XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação ...

[Pages:14]Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

O Jornalismo Liter?rio e a M?dia Sonora: estudo sobre o programa Conte Sua Hist?ria de S?o Paulo, da R?dio CBN1

Monica Martinez UniFIAMFAAM/ABJL, S?o Paulo, SP

Resumo

Este artigo aborda a quest?o do Jornalismo Liter?rio na m?dia sonora. O corpo da pesquisa consiste em 52 hist?rias de ouvintes-internautas exibidas no ano de 2009 no quadro Conte Sua Hist?ria de S?o Paulo. Este programete ? transmitido aos s?bados, ao redor das 10h30, no programa CBN S?o Paulo, da Rede CBN, que tem como ?ncora o jornalista ga?cho Milton Jung. Do ponto de vista te?rico, a autora revisa a literatura mais empregada sobre Jornalismo Liter?rio, estabelecendo uma proposta conceitual unificada e atualizada. A an?lise dos quadros apresenta ocorr?ncia de elementos da modalidade, com o predom?nio dos g?neros mem?ria e ensaio pessoal. E aponta o grande potencial do r?dio, no contexto da converg?ncia contempor?nea das m?dias, como um carreador de narrativas aprofundadas.

Palavras-chave

Jornalismo Liter?rio; M?dia Sonora; R?dio CBN; Programa Conte sua Hist?ria de S?o Paulo; Milton Jung.

A radiodifus?o dissemina-se no mundo nas duas primeiras d?cadas do s?culo 20. A primeira experi?ncia p?blica, feita no Brasil, registrada na edi??o de 10/6/1900 do di?rio carioca Jornal do Com?rcio, relata a experi?ncia realizada uma semana antes pelo padre ga?cho Roberto Landell de Moura (1861-1928), que fez o som da voz humana, sem o aux?lio de fios, atravessar a dist?ncia de oito quil?metros, da Avenida Paulista ? Santana, em S?o Paulo (Ferrareto, 2000:83).

A R?dio Sociedade do Rio de Janeiro, de 1923, ? considerada a primeira emissora regular e seu fundador, o m?dico brasileiro Edgard Roquette-Pinto, o pai da radiodifus?o brasileira. O per?odo que se estende at? os anos 1960 ? considerado a ?poca de ouro desta m?dia. Nesta fase, as transmiss?es, sempre ao vivo, contemplavam programa??o voltada ao entretenimento, na qual predominavam programas de audit?rio, radionovelas e humor?sticos, bem como esportes (idem, 2000:112). Ainda segundo Ferrareto, docente da Universidade de Caxias do Sul (RS), o radiojornalismo cresce ? medida que o pa?s entra na Segunda Guerra Mundial. "O ve?culo adquire, desta forma, audi?ncia massiva, tornando-se no in?cio dos anos 50, principalmente por meio da (r?dio) Nacional, a primeira express?o das ind?strias culturais no Brasil". (ibidem:113).

Gisela Swetlana Ortriwano, docente de Radiojornalismo na Escola de Comunica??es e Artes da Universidade de S?o Paulo falecida em 2003, aponta oito caracter?sticas do r?dio: 1) linguagem oral: "para receber a mensagem, ? apenas necess?rio ouvir"; 2) penetra??o: alcan?a os pontos mais remotos; 3) mobilidade: do emissor, que transmite as informa??es mais rapidamente do que a televis?o e do receptor, pois o ouvinte est? livre de fios e tomadas, podendo ouvi-lo de qualquer

1 Trabalho apresentado no GP Teorias do Jornalismo, X Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunica??o, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o.

1

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

c?modo da casa ou mesmo fora dela; 4) baixo custo: os aparelhos receptores s?o bastante acess?veis em rela??o ?s demais m?dias; 5) imediatismo: relacionado ao item 3, os fatos podem ser transmitidos com rapidez; 6) sensorialidade: "o r?dio envolve o ouvinte, fazendo-o participar por meio da cria??o de um `di?logo mental' com o emissor"; e 7) autonomia: tamb?m relacionado ao item 3, a pessoa pode receber a mensagem em qualquer lugar que esteja (Ortriwano, 1985: 79-81).

Destas sete caracter?sticas, destacamos a sensorialidade, como Ortriwano a define, uma vez que neste ve?culo a recria??o do fato se d? por meio dos sons do emissor e da imagina??o do receptor. Em outros meios, como a televis?o e as m?dias impressa e digital, a imagina??o seria limitada pela presen?a de imagens. Segundo a autora, no r?dio a imagina??o ? ativada "atrav?s da emocionalidade das palavras e dos recursos da sonoplastia, permitindo que as mensagens tenham nuances individuais, de acordo com as expectativas de cada um (idem: 80).

O dramaturgo alem?o Werner Klippert tamb?m destaca a import?ncia da locu??o e da sonoplastia, identificando tr?s elementos constitutivos da pe?a radiof?nica: a palavra, o ru?do e a t?cnica. "A t?cnica da radiodifus?o extraiu a voz do mundo dos cinco sentidos e a fez penetrar num espa?o referencial ac?stico, de um s? sentido, estruturado temporalmente. Este espa?o pode ser preenchido pela voz de forma integral, num "primeiro plano", ou pode ser verificado mediante a inclus?o de outras vozes ou outros elementos ac?sticos" (Klippert, 2005:179). "O mundo, portanto, deve tornar-se voz (idem, 2005:176), numa rela??o com o conceito defendido pelo jornalista alem?o especializado em m?sica Joachim-Ernst Berendt (1922-2000), autor de Nada Brahma, para quem o mundo ? som (Berendt, 1993).

A CBN e o r?dio all news No ?mbito do radiojornalismo, um modelo interessante ? o da r?dio all news

CBN (Central Brasileira de Not?cias). Inaugurada em 1?. de outubro de 1991, ela foi inspirada na CNN, rede de televis?o a cabo estadunidense fundada pelo empres?rio Ted Turner em 1980 com a proposta de manter 24 horas de programa??o jornal?stica no ar. A busca do modelo, por?m, come?ou antes. J? na d?cada de 1980 a fam?lia Marinho resolveu investir no Sistema Globo de R?dio (SGR). De acordo com Jos? Roberto Marinho, vice-presidente das Organiza??es Globo, a R?dio Jornal do Brasil n?o era uma emissora com destaque em radiojornalismo como as paulistas Globo, Bandeirantes, Jovem Pan e Eldorado AM. "Eu reconhecia o potencial daquele nicho e me ressentia porque a pra?a do Rio de Janeiro n?o tinha nada semelhante". (Marinho, 2006: 16).

O modelo foi bem sucedido, contando hoje com quatro emissoras pr?prias (S?o Paulo, Rio de Janeiro, Bras?lia e Belo Horizonte) e 24 afiliadas2. Para tal, re?ne aproximadamente 200 profissionais, entre rep?rteres, produtores, editores, ?ncoras e comentaristas envolvidos no preparo da programa??o focada no estrato social A e B. Em novembro de 1995, outra inova??o: a emissora de S?o Paulo, que operava em AM, passou a replicar sua programa??o tamb?m em FM, ideia defendida pelo ?ncora Her?doto Barbeiro. Essa estrat?gia hoje ? respons?vel pelo maior n?mero de ouvintes (80% contra 20% da audi?ncia AM), muitos deles presos no ca?tico tr?nsito paulistano.

Desde sua funda??o, a figura do ?ncora ? marcante na r?dio CBN. O historiador e jornalista Her?doto Barbeiro, ?ncora do Jornal da CBN (segunda a sexta-feira, das 6h ?s 9h30, finais de semana das 6h ?s 9h), explica que: "O jornalismo interpretativo desenvolvido pelos ?ncoras amarra, explica e conduz o desenvolvimento do assunto.

2 Dado fornecido por Mariza Tavares, diretora executiva da Rede CBN, em palestra ministrada na UniFIAMFAAM em 5/5/2010.

2

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

Raramente opinavam e opinam explicitamente. A fun??o de opinar cabe aos comentaristas, que mant?m colunas que v?o da pol?tica aos esportes, da economia ao mercado musical."(Barbeiro, 2006: 38). De toda forma, ? ineg?vel que a personalidade dos ?ncoras imprime uma marca pessoal not?vel na condu??o dos programas, como a de um maestro regendo uma orquestra ? o que, ali?s, garante um sabor ?nico ? cada programa. O pr?prio Jornal da Manh?, ancorado por Barbeiro, traz como marcas o lastro em hist?ria, a consci?ncia cidad?, ironia na justa medida e o olho vivo nos campeonatos de futebol, com as l?dicas interven??es com os demais membros da equipe (Barbeiro ? declarada e apaixonadamente corintiano).

O programa seguinte, local, ? chamado CBN S?o Paulo e vai ao ar em dias ?teis das 9h30 ?s 12h e aos s?bados, das 10h ?s 12h. Desde 2000, ele tem como ?ncora o jornalista ga?cho Milton Jung, ali?s Milton Ferreti Jung J?nior. A exposi??o, entre outros motivos, o leva a ter p?gina na enciclop?dia livre Wikepedia, pela qual ficamos sabendo que Jung ? filho de um conhecido radiojornalista ga?cho, Milton Ferretti Jung. Nascido em 19633, Milton Jung formou-se na PUC do Rio Grande do Sul e come?ou na carreira jornal?stica na mesma r?dio que o pai trabalhava, a Gua?ba, tendo atuado como rep?rter no jornal Correio do Povo, na R?dio Ga?cha e na emissora de televis?o SBT.

Jung chegou a S?o Paulo em 1991, aos 26 anos, como rep?rter na Rede Globo de Televis?o, onde ficou dois anos. Em 1992, transferiu-se para a TV Cultura, onde apresentou os telejornais 60 Minutos e Jornal da Cultura por sete anos, quando, em 1999, passou a integrar os quadros da Rede TV!, a extinta TV Manchete. Ficou por dois anos, at? 2001. Entre 2004 e 2005, apresentou o Jornal do Terra, do portal hom?nimo.

O programa Conte sua Hist?ria de S?o Paulo O nome do programa define grandemente seu conte?do: "Durante duas horas e

meia, de segunda a s?bado, o CBN S?o Paulo conta hist?rias da nossa cidade, muitas protagonizadas pelo ouvinte-internauta, essa figura que surgiu pouco antes da despedida do s?culo 20" (Jung, 2006: 13). O profundo interesse nas mem?rias da cidade culmina em 2006 com a cria??o do quadro4 Conte sua Hist?ria de S?o Paulo, uma homenagem aos 452 anos da cidade.

Jung conta que somente depois de propor a ideia do quadro ? diretora executiva da Rede CBN, Mariza Tavares, tomou conhecimento do livro Achei Que Meu Pai Fosse Deus ? e outras hist?rias da vida americana, do escritor Paul Auster, publicado no Brasil um ano antes, em 2005, pela editora paulistana Companhia das Letras. A obra cont?m a trajet?ria do National Story Project, cujo embri?o foi uma entrevista que o autor concedeu ao programa Weekend All Things Considered, da National Public Radio (NPR). Ao t?rmino, Auster foi convidado a fazer um programa mensal nessa rede de emissoras p?blicas de r?dio dos Estados Unidos.

O romancista n?o estava disposto a aceitar o convite, alegando falta de tempo. No entanto, sua esposa, a cr?tica de arte Siri Hustvedt, sugeriu ao marido que, em vez de ele escrever as hist?rias, talvez pudesse pedir aos ouvintes que mandassem as deles por carta ou e-mail. Ao escritor caberia a sele??o ? para ele, uma boa hist?ria deveria ser surpreendente, inesperada, real sim, mas t?o improv?vel que parecesse fic??o ?, a leve reescrita, se necess?rio, e a leitura no ar. A ideia vingou e o National Story Project foi conduzido por Auster por tr?s anos (1999 a 2001), sempre no primeiro s?bado de cada

3 Dois dados da Wikepedia foram corrigidos a partir de entrevista realizada com o jornalista em 7/4/2010. O ano correto de nascimento e os anos que o profissional trabalhou na Rede Globo. 4 Embora na CBN o formato deste programa curto seja chamado de quadro, denomina??o compartilhada com a televis?o, h? autores que o definem de outras formas: "O formato de um programa de curta dura??o, que em m?dia dura entre um e tr?s minutos, ? chamado de programete, p?lula, dropes, boletim, entre outros" (...). (Prado, 2006: 67).

3

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

m?s. Em um ano, o romancista recebeu mais de 4 mil hist?rias de diversos tipos, dos relatos l?dicos aos dram?ticos, material selecionado para o livro (Auster, 2005). Os textos e os ?udios do programa ainda podem ser acessados na internet por meio do link .

No caso do programa brasileiro, Conte sua Hist?ria de S?o Paulo, apenas a internet foi utilizada para que esse material chegasse ? reda??o. "Um endere?o de e-mail foi criado (contesuahistoria@.br) e imaginei que receber?amos textos reproduzindo os fatos que est?o publicados na literatura de S?o Paulo" (Jung, 2006: 14). Por?m a abertura do canal tocou no imagin?rio e nas mem?rias relacionadas ? cidade: "Sabia, tamb?m, que seria a oportunidade de reunir relatos de lendas transmitidas de uma gera??o a outra, segredos guardados em documentos de fam?lia e acontecimentos inusitados". (idem).

O jornalista ficou surpreso com o material que passou a receber. "As primeiras mensagens sinalizavam que os autores n?o apenas haviam captado esta inten??o como queriam percorrer um caminho pr?prio" (Jung, 2006: 14/15).

Qual caminho seria este? Na avalia??o do jornalista, uma trilha bem criativa:

Perspicazes, entenderam que o quintal da casa poderia ser a s?ntese da cidade, o mendigo que brincava com os meninos revelaria uma das faces de S?o Paulo, o comportamento do motorista teria valor antropol?gico e o sorvete da crian?a se transformaria em marco de uma ?poca. Das hist?rias mais simples que eram transmitidas surgiam novas: hoje se falava da menina mo?a que cruzava a pra?a de cal?a comprida, amanh? se iria escrever sobre o vento que balan?ava o vestido e movia os desejos adolescentes de um grupo de estudantes. E as duas motivavam uma terceira contando o fasc?nio que morar e estudar na capital provocavam. (Jung, 2006: 15)

O quadro, que inicialmente teria dura??o de duas semanas, acabou cativando espa?o fixo na programa??o at? hoje, em 2010. Cento e dez hist?rias do primeiro ano foram, ao longo de seis meses, organizadas pelo jornalista, que publicou em 2006 o livro Conte sua Hist?ria de S?o Paulo pela editora Globo. Nela, o jornalista confirma que a obra foi inspirada na de Paul Auster (Jung, 2006: 16).

As colabora??es dos ouvintes-internautas brasileiros tinham formato livre:

Em nenhum momento se imp?s um modelo ?s hist?rias, nem mesmo houve limite de linhas, que no r?dio se traduzem em tempo. Uns se resumiam a um par?grafo, outros se estenderam a v?rias laudas. Houve quem se esmerou na forma e no conte?do; quem apenas se preocupou em descrever uma situa??o, sem compromisso com a linguagem e o estilo; quem reproduziu textos antigos, quem encaminhou livros de sua autoria; algumas fotografias chegaram anexadas e ajudaram a construir a cena. (Jung, 2006: 16).

Como veremos adiante na an?lise, o jornalista reconhece o papel fundamental que a locu??o e a sonoriza??o t?m no quadro, uma vez que ele est? mais pr?ximo da estrutura do conto no ?mbito da literatura ou da pe?a radiof?nica (com o planejamento dos efeitos sonoros em paralelo ? constru??o da hist?ria5) do que do radiojornalismo.

O recorte e a coleta de dados Esta an?lise compreende os 52 programas que foram ao ar no ano de 2009. A

coleta do material foi feita em duas fases. Na primeira fase, realizada em janeiro de 2010, foi feito o download dos 39 programas dispon?veis no blog do jornalista, que foram salvos em formato MP3 com o programa Adobe Audition (o arquivo dispon?vel, em formato WMA, permite apenas a audi??o por meio do Windows Media Player, mas

5 Ver McLeish, Robert.

4

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

n?o a opera??o de salv?-lo como ocorre nos ?udios do programa da National Public Radio). Os ?udios dos 13 programas n?o disponibilizados no blog foram gentilmente fornecidos pelo jornalista em um CD em mar?o de 2010, sendo que quatro deles tamb?m com a vers?o em texto.

Conv?m ressaltar que o blog n?o ? impec?vel, uma vez que apresenta os conte?dos de forma irregular: n?o h? regularidade de lan?amento de conte?do (nem todos est?o presentes) nem dia certo de postagem. Contudo, ressaltam-se as evolu??es realizadas ao longo do per?odo. No primeiro programa de 2009 disponibilizado no blog, por exemplo, de 26 de janeiro (uma segunda-feira), que apresenta depoimento do escritor Ferr?z, n?o h? vers?o de texto nem cr?dito do sonorizador, importantes contribui??es que foram agregadas ao longo do tempo (Jung; Ferrez, 2010).

O programa seguinte, de 31 de janeiro (disponibilizado no pr?prio s?bado) ? um depoimento-homenagem ao jornaleiro Baruel feito pela filha dele, Antonia Centrone, gravado no est?dio da r?dio CBN montado no sagu?o do Teatro Eva Herz em homenagem aos 455 anos da cidade de S?o Paulo (Jung; Centrone, 2010). Ele j? apresenta no blog o convite para que outros ouvintes contribuam com novas hist?rias: "Voc? pode enviar sua hist?ria em texto ou ?udio para o endere?o eletr?nico contesuahistoria@.br".

O programa conta com a imagem da ouvinte, Antonia Centrone, que caracterizar? 2010, quando parceria feita com o Museu da Pessoa inaugura nova fase do programa, uma vez que a equipe do museu passa a ser respons?vel pela sele??o e grava??o dos ?udios na voz do ouvinte. Mas, em 2009, n?o s?o todas as hist?rias ilustradas (apenas 39,5%), em geral com imagens captadas no sistema de compartilhamento de fotografias Flickr. No conte?do disponibilizado em 21/4/2009, uma ter?a-feira, a hist?ria O Rolex de Meu Pai, h? uma chamada "Veja mais fotos como essa no ?lbum de Alexander Kruel, no Flickr", mas a inser??o n?o ? feita em todos os casos em que aparecem fotografias (Jung; Soderi, 2010).

No quesito texto, embora desde janeiro haja o convite para que os ouvintes contribuam com texto ou ?udios, somente em 2 de maio (um s?bado), com a hist?ria O Leiteiro e a Vacaria, o texto come?a a ser apresentado na ?ntegra, embora inicialmente dividido em partes, na prov?vel premissa de que os hiperlinks facilitariam a leitura. O mesmo programa traz outra inova??o do blog: o ouvinte passa a ser identificado com destaque no in?cio, ap?s o t?tulo, marcadores e tags, tendo sua import?ncia ressaltada:

Por Antonio Quadrado Ouvinte-internauta do CBN SP

Pode parecer pouco, contudo este detalhe revela uma diferen?a fundamental entre o depoente na perspectiva da hist?ria oral, que ? considerado o autor da narrativa (Meihy, 1998) e o jornalismo, no qual o profissional ? respons?vel pela hist?ria (Martinez, 2008: 24-25).

O programa seguinte, O Penico, disponibilizado em 15/5/2009 (uma sexta-feira), j? traz a vers?o de texto na ?ntegra em um ?nico bloco, agora sim facilitando a leitura e, sobretudo, o arquivamento. A autora, Suely Aparecida Schraner, foi a ouvinteinternauta mais fiel ao longo de 2009. Quatro hist?rias dela (O Penico, O sorriso da alma, O Fusca e Transporte6) foram selecionadas pelo programa.

Diferentemente da fase atual, 2010, com a coleta de textos e ?udios feita pelo Museu da Pessoa, em 2009 a maioria das hist?rias (96%) foi enviada por an?nimos. As

6 Esta ?ltima n?o est? dispon?vel no blog do jornalista.

5

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

duas exce??es s?o a primeira hist?ria do ano, na verdade uma entrevista com o escritor Ferr?z, j? citada, e um depoimento enviado pelo cantor e compositor Guarabyra, da dupla S? & Guarabyra, lido por Jung em 23/5/2009. A dupla fez sucesso nas d?cadas de 1970 e, sobretudo, 1980 com can??es como Dona e Espanhola. Tratava-se, na verdade, de uma homenagem ao ex-parceiro musical Z? Rodrix, falecido em 22 de maio de 2009.

Enviada por Guarabyra, a charge de Erico San Juan dos cantores e compositores cariocas S? (Lu?s Carlos Pereira de S?), Z? Rodrix (Jos? Rodrigues Trindade) e do baiano Guarabyra (Guttemberg Nery Guarabyra Filho) foi a ?nica contribui??o de ilustra??o encaminhada por ouvintesinternautas em 2009.

Outra inova??o levar? tr?s meses para ser adotada. Em 15/8/2009, com a hist?ria Nariz de Palha?o, do ouvinte Tony Marlon, o blog passa a registrar o merecido cr?dito ao respons?vel pela sonoriza??o, Cl?udio Ant?nio (embora o cr?dito j? fosse ao ar na vers?o em ?udio, de forma regular, desde 21/4, e que outros sonorizadores tenham participado no in?cio do ano). O registro ? muito importante no caso brasileiro. Enquanto na vers?o americana h? apenas a intera??o entre o ouvinte e o escritor Paul Auster, no caso brasileiro as hist?rias s?o uma constru??o baseada em um criativo trip?: o ouvinte-internauta, o jornalista e o sonorizador.

Na mesma edi??o de 15/8 h? outro avan?o: ao p? da hist?ria aparece a informa??o: Voc? pode participar do Conte Sua Hist?ria de S?o Paulo enviando texto ou arquivo de ?udio para contesuahistoria@.br. O programa vai ao ar s?bados, ?s 10 e meia da manh?, no CBN SP. O que n?o deixa de ser totalmente verdade, uma vez que o quadro n?o ? inserido religiosamente no hor?rio indicado, como acontece com outros exemplos da casa, como o Momento do Brinde, de Renato Machado, que vai ao ar no fim do programa CBN Brasil, ao redor das 14h em dias ?teis. Na entrevista realizada em 7/4/2010, o jornalista explica que essa flexibilidade deve-se ao fato de n?o haver patrocinadores do quadro.

Nota-se, portanto, um empecilho para o ouvinte que deseja escutar apenas o quadro, uma vez que ele pode ficar obrigado a acompanhar entrevistas e discuss?es na qual n?o tem necessariamente interesse. Nesse sentido, quebra-se um dos elementos radiof?nicos mais importantes, a sincronia (Menezes, 2007), ritmo que cria sentidos, organiza e serve de guia temporal/espacial para o ouvinte imerso no caos e nos m?ltiplos tempos tipicamente urbanos.

A quest?o da interatividade Um ponto fundamental da m?dia digital ? a interatividade, ou seja, a

possibilidade de o ouvinte-internauta dar sua opini?o ou fazer contribui??es ? narrativa. A maior bronca dada por um ouvinte, por exemplo, teve como alvo a hist?ria Namorar no Tr?nsito, de J?lio Salles, que registra as divaga??es do ouvinte ao se deparar com mo?as bonitas ao volante enquanto dirigia pela cidade. O indignado coment?rio de Afonso Savaglia7:

7 Os coment?rios est?o na ?ntegra, como aparecem no blog, n?o tendo sido editados.

6

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

Voc? deveria era prestar aten??o no tr?nsito! Por causa de motoristas que deixam de prestar aten??o no tr?fego, ciclistas e outros ve?culos mais r?pidos que autom?veis sofrem ser?ssimas consequ?ncias. Moral da hist?ria: "Ficou sem a mina, s? foi prestar aten??o no tr?fego depois que a mina se mandou. Aposto que se vc tivesse o n?mero do celular dela, ligaria de dentro do caro mesmo (que ? proibido), e provavelmente aumentaria sua chance de causar um acidente devido sua falta de aten??o!" Carro MATA! Tr?nsito tamb?m! Pe?o por gentileza que preste aten??o quando estiver conduzindo um ve?culo que pode matar um inocente! Reveja seus conceitos (Jung; Salles, 2009).

No entanto, este foi o ?nico "pux?o de orelha" a um ouvinte-internauta entre os 86 coment?rios feitos no per?odo, embora haja tr?s outros questionando pol?ticas p?blicas, um deles explicitando a decep??o com o governou federal (gest?o Luis Lula In?cio da Silva) e, outro, o governo municipal paulistano (gest?o Gilberto Kassab).

Das 39 hist?rias de 2009 liberadas no blog, notou-se uma m?dia de 2 coment?rios por hist?ria. M?dia, uma vez que as seis hist?rias que mais incitaram a participa??o dos ouvintes-internautas foram:

1. 11 coment?rios: Chiove, de S?rgio Mendes, postada em 7 de setembro. 2. 7 coment?rios: O Penico, de Suely Schraner, postada em 15 de maio. 3. 7 coment?rios: Meu Brooklin, de Jos? Manuel Casc?o Costa, postada em 5/10.

A hist?ria mais comentada, como talvez n?o pudesse deixar de ser numa cidade que sofre tanto com a temporada das ?guas, versa sobre as chuvas (Jung; Mendes, 2010). Uma vers?o po?tica, estruturada como um conto, sobre as chuvas na cidade, priorizando o centro paulistano, que evoca com nostalgia a terra da garoa. Protagonizada por um professor estrangeiro que luta para estudar e se estabelecer na cidade, a hist?ria ? sonorizada pela m?sica E Chiove, na voz de Zizi Possi, sugerida pelo pr?prio ouvinte.

Nas primeiras edi??es, o Conte sua Hist?ria tinha seus textos ilustrados por uma m?sica que falava da paix?o do ouvinte pela cidade. A sensibilidade do radialista Paschoal J?nior, operador de ?udio do CBN S?o Paulo, entendeu que alguns casos n?o se referiam a amor, eram um desabafo, um protesto, quase um pedido de socorro. Cada texto exigia uma pesquisa pr?via, e a m?sica deixou de ser acess?rio. Alguns autores enviaram sugest?es, outros agradeciam pela escolha feita. V?rias vezes recebemos mensagens de ouvintes-internautas que se sentiram tocados pela sele??o musical. (Jung, 2006: 15).

Os coment?rios ? hist?ria E Chiove registram atra??o/temor ao centro da cidade e a beleza da m?sica, entre outros. Nota-se uma instigante intera??o do pr?prio autor, que recomenda a uma ouvinte-internauta visitar o Parque da Luz e a Pinacoteca, bem como agradecimentos a interven??es de conhecidos. No geral, os coment?rios sugerem uma comunidade atenta ao quadro, aos autores e tamb?m ?s a??es da CBN, como a campanha adote um vereador.

Em O Penico (Jung, Schraner, 2010b), a mais fiel ouvinte-internauta do programa no per?odo, Suely Schraner, rememora de forma bem humorada seu emprego de vendedora nas Lojas da Folia, em Santo Amaro, em 1965, quando um dos itens comercializados eram os produtos do t?tulo. Num certo dia, a jovem de 15 anos inadvertidamente derruba a pilha de urin?is que ficava ? frente da loja e, envergonhada, sai de fininho para nunca mais voltar. Os coment?rios novamente revelam uma rede social entre os comentadores (Voc? ? que ? motivo de orgulho e inspira??o pra todos n?s do curso de italiano, em resposta da autora), mas tamb?m lembran?as da loja mencionada. Contudo, um dos coment?rios aborda a quest?o da interpreta??o:

7

Intercom ? Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunica??o

XXXIII Congresso Brasileiro de Ci?ncias da Comunica??o ? Caxias do Sul, RS ? 2 a 6 de setembro de 2010

1. Pablo Ventura: 15 maio, 2009 as 19:41 Essa "Hist?ria de S?o Paulo" n?o pode ficar a? no blog "sem coment?rio". Gostei muito de ouvi-la na tua interepreta??o,Milton,que valorizou o texto da ouvinte Suely.Consigo imaginar o drama que ela viveu,mas garanto que,ao record?-la,a autora ainda d? boas risadas

2. suely aparecida schraner: 16 maio, 2009 as 14:34 Voc? captou muito bem, Pablo. Endosso o que voc? dise. Na voz do Milton a hist?ria se valorizou. Era de chorar e ,agora ? pra rir mesmo.

No livro sobre o quadro, Jung chama a aten??o para a import?ncia da locu??o:

Interpretar o que um autor pretendia foi um desafio que eu tive de enfrentar. Temendo a leitura no tom errado que poderia distorcer o sentido, adaptei o discurso ao ritmo exigido pelo r?dio, tendo em mente que o texto deve ser escrito para quem ouve e n?o para quem l?. Um exerc?cio arriscado, pois se podia acrescentar uma informa??o ou diminuir uma frase, mas n?o seria leg?timo mudar as caracter?sticas da hist?ria ou mexer no vocabul?rio que fazem parte da personalidade de quem a escreveu. Os textos exigiram mudan?a na minha locu??o, acostumada pelo ritmo imposto pelo jornalismo di?rio, na leitura de not?cias ou na pergunta direta ao entrevistado. A voz precisa refletir o pensamento do ouvinte-internauta. Descer aos timbres da emo??o, percorrer o sentido desleixado de um bate-papo, soprar as palavras mais rom?nticas, brincar com os sotaques e falar com o sorriso nos l?bios. Exercitar a expressividade (Jung, 2006: 16).

Em seu texto, por?m, Jung n?o ousa falar sobre o poder de a locu??o transformar uma hist?ria "tr?gica" em "c?mica", conforme notado pela autora. Neste contexto, podemos inseri-la no ?mbito das narrativas de transforma??o apontadas por Edvaldo Pereira Lima, ex-docente do programa de P?s-Gradua??o da Escola de Comunica??es e Artes da Universidade de S?o Paulo (Lima, 2004).

O ingl?s Robert McLeish, consultor radiof?nico que por 33 anos trabalhou na BBC, lembra o poder enriquecedor da m?sica e da locu??o. "O meio radiof?nico tem uma longa e eminente hist?ria de transformar pensamentos, palavras e a??es em imagens na mente do ouvinte. Para tanto, utiliza as t?cnicas de dramatiza??o. (McLeish, 2001: 179). Embora o autor esteja se referindo principalmente ?s pe?as radiof?nicas, portanto no ?mbito da fic??o, a observa??o tamb?m ? v?lida no tratamento radiof?nico dado ?s hist?rias da vida reais apresentadas nesta m?dia por meio do programa Conte Sua Hist?ria de S?o Paulo.

Finalmente, e tamb?m com sete coment?rios, o texto Meu Brooklin, de Jos? Manuel Casc?o Costa (Jung; Costa, 2010) motiva a participa??o de sete ouvintes diferentes, alguns deles conhecidos do autor. No entanto, o ponto mais interessante destes coment?rios ? o senso de pertencimento evocado, seja por nostalgia (quem n?o conheceu o bairro conforme descrito pelo autor) ou futurismo (moradores de outros bairros que relatam o desejo de conhecer o local). Dois ouvintes abordam quest?es ligadas ao jornalismo-literatura, ressaltando o formato de cr?nica do relato, bem como mencionando associa??o entre o texto e a fase da juventude em que o escritor americano Ernest Hemingway morou em Paris, relato que se encontra no livro Paris ? uma Festa.

O quadro Conte Sua Hist?ria de S?o Paulo e o Jornalismo Liter?rio Mais estudado em m?dia impressa, o Jornalismo Liter?rio tamb?m pode ser

encontrado em m?dia eletr?nica (Martinez, 2009), seja de forma integral, como no Programa Globo Rural, ou parcial, por meio de alguns de seus elementos constituintes. E quais elementos seriam estes?

A compara??o abaixo, entre cinco propostas diferentes ordenadas do ponto de vista cronol?gico, permite estabelecer algumas diretrizes do que fundamentalmente se

8

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download