desta institui??o foi objeto de uma série de me- didas com cunho assistencialista, o deslocamento da import?ncia jurídico-social para o tema – com a saída de uma regulamenta??o essencialmente privada a partir da codifica??o civil, para uma valoriza??o constitucional da matéria de direito de família– é elemento suficiente para caracterizar uma maior aproxima??o entre os interesses do Estado e aqueles do ?mbito antes percebido como plenamente privado.Assim, criam-se nas discuss?es relativas às quest?es das políticas sociais um conflito percebido por Mioto (2004, p.3) através de dois olhares: o primeiro torna centro a família, percebendo-a como capaz de cuidar e proteger a si própria, enquanto o segundo defende que só é possível falar em prote??o e capacidade de cuidado fami- liares enquanto lhes s?o garantidas políticas sociais para que possam efetivar sua fun??o primordial.O primeiro olhar promoveu a base da assistência familiar, criando distin??es entre famílias capazes e incapazes, ou seja, aquelas que conseguiriam suficiente au- tonomia para gerir suas quest?es, e aquelas que, por n?o atingirem certo patamar de capacidade para gerir seus problemas morais/econ?micos, acabariam por requerer interferência do Estado, no que Mioto (2004, p.4) entende como uma ajuda, enquanto90 Aqui pode-se citar Marshall (1967, p.80) quando coloca que “Um direito de propriedade n?o é um direito de possuir uma propriedade, mas um direito de adquiri-la caso possível e de protege-la, se puder obtê-la. Mas, caso se lance m?o desses argumentos para explicar a um pobre que seus direitos de propriedade s?o os mesmos daqueles de um milionário, provavelmente o indigente nos acusará de estar sofismando. Da mesma maneira, o direito à liberdade da palavra possui pouca subst?ncia se, devido à falta de educa??o, n?o se tem nada a dizer que vale a pena ser dito, e nenhum meio de ser ouvido se há algo a dizer. Mas essas desigualdades gritantes n?o s?o devidas a falhas nos direitos civis, mas à falta de direitos sociais.”104Toledo (2007, p.33) aponta uma interven??o social mais repressiva dentro deste mo- delo, através da responsabiliza??o e san??o à família91. Com a sedimenta??o da pro- posta da Constitui??o Federal de 1988, o segundo olhar ganha maior destaque, onde a centralidade da família, seria, ent?o a compreens?o de que a prote??o da família só é possível quando se garantem as condi??es de sustentabilidade para que se tenha uma estrutura familiar com maior capacidade protetiva.Neste sentido, o Capítulo 4 do presente trabalho, em sua primeira etapa empí- rica, buscou trazer dados que permitissem analisar se o caráter emancipatório do novo modelo institucional atribuído à inf?ncia e juventude vem sendo primordialmente assi- milado pela família, como o primeiro núcleo de responsabilidade e atua??o na defesa de suas próprias crian?as e adolescentes a partir da análise entre dois núcleos com grandes diferen?as socioecon?micas.Assim, cumpre analisar as inferências realizadas na primeira etapa da pesquisa empírica, que dialogam especialmente com as quest?es mais privadas da experiência das rela??es familiares.5.1.1 O PAPEL DA FAM?LIA NOS DADOS DO DISQUE 100A análise dos dados coletados a partir dos sujeitos do Disque 100, em especial no gráfico 8, apontam que a maior parte das viola??es envolvem os próprios familiares, isto se observa já nas próprias agress?es percebidas e catalogadas – das onzes, quase todas compreendem práticas que ocorrem nas próprias residências ou que de- pendem de uma omiss?o dos genitores ou guardi?es.Durante toda a fase de leitura das denúncias e tabula??o de dados percebeu- se o protagonismo dos genitores n?o só na natureza das agress?es, mas nas idades dos principais sujeitos – o gráfico 4 apresenta predomin?ncia expressiva de crian?as na faixa de zero a doze anos, com maior prevalência daquelas na faixa entre zero e91 Segundo Toledo (2007, p.33): “A família também era elegível como alvo da interven??o estatal quando n?o cumpria com as suas responsabilidades, sendo diretamente culpabilizada pela situa- ??o de pobreza, transgress?o social, negligência nos cuidados com crian?as, adolescentes e idosos. Os direitos eram direcionados e legitimados ao indivíduo. A família era revestida funda- mentalmente de deveres, factível de ser punida. A responsabilidade, bem como a puni??o, recaíam mais particularmente sobre a mulher, incidindo, com freqüência, sobre a perda do pátrio poder e resultando na institucionaliza??o dos “menores” quando o Estado, por meio dos seus agentes, entre eles o assistente social, julgasse a família incapaz de cuidar e proteger os seus membros.”105seis anos – idade em que existe maiores condi??es de que fiquem dentro do lar, assim expostas em menor grau aos riscos externos. Em números totais, as crian?as repre- sentam 840 dos sujeitos tabulados, enquanto a popula??o adolescente, aqueles entre treze e dezoito anos, e que possuem maior rela??o com o mundo externo, est?o pre- sentes como vítimas em apenas 291 dos sujeitos catalogados.Portanto, é possível inferir que a maioria das viola??es s?o perpetuadas e sur- gem da experiência doméstica, demonstrando uma falha na prote??o elementar na qual o texto da Constitui??o Federal de 1988 joga maior confian?a. O artigo 227 da Constitui??o Federal, colocando a família como uma institui??o a ser protegida, pois é quem detinha o dever primário para a garantia e prote??o da inf?ncia e juventude, acaba por demonstrar um certo otimismo do Constituinte a respeito do novo desenho que foi construído. Porém, o equilíbrio entre os deveres destes atores, em especial aqueles que s?o os protagonistas, os genitores, n?o se resolveu com a enuncia??o. Pelo contrário, a beleza do artigo dedicado à inf?ncia e juventude, quando contrasta- dos com os dados empíricos apresentados no capítulo anterior, carregam em si um conflito essencial que reside exatamente na distribui??o da responsabilidade.Este n?o é um desafio que se possa afirmar como exclusivo da realidade ob- servada no Brasil, mas de uma série de outros países que s?o signatários da Conven- ??o dos Direitos da Crian?a de 1989, que também se deparam com uma forte neces- sidade de contrapartida do Estado, mesmo em países considerados desenvolvidos como a Inglaterra (HAMILTON, ROBERTS, 2000, p.127-135). As agruras econ?micas que afetam a inf?ncia e juventude s?o um destes pontos – afinal, é dever de quem cuidar para que nenhuma crian?a venha a sofrer as consequências inevitáveis das escassas condi??es econ?micas de seus genitores?A priva??o de alimentos, que se apresentou como viola??o principal de 6,9% dos sujeitos, como demonstrado no gráfico 8, é um ponto sensível nesta discuss?o, já que o Estado n?o pode eliminar a miséria infantil, mas apenas criar as condi??es em que n?o se coloque como responsável para que estas continuem na miséria, ou seja, é possível uma garantia de que estas famílias tenham a receber um salário digno e benefícios diversos que possam permitir às famílias que consigam prover aos filhos uma condi??o digna (HALMILTON, ROBERTS, 2000, p.131).106Os dados empíricos da presente pesquisa apontam uma dificuldade que vai além de uma maior prote??o, através do Estado, para que existam condi??es mínimas econ?micas92 aos genitores, já que a presen?a de 14,8% de genitores envolvidos com álcool e drogas ilícitas apresentados no gráfico 8 possibilitam inferir que os recursos adquiridos para o sustento da família podem ser deslocados para a compra de drogas líticas e ilícitas. Neste sentido, os gráficos 9 e 10, que separam as denúncias entre os núcleos Barra da Tijuca e Coelho Neto demonstram que este é um problema igual- mente presente nas duas áreas, independente das condi??es financeiras dos genito- res, portanto, as medidas assistencialistas de distribui??o de renda, por si, n?o podem garantir a resolu??o desta quest?o, que envolve camadas outras tais como a própria saúde psíquica dos envolvidos.Nos casos em que se observe uma dependência econ?mica dos núcleos fami- liares e a necessidade de atua??o dos atores públicos na compensa??o destas ca- rências, é necessário considerar os limites entre o Estado e a vida privada das diver- sas entidades familiares. Como é possível garantir que os gastos reverteriam às cri- an?as e adolescentes sem que isto envolvesse uma interven??o que viesse a exceder os limites que s?o necessários para o próprio fortalecimento daquelas famílias? Uma das possibilidades de menor interferência talvez seja a presta??o de alimentos in na- tura aos que necessitarem, o que n?o garante certezas de que estas chegar?o às crian?as e adolescentes, porém dificulta o desvio privado dos recursos percebidos para outros fins que n?o sejam os alimentícios93.92 Tais como prote??es trabalhistas, que possam garantir um salário mínimo digno e oportunidades de acesso ao trabalho.93 Toda forma de controle apresenta dificuldades práticas, assim como morais, muito específicas. Hamilton e Roberts (2000, p. 131-134) apontam por exemplo a possibilidade de san??es como a retirada dos benefícios aos genitores que n?o rejeitem os trabalhos oferecidos, n?o participem das entrevistas de recrutamento ou recusem ofertas de curso de aperfei?oamento, conforme realizado na Inglaterra em 1999, demonstram uma tentativa de imputar aos genitores suas de- vidas responsabilidades, diminuindo a responsabilidade do Estado. Esta transferência para os pais, que s?o os principais responsáveis é um movimento saudável de fomenta??o social,p orém, a partir do momento em que o Estado retira dos genitores os benefícios, este n?o aban- dona apenas os pais, aplicando a san??o por omiss?o, mas também aos filhos destes indiví- duos, que s?o os reais dependentes e o motivo para que se crie instrumentos que possibilitem aos genitores carentes o desenvolvimento econ?mico necessário. Pode-se estabelecer um pa- ralelo com o Bolsa Família, que também prevê a retirada dos benefícios em casos como fre- quência escolar abaixo de 75%, e carteiras de vacina??o em dia.107Os casos de priva??o de alimenta??o e pobreza também dialogam, em certa medida, com as viola??es consideradas como “negligências”, que no gráfico 8 repre- sentam 22,2% das viola??es sofridas pelos sujeitos do Disque 100. Seria a puni??o destes responsáveis o melhor caminho? Nascimento (2012, p.41-42) defende que as amea?as surgidas dos diversos órg?os públicos de prote??o da inf?ncia e juventude nestes casos de negligência acabam por fomentar uma máquina punitiva que refor?a- ria a existência de um modelo a ser desviado, mas quando questionado qual modelo é esse, come?am as problematiza??es a respeito da no??o do que é ser protegido94. As quest?es socioecon?micas naturalmente deslocam o foco para a inf?ncia e juventude mais carentes dentro do sistema de garantias e prote??o, mas n?o se pode isolar uma característica como a financeira e defini-la como norteadora de toda a rede, já que esta, por si só, n?o produz viola??es, dependendo de uma série de condi??es adversas que gravitando em torno da pobreza, acabem por facilitar uma maior vitimi- za??o da inf?ncia e juventude (RIZZINI et al, 2010, p.70-54). Porém, esta centraliza- ??o com viés econ?mico n?o pode esvaziar o conteúdo de uma prote??o integral de toda a inf?ncia e juventude e retomar o conceito de uma cultura de direitos que existaapenas para justificativar a aten??o ao “menor” na “situa??o irregular”.N?o se afirmará neste trabalho que n?o existam sofrimentos consideráveis nas camadas mais pobres, já que efetivamente se observam quest?es externas diversas que dificultam o desenvolvimento saudável de crian?as e adolescentes. Assim, é pre- ciso sair do terreno conhecido e partir para as quest?es menos discutidas que surgem a partir da análise dos gráficos 9 e 10, que permitem uma compara??o entre as de- núncias do núcleo de classe média alta (Barra da Tijuca) com o núcleo de classes menos privilegiadas (Coelho Neto), os dados apresentam uma outra perspectiva.94 A autora se posiciona no sentido de discutir essencialmente até que ponto a negligência, con- forme trabalhadas pela vis?o oficial, s?o estratificadas de forma a impedir uma contextualiza??o com as quest?es que s?o típicas da realidade comum de diversas famílias carentes, segundo Nas- cimento (2012, p.42): “Se pensarmos as rela??es familiares de cuidado de filhos como um campo de inúmeras portas de entrada, a negligência seria apenas aquela mais aparente, dada sua insti- tucionaliza??o. Pode-se dizer que as intensidades dessas rela??es n?o cabem em modelos estan- dardizados. N?o s?o poucas as m?es que deixam os filhos trancados em casa para cuidar de suas múltiplas tarefas, para elas práticas de prote??o, para a prote??o oficial, negligência. Nesse exem- plo, permanecem fechadas as portas de entrada que poderiam receber a alternativa de trancar os filhos, um possível para poder trabalhar, para poder fazer suas tarefas cotidianas. A única porta que se abre tem respaldo nas regras morais que produzem a negligência;”108Considerando o aspecto interno, típico da experiência familiar privada, tanto no núcleo Barra da Tijuca quanto no de Coelho Neto se observa a prevalência das mes- mas viola??es: em primeiro lugar as agress?es físicas e psicológicas, onde os genito- res est?o agindo de formas que prejudiquem tanto a seguran?a física quanto a psí- quica de seus filhos. Em segundo lugar há prevalência das negligências nos dois nú- cleos, portanto, os genitores nestas realidades opostas est?o se eximindo de suas responsabilidades parentais com igual intensidade.A diferen?a percentual somente sofre modifica??es quando analisadas a ter- ceira viola??o mais recorrente nos dois núcleos – o da Barra da Tijuca apresenta um maior número de abusos sexuais enquanto o de Coelho Neto demonstra prevalência de pais toxic?manos. Porém, é possível se aproximar95 novamente as realidades ao se perceber que mesmo nas classes mais altas existe forte prevalência de genitores com problemas de consumo de drogas.Se faz necessário pontuar que da análise da estrutura??o do desenho instituci- onal dos direitos da inf?ncia e juventude, em especial no texto resultante das discus- s?es na Assembleia Constituinte, se percebeu que o Brasil escolheu instituir para si o modelo da prote??o integral, acompanhando assim os textos internacionais que esta- vam sendo discutidos na década de 1980. Porém, a t?nica dos discursos realizados durante a elabora??o da Carta Cidad?, e as demandas dos movimentos sociais, evi- denciavam um foco nas crian?as e adolescentes em situa??es econ?micas vulnerá- veis, e isto transparece no modelo que se tem construído de 1988 até a presente data. O Estatuto da Crian?a e do Adolescente, apesar de apresentar um texto mais aproximado com a integralidade96, também possui um considerável destaque para as95 Neste sentido, Fontenele (2007, p.162) situa que a família “é solicitada a cooperar na constru??o da ordem, da paz e da prote??o social. A família, ent?o, exerce o controle social com e para o capital e sua express?o política - o Estado. Ao mesmo tempo em que ela molda, também é moldada e controlada. Também n?o se pode deixar de considerar o significado, a import?ncia do foco na família no quadro das políticas, quando, historicamente estiveram voltadas prioritariamente par a os indivíduos, numa perspectiva do grupo familiar de modo fragmentado, além de secundarizado. Da mesma forma é preciso entender que a centralidade da família, compondo como que um para- digma presente nas políticas e programas sociais, n?o necessariamente pode ser considerado como supera??o: de fragilidades dos servi?os, de preconceitos, e garantias de direitos para essas famílias.”96 O Estatuto da Crian?a e do Adolescente distribuído em uma parte de direitos fundamentais com enuncia??es específicas que devem ser perseguidas por todos os atores, outra com as medidas socioeducativas, até que aponte, ao final as responsabiliza??es administrativas e penais em um estatuto coeso com a proposta de integralidade.109quest?es relacionadas às situa??es econ?micas desfavoráveis, quando estipula for- mas de atua??o de acolhimento para crian?as que n?o tenham núcleo familiar bioló- gico que possa recebe-las, e diversas outras quest?es. O que se percebe, portanto, é que n?o se conseguiu equalizar a integra??o de toda inf?ncia e juventude com as quest?es que s?o típicas de uma ideologia ainda predominante de apadrinhamento das famílias consideradas carentes97.Assim, é perceptível uma fragilidade na modelagem da rede, que se reflete em sua aplica??o, já que se faz necessário encarar os muitos resquícios de uma cultura que produz textos jurídicos que se encontram entre o vir-a-ser de uma prote??o inte- gral em face do reconhecimento das diversas formas de desigualdade. A integralidade do modelo precisa ganhar um maior refor?o dentro dos seus próprios moldes instituí- dos, com participa??o tanto do Executivo quanto do Legislativo na constru??o de um discurso que assimile a real inten??o do que significa oferecer “prote??o integral”.Reconhecer esta fragilidade no modelo construído é um passo importante para que se consiga apontar onde a aplica??o se mostra ineficaz, assim, as críticas esta- belecidas nos capítulos iniciais e que demonstram um constante retorno da análise apenas econ?mica é um impeditivo para que se possa trabalhar a assimila??o da fa- mília como agentes de prote??o.5.2 A SOCIEDADE COMO COMPONENTE DA REDE DE PROTE??O INTEGRAL Enquanto a primeira pesquisa empírica do Capítulo 4, a respeito dos sujeitosdo Disque 100, possibilitaram um olhar privilegiado para alguns aspectos da realidade privada, a segunda coleta de dados buscava examinar o terceiro ator do artigo 227 da Constitui??o Federal: a sociedade.Já se evidenciou nos capítulos anteriores, a inspira??o havida já na Constituinte, de que embora o ambiente primário de movimenta??o da inf?ncia e adolescência seja97 Um forte indicador desta remodela??o necessária surge do próprio legislador – em 2009, com as modifica??es a respeito do processo de ado??o de crian?as e adolescentes, optou-se por retirar todas as men??es à palavra “abrigo” e substituíram pelo termo “acolhimento institucional”, buscando afastar-se de termos que remetessem ao modelo anterior. Neste sentido, Cavalcante, Magalh?es e Pontes (2007, p. 335) apontam uma procupa??o presente em diversos autores, com o sentido que a estrutura??o de um abrigo pode ter, em especial em sua característica totalizante de segrega??o social.110a família, este núcleo por sua vez se insere na coletividade, e também com ela man- tém rela??es. Mais do que isso, o desenvolvimento pleno da crian?a e adolescente envolve inequivocamente a sua capacidade para desenvolver rela??es sociais, e in- serir-se nessa coletividade de forma adequada. Inequívoco, portanto que a concep??o de uma rede de prote??o n?o pudesse abrir m?o dessa “segunda zona” de inser??o e convívio, que é a sociedade.A partir dos dados empíricos contextualizados até o momento neste capítulo, há uma percep??o de que a família pode ser o foco principal da amea?a aos direitos da inf?ncia e juventude, assim, a sociedade ingressa como uma espécie de fiel da balan?a, representando um verdadeiro mediador entre os agentes da rede de prote- ??o. Enquanto a família se encontra envolvida excessivamente em suas próprias tra- mas, muitas vezes representando o próprio foco de viola??es, e o Estado precisa or- ganizar suas for?as políticas e econ?micas para manter as diversas políticas que lhe s?o exigidas podemos perceber a sociedade como um elemento estabilizador que vá garantir à família uma maior autonomia e ao Estado um certo limite ao seu campo de atua??o na esfera privada.Esse estado de coisas pode confirmar a diagnose anteriormente empreendida de que a rede de prote??o n?o se poderia ter por completa e apta a desenvolver suas fun??es, sem que se agregasse outro agente externo à família, que pudesse, quando menos como observador, contribuir para a devida considera??o dos interesses da cri- an?a ou adolescente.Na pesquisa em rela??o ao Disque 100, pode-se inferir uma atua??o positiva da sociedade, já que as denúncias – que em sua maioria envolviam situa??es viola- doras a direitos que ocorriam no seio familiar – foram feitas por indivíduos que efeti- vamente se encontravam fora da família nuclear dos sujeitos tabulados. Apesar da impossibilidade de identificar quem seriam os denunciantes, já que o servi?o é an?- nimo, pode-se inferir das narrativas, que elas viriam de sujeitos distintos dos genitores ou responsáveis legais daquelas crian?as e adolescentes, possivelmente indivíduos que est?o na proximidade do sujeito (vizinhos, professores, moradores daqueles bair- ros).A segunda etapa de pesquisa empírica, através do survey, corrobora com esta percep??o quando se aponta no gráfico 15 que 81,5% dos sujeitos que responderam111ao questionário afirmavam já ter procurado o Conselho Tutelar por algum motivo. Por- tanto temos um cenário onde o terceiro ator, a sociedade, vêm procurando meios de tornar mais fácil o conhecimento do Estado em rela??o às crian?as e adolescentes que n?o est?o recebendo um tratamento digno de seus genitores. Há um paradoxo nos dados integrantes da amostra, que melhor se explorará no subitem 5.3 abaixo, consistente na circunst?ncia de que o índice de a??es positivas de busca ao Conselho Tutelar em favor de crian?as e adolescentes que n?o integram seu núcleo familiar imediato n?o corresponde à afirma??o em tese do reconhecimento da existência de um dever de agir de cada cidad?o.Quando questionados a respeito do reconhecimento dos diversos órg?os que compunham o sistema de garantias (quadro 18), todos os organismos criados para atua??o direta entre família, Estado e sociedade aparecem com percentuais maiores do que 50%. Ou seja, a sociedade efetivamente conhece a Vara da Inf?ncia e Juven- tude (95%), a Delegacia especializada na área da inf?ncia e juventude (56%), o Con- selho Tutelar (96%) e o Disque 100 (53,2%) – portanto, o “homem comum”, conforme descrito na Constituinte, compreende ao menos a existência de uma rede de prote??o– que seu caráter seja fortemente repressivo é uma quest?o que será discutida no item posterior, mas por ora pode-se inferir este aspecto positivo nos dados coligidos. Porém, o interesse da pesquisa era também o de perceber se os sujeitos com- preendiam como efetivo o trabalho realizado pelo Estado, e os dados apontam uma percep??o pouco amistosa à presta??o, com 51% dos indivíduos definindo o servi?o prestado pelo Conselho Tutelar como “regular”, seguido por 23,5% de atribui??o de qualidade “péssima”. Em um desenho institucional onde os atores públicos s?o prota- gonistas históricos, esta desconfian?a aponta uma rela??o fragilizada, o que torna a promo??o de uma maior integra??o entre os diversos atores extremamente enfraque- cida. No longo prazo, o baixo grau de confiabilidade da eficácia da a??o do Conselho Tutelar pode conduzir ao desprestígio do sistema como um todo, portanto, ao “rompi-mento” do sistema em rede de prote??o à inf?ncia e adolescência.Assim, se faz necessário estabelecer qual, efetivamente, é a cultura social em que est?o inseridos todos estes sujeitos, pois é neste aspecto que se pode descortinar os elementos necessários para responder à pergunta da presente pesquisa: afinal,112qual é o conhecimento dos corresponsáveis sobre a rede de prote??o? Esta fórmula é eficaz?5.3 A CULTURA SOCIAL COMO ELEMENTO DE BLOQUEIO DA PROPOSTA DA REDE DE PROTE??O SOCIALJá se reprisou, em diversos momentos do presente trabalho, a import?ncia da corresponsabilidade entre todos os atores, porém a simples enuncia??o n?o é sufici- ente para que a possibilidade do que foi positivado efetivamente se perceba na vida. Isto se torna ainda mais pungente quando analisados os dados da segunda etapa empírica, que apresentam um cenário onde 93,7% dos sujeitos participantes do ques- tionário n?o se sentem responsáveis pela prote??o da inf?ncia e juventude (gráfico 12). A interpreta??o holística dos diversos dados empíricos n?o suporta a afirma??o de que esta ausência de responsabilidade é total – afinal, como apontado no subitem anterior, esta mesma sociedade é quem liga para o Disque 100, procura o Conselho Tutelar e reconhece os órg?os de atendimento da inf?ncia e juventude – porém, exis- tem particularidades que comportem a compreens?o real do sentido de “ser respon- sável”.A isto o presente trabalho aponta como a cultura social, ou seja, é a represen- ta??o dos conhecimentos e comportamentos aprendidos e que se percebem nas in- tera??es sociais, portanto, há uma cultura, subscrita pela inferência dos dados coligi- dos anteriormente apresentados, que aponta para uma ausência de pertencimento da sociedade em rela??o ao desenho institucional apresentado para a inf?ncia e juven- tude. Assim, há uma manuten??o da percep??o apontada no Capítulo 2 do presente trabalho, que apontou um envolvimento pouco expressivo do cidad?o n?o engajado nos movimentos sociais na constru??o dos temas da Assembleia Constituinte, e que s?o identificáveis ainda hoje, nos resultados do questionário realizado.O equilíbrio entre os corresponsáveis é um elemento imprescindível para a con- cretiza??o da prote??o e promo??o dos direitos de qualquer minoria social ou numé- rica, e quando se trata de crian?as e adolescentes, há uma maior preocupa??o, posto a fragilidade natural destes indivíduos. Neste contexto, a família que seria o porto se- guro principal n?o parece ser suficiente para os casos de viola??es, em especial113quando a maior parte das denúncias apontam os genitores como os próprios agentes perpetuadores da violência.Assim, temos por um lado uma cultura social em que boa parte da popula??o parece se eximir de responsabilidade direta, independente de seu envolvimento com crian?as e adolescentes, aponta para uma frustra??o real a respeito do sucesso da rede de prote??o, já que a primeira solu??o possível é contar com a família como suporte principal, enquanto tal meta parece distante da realidade fática.A resolu??o desta quest?o empreende uma profunda reflex?o que a doutrina ainda busca responder, mas este trabalho conclama a comunidade acadêmica a pen- sar nestas quest?es levando também em conta a sociedade como elemento indispen- sável.Para que se possa empreender um maior diálogo com a realidade, é preciso também a compreens?o de que há um cenário, ao menos no recorte estabelecido pelo presente trabalho, em que 80,5% dos sujeitos pertencentes à sociedade (gráfico 13) preferem entender o Estado como a resposta para o mau comportamento das crian?as e adolescentes, dado este que só corrobora um discurso presente no relato de pro- fessores escolares, que verbalizam suas insatisfa??es ao perceberem-se como os únicos educadores das crian?as e adolescentes que atendem98. ? neste sentido que muito se fala do “princípio da convivência familiar” e pouco se refor?a o conceito de “convivência comunitária” previsto no artigo 227 da Constitui??o Federal.Em uma cultura social onde a sociedade se percebe pouco envolvida com quest?es da inf?ncia e juventude, abre-se espa?o para resultados tais como aponta- dos no gráfico 14, que demonstram 32,2% dos sujeitos afirmando que o Conselho Tutelar n?o teria fun??o alguma na prote??o dos direitos da inf?ncia e juventude de maior poder aquisitivo.? perceptível, a partir da revis?o bibliográfica empreendida para a constru??o teórica deste trabalho, que buscou-se realizar uma altera??o que fosse verticalizada98 Cabe aqui uma breve explica??o de Casarin e Ramos (2007, p.4) “Se a família n?o oferecer a base necessária ao desenvolvimento da crian?a, ou do adolescente, este irá buscá-la em outros grupos. O perigo se instala nesse momento, pois, se o sujeito n?o encontrar apoio e aten??o nos membros do seu grupo mais próximo, certamente irá buscá-los fora. Assim a fragilidade do ado- lescente aflora, pois o mesmo deixa de reconhecer o futuro para viver o presente, afinal, ele n?o vislumbra expectativas de crescimento e autonomia no futuro. Logo a família deve rever seus con- ceitos como grupo, caso contrário o desenvolvimento desse sujeito estará abalado e certament e a aprendizagem n?o se dará de forma satisfatória, pois ele enxerga apenas o momento”.114– a Constituinte, os movimentos sociais e os próprios genitores apontavam os dedos para a Administra??o Pública como o principal elemento que deveria ser modificado. Esta percep??o n?o é de toda equivocada, como se demonstrou no percurso histórico e em breves apontamentos da realidade atual, porém, é inegável que a modifica??o de um elemento n?o é suficiente para a modifica??o do conjunto. Assim, enquanto 33,2% de sujeitos entenderem que o Conselho Tutelar n?o é um órg?o para todas as crian?as e adolescente, independente de suas classes sociais, teremos um refor?o de uma cultura que só joga o olhar para onde os problemas s?o mais visíveis – as classes menos favorecidas – esquecendo, ou preferindo n?o encarar, a realidade das viola- ??es que ocorrem em condomínios fechados das classes mais altas99.Assim, há uma indica??o de que a cultura estabelecida ainda parece n?o ter assimilado que a lógica jurídica sofreu uma transforma??o essencial e que a base desta mudan?a é exatamente a de n?o permitir que direitos acabem se transformando em apenas deveres às popula??es mais carentes. Tal linha de pensamento também se observa no próprio olhar do Judiciário, que é composto pela própria sociedade, onde n?o raro se encontram análises da inf?ncia e juventude que se fecham apenas na constata??o dos direitos enunciados sem a percep??o de que a quest?o da inf?ncia e juventude n?o pode ser encarada somente de forma reducionista ou tecnicista100.Ainda neste raciocínio, a manuten??o da no??o de uma cultura repressiva, evi- denciada nos dados obtidos na pesquisa do survery (Quadro 18), se explica na própria realidade que se estabelece na rela??o entre os atores governamentais e a popula??o, que n?o raro acabam por proporcionar uma processo que remeta n?o a uma experi- ência de media??o social, mas de atos próprios da atua??o do Judiciário101 que s?o99 O que se percebe, seja a partir da pesquisa empírica realizada, ou através dos trabalhos referenci- ados ao longo deste trabalho, é que a violência intrafamiliar ocorre em todas as classes sociais, portanto, trata-se mais de uma quest?o de maior visibilidade da violência da crian?a carente do que de uma ausência de viola??es nos limites dos condomínios fechados das classes média e alta.100 Assim, Roque e Ferriani (2012, p.343), a partir de uma série de entrevistas com profissionais do direito atuantes na área da inf?ncia e juventude, formularam uma conclus?o onde se apontava a existência de uma vis?o unilateral que provavelmente influia na forma como tais profissionais atuavam nos processos, o que poderia banalizar a violência infantil, tanto nas classes mais altas quanto nas mais baixas.101 A quest?o é trabalhada por Nascimento e Schneivar (2007, p. 153) quando descrevem uma quest?o que foi observada na pesquisa empírica do presente trabalho – os casos em que os geni- tores buscam algum órg?o público, no caso o Conselho Tutelar com reclama??es sobre comporta- mento de seus filhos na escola ou em casa. Nestes casos, segundo as autoras, os conselheiros redigem um termo em que o adolescente se compromete a ter bom comportamento, que após assinado acaba por ser anexado ao prontuário de atendimento deste adolescente o que acaba por115observados por autores nacionais nas práticas do próprio Conselho Tutelar (NASCI- MENTO, SCHNEIVAR, 2007, p.152-162; FERNANDES, ARAG?O, 2011, p.219- 232)102.As ausências as vezes aparecem com maior destaque do que as presen?as, e isto se aplica também aos direitos da inf?ncia e juventude na sua rela??o entre a so- ciedade e a proposta estabelecida. Portanto, a partir da pergunta que norteou o tra- balho a respeito da assimila??o social aos direitos da inf?ncia e juventude e a eficácia do que se foi formulado a parti do texto da Constitui??o Federal de 1988, este trabalho chega ao seu último capítulo com as seguintes reflex?es:A teoriza??o a partir da constitucionaliza??o dos direitos da inf?ncia e juventude, representa efetivamente um avan?o longamente desejado por todos que militaram por estes sujeitos ao longo das últimas cinco décadas, porém, n?o parece existir uma execu??o suficientemente horizontal, que possa permitir um reconhecimento de par- cela da sociedade na constru??o destes direitos e deveres.Assim, deve-se buscar formas de educar os pais e a sociedade para uma maior percep??o da indispensável característica em rede que o desenho institucional buscou assumir – demonstrando que as frentes de trabalho s?o diversas e dependem tanto da participa??o e fortalecimento dos genitores enquanto responsáveis primários, quanto do Estado, que deve promover políticas que possibilitem uma rede de prote??o para além da inf?ncia e juventude, atuando também como fortalecedor da família como um todo, principalmente nos casos de pais com envolvimentos em drogas. Ecriar para a família atendida a no??o de que há uma percep??o de um ato jurídico, que se afasta da natureza do Conselho Tutelar. Assim, informam as autoras que o que elas chamam de “jurisdi- cionaliza??o das práticas é a presen?a de modelos de atua??o característicos do Poder Judiciário, que acabam sendo adotados, mesmo em espa?os que n?o detêm tal poder”.102 Neste sentido, cabe a observa??o de Nascimento e Schneivar (2007, p.157): “ O que temos verifi- cado em nossa experiência junto a alguns conselhos tutelares é que, embora sejam eleitos cinco conselheiros tutelares, é enorme a dificuldade de se fazer um trabalho coletivo. A maioria dos conselhos tutelares no Brasil tem adotado uma estrutura hierárquica sustentada na escolha que eles próprios fazem de um conselheiro-presidente, afastando-se, assim, da proposta de gest?o colegiada. Isto faz parte de uma lógica de individualiza??o das práticas, segundo a qual se o con- selheiro tem um mandato que objetiva o ressarcimento dos direitos violados, cabe a ele, individu- almente, resolver as denúncias de viola??o de direitos. Esta compreens?o é diferente de se pensar que cabe ao conselheiro encaminhar o seu ressarcimento e, quando n?o houver recursos para tal, encaminhar a luta para que estes recursos sejam criados, tendo como aliada a sociedade civil que o elegeu. Entretanto, o viés reivindicativo do conselho tutelar defendido por aqueles que propuse- ram o ECA, com base na concep??o gramsciana de sociedade civil, pouco aparece em sua prática cotidiana.”116quando observada a sociedade, esta precisaria tanto de uma maior percep??o de sua responsabiliza??o quanto uma maior clareza a respeito de quais s?o as expectativas em rela??o ao seu papel.1176. CONCLUS?OO estudo dos direitos da inf?ncia e juventude empreende uma série de desafios nas reflex?es de uma pesquisa acadêmica, e que se observa na multiplicidade de abordagens nas diversas áreas do saber além da jurídica. O direito tem se ocupado com as quest?es teóricas que permitam estabelecer o caráter principiológico da inf?n- cia e juventude, em trabalhos de grande import?ncia, mas a parte empírica costuma ser protagonizada por outros campos como a sociologia e a psicologia. Assim, o pre- sente estudo buscou contribuir com elementos que pudessem proporcionar uma mo- desta contribui??o acadêmica.Da análise teórica, em especial da revis?o das quest?es históricas apresenta- das no recorte do capítulo inicial, se buscou estabelecer o processo entre um modelo considerado repressor e ultrapassado para o que a doutrina nacional considera como inegável nova vis?o a respeito do conjunto de direitos da inf?ncia e juventude. Tal abordagem, longe de ser mero enfeite narrativo, tornou possível estabelecer que de fato a Carta Cidad? de 1988 transformou a lógica a respeito do que seriam direitos para crian?as e adolescentes, a partir de um contexto social que se beneficiou da redemocratiza??o para permitir as articula??es que contribuíram n?o só a defini??o do desenho institucional construído, mas também os caminhos de sua implementa??o.Em alguns momentos da pesquisa se fez necessário retirar o véu do deslumbre do próprio autor com o novo modelo, retirando a carga do conceito de “antes e depois” que estabele?a uma mítica passagem de uma transi??o das trevas para a luz. Neste sentido, a análise do conjunto legislativo anterior ao ano de 1988 aponta para uma inten??o do Estado que n?o pode ser interpretada apenas pelos dois códigos meno- ristas entre 1927 e 1979. O que havia de nefasto no “menorismo”, de caráter repres- sivo, coexistia um rico acervo de leis que buscavam solu??es para problemas sociais que sempre se fizeram presentes no Brasil.S?o diversos os decretos procurando estimular a educa??o e prote??o econ?- mica das famílias mais carentes, incluindo subsídios governamentais que pudessem efetivar as propostas legais. Se existe um caráter assistencialista pouco interessante, já que representava um aspecto paternalista, na cria??o e atua??o da Legi?o Brasi- leira de Assistência (LBA), esta também se apresenta como uma tentativa de atua??o118nacional de assistência pública às famílias, cujo foco principal era manter o que hoje temos por princípio constitucional da convivência familiar – direito fundamental da in- f?ncia e juventude.Neste jogo de erros e acertos, onde a Administra??o Pública busca a medida de seu papel como pai e m?e dos desvalidos, os erros as vezes se apresentam como verdadeiros vil?es, tal como no Decreto n? 16.575/44, que estabelece o Servi?o de Assistência a Menores (SAM), criticado com justi?a pelos autores citados ao longo dos primeiros dois Capítulos. Surgem ent?o diversas frentes de atua??o, que v?o se intro- duzindo em ramos diversos do direito, tal como o do trabalho, com a cria??o da figura do “jovem aprendiz”, que abrirá espa?o para que nos anos 1960 se possa estabelecer diretrizes e bases da educa??o nacional, e a regulariza??o de salários-família aos trabalhadores que precisavam sustentar o o passar dos anos 1970, ocorre um reconhecimento da própria sociedade civil sobre si como tal, e na esteira das discuss?es a respeito da necessidade de uma emergência democrática, também surge uma profunda sensa??o de que os atores sociais importam, neste contexto “os anos 1970- 1980, no Brasil, viram o surgimento de um sujeito político novo, o sujeito coletivo dos movimentos sociais e populares” (CHAUI, 2005, p.30).A quest?o que se colocou é como este sujeito político se inseriu na constru??o dos direitos da inf?ncia e juventude, sejam as cartas enviadas ao Jornal da Consti- tuinte, ou os movimentos sociais que buscaram dar voz àqueles que se encontravam às margens da quest?o pública da polis sem suas narrativas, em atua??es que iam desde atos singulares de cidad?os preocupados até os indivíduos organizados.O reconhecimento de que este desenho institucional nasce de uma série de diálogos permite indicar a import?ncia da sociedade nesta constru??o. Porém, o texto da Constitui??o Federal de 1988 indica que esta mesma sociedade é corresponsável na prote??o e promo??o dos direitos da inf?ncia e juventude e o Estatuto da Crian?a e do Adolescente, bebendo do texto constitucional, estabelecerá este sistema com a expectativa da participa??o de todos os atores na chamada “prote??o integral”.A quest?o que se mostra problemática, porém, é o constante refor?o apontado nos primeiros capítulos, de um conjunto de direitos que ainda parece olhar apenas119para um lado da inf?ncia e juventude, ou seja, aquela que é economicamente vulne- rável.A pesquisa empírica com os dados do Disque 100 destaca as vítimas das di- versas viola??es presentes no recorte da municipalidade do Rio de Janeiro, apresen- tando uma imagem da inf?ncia e juventude atual em sua condi??o de maior fragilidade. A partir dos dados obtidos foi possível determinar que existem temas que precisam de uma maior observa??o por parte dos gestores públicos, como a prevalência de viola??es que surgem da própria experiência privada, como as agress?es físicas e psicológicas, as negligências diversas e as denúncias de genitores com problemas cr?nicos com álcool e drogas.A percep??o, através dos dados, de que tanto a inf?ncia e juventude de bairros mais vulneráveis, como os bairros que circundam Coelho Neto, contando com diver- sas comunidades carentes, quanto as crian?as e adolescentes de bairros considera- dos mais abastados tais como Barra da Tijuca e Recreio, s?o vítimas de viola??es muito parecidas. Portanto, n?o se pode apontar que existam agress?es aos direitos da inf?ncia e juventude que tenham liga??o com as quest?es econ?micas, assim como n?o se pode negligenciar que as demandas protetivas surgem de todas as classes sociais.O segundo momento empírico do presente trabalho buscou determinar como se posicionava a sociedade – se os dados do Disque 100 apontavam uma participa??o social através das denúncias realizadas, era preciso compreender quem s?o os indi- víduos e sua percep??o de responsabilidade no tecido social – e assim foi realizado através de questionário com duzentos e cinco indivíduos.Os resultados demonstraram que esta participa??o junto ao Disque 100 podem ter liga??o com o alto grau de reconhecimento de todas as inst?ncias de caráter mais repressivo do desenho institucional da inf?ncia e juventude, ou seja, as delegacias especializadas, Vara da Inf?ncia e Juventude e Conselho Tutelar. Porém, quando ana- lisadas a confian?a da sociedade a respeito da atua??o do Conselho Tutelar, este demonstrou ter pouca, e ao serem questionados a respeito do papel que cada indiví- duo teria na prote??o e promo??o de direitos de crian?as e adolescentes, os dados apontaram uma absten??o.120Assim, a carência de engajamento da sociedade acaba por criar uma situa??o complexa onde se quer atribuir aos que est?o na condi??o de governantes uma série de fun??es que muitas vezes n?o competem à Administra??o Pública, e sim aos inte- grantes da sociedade civil (BAVA, 2005, p.35-36). O reflexo disto é uma tendência em diminuir a import?ncia do refor?o da autonomia de cada indivíduo na preven??o de maiores danos às crian?as e adolescente.A corresponsabilidade que se encontra na Carta Cidad? pretende atingir a to- dos os indivíduos, tanto os profissionais que atuam diariamente com as crian?as e adolescentes, como aqueles que estejam gravitando ao redor, como os próprios vizi- nhos.A cultura identificada pelos dados empíricos aponta claramente para a predo- min?ncia dos genitores como principais violadores dos direitos da inf?ncia e juventude e quando n?o o s?o, aparecem pedindo socorro ao Disque 100 e Conselho Tutelar para que possam auxilia-los nas quest?es comportamentais de seus próprios filhos. Portanto, é dentro deste contexto que a sociedade surge como um elemento essencial para um maior equilíbrio entre a atua??o dos diversos atores (família, Estado e socie- dade), no que este trabalho concorda com Perez e Passone (2010, p. 671), quando afirmam que existe uma busca por redefinir os limites entre os interesses da esfera pública e aqueles da privada.Assim, se faz necessário transpassar para o Estado uma posi??o de facilitadora e garantidora dos direitos enunciados, porém buscando a participa??o da família e da sociedade para evitar que n?o se estabele?a “antigas rela??es sociais mediadas pela no??o de benevolência, caridade, compaix?o etc., refor?ando a cultura pautada por rela??es afetivas de dependência”.121REFER?NCIASASSOCIA??O BRASILEIRA DE MAGISTRADOS, PROMOTORES DE JUSTI?A E DEFENSORES P?BLICOS DA INF?NCIA E JUVENTUDE. O Sistema de Justi?a daInf?ncia e da Juventude nos 18 anos do Estatuto da Crian?a e do Adolescente. Brasília, 2008. 120 p.AGUIAR, Nelson. 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Acesso em 05 abr. 2015.136ANEXO A1170305263472Formulário do Disque 100137ANEXO BSurvey disponibilizado no sítio: MMJZoIHUIVWMBw_TLsxQAOqYXqU9i64BKxfvsOq4Pw/viewformAponte todos os órg?os, institui??es ou programas que você conhece (ao menos de nome). *2005423707310A sinceridade nesta resposta é de suma import?ncia para o trabalho, a participa??o é an?nima, portanto, n?o tenha medo em indicar que nunca ouviu falar de algumas das op??es oferecidas.Conselho Nacional dos Direitos da Crian?a e do Adolescente (CONANDA)2005423-61165Conselho Municipal dos Direitos da Crian?a e do Adolescente (CMDA)2005423-62054Conselho Estadual dos Direitos da Crian?a e Adolescente2005423-61673Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS)2005423-61927Vara da Inf?ncia e Juventude2005423-62181Delegacias especializadas na área da inf?ncia e juventude2005423-61546Fundo Para a Inf?ncia e Adolescência (FIA)2005423-61800Conselho Tutelar2005423-62054Disque 1002005423-61419Promotoria da Inf?ncia e Juventude (Ministério Público Estadual)Qual sua idade? *o 10-14 anoso 15-18 anoso 19-29 anoso 30-49 anoso 50-70 anoso + 70 anosEm qual regi?o do Brasil você reside? *o Sul1381634617-62231oSudesteo Nordesteo Norteo Centro-oesteVocê é graduando(a) ou já atua profissionalmente em qual área? *O feedback de todas as pessoas s?o da maior import?ncia, mesmo que sua área de estudos ou profiss?o (incluindo as técnicas e tantas outras) n?o esteja destacada aqui, sua resposta é essencial para a minha pesquisa! :)Assistência SocialDireitoPsicologiaMedicinaOutrasVocê já leu a Constitui??o Federal de 1988? * Mesmo que sejam alguns poucos artigos.SimN?oVocê já leu o Estatuto da Crian?a e do Adolescente? * Mesmo que sejam alguns poucos artigosSimN?oVocê teve acesso ao conteúdo do Estatuto da Crian?a e do Adolescente na sua es- cola? *Escola aqui entendido como ensino fundamental e médio.SimN?oQuando eu estava na escola (antes de 1990) ainda n?o existia o Estatuto da Cri- an?a e do Adolescente.Você já precisou recorrer ao Conselho Tutelar de sua cidade? *SimN?oCaso tenha recorrido ao Conselho Tutelar, qual sua opini?o sobre o servi?o prestado?PéssimoRegularBom139o ?timoVocê acredita que o Conselho Tutelar tenha alguma utilidade/aplica??o na prote??o de crian?as e adolescentes de maior poder aquisitivo? *SimN?oVocê tem conhecimento das propostas do poder executivo municipal (prefeitura) da sua cidade para a promo??o de direitos da inf?ncia e juventude? *SimN?oVocê acredita que o poder público tenha o dever de interferir na educa??o de crian?as e adolescentes que apresentem um mau comportamento? *Exemplo: Crian?as e adolescentes que se envolvam em brigas na escola, com vizinhos, ou aquelas que fogem de casa (ou seja, sem um conteúdo infracional que precise da atua??o de uma delegacia especializada)SimN?oVocê acredita possuir alguma responsabilidade na defesa e prote??o dos direitos da inf?ncia e juventude? *Obs: Mesmo que você n?o seja pai ou m?eSimN?oQual a sua avalia??o da atua??o dos órg?os públicos na atua??o dos direitos da inf?n- cia e juventude? *1910207329309224421732930925775923293092911601329309324370732930912345Ruim?timo ................
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