TRF1 - Inteiro Teor de Acórdãos, Decisões e Despachos



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010969-72.2011.4.01.3800/MG

R E L A T Ó R I O

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES (RELATOR): -

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (fls. 776/794), em face da v. sentença de fls. 770/773, que, em suma, julgou improcedente o pedido contido na denúncia, absolvendo o acusado José Salim Mattar Júnior da imputação de prática do crime descrito no art. 16 da Lei nº 7.492/86.

Em defesa de sua pretensão, o apelante argumentou, em síntese, que:

1) “Inicialmente, cumpre destacar que nos contratos de seguro não existe a exigência de que o segurador seja um terceiro. O elemento essencial do contrato de seguro é a assunção de um risco, que seria suportado pelo segurado e passa a ser da seguradora” (fl. 782);

2) “O contrato de seguro não exige que a seguradora atue como terceiro. Não há qualquer impedimento para que a própria seguradora seja a beneficiária de um prêmio, o segurado pode ocasionar danos ao patrimônio da seguradora. Da mesma forma, data vênia, ao contrário do afirmado na sentença, não há qualquer exigência segundo a qual o contratante seja o proprietário do bem segurado ” (fl. 783);

3) “As cláusulas previstas no item 7 do Contrato da LOCALIZA inegavelmente configuram a assunção de um risco que pertencia ao segurado” (fl. 783);

4) “É evidente que nesta caso a Localiza está assumindo o risco por eventuais danos causados pelo segurado a terceiros” (fls. 783/784);

5) “A LOCALIZA não poderia transacionar sobre direitos de terceiros, sendo assim, é de se concluir que por tal cláusula a empresa se obrigava a arcar com eventuais danos causado por seus clientes” (fls. 784/785);

6) “Caracterizada a ‘Proteção Localiza’ como contrato de seguro, é importante destacar que tal atividade é privativa de instituições financeiras, sendo as seguradoras equiparadas a tal” (fl. 785);

7) “Logo, é inafastável que a conduta praticada pelo réu amolda-se ao tipo penal previsto no art. 16 da Lei 7.492/86. Nesse sentido a própria sentença ora recorrida aponta que ‘só há que se falar em ‘operação de instituição financeira irregular’ caso manifesta a subsunção da descrição normativa do contrato de seguro previsto no art. 757 do Código Civil, ao que ocorre de fato na denominada ‘Proteção Localiza’” (fl. 788);

8) “(...) O ora apelado, JOSÉ SALIM, possui formação superior em administração de empresas e vasta experiência no mercado, razão pela qual não seria crível que não possuísse consciência da ilicitude de sua conduta, ou que lhe fosse possível ter consciência de que sua atividade consistia em operação de instituição financeira” (fls. 789/790);

9) “O alegado pelo réu de que diversas outras empresas locadoras de veículos também adotam práticas semelhantes não o isenta de responsabilidade” (fl. 790);

10) “Ademais, conforme consta, o réu foi notificado pela SUSEP em 2005 sobre o exercício irregular da atividade financeira, no entanto, somente parou de exercê-la em 2009. Ou seja, mesmo após ter sido notificado de que operava atividade típica de instituição financeira, sem autorização legal, continuou a realizar tal atividade por 4 anos.Tal fato desconstitui qualquer hipótese de erro de proibição ou erro de tipo” (fls. 790/791); e

11) “Ademais, o tipo penal não exige o dolo específico (operar instituição financeira), mas sim o dolo direcionado a realizar as atividades típicas de instituições financeiras” (fl. 792).

Ao final, requereu o apelante, em resumo, “(...) seja o presente recurso de Apelação recebido e conhecido, bem como lhe seja dado provimento, a fim de que a sentença de fls. 770/773 seja reformada, para condenar JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR pela prática do crime tipificado no art. 16 da Lei 7.492/86” (fl. 794).

As contrarrazões foram apresentadas às fls. 799/832.

O d. Ministério Público Federal, no parecer de fls. 836/839, opinou, em resumo, “(...) pelo conhecimento do recurso, eis que preenchido todas as condições da ação e no mérito pelo seu PROVIMENTO” (fl. 839).

Processo encaminhado à Secretaria, para os fins do art. 613, I, do Código de Processo Penal, em 07/03/2014.

É o relatório.

I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES

Desembargador Federal

Relator

V O T O

A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (RELATORA CONVOCADA):-

Por vislumbrar presentes os requisitos de admissibilidade deste recurso, dele conheço.

Acerca dos fatos postos em exame, narra a denúncia, naquilo que, data venia, reputo como essencial para o deslinde da matéria em discussão, que:

“(...)

1. No período compreendido entre 1973 e 2009, no município de Belo Horizonte/MG, o denunciado fez operar instituição financeira, sem autorização do Banco Central do Brasil.

2. No ano de 1973, o imputado constituiu a pessoa jurídica LOCALIZA RENT A CAR S/A – ‘LOCALIZA’, CNPJ 16.670.085/0001-55, com sede em Belo Horizonte/MG. O Estatuto Social de fls. 312/333 aponta como objeto da sociedade ‘o aluguel de carros e a gestão de participações societárias, no Brasil e no exterior’. Todavia, na qualidade de fundador e administrador da empresa, JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR comercializou contratos típicos de seguro com os locatários dos veículos, inclusive de vida e contra terceiros, sem a devida autorização governamental.

3. A propósito, cumpre salientar que a atividade de seguro consiste na transferência de risco na qual o segurador, mediante o pagamento de um prêmio, se obriga a indenizar o segurado na hipótese de ocorrência de fatos danosos à vida, à saúde, aos direitos ou ao patrimônio do segurado.

4. Lado outro, a chamada Lei da Reforma Bancária (Lei n° 4.595/64), que reformulou o Sistema Financeiro Nacional, equiparou as companhias de seguros às instituições financeiras, subordinando-as às novas disposições legais, dentre elas, à prévia autorização do Banco Central do Brasil para funcionarem (Artigo 18, § 1°).

5. Por sua vez, o Decreto-Lei n° 73/66, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, além de estabelecer a proibição das sociedades seguradoras de explorarem qualquer outro ramo de comércio ou indústria, exige prévia autorização do Ministro da Indústria e do Comércio para operarem (Artigos 73 e 74).

6. No período de 08/11/2005 a 09/12/2005, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, no exercício de atividade fiscalizadora, constatou que os contratos de locação dos veículos da ‘LOCALIZA’ apresentavam cláusulas de contratação de seguro sob a roupagem de ‘Proteções Localiza’ (Vide Condições Gerais do Contrato de Aluguel de Carros de fls. 257/266).

7. A “cobertura” oferecida pela ‘LOCALIZA’ era efetivada através de adesão formal e antecipada por parte dos clientes, mediante pagamento de taxa diária adicional, dividindo-se em ‘Proteção do Carro’ (cláusula 7.1.1), ‘Proteção Ampliada’ (cláusula 7.1.2.) e ‘Proteção para Condutores Adicionais’, nos respectivos valores de R$ 25,00 (vinte e cinco reais), R$ 9,00 (nove reais) e R$ 3,00 (três reais) (vide Contratos de Aluguel de Carros de fls. 043/256).

8. A cláusula ‘Proteção do carro’ propunha aos ‘segurados’ a ‘cobertura’ de riscos exclusiva para os veículos alugados, incluindo acessórios, em caso de furto, roubo, incêncio, colisão ou qualquer avaria. Já a cláusula ‘Proteção Ampliada’ oferecia aos clientes a ‘cobertura’ para danos corporais e materiais causados a terceiros, despesas com guicho/reboque para distâncias de até 100 (cem) quilômetros da agência de origem, além de isenção de lucros cessantes sofridos pela ‘LOCALIZA’. Por sua vez, a cláusula ‘Proteção para Condutores Adicionais’ proporcionava aos locatários a inclusão de outros condutores dos veículos para extensão das coberturas de riscos contratadas.

9. Cumpre salientar que o item ‘d’ da cláusula 4.1.1. estipulada nas ‘Condições Gerais do Contrato de Aluguel de Carros’ informava aos locatários que ‘a diária da proteção’ seria válida por 24 (vinte e quatro) horas, com uma hora de tolerância para devolução do carro e que, a partir da 25ª (vigésima quinta) hora, incidiria cobrança de nova diária das ‘proteções’ contratadas, no seu valor integral.

10. Instada a se manifestar acerca da emissão das apólices de seguros oferecidos aos clientes, a ‘LOCALIZA’ informou que sua frota de veículos não se encontrava segurada (vide documento de fl. 36 e declaração de fl. 40).

11. Ao final da fiscalização, acolhendo os Pareceres SUSEP/DEFIS/GEFIP/n° 5053/06 (fls. 285/288) e PRGER/CONTENCIOSO n° 25.517/2006 (fls. 289/290), o Chefe do Departamento de Fiscalização da SUSEP, julgando subsistente a representação lavrada em desfavor da ‘LOCALIZA’, aplicou-lhe uma multa no valor de R$ 4.968.642,00 (quatro milhões, novecentos e sessenta e oito mil, seiscentos e quarenta e dois reais) por ter atuado no mercado de seguros sem a devida autorização governamental (vide Termo de Julgamento de fl. 294).

12. Os atos constitutivos da sociedade (fls. 306/333) e as declarações do próprio acusado (fls. 416/418), indicam que era sua a responsabilidade pela administração e gerência da empresa.

13. Assim agindo, com vontade livre e consciente, o denunciado fez operar instituição financeira sem a devida autorização do Banco Central do Brasil, de modo que sua conduta se subsume ao tipo capitulado no artigo 16 da Lei n° 7.492/86 c/c artigo 71 do Código Penal” (fls. 1-1/1-4).

Por sua vez, o MM. Juízo Federal a quo, ao apreciar a matéria em discussão, assim asseverou, verbis:

“(...)

2. FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de denúncia ofertada pelo MPF contra JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR, pela prática do crime previsto no art. 16 da Lei 7492/86, c/c art. 71 do CP. Segundo o MPF, o acusado, na condição de diretor da empresa LOCALIZA, teria operado instituição financeira irregularmente, na medida em que oferecia a seus clientes, em seus contratos de locação de veículos automotores, o serviço de seguro do veículo a ser locado, em que pese não ter autorização da SUSEP para prestar referido serviço.

Segundo o MPF, o acusado teria assim procedido dos anos de 1973 a 2009, até a deflagração da fiscalização da SUSEP naquela empresa, que constatou a efetiva prestação de serviços de seguro pela LOCALIZA, contrariando diversos dispositivos legais, dentre os quais o art. 16 da Lei 7496/86.

Os fatos narrados pelo MPF, na inicial acusatória, subsumem-se, em tese, ao tipo descrito no art. 16, caput, da Lei 7.492/86, que assim dispõe:

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração (vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio.

Pena - Reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O tipo previsto no artigo 16 da Lei n° 7.492/86 criminaliza a conduta de quem, consciente e voluntariamente, faz operar instituição financeira, sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração falsa.

Do cotejo dos autos, extraio que, segundo o MPF, a cláusula ‘Proteção Localiza’ - que se dividia em ‘Proteção do Carro’, ‘Proteção Ampliada’ e ‘Proteção para Condutores Adicionais’, nos valores de R$ 25,00 (vinte e cinco reais), R$ 9,00 (nove reais) e R$ 3,00 (três reais), respectivamente -, inscritas nos contratos de locação de veículos automotores utilizado pela LOCALIZA, afigurou-se como oferta e venda de seguro a seus clientes, o que redundaria na imputação, ao acusado, das penas previstas no art. 16 da Lei 7492/86, eis que a empresa não possuía autorização do órgão competente para prestar este tipo de serviço.

Extraio também que, de fato, a ‘LOCALIZA’ forneceu a seus clientes, nos anos de 1973 a 2009, a ‘Proteção Localiza’, o que se nota a partir tanto da confissão do acusado quanto dos contratos acostados aos autos.

Contudo, em que pese o esforço perpetrado pelo órgão acusatório, tenho que os elementos necessários para a imposição de um decreto condenatório escapam a este Juízo.

De início, necessário ressaltar que a própria ocorrência da tipicidade normativa inscrita no art.16 da Lei 7492/86 afigura-se pouco consistente no cenário narrado nos autos. Isto porque há relevantes dúvidas acerca da natureza jurídica do serviço prestado pela ‘LOCALIZA’, denominado ‘Preteção Localiza’. É que só há falar-se em ‘operação de instituição financeira irregular’ caso manifesta a subsunção da descrição normativa do contrato de seguro, previsto no art. 757 do Código Civil, ao que ocorre de fato na denominada ‘Proteção Localiza’. E esta subsunção não restou demonstrada com clarividência pelo MPF. Ao contrário, os argumentos trazidos pela defesa obscurecem esta premissa..

De fato, no contrato de seguro, o contratante é usualmente proprietário do bem segurado, o que não ocorre na cláusula de ‘Proteção Localiza’. Lado outro, é bastante plausível a tese defensiva de que a cláusula de ‘Proteção Localiza’ representa uma mera renúncia ao direito de regresso contra o locatário do veículo que, caso danificado, obrigaria o locatário a indenizar o locador, na exata medida dos danos constatados. Com a cláusula de ‘Proteção Localiza’, o locatário se desobriga a indenizar o locador (vítima) destes danos, o que difere substancialmente do que ocorre no contrato usual de seguros, em que a indenização é paga por um terceiro, que não a vítima do dano.

Não bastassem estas controvérsias, in casu, o que se percebe é a completa ausência do elemento subjetivo do tipo, que justifique· a imposição de um decreto condenatório.

É que, mesmo que se· admita que a chamada cláusula de ‘Proteção Localiza’ seja de fato um contrato de seguro, os elementos constantes dos autos afastam a premissa de que o acusado tinha ciência de assim estar agindo e de que sua conduta violava o quanto disposto no art. 16 da Lei 7492/86. É o que se conclui translucidamente a partir de seu interrogatório judicial, em que o acusado narra todo o histórico de concessão da ‘Proteção Localiza’ ao longo dos longos anos de existência de sua empresa.

De seu depoimento, extrai-se que o acusado tinha plena convicção de que a denominada ‘Proteção Localiza’ diferia em muito dos contratos de seguros oferecidos no mercado, o que impossibilitou qualquer discernimento do acusado acerca do caráter ilícito de seu ato.

Relembrando seu lúcido depoimento em juízo, relembro também a íntima convicção que tive acerca da completa ausência de ilicitude de sua conduta:

‘(...) Em 1973, antes de abrir a LOCALIZA, eu fui aos Estados Unidos, eu fui à Europa, diversos países da Europa, e também diversas locadoras do Brasil. Eu fiz uma, um benchmark, que é verificar como que essas empresas funcionam. Um dos itens que eu tinha que verificar como funcionava era exatamente esse assunto, já que eu tenho um bem, um carro que vale cem, cento e cinquenta mil reais, eu entrego ele a uma pessoa, é um bem, o meu patrimônio e esse carro poderá ser danificado. Então, eu fiz um benchmark para ver como era o procedimento e o procedimento unânime nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil é que todas as locadoras tinham uma cláusula de proteção. Pode ser somente uma cláusula de proteção. O fato é que de 73 até o ano de 2006, quando nós fomos notificados pela SUSEP, estranhamos aquela notificação. Por quê? De 73 até 2006, a LOCALlZA agiu com absoluta transparência e o nosso contrato era inclusive registrado em cartório. Então, a gente tinha tanta certeza que estávamos certos que o nosso contrato é registrado em cartório. Ao longo desse período, de 73 a 2006, eu estou falando de trinta e três anos, a LOCALIZA e duas mil e quinhentas empresas de aluguel de carros no Brasil procediam da mesma forma. E, durante esse período, o nosso contrato, claro, os negócios mudam, as expectativas dos clientes mudam, o contrato sofreu algumas alterações e cada alterarão desse contrato passava por diversas áreas da empresa. A área operacional opinava sobre contrato, a área de marketing, de finanças, de atendimento para verificar se efetivamente a nossa proposta de entrega para o cliente estava exatamente clara no contrato do que era nossa proposta de entrega. E durante todos esses anos nunca, nenhum de nossos executivos, nenhum dos nossos homens de confiança levantou sequer a questão de que estaríamos fazendo alguma coisa que não fosse certa.

Juíza - Sim.

JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR - Para nossa estranheza,em 2006, recebemos uma notificação da SUSEP, dizendo que a LOCALIZA estava praticando contrato de seguro. Como contrato de seguro? A nossa cláusula de proteção só protegia o bem de nossa propriedade e contrato de seguro você segura uma terceira parte. Então, absolutamente não tinha nada a ver com... Nós inclusive achamos estranho porque até mesmo dentro da SUSEP não houve unanimidade de que a cláusula de proteção que a LOCALIZA vende se seria contrato de seguro ou não. Dentro da própria SUSEP eles não tiveram unanimidade. Então, quando nós fomos notificados, nós procuramos nossos advogados para poder verificar a respeito dessa interpretação diferente que a SUSEP teve de nós depois de trinta e três anos, quando eu falo de nós eu quero dizer da LOCALIZA e de todas as duas mil e quinhentas empresas do mercado, porque em todas elas praticavam a mesma forma. Então, não satisfeito com a primeira banca de advogados que dizia que existia naquele momento um conflito, uma divergência em relação à interpretação daquela cláusula que nós vendíamos, houve uma segunda banca que simplesmente validou o primeiro trabalho. Com isso nós fizemos um requerimento para a SUSEP e em primeira instância, doutora, nessa primeira instância nós perdemos em primeira instância. Então, avaliando com os nossos advogados quantos anos demoraria essa demanda e quais os riscos que teríamos· nessa demanda, e quais as nossas possibilidades de êxito ou não, os fundamentos que nós tínhamos aquela convicção de que eu nunca segurei carros de terceiros, eu só segurei, eu simplesmente pedi uma proteção do meu carro, porque eu entrego um carro para um cliente e ele civilmente é responsável por só aquele bem e eu, simplesmente, transacionei com esse cliente uma, um valor si abrindo mão do meu direito de regresso contra ele. Então, era só o meu carro que estaria envolvido, não tinha um carro de terceiro envolvido. Se não há uma terceira parte envolvida não há seguro envolvido. Imediatamente nós decidimos, depois de ouvir os nossos advogados e já que existe um conflito de interpretação, nós somos uma empresa de aluguel de carros há quarenta anos, vamos fazer quarenta anos agora no mês de maio, temos um grande know how nesse negócio e a gente é muito pragmático, empresário muito pragmático. Então, eu digo pró meu pessoal – ‘Olha gente, isso aqui, nós temos convicção que estamos certos, nós não seguramos veículos de terceiros, não é seguro’. Durante trinta e nove, durante, 73 a 2006, a LOCALIZA foi muito cuidadosa, ela só fez uma cláusula de proteção que é uma transação entre as partes, entre eu e o meu cliente, abrindo mão do meu direito de regresso. Com isso, nós houvemos por bem entre uma demanda que poderia durar alguns anos e com o risco dessa demanda, apesar da nossa convicção, nós fomos ao mercado chamar uma seguradora para fazer seguro. Quero fazer um parêntese para a meritíssima - de 1973 a 2006, nunca,nunca uma seguradora bateu à porta da LOCALIZA, nunca, nunca. Porque as seguradoras sabiam que eu não praticava seguro e que todas nós locadoras, era uma prática de mercado, todos nós vendíamos uma cláusula de proteção, proteção do carro.

Juíza - Mas o carro é segurado independente disso, os seus carros têm seguro?

JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR - Não. Até naquela época não, eu que auto segurava. Eu abria mão do direito de regresso, então...

Juíza - Não, não. Eu entendo, mas eu digo assim, o carro ficava, quando ele não estava locado, o carro ficava na garagem da LOCALIZA...

JOSÉ SALIM MATTAR JUNIOR - Fica na garagem.

Juíza - Ele tinha um seguro com outra empresa?

JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR - Não, não tinha.

Juíza - Não tem até hoje?

JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR -Aí aconteceu esse caso onde eu fiz o parênteses, em 2009, eu só queria dizer o seguinte, de 73 a 2006 nunca nenhuma seguradora bateu na porta de locadora oferecendo seguro, porque esse é um modus operandi mundial. Quando aconteceu esse caso de nós perdermos em primeira instância, as seguradoras brasileiras, grupos grandes....

Juíza - Só pra esclarecer, perdeu em segunda instância esse...

JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR - Em primeira instância na SUSEP.

Juíza - Administrativamente?

JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR - Administrativamente, é..., na primeira instância não houve unanimidade e nós perdemos a nossa defesa que nós tínhamos convicção e temos até hoje de que a LOCALIZA não transaciona seguro. ALOCALIZA faz uma transação com o nosso cliente que eu tenho o direito e esse direito é disponível, eu faço uma transação com ele e abro mão do direito de regresso, ele me paga alguma coisa e ele fica isento de responsabilidade. Então contratamos um grande grupo segurador brasileiro chamado MAPFRE, que é um grupo espanhol - brasileiro com o Banco do Brasil e a partir de 2009, cem por cento da frota da LOCALIZA está devidamente segurada. Não que nós não tenhamos convicção de que nunca praticamos atividade de seguradora, mas é porque nós não queremos ter muito trabalho pela frente, queremos alugar carro, que o nosso negócio é aluguel de carros, sempre alugar carros.

Então, contratamos a MAPFRE em 2009, cem por cento da nossa frota é segurada e eu queria chamar atenção da meritíssima que pelo volume de carros de aluguel de carros que existe, quando nós perdemos na instância administrativa da SUSEP houve um forte lobby das seguradoras e, aí sim, elas bateram às nossas portas. ‘Olha, vocês viram que vocês tem que fazer seguro?’ - Então, foi uma pressão política muito grande para um valor econômico muito grande também envolvido. Então, eu queria chamar a atenção é que as próprias seguradoras tinham consciência de que nós não praticávamos atividade de seguradora.

Juíza - Entendo.

JOSÉ SALIM MATTAR JÚNIOR - E quando a SUSEP falou não, temos dúvida, você pratica seguro, nesse momento então as seguradoras se prontificaram, é um nicho de quatrocentos mil carros, só a LOCALIZA são cem mil carros, então imagina o volume de dinheiro envolvido. Ao fazer seguro tom MAPFRE nos custou um pouco mais do que nós vendermos a nossa cláusula de proteção, mas nada que vai impactar o nosso resultado. Mas temos mais paz, temos tempo, energia disponível para alugar carro, porque o nós sabemos fazer como empresários é a atividade da gente, então nós queremos alugar carro. Então, com isso, nós demos por resolvida essa situação, nós junto à SUSEP pagamos uma multa certa época pra poder ficar livre do que tinha lá e resolvemos com a SUSEP e fizemos o seguro da frota. Por favor, meritíssima, não é uma denúncia, no Brasil tem duas mil e quinhentas empresas de aluguel de carro, duas mil quatrocentos e cinquenta, duas mil quatrocentas e noventa, continuam vendendo cláusula de cobertura, cláusula de proteção.(...)’

Em verdade, não é de se surpreender que o acusado assim entendesse a questão da ‘proteção contratual’. Isto porque o serviço fornecido pela LOCALIZA, relativo àquela proteção é uma prática bastante usual nas empresas que operam na mesma área daquela empresa. Qualquer cidadão que já se utilizou dos serviços de locação de veículos, no Brasil ou no exterior, já se deparou com contratos que prevêem tais cláusulas. Tanto é assim que, muito provavelmente, as empresas concorrentes à administrada pelo réu também assim procediam no período anterior à fiscalização efetuada pela SUSEP. Por outro lado, a prática do oferecimento da ‘Proteção Localiza’ perdurou por longos anos, sem qualquer manifestação em contrário do órgão responsável por esta fiscalização (SUSEP), que só ocorreu no ano de 2006, o que comprova que a prática era no mínimo tolerada pelos poderes públicos.

Sob este aspecto, curiosa a manifestação exarada às fls. 27/30 dos autos, no Relatório de Diligência n° 10 de 13/04/2006, exarados por servidores do DEFIS/GEFIS, órgãos da própria SUSEP, em que os fiscais afirmam que: ‘concluímos que as coberturas oferecidas pela Localiza Rent a Car S.A são coberturas típicas de seguro. Todavia, com vistas a melhor esclarecer quaisquer dúvidas, propomos remessa dos autos ao DETEC para confirmar se as coberturas oferecidas possuem características de seguro (...)': grifos nossos.

Neste cenário, em que o fornecimento da ‘Proteção Localiza’ pela LOCALIZA ocorreu por anos e anos, publicamente, sem qualquer insurgência da SUSEP, não há como se pretender típica a conduta do acusado. Isto porque não se vislumbra minimamente na conduta do réu qualquer elemento anímico que me permita concluir que o acusado agia com vontade consciente de violar o disposto no art. 16 da Lei 7492/86.

Como se sabe, a tipicidade, da qual deriva a imputação do delito, pressupõe a existência do elemento subjetivo do tipo penal que, in casu, pode ser traduzida como a vontade consciente do acusado em fazer operar, sem a devida autorização, uma instituição financeira. Ora, nada há nos autos que demonstre que o acusado sabia da ilicitude de sua conduta e agia voluntariamente com vistas a perpetuá-la. Muito pelo contrário. É muito pouco provável que um empresário, com o porte como o do acusado, assuma o risco consciente de se conduzir ilicitamente por tanto tempo, de maneira pública, e coloque em risco toda a sua atividade econômica lícita, cujo sucesso é nacionalmente conhecido.

Sendo assim, entendo manifestamente ausente o dolo em sua conduta, entendido aqui como a vontade e a consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador. Não se apresenta, em sua conduta, nem o elemento intelectual (consciência) e nem o elemento volitivo (vontade), tão necessários para a configuração do dolo.

Sob este aspecto, de se frisar que a consciência pressupõe que o agente saiba exatamente aquilo que faz (conduta descrita no tipo objetivo), para que se lhe possa atribuir o resultado lesivo a título de dolo. A consciência, porém, não significa que o agente conheça o tipo penal previsto na lei. Basta que conheça a situação social objetiva, isto é, os elementos que compõe aquele tipo. E isso, no meu entendimento, não restou configurado na situação sub examine.

Assim, resta clara a ocorrência do erro de tipo, que recai sobre as elementares que agregam a figura típica do art. 16 da Lei 7492/86, o que impõe a aplicação do art. 20 do Código Penal Brasileiro.

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

Neste cenário, tenho que a absolvição do acusado é medida que se impõe” (fls. 770-v/773).

Da análise dos autos, data venia de eventual entendimento em contrário, afigura-se que não merece ser reformada a v. sentença apelada.

Com efeito, na linha do entendimento esposado pela v. sentença apelada, que, inclusive, adoto como razões de decidir, não se vislumbra nos autos, concessa venia, provas suficientes a demonstrar, com a necessária segurança, a configuração dos fatos apontados na denúncia, pois, como apontou o MM. Juízo Federal a quo, no excerto da v. sentença acima transcrito, “(...) há relevantes dúvidas acerca da natureza jurídica do serviço prestado pela ‘LOCALIZA’, denominado ‘Proteção Localiza’” (fl. 771).

Acrescente-se, além do mais, que, para a caracterização do delito descrito art. 16, caput, da Lei nº 7.492/86, faz-se necessária a presença do elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade livre e consciente de fazer operar instituição financeira sem a devida autorização, o que, concessa venia, não restou comprovado nos autos, pois, na forma do que observou o MM. Juízo Federal a quo, “(...) nada há nos autos que demonstre que o acusado sabia da ilicitude de sua conduta e agia voluntariamente com vistas a perpetrá-la” (fl. 773)

Merece realce, a propósito, o precedente jurisprudencial da egrégia Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal cuja ementa segue abaixo transcrita:

“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 16, LEI 7.492/86. ARTIGO 171, DO CÓDIGO PENAL. ADMINISTRAÇÃO DE CONSÓRCIOS. CONVÊNIO DE REPRESENTAÇÃO. RECEBIMENTO DE TAXAS DE ADESÃO. VANTAGEM INDEVIDA. DOLO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.

1. A despeito de não dispor de autorização para funcionar como instituição financeira ou como administradora de consórcios, a empresa gerenciada pelo réu, consoante os termos do Ofício expedido pelo Departamento de Organização do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil, à época dos fatos narrados na denúncia, estava conveniada a administradora de consórcios autorizada, para fins de colocação de cotas, de constituição de grupos de consórcios e atendimento aos consorciados, não se configurando, portanto, a ocorrência do crime previsto no artigo 16, da Lei 7.492/86 (operar instituição financeira sem autorização).

2. Nos termos da Circular 2.332/BACEN, de 07.07.1993, que disciplina a área de atuação de administradoras de consórcio e convênio de representação, "a formalização de convênio de representação independe de autorização deste Banco Central, cabendo à administradora informar a data de celebração do convênio, o endereço e o nome da empresa conveniada".

3. Não há nos autos elementos de prova suficiente que demonstrem ter sido o réu o responsável por ter enganado as vítimas e delas obtido vantagem indevida, e nem que tenha realizado o recebimento das taxas de adesão e primeira parcela do consórcio, com o intuito ludibriar a boa-fé das pessoas.

4. No Processo Penal cabe à acusação demonstrar e provar que a conduta do agente se amolda ao tipo penal, com a presença de todos os seus elementos, o que não ocorreu na espécie. O juízo de condenação requer prova segura, concreta e induvidosa. O dolo na conduta do réu, não restou evidenciado, não sendo admissível a sua presunção.

5. Recurso de apelação improvido.

(TRF - ACR 0004514-94.2006.4.01.3500/GO, Relator Desembargador Federal Mário César Ribeiro, 4ª Turma, julgado por unanimidade em 06/03/2012, publicado no e-DJF1 de 22/03/2012, p. 50).

Assim, ante a insuficiência de provas a ensejar um decreto condenatório, não merece, concessa venia, ser reformada a v. sentença apelada.

Diante disso, nego provimento à apelação.

É o voto.

CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO

Juíza Federal

(Relatora Convocada)

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