O JORNALISMO E OS MECANISMOS DE AGENDAMENTO DAS …



II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho

Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

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GT História das Mídia Impressa

Coordenação: Prof. Luís Guilherme Tavares (NEHIB)

O jornalismo e os mecanismos de agendamento das rotinas sociais: um estudo do jornal “A República” (Natal-RN, Brasil) durante a Segunda Guerra Mundial

Carmem Daniella Spínola da Hora Avelino

Jornalista, Especialista em Comunicação e Assessora de Comunicação Social da Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento do Rio Grande do Norte – FUNCERN.

Resumo

Este trabalho faz uma análise do papel da imprensa potiguar durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e objetiva estudar a cobertura do conflito pelo jornal "A República" (Natal/RN). Buscou-se identificar os elementos de agendamento social, baseando-se em notícias referentes a três dos principais fatos relacionados à guerra: a entrada oficial do Brasil no bloco dos aliados; a projeção sócio-política de Natal com a instalação de bases militares na cidade; o encontro dos presidentes Getúlio Vargas, do Brasil, e Franklin Roosevelt, dos EUA, em Natal. A pesquisa teve como suporte teórico-metodológico a análise qualitativa e de conteúdo dos documentos históricos concentrados no noticiário da guerra cujos resultados revelam que as notícias publicadas pelo jornal "A República", órgão oficial do Estado, tinham um teor marcadamente ideológico. Verificou-se, ainda, que o periódico assumiu uma postura favorável aos interesses dos governos brasileiro e norte-americano, alimentando o ufanismo, receptividade aos aliados e o ódio ao Eixo.

Palavras-chave: Jornalismo – Segunda Guerra – Agendamento Social

O jornalismo e os mecanismos de agendamento das rotinas sociais: um estudo do jornal “A República” (Natal-RN, Brasil) durante a Segunda Guerra Mundial

Este trabalho faz uma análise do papel da imprensa potiguar durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e tem como objetivo analisar a cobertura do conflito por um dos principais jornais impressos da cidade do Natal (RN) – “A República”, hoje sem circulação, evidenciando os mecanismos de agendamento social pela imprensa (agenda-setting).

Visando a uma melhor sistematização da pesquisa, elegemos para análise a repercussão de três dos principais acontecimentos que marcaram a cobertura jornalística da guerra: a entrada oficial do Brasil no bloco dos países Aliados, o qual denominamos “Episódio 1”; o crescimento da importância de Natal para os Estados Unidos, “Episódio 2”; e, o encontro dos presidentes Getúlio Dorneles Vargas, do Brasil, e Franklin Delano Roosevelt, dos Estados Unidos, na cidade, em 1943, “Episódio 3”. Entretanto, para efeito de compreensão do fenômeno em análise, vamos nos deter no Episódio 1.

A nossa pesquisa, em particular, é de natureza qualitativa, com base em documentação histórica – nesse caso, as notícias publicadas no jornal “A República”, que circulou de 1889 a 1987, no estado do Rio Grande do Norte (Brasil). Utilizamos como suporte teórico-metodológico a técnica da análise de conteúdo, método utilizado para analisar informações a partir da coleta de dados reunidos em documentos (CHIZZOTTI, op. cit.: 98). Além de auxiliar na compreensão crítica do conteúdo apresentado na fonte documental, essa técnica permite a decodificação não só do que é aparente no documento, como também daquilo que está velado.

De província à “trampolim da vitória”: como Natal entrou na segunda guerra

Deflagrado o conflito na Europa, em 1939, os Estados Unidos enviaram uma missão ao Brasil para melhorar a relação entre os dois países. O resultado foi a constatação de que a área de Natal era crucial para a defesa do continente. Em meados de 1941, a Panair do Brasil - subsidiária da Pan American World Airways System, iniciou a construção de Parnamirim[1] Field, como parte do plano de melhoramento de aeroportos nas regiões Norte e Nordeste do país. As bases militares de Natal foram reequipadas para receber um contingente de cerca de dez mil soldados norte-americanos. Construído na surdina e em tempo recorde (CASCUDO, 1980), o Campo de Parnamirim começava, assim, sua saga, uma vez que se tornaria a principal base militar dos Estados Unidos fora de seu território.

No período em que se deu o conflito, Natal era uma provinciana capital do Nordeste brasileiro com pouco mais de 50 mil habitantes, localizada numa posição geográfica estratégica - o ponto do continente mais próximo da África[2]. Naquela época, a cidade foi considerada como o “Trampolim da Vitória”[3], transformando-se, assim, num centro de notícias de onde partiram fatos que seriam publicados na imprensa nacional e internacional.

Em 1942, por ocasião da Conferência dos Chanceleres no Rio de Janeiro, o presidente Vargas rompeu com seu estado anterior de neutralidade. Isso permitiu que os EUA mudassem seu Quartel-General do Atlântico Sul da Guiana Inglesa para Natal, assim como fez aumentar a presença militar norte-americana em solo brasileiro.

O cotidiano norte-americano é trazido para Natal com uma forte imagem de povo dominante, cultura rica. Com a chegada dos estrangeiros, a população natalense aumentou em 20%, o que mudou drasticamente os hábitos locais. Os yankees trouxeram na bagagem o jazz, a coca-cola, o chiclete, as camisetas coloridas, o ray-ban, o jeans, o Lucky-strike, a calça slack – que os natalenses chamavam “de sileque”, o hábito de tomar cerveja na boca da garrafa e colocar os pés nas mesas dos bares[4].

Desde a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP –, por decreto do presidente Getúlio Vargas, em 1939, o Estado assumiu como tarefa o controle sistemático dos meios de comunicação social disponíveis. Propaganda e censura eram vistas como armas de que o Estado Novo dispunha para manter a unidade ideológica da nação.

Inicialmente, o governo determinava que a imprensa e o rádio permanecessem neutros ao divulgar notícias sobre a guerra. Tendo um novo posicionamento internacional, o Brasil passa a permitir, cada vez mais, a influência dos Estados Unidos sobre os meios de comunicação do país. Assim, é deflagrada uma propaganda sistemática contra a ideologia e os países do Eixo e os veículos de comunicação brasileiros passam a ser “abastecidos” com propaganda norte-americana.

“A República” no contexto da imprensa natalense

Quando a Segunda Guerra eclodiu, em 1939, havia em Natal três jornais: “A República”, órgão oficial do Estado; “O Diário”, criado por jovens jornalistas no mesmo ano em que se deu a guerra; e, “A Ordem”, da imprensa católica (CASCUDO, 1980).

Com o fim da campanha abolicionista no Brasil, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão funda o jornal “A República”, porta-voz das idéias republicanas no Estado, cujo primeiro número circulou em 1° de julho de 1889. Meses depois, com a proclamação da República e aclamação do Dr. Pedro Velho, governador provisório do Estado, “A República”, mesmo não sendo um jornal do governo, tornou-se o veiculador dos seus atos oficiais. Nascia, assim, a imprensa oficial no Rio Grande do Norte (FERNANDES, 1998:79).

Apenas em 28 de janeiro de 1928, o governador Juvenal Lamartine de Faria criaria a “Imprensa Oficial do Rio Grande do Norte”, instituindo “A República” como órgão oficial do Estado, sendo o jornalista Cristóvão Dantas seu primeiro diretor.

No ano de 1941, época em que a segunda guerra se desenrolava na Europa, o jornal “A República” passou à direção do recém-criado Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda - DEIP, dirigido por Edílson Cid Varela. Diário matutino, o jornal, nesse período, tinha duas colunas fixas sobre o conflito mundial: “Noticiário da Guerra”, com notícias que vinham de agências de Nova Iorque, Moscou e Londres; e, “Notícias de Última Hora”, provindas da Agência Nacional, do Rio de Janeiro, então capital do país. Nesse período, sendo órgão da imprensa oficial, o jornal encartava o “Diário Oficial do Estado”, com editais e informes dos órgãos públicos e ações do Interventor Federal.

O noticiário da guerra vinha sempre em destaque na primeira e última páginas do jornal, mas quando intensificou-se a participação do Brasil e, por extensão, de Natal no conflito, mais espaço foi dado às informações referentes ao tema, fossem elas matérias ou pequenas notas, oriundas de agências noticiosas nacionais e do exterior ou produzidas em Natal; artigos, assinados ou não; avisos sobre os exercícios de guerra na cidade, campanhas nacionalistas e apelos ao patriotismo, entre outros temas.

A cobertura jornalística

Por tudo exposto, devemos analisar a cobertura da guerra no âmbito da imprensa oficial como um meio de manutenção do discurso dominante. Tal situação nos leva a afirmar que nas notícias veiculadas por “A República” vinham implícitas determinadas informações com elementos sígnicos que representavam a parcialidade dos fatos narrados.

De acordo com Wolf (1999:195), o que faz com que uma mensagem ou um acontecimento se torne notícia é a noticiabilidade. O autor a define como o (…) conjunto de elementos através dos quais o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais há que selecionar as notícias. Isso depende de vários fatores. São as variáveis, ou o que Wolf chama de valores/notícia[5], componentes da noticiabilidade que estão presentes em todo processo de feitura da notícia – newsmaking[6] – e ditam o grau de importância dos acontecimentos para que estes se transformem em tal (WOLF, ibidem).

Como poderemos notar nas análises que se seguem, as notícias publicadas pelo jornal “A República” têm uma dependência na ação ideológica, ou seja, as notícias são originadas por forças de interesse que dão coesão aos grupos, seja esse interesse consciente e assumido ou não, segundo afirma Sousa (op. cit.).

Para efeito de contextualização da repercussão dos acontecimentos citados anteriormente, serão analisadas algumas notícias publicadas em dias anteriores e/ou posteriores à data em que se deu o referido episódio, configurando, assim, os mecanismos de agendamento das rotinas sociais e políticas instauradas pelo jornalismo potiguar. No que diz respeito aos aspectos metodológicos, vamos nos deter no conteúdo noticioso do jornal e nos apropriar de alguns elementos da análise do discurso. Para tanto, destacaremos a ocorrência mais significativa do episódio em estudo, seguida de uma análise geral.

Na edição do dia 15 de janeiro de 1942 – página 1, a manchete foi a seguinte: “Todas as emissoras nacionais retransmitirão, hoje, às 17,30 (sic), o discurso que o presidente Getúlio Vargas proferirá na abertura da Terceira Reunião dos Chanceleres Americanos”. Essa notícia abordou, como ocorrência, os preparativos para abertura da Conferência dos Chanceleres, no Rio de Janeiro.

Ao analisarmos esse episódio, podemos observar que “A República” começou a noticiar os preparativos para a Conferência na edição do dia 6 de janeiro. A grande maioria delas era transmitida pela Agência Nacional e chegava à redação do jornal natalense via serviço telegráfico, o que obrigava sua divulgação com um ou dois dias de atraso, uma “notícia quente” para a época. Nessa edição, em especial, por ser o dia da abertura do evento, o jornal publicou pequenas matérias que apareciam como uma espécie de retranca da matéria principal: “Grande manifestação das classes trabalhadoras”, “Impressões de um jornalista americano”, “A declaração de guerra apoiada por 19 países”, “Despesas com a Conferência”, “Declarações do Sr. Garibaldi Dantas, da Agência Nacional”, “Importantes declarações do chanceler uruguaio”.

A partir da cobertura desse episódio, crucial para a entrada do Brasil na segunda guerra, podemos observar que os textos das matérias apresentam-se altamente subjetivos, assemelhando-se a editoriais, no que concerne à tomada explícita de posição sobre um determinado acontecimento. A questão da subjetividade, do ponto de vista de um discurso ideológico, permeia todo o noticiário analisado.

Idealizadas pelos Estados Unidos, com o intuito de promover a unidade da América, as conferências pan-americanas chegariam ao seu ápice com a realização da Reunião na capital brasileira. Vargas, até então, mantinha uma posição de neutralidade, mas deixava transparecer, em certas ocasiões, sua simpatia pelas potências do Eixo – Alemanha, Itália e Japão. Ao mesmo tempo, sabia o quanto valia, política e economicamente, o seu apoio incondicional aos Estados Unidos. A reunião no Rio fez com que o mundo voltasse os olhos para o Brasil, esperando o momento em que o país, considerado fundamental para a defesa do continente, declarasse o rompimento de suas relações com o Eixo.

O governo brasileiro romperia com o Eixo mais pelas questões de ordem política e econômica referentes às suas relações com os Estados Unidos do que por “diferenças” com as potências eixistas, apesar de sentir-se indiretamente “ferido” pelo ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Isso fica claro pelas longas negociações feitas entre o Brasil e os Estados Unidos, até que aquele saísse de seu estado de neutralidade.

Mas, esses pormenores em torno da tomada de posição do governo brasileiro não eram noticiados pela imprensa. As notícias relacionadas aos acontecimentos decorrentes da Conferência do Rio eram focadas na figura de Getúlio Vargas, como um americano solidário e preocupado com a defesa do continente e, portanto, merecedor de elogios; e, nos Estados Unidos, como nação ferida e com carta branca para retaliação.

Esse é caso da matéria “Considerações sobre a posição do Brasil”, produzida no dia 16 de janeiro de 1942, antes do esperado discurso de Vargas, e a partir de uma entrevista do ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha. A referida matéria procura antecipar a fala do presidente, já denotando o forte apelo ao nacionalismo continental, como também à repulsa aos eixistas. Vê-se o discurso ideológico do Estado, assumido abertamente pelo jornal. É interessante observar, ainda, como o jornal se coloca e coloca o governo, mais precisamente o presidente Vargas, numa posição de “defensores dos anseios da nação”.

“(...) É este o pensamento brasileiro em face da conferência. É esse o pensamento que o presidente Getúlio Vargas mais uma vez acentuará no discurso que hoje será feito, com seu claro estilo oratório que sempre define com serenidade e prudência os anseios e as necessidades do Brasil”.

Nessa mesma matéria, o jornal apresenta o texto integral do discurso de Vargas, proferido na abertura da Reunião dos Chanceleres. Esse discurso vai nortear, a partir desse momento, a posição das autoridades constituídas e as instituições estatais, incluindo a imprensa, em relação a acontecimentos que se seguirão.

“(...) O continente americano – que não tem contradições irredutíveis e entende-se em quatro idiomas facilmente acessíveis a todos os seus habitantes, conserva as tradições cristãs comuns, idênticas raízes políticas e interesses que se ajustam – tudo pode fazer para organizar a mais sólida e poderosa aliança de nações livres e soberanas que jamais conheceu a história da humanidade (...)”.

A Conferência foi encerrada no dia 27 de janeiro, mas até o início do mês de fevereiro, ainda eram publicadas notícias acerca da repercussão dos discursos de Vargas (na abertura da Reunião e na Associação Brasileira de Imprensa – ABI) e do ministro Oswaldo Aranha (quando do rompimento do Brasil com o Eixo e no encerramento da Conferência).

O fato de ser um órgão oficial e pelo seu distanciamento das fontes geradoras das notícias fazia com que “A República” fosse dependente da Agência Nacional – a fonte institucionalizada de notícias da época. Os repórteres do jornal “A República” tiveram pouquíssimo contato com as personagens da guerra que passavam pela cidade e até mesmo que estavam fixadas aqui, como é o caso do general Robert Walsh, comandante das forças armadas norte-americanas em Natal, que não dava entrevistas nem se deixava fotografar[7]. Walsh só falava para os jornais dirigidos ao pessoal das bases: o The SAT’D Weekly Post (1943-1946), um jornal com artigos sobre a guerra[8]; e o Foreign Ferry News (1943-1945).

O Brasil vivia a ditadura do Estado Novo e a imprensa estava sujeita ao controle do governo, através do DIP e, no caso de Natal, do DEIP, organismos de censura que decidiam o que deveria ou não ser publicado, a chamada monopolização da “verdade” pelo poder estatal (SOUSA, ibidem).

Do ponto de vista do discurso jornalístico, podemos dizer que ele advém de diversas naturezas. Sousa (1999) os classifica como acontecimentos imprevistos - ou verdadeiros, pseudo-acontecimentos, acontecimentos mediáticos, acontecimentos não categorizados e não acontecimentos. Para o autor, as organizações noticiosas, no caso deste trabalho, o Estado, através da Agência Nacional/DIP, diante dos fatos imprevisíveis, tendem a impor alguma ordem ao tempo, caracterizada pelo serviço de agendamento – agenda-settting[9]. Dessa forma, determinam o que deve ser noticiado, quando e como, ou seja, agendam os assuntos aos quais o público, neste caso, o leitor, deve ter acesso. Controlada pelo DIP, a Agência Nacional selecionava, filtrava as notícias que deveriam ou não ser veiculadas.

Tomando como referência a teoria do agendamento, podemos comparar o DIP ou o DEIP, na esfera estadual, aos gatekeepers[10] – “porteiros”, os selecionadores da notícias, aqueles que dão o crivo, determinando os valores/notícia, isto é, os determinantes que fazem um acontecimento relevante. Wolf (1999:201-202) expõe quatro variáveis utilizadas na seleção de um acontecimento e que irão determinar a sua importância: o grau hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável, impacto sobre a nação e o interesse nacional, a quantidade de pessoas que o acontecimento envolve e a relevância do significado desse acontecimento quanto à evolução futura de uma determinada situação. Partindo disso, o selecionador dará a algumas notícias um tratamento detalhado, a outras uma atenção supérflua e a tantas mais irá ignorar completamente.

Quando falamos dos critérios para valoração das notícias publicadas no jornal “A República”, observamos que são fruto de uma ideologia da informação (WOLF, 1999: 206), nesse caso, criada pelo Estado e baseada nos seus sistemas informativos.

A agenda faz parte das rotinas[11] organizadas na coleta de informações e revela o tipo de acontecimento no qual determinado veículo de comunicação concentra os temas do seu noticiário. No caso do nosso estudo, a área de concentração referia-se à Segunda Guerra. As rotinas, porém, tornam as notícias semelhantes nos diversos órgãos de comunicação social, gerando uma uniformidade nos produtos informativos em circulação. Nos meios de comunicação de Natal, na época da Segunda Guerra, essas rotinas caracterizavam o uso da imprensa como ratificadora do poder instituído, até porque os jornais eram controlados pelo DIP, que, através da Agência Nacional, distribuía as notícias sobre a Guerra no Brasil e exterior, ao passo que a grande maioria das notícias produzidas em Natal eram, na verdade, “reescritas” do noticiário das agências. Os cultural studies[12] - apontam que os produtos da mídia têm essa tendência à “estandardização”, reproduzindo, de um modo ou de outro, o sistema sócio-cultural, favorecendo a manutenção do status quo.

Um exemplo disso pode ser observado em relação à divulgação do encontro de Vargas e Roosevelt em Natal. Não tivemos acesso à edição do jornal “O Diario”, mas as edições, em dias distintos, de “A República”[13] e “A Ordem”[14], trazem a mesma matéria, com títulos diferentes sobre o assunto. Isso porque, todas as notícias divulgando esse evento tiveram o caráter de “comunicado oficial” do DEIP.

Podemos citar, também, o caso da repetição das notícias. Observando o noticiário, percebemos que os temas em questão eram exaustivamente explorados, principalmente quando se tratavam da repercussão de discursos de autoridades, cujas revelações eram consideradas de grande relevo social. O tabu da repetição, a que se refere Gans (apud WOLF, 1999: 208) e que vai de encontro à atualidade da notícia, não é levado em consideração quando uma notícia é considerada “importante”, o que passa a ser prioritário e, por conseguinte, permite coberturas informativas constantes e repetidas dos indivíduos, temas e personagens que nela se inserem (GANS, ibidem).

No que se refere à utilização das fontes, constatamos que o fato de serem utilizadas quase sempre fontes “oficiais”, a manipulação das notícias era muito maior. Esse espaço jornalístico, no entanto, era restrito a uns poucos protagonistas, como o presidente da República e seus ministros. No caso do jornal “A República”, as fontes oficiais eram usadas para validar, autenticar, as notícias publicadas em detrimento de quem as produzia.

Como pudemos observar, as notícias publicadas no jornal apresentavam um conteúdo marcado pela hegemonia do discurso das classes dominantes. A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com esta não seja percebida como tal pelos dominados[15]. Aliás, a história da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial contada pelos livros – e pela imprensa, também - é ideológica, ou seja, uma história narrada do ponto de vista do vencedor, dos poderosos[16].

Considerações finais

A Segunda Guerra Mundial – assim como a Primeira, talvez pelas circunstâncias excepcionais que o mundo atravessou – tornou o jornalismo ocidental tendenciosamente descritivo e generalista, baseado em fatos e comentários. Essa tendência ficou conhecida nos Estados Unidos como he said journalism, ou seja, o jornalismo das declarações, que deixava de lado a análise, a contextualização, a interpretação e até a investigação.

É válido ressaltar que a grande maioria do público, quando confrontada com a notícia, não atenta para fatores como, por exemplo, a relação entre jornalistas e os acontecimentos e as pessoas nestes envolvidas, a seleção e hierarquização dos elementos expostos nos enunciados jornalísticos, como também na escolha de termos nos discursos jornalísticos que pressupõem, por si só, a existência de critérios e juízos de valor.

De acordo com Sousa (1999), poderíamos explicar as notícias em função de três tipos de forças interligadas: a ação pessoal, ação social e ação cultural. Essas ações determinam que tipo de notícias temos em cada meio sócio-cultural e em cada momento histórico. Assim, podemos identificar os principais fatores de influência no processo de produção das notícias, o que explica porque temos estas e não outras notícias.

Na perspectiva construtivista as notícias são vistas como uma construção resultante de um processo de interações[17] pessoais, sociais, culturais e ideológicas, entre outras. Nessa perspectiva, os jornalistas exercem a função de agentes autônomos – até certo ponto – na ação, especialmente no que diz respeito aos poderes político e econômico, tendo um papel relevante em torno dos processos de construção negociada de sentido para os dados fornecidos por determinadas fontes interessadas no direcionamento desses dados.

Entretanto, essa perspectiva não nega que as notícias freqüentemente sustentam as interpretações que as fontes oficiais, detentoras do poder, dão aos acontecimentos e às idéias que chegam ao público, mesmo porque as relações entre os jornalistas e essas fontes de informação são muitas vezes problemáticas, sendo orientadas por interesses, como vimos no caso da relação entre os repórteres do jornal “A República” e os protagonistas da Segunda Guerra – fontes oficiais do país naquela época. As notícias assumem, desta feita, um papel político-social enquanto, nomeadamente, instrumentos de sustentação do status quo. Por outro lado, a perspectiva construtivista analisa profundamente as rotinas de produção e transmissão de informação jornalística como elementos fundamentais na configuração das notícias com que diariamente somos confrontados.

Em 1939, quando a eclodiu a Segunda Guerra na Europa, o Brasil recebia as notícias do conflito com indiferença. Vivendo sob o regime do Estado Novo, instituído no país por Vargas dois anos antes, a população brasileira estava cerceada em sua liberdade pessoal e seus direitos (FALCÃO, 1999: 16). Os órgãos de imprensa estavam sob o domínio total do Estado, controle exercido legalmente pelo DIP, através do decreto 1.949[18]. O DIP possuía, ainda, outros mecanismos de pressão, como a concessão de isenções fiscais, favores e subvenção aos jornais. O fornecimento de papel, por exemplo, estava estreitamente relacionado a esse tipo de manipulação. Como a indústria de papel de jornal no Brasil estava dando os primeiros passos, a maior parte do material era importada pelo governo, que vendia o produto aos jornais com preço subvencionado. O corte da subvenção era uma das ferramentas de pressão usadas contra os veículos que não se adequavam ao comando do DIP.

No auge da Segunda Guerra, em 1942, quando o Brasil rompe relações com o Eixo, e, meses depois, Natal se torna uma das principais bases militares norte-americanas, o jornal natalense “A República” caracterizou-se como um porta-voz das forças aliadas. Seu discurso propagava o ufanismo exacerbado, o apoio aos Estados Unidos e a repulsa à Tríplice Aliança formada por Alemanha, Itália e Japão.

Sendo imprensa oficial, o jornal tinha como princípio norteador a legitimação do poder simbólico exercido pelo Estado, ou seja, estava a serviço da manutenção de uma hegemonia ideológica na sociedade. A cobertura informativa de “A República” se caracterizava pela “cobertura” dos interesses dos poderes instituídos.

Como foi observado, o espaço público jornalístico era essencialmente ocupado por um seleto grupo de protagonistas - as autoridades civis e militares da época. As notícias tinham sempre o caráter de comunicado oficial e raramente os jornalistas locais produziam grandes reportagens ou entrevistas com essas personagens, instaladas ou de passagem pela cidade. Em relação aos fatos ocorridos em Natal, podemos destacar o célebre encontro entre os presidentes Vargas e Roosevelt, em 1943, quando o jornal esperou dois dias até que fosse publicada uma matéria sobre o evento, produzida pela Agência Nacional.

Centrado nessas fontes representantes do poder vigente e aceitando as interpretações “oficiais” dos acontecimentos, o jornal acabava por servir à uma hegemonia que não necessitava recorrer à coerção, no sentido do exercício de sua autoridade, uma vez que as próprias notícias tinham as marcas dessa hegemonia.

BIBLIOGRAFIA:

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CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo, Brasiliense, 2001. Coleção Primeiros Passos, v.13.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisas em ciências humanas e sociais. São Paulo, Cortez, 1998.

FALCÃO, João. O Brasil e a segunda guerra mundial: testemunho e depoimento de um soldado convocado. Brasília, UnB, 1999.

FERNANDES, Luiz. A imprensa periódica no Rio Grande do Norte de 1832 a 1908. 2. ed. Natal, Fundação José Augusto: Sebo Vermelho, 1998.

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PEIXOTO, Carlos. A história de Parnamirim. Natal, Z Comunicação, 2003.

PINTO, Lenine. Os Americanos em Natal. 2. ed. Natal, Sebo Vermelho, 2000.

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SOUSA, Jorge Pedro. As notícias e os seus efeitos: as “teorias” do jornalismo e dos efeitos sociais dos media jornalísticos. Lisboa, Universidade Fernando Pessoa, 1999.

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JORNAIS

A ORDEM. Edição de 29 de janeiro de 1943. Exemplar pertencente ao Instituto Histórico e Geográfico do RN. 1º semestre de 1943.

A REPÚBLICA. Coleção pertencente ao Instituto Histórico e Geográfico do RN. 1º e 2º semestres de 1942 e 1º semestre de 1943.

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[1] Parnamirim, nome de origem tupi, Paranã-mirim, significa pequeno rio veloz. A palavra apareceu escrita, pela primeira vez quando Frederico de Nassau enviou um cartógrafo para mapear o nordeste brasileiro, em 1643, por ocasião da invasão holandesa à região.

[2] SMITH Junior, Clyde. Ibid., pp. 15 e 17.

[3] PINTO, Lenine, Os Americanos em Natal, p. 60.

[4] LIMA, 1999: 81.

[5] Wolf (1987: 195) classifica os critérios de valor-notícia como dependentes do conteúdo – que determina a importância e interesse das notícias; do produto - que se referem à disponibilidade das informações e às características do produto informativo; do meio – a mídia; além do público e da concorrência.

[6] SOUSA (1999) coloca que o newsmaking - para ele, “teoria da notícia” ou “teoria do jornalismo” - explica as notícias como uma espécie de artefato construído pela interação de várias forças que podemos situar ao nível das pessoas, do sistema social, da ideologia, da cultura, do meio físico e tecnológico e da história.

[7] PINTO, 2000: 30.

[8] PEIXOTO, 2003: 67.

[9] Apresentada por McCombs e Shaw em 1972, a teoria do agenda-setting - estabelecimento da agenda - procura explicar os efeitos resultantes da abordagem de assuntos concretos por parte dos meios de comunicação. Elaborada a partir do estudo da campanha eleitoral para a Presidência dos Estados Unidos de 1968, essa teoria destaca que os meios de comunicação têm a capacidade não intencional de agendar temas que são objeto de debate público em cada momento. (SOUSA, 1999)

[10] O conceito de “gatekeeper” foi elaborado por Kurt Lewin, num estudo de 1947 sobre as dinâmicas que agem no interior dos grupos sociais (...). O gatekeeper é o indivíduo que deixa passar determinada informação ou a bloqueia. (WOLF, 1999:180)

[11] Segundo Sousa (1999), rotinas são os processos padronizados de produção de alguma coisa.

[12] O interesse dos “cultural studies” centra-se, principalmente, na análise de uma forma específica de processo social, relativa à atribuição de sentido à realidade, à evolução de uma cultura, de práticas sociais partilhadas, de uma área comum de significados. (WOLF, 1999: 108)

[13] Conferenciaram em Natal os presidentes Vargas e Roosevelt - Atribui-se uma importância extraordinária ao encontro dos dois grandes “leaders” da América. (A REPÚBLICA, 30 de janeiro de 1942)

[14] Depois de Casa Blanca, foi escolhida a cidade de Natal para sede de um dos mais sensacionais encontros de dirigentes dessa guerra. - Roosevelt e Vargas em Natal - O encontro sensacional, ontem, nesta cidade, dos dois maiores estadistas do continente americano. (A ORDEM, 29 de janeiro de 1942)

[15] CHAUÍ, 2001:79.

[16] Ibid: 116.

[17] SOUSA, op. cit.

[18] O decreto 1.949, de dezembro de 1939, obrigava todas as publicações a ter registro no DIP, sob alegação de reorganizar e de legalizar a situação administrativa dos jornais. O Registro Nacional de Imprensa – como foi chamado o cadastro das empresas e seus funcionários –, era condição sine qua non, tanto para que as empresas funcionassem, quanto para que seus funcionários pudessem exercer sua profissão. (RIBEIRO, 2001). [19] Professora do Instituto de Psicologia/UERJ. Doutora em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ.

[20] Estudante de graduação do Curso de Psicologia/UERJ.

[21] Bolsista Projeto Integrado CNPq. Estudante de graduação do Curso de Psicologia/UERJ.

[22] Bolsista PIBIC/UERJ. Estudante de graduação do Curso de Psicologia/UERJ.

[23] Bolsista PIBIC/CNPq. Estudante de graduação do Curso de Psicologia/UERJ

[24] A noção está ligada ao conceito “aparelhagem mental” desenvolvido por Lucien Febvre ao longo de suas pesquisas. Para Febvre, “A cada civilização cabe sua aparelhagem mental... ela vale por uma época que a utiliza; não vale pela eternidade, nem para a humanidade”. Ele estava convencido de que os homens do passado “não viviam, não agiam como nós”, portanto, é necessário explorar exaustivamente uma cultura das mais variadas perspectivas pois é com esses “instrumentos” que se constrói a experiência, tanto individual quanto coletiva (Febvre apud Revel, “Aparelhagem Mental”, In: Burguière, 1993, p. 66-67; ver também 326-7).

[25] O termo a vol d’oiseau é empregado aqui no sentido de uma visão panorâmica. A expressão significa em linha reta; diretamente; do alto, de um ponto situado acima de todos os acidentes. A expressão é do século XVIII e foi também usada para designar, em mapas, uma visão do alto.

[26] Benedetto Croce, ao discutir crônica e história, afirma que comumente atribuía-se à crônica fatos individuais e privados, e à história fatos gerais e públicos, “como se o geral não fosse individual e o individual geral, e o público não fosse sempre simultaneamente privado e o privado público”. Portanto, para ele, foi sempre destinada à crônica aquilo que “não interessa”, enquanto que à história destinava-se aquilo “que interessa” (Croce, 1984, p. 280)

[27] Na acepção moderna, deve-se a Montaigne, com os Essais (1596), a iniciação do gênero (Coutinho, 1999).

[28] “O gênero [folhetim] criou o hábito de o leitor procurar todos os dias o folhetim dos jornais. Daí a idéia de publicar-se também, em rodapé, um artigo leve, entremeando comentários sobre fatos diversos, numa categoria semelhante a de capítulos de romances (...). Surgia assim essa nova modalidade de folhetim cujo predomínio se estenderia também por toda a imprensa e seria a forma primitiva da crônica moderna” (Broca, 1979, p. 174).

[29] Ver: Coutinho, 1999; Ipanema, 1967; Sodré, 1966; Broca, 1979; Serpa, 1952. Ewald (2000) crê que o precursor foi José Maria da Silva Paranhos, o visconde do rio Branco, com suas cartas “Ao Amigo Ausente” publicadas no Jornal do Comércio entre 1851 e 1852 na seção “Comunicado”.

[30] Ver o trabalho de Souza (1998) sobre o progresso nas crônicas de José de Alencar.

[31] O português foi mantido como no original dos meados do século XIX.

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