Jornalismo: do ponto à espiral



Título: Jornalismo: do ponto à espiral.

Autora: Norma Maria Meireles Macêdo Mafaldo

Professora Substituta do Curso de Comunicação Social da UFPB

Especializanda em Jornalismo Cultural pela FACOP

E-mail: normameireles@.br

Instituições: UFPB/ FACOP

Palavras-chave: Jornalismo ambiental, desenvolvimento, especialização

Resumo

O objetivo deste ensaio é discorrer sobre a importância da especialização do profissional de jornalismo na área ambiental, bem com da necessidade de diálogo e interligação entre várias áreas de conhecimento, contextualizando e conectando diversas notícias ao universo interdisciplinar da temática ambiental. A metodologia utilizada foi a análise qualitativa das mídias locais e nacionais quanto à contextualização das notícias de cunho ambiental.

Apesar da existência de revistas e suplementos nacionais especializados e programas televisivos sobre ecologia e meio ambiente, o acesso à informação ambiental através do jornalismo ainda é difícil. Quotidianamente, só se pautam temas ambientais em datas especiais, como semana do meio ambiente, por exemplo, ou quando há algum desastre ecológico. Há portanto, a necessidade de criação e manutenção de espaços constantes dedicados ao meio ambiente nos jornais, nas rádios e nas TV’s. A especialização do profissional, pode diminuir o distanciamento entre o jornalista e os cientistas e melhorar a contextualização das informações específicas, articuladas com os múltiplos saberes.

Jornalismo: do ponto à espiral

Oi, Oi, Oi/ Olha aquela bola/ A bola pula bem no pé/ No pé do menino/ Quem é esse menino?/ Esse menino é meu vizinho/ Onde ele mora?/ Mora lá naquela casa/ Onde está a casa?/ A casa ta na rua/ Onde está a rua ?/ Ta dentro da cidade/ Onde está a cidade?/ T’do lado da floresta/ Onde está a floresta?/ A floresta é no Brasil/ Onde está o Brasil?/ Ta na América do Sul/ No continente americano/ Cercado de oceano/ E das terras mais distantes/ De todo o planeta/ E como é o planeta?/ O planeta é uma bola/ Que rebola lá no céu.

Paulo Tatit e Edith Derdick

Uma viagem da bola do pé do menino à trajetória universal! Assim como a letra de ora bola, o jornalismo requer contextualização, reflexão, ampliação de pontos de vista, distanciamento e aproximação. Sem dúvida, a estrutura industrial dos meios de comunicação de massa impõe uma série de limitações à produção jornalística. O tempo, no rádio e na tv, e o espaço, nos veículos impressos, parecem mais importantes que o aprofundamento das informações.

A superficialidade está sempre presente no trabalho de jornalistas de “gabinete”, que apuram dados por telefone, porque as empresas para as quais eles trabalham estão preocupadas unicamente com o quantitativo, tanto no que se refere ao conteúdo da informação quanto ao lucro que elas podem proporcionar. Já a espetacularização do cotidiano é outro entrave para que o jornalismo venha a contribuir com o desenvolvimento social. Nosso desafio é encontrar soluções práticas para que o jornalismo ultrapasse as barreiras do factual (do simples jogo de bola, como esporte, por exemplo) e contribua para o desenvolvimento humano (visão ampliada da bola como o próprio planeta Terra), do local ao global, do indivíduo ao coletivo, apesar de todas as possíveis barreiras.

“Viver verdadeiramente”. Esta é a finalidade terrestre dos humanos defendida por Edgar Morin em Terra Pátria. Mas como atingir este objetivo quando em sociedade, das relações familiares até as interações intercontinentais? Tendo uma enorme diversidade de pensamentos, sentimentos e ações, que tanto podem convergir quanto divergir? E qual é o posicionamento do jornalista diante desta realidade fragmentada e unificada ao mesmo tempo?

O conhecimento pelo jornalismo

“Os cientistas têm muito medo do jornalismo, pelo temor de serem considerados simplista ou simplórios, se falarem de forma muito simplificada, muito acessível, porque as questões científicas são complexas. E os jornalistas, por sua vez, fogem um pouco dos temas da ciência pela complexidade e pela dificuldade de torna-los compreensíveis a qualquer pessoa.”

Washington Novaes

Não é difícil observar como o jornalismo tende para a simples factualidade, abdicando da oportunidade contribuir para o desenvolvimento do seu público, conseqüentemente da sociedade em geral. Tomemos como base o jornalismo ambiental ou a ausência dele. Há dificuldade de elencar produções especializadas que cheguem ao público com facilidade, especialmente nas tv’s abertas e nas emissoras de rádio. As tv’s Cultura e Educativa têm produções especializadas em meio ambiente (Planeta Terra, Repórter Eco), mas infelizmente nem todos os Estados têm afiliadas destas emissoras, como é o caso da Paraíba; sendo necessário a aquisição de antena parabólica ou assinatura de tv à cabo, o que, sem dúvida, é uma barreira econômica para o acesso a conteúdos informativos específicos.

Em âmbito nacional, Belo Horizonte tem-se destacado. Há pouco mais de um ano, o Jornal do Brasil lançou um suplemento mensal sobre meio ambiente, o JB Ecológico. O suplemento do jornal carioca é completamente produzido em Minas Gerais e circula aos sábados de Lua cheia, periodicidade marcada por um ritmo natural. De Belo Horizonte também vem a revista Ecologia Integral, publicação bimestral do Centro de Ecologia Integral. Já a TV Minas se propõe a fazer jornalismo público, pautado também no meio ambiente. A emissora publicou um manual de procedimentos para o jornalismo público.

Pensando nesta ausência ou presença de tema ambientais no dia-a-dia das redações é inevitável citar a função de mediador desenvolvida na sociedade pelo jornalista, pautando-a e agendando-a cotidianamente em maior ou menor escala. A subjetividade está presente da escolha da pauta à veiculação das notícias e o jornalista deve estar mais que consciente do seu poder de gatekeeper, que seleciona notícias. Como observa a jornalista Eliane Cantanhêde:

“ Há, na grande imprensa, uma cultura de rejeitar os temas ambientais. Isto é absolutamente verdade. Você tem lá na pauta a reunião do Congresso, a coletiva do Ministro da Educação e o encontro ambiental. Mas na hora de decidir o que é que nós vamos cobrir, com nossos poucos recursos, poucos fotógrafos, poucos repórteres, pouco tempo, acaba sobrando para o meio ambiente. Existe uma cultura do homem hoje e amanhã . O que é objetivo, direto e pontual. E a coisa de longo prazo, o que vai ter reflexo daqui a uns 20, 30 anos não damos bola”. (O PAPEL DA IMPRENSA PÓS-RIO + 10; 2002)

Parece até um problema sem solução. A incomunicabilidade entre a temática ambiental e os jornalistas, entre cientistas e jornalistas, as complicações e/ou limitações do fazer jornalístico (regido pelo tempo/espaço), agravados pela cultura capitalista predatória global. O medo dos jornalistas e dos cientistas uns dos outros; o medo da apuração incompleta, apressada, rasteira; o medo de ter declarações modificadas; enfim, o medo da comunicação. Um entrave, um nó que precisa ser desfeito para liberar o diálogo entre os envolvidos, inclusive o público plenamente receptivo (e crítico também) ao comprar um jornal ou uma revista ou ligar a TV ou o rádio.

Dar espaço as questões ambientais é também contribuir para o desenvolvimento humano local e global integrado, para o desenvolvimento da vida. A sociedade é estratificada, as pessoas têm ocupações diferentes, mas todas vivem na mesma casa: a Terra. Tratar do meio ambiente é tratar de todos nós, e nós somos, entre outras coisas, química, física, matemática, geografia, biologia, ecologia...Precisamos enquanto cidadãos e jornalista observar todas estar inter-relações existentes entre tudo e todos e explorarmos o jornalismo como forma de conhecimento. Conhecimento diferenciado do cientificismo acadêmico, mais aproximado das pessoas.”Jornalismo que não revela mal nem revela menos a realidade do que a ciência: ele simplesmente revela diferente”. (MEDISTSCH;1998). E embora ainda haja dificuldades em revelar o conhecimento na área ambiental, não podemos ignorar a temática por causa dos obstáculos, como pontua o jornalista André Trigueiro:

“Nosso dever e a nossa missão é de compartilhar com a sociedade e faze-la entender o tamanho da encrenca que é viver em um planeta em que o modelo de socialização é predatório, suicida e não sustentável...O primeiro desafio é driblar o tecnicismo, cientificismo... Temos que traduzir conceitos que são do jargão científico, do jargão ecológico...Não é fácil, mas é possível.” (O PAPEL DA IMPRENSA PÓS-RIO + 10; 2002)

Entre o generalista e o especialista

Um dos principais problemas para a contextualização e o aprofundamento de uma informação é a falta de especialização dos profissionais da imprensa. Quando os veículos de comunicação têm seus repórteres e comentaristas setoriais, eles geralmente se dedicam à economia e política cultura, mas outras áreas são deixadas de lado como educação, ecologia e meio ambiente. O jornalismo especializado exige do jornalista conhecimentos específicos e uma determinada área. Não podemos negar o aprendizado do chamado batente, onde a especialização acaba acontecendo pelo tempo que o repórter se dedica a uma área para a qual ele é designado, seja pela afinidade dele mesmo ou por necessidade do veículo no qual ele trabalha. Mas as empresas não incentivam (nem facilitam) seus funcionários a fazerem cursos de especialização para que o resultado do trabalho dos profissionais tenha um ganho qualitativo; para que possa se refletir nas páginas dos jornais e revistas, na tela da TV ou nas ondas do rádio, muito mais a simples anunciação de um fato, um o o jornalista pode fazer um jornalismo de desenvolvimento (desenvolvimento humano), se ao jornalista também é negada a oportunidade de crescimento profissional e humano? O ritmo de trabalho está desequilibrado. Como falar de equilíbrio ambiental se a ecologia do profissional está desequilibrada? E qual é a noção de desenvolvimento que os jornalistas, e a própria sociedade têm?

“A noção de desenvolvimento deve tornar-se multidimensional, ultrapassar ou romper os esquemas, não apenas econômicos, mas também civilizacionais e culturais ocidentais que pretendem fixar seu sentido e suas normas. Deve romper com a concepção do progresso como certeza histórica para fazer dele uma possibilidade incerta, e deve compreender que nenhum desenvolvimento é adquirido para sempre: como todas as coisas vivas e humanas, ele sofre o ataque do princípio de degradação e precisa incessantemente ser regenerado” (MORIN, 1995).

Se a falta de especialização é uma dificuldade, a visão bitolada, unidirecional e excludente também o é. A especialização cega é inútil. Privilegiar determinados aspectos em prejuízo das suas possíveis conexões e inter-relações é negar a diversidade de pensamento, sentimento e ações sociais. É como se não soubéssemos que a luz da Lua é a luz do Sol, o mesmo Sol para o qual não podemos olhar durante o dia pode ser visto através da Lua. E o que falar das estrelas? Elas não “aparecem” só à noite, elas estão o tempo todo no céu diante dos nossos narizes e não as enxergamos pelo excesso de luz na atmosfera terrestre.

Enquanto jornalistas, precisamos, sim, de especializações; mas de forma alguma podemos esquecer que especialização e generalização são duas faces da mesma moeda, estão unidas o tempo todo. “Os jornalistas de todos os tipos precisam trabalhar para ter um conhecimento interdisciplinar capaz de relacionar todas as coisas e traduzir para o público...” (NOVAES ;2002)

Para tratarmos das questões ambientais temos que contextualizá-las nos âmbitos geográfico, social, econômico, político e cultural, considerando não só o presente, mas o passado e o futuro (o somatório do que fomos, somos e seremos), levando em conta que ações locais tem conseqüências globais, que “a carteira de identidade terrestre do novo cidadão do mundo comporta um agrupamento de identidades concêntricas, a partir da identidade familiar, local, regional, nacional” (MORIN; 1995).

O ponto, a reta, o círculo e a espiral.

“Viver é afinar um instrumento/de dentro pra fora/ de fora pra dentro”

Walter Franco

As articulações intrínsecas em todo o eterno movimento universal, no qual estamos inseridos, nos faz lembrar figuras geométricas: o ponto, a reta, o círculo e a espiral. O ponto é a unidade, a partir de dois pontos temos uma reta, várias retas tangentes formam um círculo e do entrelaçamento de vários círculos surge a espiral. Invariavelmente temos a unidade no todo e o todo na unidade; a vida em movimento, a busca eterna da homeostase (equilíbrio dinâmico).

O jornalismo, seja o científico, o ambiental, o econômico, o cultural ou de qualquer outra especialidade, pode e deve adotar a dinâmica do ponto, da reta, do círculo e da espiral. Entrar nesta dinâmica é observar o específico e articulá-lo com os outros saberes, com os quais existem interseções implícitas ou explícitas. Interseções osmóticas do local ao global e vice-versa, influências que podem ou não modificar o aqui e agora e o por vir e que farão parte do ontem.

Como produtores de sentidos, os jornalistas detêm uma grande responsabilidade ao escolherem pautas; determinarem enfoques, tempo, espaço, enfim ao levar um produto ao público. A espetacularização do cotidiano por veículos de comunicação pode até ter efeito publicitário, mas sua contribuição para o desenvolvimento é questionável. Urge aos empresários da comunicação, geralmente apenas empresários e não comunicólogos, e aos próprios jornalistas, uma ampliação da visão de mundo; não apenas como um grande mercado a ser explorado, mas como um todo diverso para o qual e no qual o trabalho da empresa (e dos empregados) é desenvolvido.

O jornalismo, os jornalistas, os empresários e sociedade, todos no eterno movimento de afinação, “de dentro pra fora de fora pra dentro”. Afinação nas relações de humanos para com eles mesmos; afinação entre homens, animais, vegetais e minerais, enfim, afinação ecológica. Como diz Edgar Morin “nada é mais difícil de realizar que o desejo de uma civilização melhor”. O caminho da reta ao ponto, do ponto à reta, da reta ao círculo e do círculo à espiral (existe também o caminho de volta), nada/tudo mais é do que a caminhada (e o próprio caminho) de indivíduos semelhantes e diferentes, ao mesmo tempo, em busca do sonho de uma vida melhor, do equilíbrio, da homeostase.

Referências bibliográficas

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MEDINA, Cremilda. Jornalismo e a epistemologia da complexidade. Comunicação & política, São Paulo, v.9, n11, abr./jun.1990.

MEDITSCH, Eduardo. Jornalismo como forma de conhecimento. Revista Brasileira de ciências da comunicação, v21, n.1, jan/jun.1998.

MORIN, Edgar, KERN, Anne Brigtte. Terra Pátria. Porto Alegre: Sulinas, 1995.

NOVAES, Washington. Por um jornalismo interdisciplinar. Triálogos. Londrina, ªIV, n 11 jun./set. 2002. entrevista concedida a Carlos Niebuhr e Marcelo Candeloro.

O PAPEL DA IMPRENSA PÓS-RIO + 10. Jornal do Brasil. JB Ecológico. Rio de Janeiro. a. 1, v.11, des. 2002.

Músicas:

Ora Bola - Paulo Tatit e Edith Derdick

Serra do luar – Walter Franco

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