A IMPRENSA CATÓLICA NO RIO DE JANEIRO



A IMPRENSA CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO NA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XIX: O APÓSTOLO

Carolina Silveira Fróes

Universidade Gama Filho

Bacharel em História

RESUMO

O artigo tem como objeto de investigação o jornal “O Apóstolo” fundado no Rio de Janeiro em 1866, sob orientação de uma das principais correntes religiosas estabelecidas no século XIX, o catolicismo ultramontano. É traçado então o perfil do grupo que deu origem ao jornal, seus fundadores, proprietários e colaboradores, tentando resgatar as relações sociais e de poder que envolvem este grupo, muitas destas refletidas em suas páginas. Os objetivos delineados pelo “Apóstolo” assim como as estratégias utilizadas para alcançá-los também detêm nossa atenção, além disso, apesar de terem sido encontradas algumas dificuldades, procura-se estabelecer a penetração e recepção do público do jornal.

Palavras Chave: História da Igreja no Brasil; Imprensa Católica; Ultramontanismo;

ABSTRACT

The article has as object of the research journal "The Apostle" founded in Rio in 1866, under the guidance of one of the major religious currents established in the nineteenth century Roman Catholicism ultramontanist. It then traced the profile of the group that gave rise to the newspaper, its founders, owners and developers, trying to rescue the social relations of power and involving this group, many reflected on your pages. The objectives outlined by the "Apostle" and the strategies used to achieve them also hold our attention, moreover, despite some difficulties were encountered, it aims to establish the penetration from the public and the newspaper.

Keywords: History of the Church in Brazil, Catholic Press; ultramontanist;

A IMPRENSA CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO NA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XIX: O APÓSTOLO

O presente artigo visa promover o estudo sobre uma das mais importantes correntes religiosas desenvolvidas no século XIX, o chamado catolicismo integral ou ultramontano, sendo esta uma doutrina dotada de um caráter eminentemente hierárquico, atrelado as orientações de Roma. Para isto será utilizado como objeto de investigação um dos principais instrumentos de divulgação do ultramontanismo no Brasil: a imprensa, mais especificamente através do jornal “O Apóstolo”[1] fundado no Rio de Janeiro em 1866. Contudo antes de nos aprofundarmos no periódico em si é necessário que se faça um pequeno esboço sobre a Igreja e a sociedade Imperial neste momento.

Desde o principio do século a Igreja Católica Romana vem assumindo atitudes ligadas à política, desenvolvida por ela mesma, chamada ultramontana, que acabou por ser adotada como norteadora da Igreja no papado de Pio IX (1846/1878)[2], reatando o fio de uma tradição por um momento interrompida e que se ligava à orientação de seu antecessor Gregório XVI (1831/1846) (BARROS, 2004:378). No Brasil somente após a segunda metade do século XIX que os reflexos desta política são sentidos com maior intensidade, e a Igreja católica brasileira passa a exibir uma postura cada vez mais intransigente em relação às suas críticas ao mundo moderno, que pode também ser entendida como uma manifestação no país das políticas adotadas pelo Papa. O ultramontanismo surge então como uma reação de resposta da Igreja ao mundo moderno ligado aos “inimigos da fé e da boa doutrina”. É caracterizado pelo centralismo romano, um fechamento sobre si mesmo e uma total recusa de contato com o mundo moderno, passando a ser referência para católicos de diversos países.

Devemos observar ainda que este período ficou marcado por uma profunda transformação da sociedade que gradativamente vem substituindo a antiga cosmologia teocêntrica por novas leis inspiradas em doutrinas de cunho racionalista e liberal, e no Brasil não foi diferente, durante um curto período de tempo o país sofreu transformações em grande parte de suas instituições, indo de uma sociedade tipicamente escravocrata para se adequar aos moldes de uma sociedade burguesa, emergindo nesta última a transição do Império para a República. E são inúmeras as manifestações ocorridas tanto para conter essas mudanças, como para concretizá-las o mais rápido possível, e a imprensa foi amplamente utilizada neste sentido, promovendo a divulgação dos mais diversos posicionamentos assumidos. Bernardo Joffily chega a dizer que “cada corrente tem seu porta-voz”, mas, ainda assim, “há órgãos apolíticos como o “Diário do Rio de Janeiro” - primeiro diário do país, publicado entre 1821 e 1878 – que nem noticia o Grito do Ipiranga”. Mas a regra é a imprensa engajada e doutrinária (BARBOSA, 2000: 54).

E é como parte das reações das lideranças católicas, em prol das reformas ultramontanas, que começam a ser editados por todo país jornais eclesiásticos, já que segundo os próprios fundadores de “O Apóstolo” eles já não poderiam mais “suportar a idéia de faltar-lhe um órgão na imprensa religiosa ao mesmo tempo em que todos os outros o tem”[3], encarando a imprensa como um meio de cumprir “uma obrigação rigorosa e sagrada”[4], inclusive colocando-a como um instrumento divino na sociedade, quando bem utilizada.

“E sem dúvida podemos dizer que a imprensa tem uma origem toda divina. Foi sobre duas pedras que o dedo de Deus imprimiu em caracteres indeléveis esses dez mandamentos, que hão servindo de base aos códigos das nações civilizadas. Sobre este decálogo, como sobre seus eixos, move-se todo o mundo religioso, moral e social. A invenção, que mais tarde, reproduziu as milhares de letras divinas, não pode sem desmentir a origem da imprensa, desviar-se desse fim majestoso, que o dedo de Deus lhe dera a primeira vez os princípios fundamentais e constitutivos das sociedades humanas”[5].

Efetivam-se preocupações destes com as “deficiências” do catolicismo brasileiro, marcado pelo despreparo do clero e pela prática religiosa pouco romanizada e as preocupações das diversas autoridades religiosas assumiriam uma dimensão especial na cidade do Rio de Janeiro, já era a maior cidade do país e a Côrte (ABREU, 1994: 183-205). Em contraponto aos “erros modernos”, construíram-se idéias de modernização da sociedade próprias do projeto de romanização, marcando um exemplo do poder de articulação da hierarquia eclesiástica (DILLMANN, 2006: 12), onde “a religião tem necessidade de se fazer ouvir por seus órgãos legítimos”[6].

Procurava-se com a publicação destes periódicos a divulgação por todo país das diretrizes da Santa Sé e com isso facilitar a implantação das mesmas. E este seria atingido através da identificação e do combate exaustivo dos “inimigos da fé” o que gradativamente ocasionaria uma tomada de consciência e um distanciamento da população para com estes. Em seu artigo “Progresso e Civilização à luz ultramontana” Mauro Dillmann completa dizendo que os aspectos religiosos deveriam restringir-se ao sagrado de acordo com as emanações vindas do Papa e os sentimentos dos fiéis necessitariam do comprometimento com os sacramentos, com a reverência a Roma, a santificação dos dias de domingo, a santificação das festas e de seus atos.

As décadas de 1860 e 1870 assistiram a criação de inúmeros periódicos, dentre os quais podemos destacar “A Estrela do Sul” (1862-1869) no Rio Grande do Sul servindo aos interesses do bispo ultramontano Dom Sebastião Dias Laranjeiras (DILLMANN, 2006: 12); na Bahia “Chronica Religiosa” (1869-1874), que seguia “a mais estrita ortodoxia” defendendo “que a moral era o próprio princípio da autoridade e estava na própria base do trono imperial” e “A União”, “de oposição quase que sistemática ao governo” (MATTOSO, 1992: 326); no Recife “O Cathólico” onde seu redator, Autran de Albuquerque, acabou se constituindo em um influente colaborador do “Apóstolo” e no Pará “A Estrela do Norte” que servia ao bispo Dom Macedo Costa. Este último periódico, fundado um ano após seu congênere “A Estrela do Sul”, evidencia o contato e união da hierarquia católica de norte a sul do Império (DILLMANN, 2006: 12).

Esses periódicos funcionaram como organizações ajustada aos interesses da propaganda eclesiástica e, freqüentemente, trocavam artigos, notícias e enviavam exemplares completos uns aos outros, demonstrando o alto grau de articulação da hierarquia ultramontana neste momento. Além disso, a própria existência dos jornais católicos encorajava e inspirava a criação de novos editoriais, como fica claro no primeiro número do periódico rio-grandense “O Thabor”, criado posteriormente no ano de 1882, que desejava que a nova folha “possa (...) trilhar a gloriosa sendo a do Apóstolo do Rio de Janeiro, que há dezesseis anos luta, braço a braço, com os mais ousados inimigos, desde o gabinete governamental transformado em congresso cesariano, até o inundo e caricato jornaleco!” (DILLMANN, 2006: 12).

A produção impressa marcou a presença e a ação da Igreja sobre a sociedade brasileira, onde a defesa da ordem católica e da estabilidade do Império eram estratégias de moralização e progresso. Roberto Romano já havia advertido que a Igreja longe de se entender como instituição autoritária e retrógrada, se pensa como fonte da verdadeira civilização e do progresso modernos (ROMANO, 1979: 110). De modo geral, a Igreja via a si própria como religião progressista.

Em meio a estas movimentações que se insere a criação de “O Apóstolo”, como um caminho de resposta do catolicismo a esse tempo em que “a sociedade está ferida no coração”[7]. Foram somados os esforços de inúmeras pessoas para sua criação já que esta representava a reação não só da alta hierarquia da Igreja e do clero como também dos católicos a eles ligados. O jornal teve como fundador Monsenhor José Gonçalves Ferreira, também reitor do Seminário São José, que era um tradicional estabelecimento de ensino religioso do Rio de Janeiro, destinado à formação teológica e filosófica de rapazes e à formação de sacerdotes, este tinha “por fim principal educar jovens que se dediquem ao estado eclesiástico, dando-lhes sólida educação literária, com a qual possam desempenhar as obrigações do ministério a que aspiram”[8]. Nele estudaram diversas personalidades da vida pública brasileira. Este esteve responsável pela edição do “Apóstolo”, supervisionando e preparando os editais até o ano de sua morte em 1883.

A folha tinha como proprietários Padre João Scaligero, Augusto Maravalho e José Alves Martins de Loreto e todos atuavam ativamente nos bastidores do jornal, seja escrevendo artigos ou na própria organização interna. Destaca-se ainda neste grupo a figura do jornalista Antônio Manuel Reis que era redator, sendo um dos que mais produzia artigos para o jornal e tesoureiro. Dentre seus colaboradores mais assíduos figuravam membros ilustres da sociedade brasileira, muitos deles representavam inclusive o grupo que Hugo Fragoso identifica como detentores do chamado “carisma ortodoxo” (FRAGOSO, 2008: 228). Estes seriam aqueles homens que apesar de viverem em uma época marcada pelo indiferentismo religioso e tolerância doutrinária, se colocavam em defesa da doutrina oficial da Igreja, sendo Autran de Albuquerque, senador pelo Estado de Pernambuco um destes exemplos. Autran que já foi aqui citado por ter sido redator do jornal pernambucano “O Cathólico”, era também professor da Faculdade de Direito do Recife chegando a ser considerado em seu tempo como o “mais versado” em ciências jurídicas no Brasil. Em suas colaborações tanto em “O Apóstolo” quanto em “O Cathólico” o senador deixa sua marca na imprensa católica brasileira: “nunca foi atacada no Brasil esta santa religião que a voz do Sr. conselheiro Autran ficasse muda” (FRAGOSO, 2008: 228).

Padre João Esberard e Pedro de Maria Lacerda também estavam entre os influentes colaboradores do jornal. Sendo este último, quando ordenado Bispo do Rio de Janeiro - D. Lacerda esteve a frente da Diocese do Rio de Janeiro de 1868 à 1890 - passou a utilizar-se do jornal como uma espécie de órgão oficial da diocese, tornando-o um dos maiores porta-vozes da política de romanização e do pensamento ultramontano no Brasil (ABREU, 1999:312). A participação de outros bispos do Brasil no jornal, também era comum. D. Emmanuel de Medeiros, bispo de Pernambuco, era um dos que se utilizava do espaço para dirigir suas mensagens para um número maior de fiéis. A criação deste jornal explícita uma tomada de consciência da importância da imprensa em um meio social que se abre aos problemas e as novas conjunturas de transição diante das quais a Igreja precisa tomar posição, e, sobretudo agir (LUSTOSA, 1983: 16).

Como ficou claro, atuavam no periódico, tanto membros da Igreja quanto leigos, e estes poderiam ser membros fixos ou não do jornal. A folha buscava uma maior integração entre ela e a população, e para isso estimulava a participação de seus leitores, por exemplo, por meio de cartas. Publicava-se inclusive nas edições do jornal, em local de destaque, que “a redação recebe qualquer artigo de interesse público religioso, sendo, porém publicado o que estiver concebido de acordo como programa deste periódico”[9]. O que além de estreitar as relações com o leitor, demonstra sua aceitação em diversos setores da sociedade, pois não era raro ver publicado artigos de leitores.

Seu primeiro número saiu às ruas em 07 de janeiro de 1866, como um “periódico religioso, moral e doutrinário, consagrado aos interesses da Religião e da sociedade”[10]. E este continua a publicar seus artigos por trinta e cinco anos, em diversos formatos, semanalmente aos domingos, exceto nos os anos de 1874 quando houve uma tentativa de publicá-lo diariamente e de 1875 à 1878 publicado três vezes por semana na maior parte do tempo, sendo um dos jornais eclesiásticos a ficar mais tempo em circulação, o que por si só já demonstra sua aceitação por parte da sociedade.

Nos primeiro anos a produção do jornal foi caracterizada pelo primarismo das técnicas de impressão, mas já na década de 1870 “O Apóstolo” atinge estabilidade entrando em uma fase de consolidação. Em geral, o a folha apresentava um editorial, comunicados diversos, traduções artigos especiais com ou sem assinaturas e anúncios católicos (ABREU, 1999:312-313); tais como festas, novenas, procissões, correntes de oração ou mesmo expedientes do bispado.

Quanto a sua manutenção financeira, o jornal durante seus editoriais afirmava que eram patrocinados em suas despesas por seus “leitores fiéis”, contudo alguns membros do próprio jornal também ajudavam a suprir as necessidades financeiras do mesmo, a exemplo de Monsenhor José Gonçalves Ferreira. O bispado do Rio de janeiro, durante a atuação de D. Lacerda, também pagava pela publicação de algumas propagandas e comunicados diversos.

Criado para ajudar a Igreja a realizar suas “aspirações na sociedade terrestre”[11], já em seu primeiro artigo, dizia ser “justo que o Apóstolo exiba sua razão de ser e o que se pretende nesta tribuna universal”[12], e completava colocando a si e seus colaboradores como “dedicados ao interesse do catolicismo, e sua marcha está por de mais traçada nesses princípios eternos e inabaláveis de seus dogmas, sua moral e sua disciplina”[13]. Alegava também não ser uma folha local, pois defendia o primeiro interesse geral dos povos, a religião (ABREU, 1999:312), assumindo para si a “missão de ensinar a boa doutrina, divulgar o movimento religioso no mundo” e “particularmente no Império, sustentar a ordem pública e a propriedade”[14], projetando suas funções para além do domínio religioso. Possui também um ideal próprio de progresso, que seria alcançado pelos governos somente se estes se mantivessem atentos a defesa da religião e da ação política combativa dos católicos, articulando junto a estes a ampla divulgação do ensino religioso. Muito mais do que o campo religioso, “O Apóstolo” visava a construção de uma cidadania católica brasileira.

Um de seus objetivos centrais era, assim como a maioria de seus congêneres, o combate a toda e qualquer doutrina de cunho liberal e outras teorias daí advindas. Segundo o levantamento feito por Martha Abreu, os artigos preocupados com a luta contra essas doutrinas ocupam um importante espaço em suas edições, disputando sempre com outros artigos ligados à relação entre Igreja e Estado a prioridade nas publicações. Outros temas constantes em suas folhas além dos já citados são o combate ao protestantismo e ao liberalismo, à necessidade de educação religiosa e ao futuro da mão-de-obra no país.

Para atingir tais objetivos o periódico cria algumas estratégias de ação, destacando-se principalmente duas delas, as quais já foram aqui citadas, no que se refere ao discurso produzido pelo mesmo, e estas serão aqui a base das considerações desenvolvidas. A primeira destas estratégias é a tentativa do jornal em criar uma noção de cidadania brasileira ligada à fé católica, onde a religião é colocada como fundamento básico para o florescimento do patriotismo, “Deus e a pátria eis os dois mais sublimes interesses para o homem de bem”[15]. Para desenvolver esta concepção, Monsenhor José Gonçalves Ferreira e seu grupo, primeiramente ressaltavam um passado compartilhado entre os brasileiros, uma nacionalidade comum. As leis, as tradições, a língua e, especialmente, a religião eram enfatizadas para destacar esta herança histórico-cultural.

Articulado a isto era feita uma cuidadosa identificação entre os aspectos positivos da história do Rio de Janeiro e do Brasil com o catolicismo, como por exemplo, a associação da fundação da cidade do Rio de Janeiro ao martírio de Estácio de Sá e ao padroeiro São Sebastião (ABREU, 1994: 183-205). Neste ponto o jornal tendia também a exaltar festas e comemorações nacionais, pois segundo estes elas seriam “épocas de uma nação despertar no povo os sentimentos de patriotismo e honra nacional”, principalmente quando estas eram de origem religiosa, neste caso então seriam também “um serviço importante prestado à pátria, as letras e a religião”[16].

Desenvolvida conjuntamente à exaltação desta “cidadania católica brasileira” estavam às críticas veementes do periódico às fortes influências das culturas estrangeiras, principalmente as européias, na sociedade brasileira. De acordo com “O Apóstolo”, uma considerável parte da população insistia em “macaquear a Europa em tudo, inclusive em seus erros” (ABREU, 1999:313); e estes “traziam consigo o germe da desordem e da divisão de nossa nacionalidade”[17], atacando principalmente as ideologias liberais e a adesão ao protestantismo, complementavam ainda afirmando que “temos sacrificado ao estrangeiro nossos costumes, tradição, hábitos, leis e religião. Somos tudo menos brasileiros!”[18].

Contudo, ao mesmo tempo em que se colocavam completamente contrários as influências externas eram acusados de recebê-las diretamente através da figura papal. Para tentarem sair desta aparente contradição, os ultramontanos de “O Apóstolo” defendiam que sua subserviência estava atrelada não a Roma ou qualquer outro território, a influência exercida pelo Papa era uma influência espiritual, logo não poderia ser enquadrada como uma nacionalidade específica.

Nada era fácil na missão de “O Apóstolo”. Seguindo as diretrizes de uma autoridade estrangeira, procurava legitimar-se nacionalmente, fundindo o catolicismo com a própria identidade brasileira. Ao mesmo tempo, valorizava esta identidade a ponto de elevá-la ao patamar de maiores nações do mundo, mas que, aos olhos vistos não eram católicas. (ABREU, 1999:314).

A segunda estratégia, que já foi citada anteriormente, era a construção de uma concepção de progresso, civilização e ordem que fossem coerentes aos princípios do catolicismo romano. Era divulgada a idéia de ordem católica em oposição à desordem protestante e estrangeira, mostrando que o catolicismo além de ser uma base de valores e moral essencial para a sociedade, era fonte de progresso e civilização (ROMANO, 1979: 110). A própria estabilidade política do império era associada à religião. Tentavam convencer que o atraso do Império brasileiro longe de ser ocasionado por sua oficialidade devido ao padroado, era fruto dos gabinetes anticatólicos que nos últimos anos haviam se mantido no poder[19], para isso também demonstravam a importância da religião em alguns países conceituados por estes como desenvolvidos.

Os católicos eram chamados pela folha a se unirem em prol deste progresso católico, e estes deveriam estar conscientes da necessidade de votarem corretamente em políticos que defendam a Igreja Católica Romana (ABREU, 1999: 314); principalmente caso a criação de uma forte associação ou um partido político católico não se concretizasse.[20]. De qualquer forma é certo que “O Apóstolo” ao assumir-se como defensor da religião, da sociedade e da pátria levou muito longe as idéias básicas dos reformadores católicos romanizantes (ABREU, 1994: 183-205).

Quanto a recepção do público e sua penetração na população dos ideais defendidos pelo “Apóstolo”, existem inúmeras dificuldades a serem enfrentadas para a realização de uma crítica mais minuciosa, Martha Abreu em seu livro “O Império do Divino”, já havia alertado sobre os possíveis percalços ligados a este objeto, principalmente quando esta se refere a esferas mais abstratas, como, por exemplo, ao que se refere a força e ao grau de penetração das idéias e perspectivas exibidas pelo jornal em seus editoriais. Uma amostra deste problema pode ser constatada ao tentarmos encontrar informações sobre o número de exemplares de “O Apóstolo” divulgados pela cidade e pelo país. Contudo, devido à importância deste jornal no Rio de Janeiro, e sendo este a Côrte, o que lhe proporcionou uma maior visibilidade nacional e um local de destaque entre seus pares, faz com que esta análise não seja de toda invalidada. Podemos com cautela chegar a algumas constatações.

A primeira delas pode ser constatada ao observarmos sua longevidade. “O Apóstolo” foi um dos representantes da chamada imprensa católica a ficar mais tempo em circulação, e mesmo quando comparado as folhas leigas sua marca se destaca, mesmo porque, apesar de neste período terem sido criados muitos jornais a efemeridade era a marca da maioria. Foram trinta e cinco anos ininterruptos, e este fato se mostra ainda mais significativo quando se é levado em consideração os diversos processos e agitações quais presenciou e interferiu. O Brasil deste período foi palco de inúmeras transformações seja ele de domínio regional ou nacional como o crescimento urbano, a penetração do positivismo entre as elites intelectuais, a abolição da escravidão e a própria Questão Religiosa, além do desgaste do governo imperial e a Proclamação da República. Fica claro desta forma que o periódico encontrava receptividade e apoio de parte da população, fato já comentado anteriormente. Pois seria praticamente impossível, pensar na “sobrevivência” de um jornal no exercício de sua “árdua tarefa”[21], por tanto tempo, sem que este venha a receber algum tipo de estímulo e colaboração de seus leitores, ainda mais quando este tem forte orientação doutrinária.

Deve-se salientar também que “O Apóstolo” possuía assinantes fixos de seus exemplares e apesar de não se poder fazer um levantamento exato sobre a quantidade e proporção destes leitores podemos dizer que este fato é bastante significativo. Para isso é preciso que se leve em conta que ser assinante de uma publicação nesta época é, com efeito, um ato de opinião (MOREL, 2003: 34). O ato de se constituir assinante de um periódico, numa sociedade que algumas décadas atrás não possuía imprensa regular, tinha o peso de uma opção política.

Outro indício de “O Apóstolo” possuir um apoio significativo de suas idéias vem do fato deste ter uma expressiva penetração em diversas regiões do país, onde mantinham agentes e correspondentes, revelando certa articulação nacional (LUSTOSA, 1983: 16). E mesmo que não se possa dizer ao certo a receptividade da opinião pública católica, o fato do jornal ter conseguido manter uma defesa entusiasmada em seus editoriais de uma determinada perspectiva do pensamento católico – a folha seguiu sempre a mesma linha editorial continuamente combativa e dogmática – mesmo sofrendo fortes ataques por parte da imprensa leiga e anticlerical, em um ambiente onde são “múltiplas as contrariedades que pesam sobre as publicações religiosas”[22], o que nos faz supor um substancial apoio de seus “fiéis leitores”.

Não foi possível, entretanto, determinar maiores informações sobre o perfil destes leitores, contudo podemos supor a participação de alguns setores da sociedade. Primeiramente devido ao seu caráter confessional, “O Apóstolo” deve ter tido boa aceitação pelo meio eclesiástico, até porque o jornal seguia as mesmas determinações da própria Sé Romana, podemos ainda tornar esta aceitação ainda mais significativa se utilizarmos o perfil traçado por Marco Morel e Mariana Monteiro em seu livro “Palavra, imagem e poder” sobre o público leitor brasileiro no século XIX. De acordo com esta pesquisa, o clero formava uma das bases sociais da opinião pública, tendo uma margem de participação expressiva com cerca de 15% do total, ficando atrás somente dos militares e comerciantes que possuíam respectivamente 22% e 35%. O ultramontanismo foi aderido por políticos, professores e até mesmo por profissionais liberais mais atrelados a uma linha tradicional, e também que existia uma reticência entre as gerações mais velhas em aderir às propostas de modernização do Estado ligadas as ideologias liberais. Acreditamos, que dentro deste grupo bastante diversificado, se é que podemos classificá-los assim, o jornal também tenha encontrado aceitação.

Cabe-nos aqui uma última colocação, existia obviamente, um forte movimento que englobava principalmente, mas não somente, as elites intelectualizadas e os setores médios da sociedade brasileira que assumiam uma postura cada vez mais secularizada e liberal, no entanto, como também já foi dito, existiam defensores e adeptos leigos do catolicismo ultramontano de “O Apóstolo” em vários âmbitos da sociedade, mesmo nos ambientes mais intelectualizados, embora em muitos casos a bibliografia consultada sustente a fraqueza tanto da corrente de pensamento, como da posição política tradicionalista (ABREU, 1999:322).

É preciso neste sentido de uma nova avaliação do que é ser católico neste momento. Como explícito por Jacques Lafaye, as definições sobre ser católico dependem, fundamentalmente da consciência de seus próprios adeptos (AZEVEDO, 1955: 50), estando esta questão muito além de qualquer poder institucionalizado, corrente de opinião ou decisão oficial. Desta forma considero aceitável que a presença de defensores do catolicismo, espalhados pela sociedade brasileira auxiliem na explicação para que entendamos as dificuldades em se desenvolver uma mudança efetiva no regime imperial, onde o catolicismo ainda era colocado como “o cimento do edifício social”[23].

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Martha. “Festas Religiosas No Rio de Janeiro, Perspectivas de Controle e Tolerância No Século XIX”. Revista Estudos Históricos, Fundação Getúlio Vargas, Rio d, v. 7, n. 14, p. 183-205, 1994.

______. “O Império do Divino: festas religiosas e no Rio cultura popular de Janeiro 1830/1900” – Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo Fapesp, 1999.

AZEVEDO, Thales. “O catolicismo no Brasil: um campo da história social”. Ministério da Educação, Rio de Janeiro – 1955.

BARBOSA, Marialva. “Os Donos do Rio – Imprensa, Poder e Público”. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2000.

BARROS, Roque Spencer de. “Vida Religiosa”. In “História Geral da Civilização Brasileira - Brasil Monárquico - Tomo II Vol 6 – Declínio e queda do Império”. Org. Sérgio Buarque de Hollanda. Editora Difel. Rio de Janeiro- 2004.

DILLMANN, Mauro. “Progresso e Civilização à luz ultramontana: jornais católicos no sul do Brasil” - Porto Alegre, século XIX. Histórica. Revista On-line do Arquivo Público do Estado (São Paulo), v. 15, p. 12, 2006.

FRAGOSO, Hugo. “A Igreja na Formação do Estado Liberal”. In: “História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo: segunda época – Século XIX”. Editora Vozes; Petrópolis, RJ – 2008. p. 144.

LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. “Os bispos do Brasil e a imprensa”. São Paulo, Edições Loyola, 1983.

MATTOSO, Kátia. “Bahia, século XIX. Uma província no Império”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

MOREL, Marco. BARROS, Mariana monteiro de. “Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX”. DP&A, Rio de Janeiro – 2003.

ROMANO, Roberto. “Brasil: Igreja contra Estado”. São Paulo: Kairós, 1979.

FONTES

Fonte: Jornal “O Apóstolo: periódico religioso, moral e doutrinário, consagrado aos interesses da Religião e da sociedade”. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Typhografia Nicolau Lobo Vianna e Filhos, 1866-1901.

Localização: Biblioteca Nacional, microfilme positivo, código PR SOR 00830 [1-19].

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[1] Todas as edições conservadas de “O Apóstolo” encontram-se disponíveis a consulta na Biblioteca Nacional em microfilme positivo

[2] Pio IX nasceu em Senigallia, na importante família dos Mastafai Ferretti, em 1792; despois de ter completado os estudos, em 1819 tornou-se sacerdote; em 1823-1825 foi delegado apostólico no Chile e no Peru; depois de ter desempenhado algumas funções em Roma, 1827 foi nomeado bispo de Spoleto. Transferido para Ímola em 1833, tornou-se cardeal em 1840 e papa em 1846.

[3] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866.

[4] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866.

[5] “O Apóstolo” de 14 de janeiro de 1866.

[6] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866.

[7] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866.

[8] “O Apóstolo de 11 de fevereiro de 1866.

[9] Este anúncio consta na maioria dos números publicados, principalmente nos anos que seguintes à sua fundação.

[10] Seu título completo era “O Apóstolo: periódico religioso, moral e doutrinário, consagrado aos interesses da Religião e da sociedade”.

[11] “O Apóstolo” de 04 de Janeiro de 1884.

[12] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866.

[13] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866

[14] “O Apóstolo” de 04 de janeiro de 1880.

[15] “O Apóstolo” de 25 de fevereiro de 1866.

[16] “O Apóstolo” de 20 de janeiro de 1867.

[17] Estas criticas podem ser encontradas nas edições do “Apóstolo” nos dias 20 de janeiro de 1886; 07 de julho de 1887; 20, 23, 27 e 30 de novembro de 1887 e 07 e 24 de outubro de 1888.

[18] “O Apóstolo” de 03 de março de 1886.

[19] “O Apóstolo” de 01 de setembro de 1872.

[20] “O Apóstolo de 01 e 15 de setembro de 1872; 05 de outubro e 05 de dezembro de 1888.

[21] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866.

[22] “O Apóstolo” de 07 de janeiro de 1866.

[23] “O Apóstolo” de 12 de janeiro de 1870.

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