As Negociatas dos Deputados Angolanos

As Negociatas dos Deputados Angolanos

Rafael Marques de Morais 24 de Dezembro de 2009

V?rios deputados ? Assembleia Nacional t?m estabelecido sociedades comerciais com membros do Governo e investidores estrangeiros, assim como t?m realizado contratos com o Estado, para enriquecimento pessoal. Tal costume cria potenciais situa??es de incompatibilidade com o cargo que exercem, assim como conflitos de interesses e tr?fico de influ?ncias. Em suma, engendra-se um clima prop?cio ? institucionaliza??o da corrup??o no parlamento.

A 24 de Dezembro de 2008, por ocasi?o da cerim?nia de cumprimentos de fim de ano, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, prometeu, para o ano de 2009, o empenho dos deputados na fiscaliza??o e acompanhamento das ac??es do Governo, como contributo para a boa governa??o e a transpar?ncia no pa?s. Enquanto a sociedade aguarda pelos resultados desse exerc?cio, a presente investiga??o revela uma realidade que merece maior aten??o e fiscaliza??o por parte da sociedade e do presidente da Assembleia Nacional. Trata-se da fiscaliza??o p?blica dos actos dos deputados, enquanto representantes eleitos do povo.

Pelo acima exposto, apresento os primeiros seis casos de deputados cujas actividades comerciais e fun??es extra-parlamentares suscitam v?rias considera??es e interroga??es ? luz da legisla??o em vigor. Esta s?rie investigativa, baseada exclusivamente em documentos oficiais, consiste, sobretudo, em informar e formar a opini?o p?blica para uma tomada de consci?ncia sobre o modo como os dirigentes usam o nome e o poder soberano do povo angolano. Para servir a quem? Eis a quest?o. A seu tempo, o Maka Angola questionar? a origem da riqueza ostensivamente exibida por alguns deputados.



Uma vez conclu?da a investiga??o sobre os deputados ? Assembleia Nacional, ser? ent?o poss?vel apresentar conclus?es, com o objectivo de moralizar a conduta dos representantes do povo, assim como contribuir para que estes exer?am o seu papel de fiscaliza??o dos actos do governo imbu?dos de autonomia e responsabilidade pol?tica, integridade moral, zelo no cumprimento das leis e respeito pela vontade do povo.

Impedimentos e Incompatibilidades

Juli?o Mateus Paulo "Dino Matross" e Jo?o Louren?o subscreveram, na qualidade de s?cios, a 1 de Julho de 2009, um contrato de investimento com o Estado angolano, num valor de inicial de 103.2 milh?es de d?lares, para a constitui??o da Companhia de Cervejas de Angola S.A, cuja f?brica est? a ser constru?da na prov?ncia do Bengo. O Conselho de Ministros aprovou o contrato de investimentos horas antes da sua assinatura formal.

Enquanto o secret?rio-geral do MPLA e deputado ? Assembleia Nacional, Dino Matross, o fez como investidor individual, o vice-presidente da Assembleia Nacional, Jo?o Louren?o, assinou o contrato como patr?o da empresa privada JALC ? Consultores e Presta??o de Servi?os. Pelo Estado assinou o presidente da Ag?ncia Nacional de Investimentos Privados (ANIP), Aguinaldo Jaime, tendo o Conselho de Ministros ratificado o contrato atrav?s da Resolu??o 84/09 de 23 de Setembro. Por sua vez, o ?rg?o colegial do governo argumentou que o referido contrato se enquadra no ?mbito da promo??o de investimentos "que visam a prossecu??o de objectivos econ?micos e sociais de interesse p?blico, nomeadamente a melhoria do bem-estar da popula??o, o aumento de infra-estruturas habitacionais, o aumento do emprego, bem como o fomento do empresariado angolano".

Outro aspecto relevante da cria??o da Companhia de Cervejas de Angola S.A ? o facto de integrar tamb?m, como investidor individual, o ministro da Defesa, general Kundy Paihama. A sociedade ? composta ainda pela Bevstar, uma companhia registrada no Chipre, e as empresas de direito angolano Colimax, Lesterfield Capital, Real Business, Waygest e a Novinvest. Esta ?ltima tem como principal accionista o jurista Carlos Feij?, que presta assessoria jur?dica ? Sonangol e preside ? Comiss?o T?cnica da Comiss?o Constitucional.



Para al?m da Companhia de Cervejas de Angola S.A, os mesmos investidores associaram-se na cria??o da Sociedade Vidreira de Angola S.A, que disp?e de um investimento de 60.6 milh?es de d?lares para a constru??o e a labora??o de uma f?brica de vidro, na prov?ncia do Bengo. O Conselho de Ministros aprovou o investimento a 1 de Julho de 2009. O primeiroministro, Paulo Kassoma, assinou o despacho e remeteu o documento ? ANIP para a celebra??o do contrato, o que aconteceu no mesmo dia. O presidente da ANIP, Aguinaldo Jaime, representou o Estado, enquanto os deputados Dino Matross e Jo?o Louren?o assinaram, respectivamente, como investidor individual e como patr?o da JALC. Por sua vez, o general Kundy Paihama tamb?m o fez como investidor privado. O Conselho de Ministros ratificou o contrato atrav?s da Resolu??o 70/09 de 31 de Agosto.

Ambos os investimentos beneficiam de v?rios incentivos fiscais e aduaneiros, tais como isen??es de pagamento de imposto industrial sobre os lucros de actividade de explora??o e comercializa??o por um per?odo de 12 anos. Tamb?m est?o isentos de pagamento de impostos sobre a aplica??o de capitais durantes dez anos, assim como de pagamento de direitos e demais imposi??es aduaneiras por quatro anos. Segundo o Governo, esses incentivos visam promover uma das regi?es mais desfavorecidas do pa?s.

Apesar da preocupa??o manifestada pelo governo em atrair investimentos para o Bengo, o modo como o faz levanta v?rias quest?es de ordem jur?dica, pol?tica e econ?mica que urge abordar.

Do ponto de vista legal, a Lei Org?nica do Estatuto dos Deputados estabelece, no Artigo 20? (C) sobre impedimentos, que o deputado n?o pode "participar em concurso p?blico de fornecimento de bens e servi?os ou em contratos com o Estado e outras entidades colectivas de direito p?blico, salvo os direitos definidos pela Lei dos Direitos do Autor".

Tanto o secret?rio-geral do MPLA, Juli?o Mateus Paulo "Dino Matross", como o vicepresidente da Assembleia Nacional, Jo?o Louren?o, celebraram um contrato com o Estado em viola??o ? lei que rege a sua conduta como deputados.



Por outro lado, o facto de se tornarem s?cios do ministro da Defesa, general Kundy Paihama, enquanto todos exercem cargos p?blicos, inviabiliza a capacidade de t?o influentes deputados para praticarem a separa??o de poderes e fiscalizarem os actos do ministro da Defesa, em particular, e do Governo, em geral. Ao assinar, como investidor privado, um contrato com o Estado, o general Kundy Paihama tamb?m viola o estabelecido na Lei dos Crimes Cometidos pelos Titulares de Cargos de Responsabilidade. Essa lei pro?be, no Artigo 10? (2), o dirigente de participa??o econ?mica em neg?cio sobre o qual tenha poder de influ?ncia ou decis?o no exerc?cio oficial das suas fun??es. O ministro Kundy Paihama ? membro da comiss?o permanente do Conselho de Ministros, com direito de voto nos neg?cios de que ? benefici?rio directo como empres?rio.

? importante, pois, abrir um par?ntesis para explicar as ramifica??es pol?ticas dos actos de abuso de poder e de viola??o da legisla??o em vigor por parte dos titulares dos ?rg?os de soberania. ? por causa dessa promiscuidade entre legisladores e membros do executivo que o presidente da ANIP, Aguinaldo Jaime, enquanto titular de cargo de responsabilidade, oficialmente acompanhou o ministro da Hotelaria e Turismo, Pedro Mutinde, na inaugura??o do Hotel Praia-Mar, ? Ilha de Luanda, a 11 de Novembro de 2009, dia da independ?ncia nacional. O hotel, cujo investimento est? or?ado em 58 milh?es de d?lares, ? propriedade de Aguinaldo Jaime, mas foi apresentado pelo ministro como uma grande iniciativa privada "no quadro de oportunidades de neg?cios que o pa?s proporciona". Aguinaldo Jaime acumula a sua fun??o p?blica com a de s?cio-gerente da sociedade propriet?ria do hotel, Hotel Praia-Mar Lda, contrariando o disposto na Lei dos Crimes Cometidos pelos Titulares de Cargos de Responsabilidade Artigo 10? (2), que pro?be o uso da fun??o p?blica para benef?cio pr?prio.

Assim, n?o h? uma institui??o que seja capaz de fiscalizar ou aconselhar outra sobre a necessidade de transpar?ncia e boa gest?o nos actos de governa??o.

Bornito de Sousa, na qualidade de chefe da Bancada Parlamentar do MPLA, protagoniza outra situa??o grave. O reputado advogado e presidente da Comiss?o Constitucional ? s?cio qualificado da seguradora Mundial Seguros. O Banco de Poupan?a e Cr?dito, uma institui??o



financeira de capitais p?blicos, ? o principal s?cio da referida seguradora. Assim, o banco p?blico e o deputado s?o s?cios na Mundial Seguros, na qual Bornito de Sousa tamb?m assume as fun??es de presidente da Mesa da Assembleia-Geral. Por interpreta??o extensiva, o cargo de deputado ? incompat?vel com o estabelecimento de uma sociedade comercial com uma empresa p?blica, pelo facto de, ? partida, envolver um s?rio conflito de interesses. O deputado exerce o papel de fiscalizador dos actos do Governo, o que inclui as empresas p?blicas. Como pode o deputado agir com isen??o quando ? s?cio, por extens?o, do Estado? Tal sociedade revela tamb?m a pr?tica de tr?fico de influ?ncia cuja defini??o, sem margem para d?vidas, se acha incorporada, enquanto acto de corrup??o, no direito angolano atrav?s das Conven??es da Uni?o Africana e das Na??es Unidas contra a Corrup??o, assim como do Protocolo da SADC contra a Corrup??o.

Por outro lado, Bornito de Sousa ? o s?cio maiorit?rio da Five Towers, International Building and Investments, uma empresa que presta assessoria jur?dica, consultoria, auditoria, e se insere noutros dom?nios comerciais, desde a constru??o civil, venda de cimento, propaganda e marketing at? ? representa??o comercial. O deputado ? parceiro do vicegovernador de Malange, Concei??o Crist?v?o, anterior assessor do primeiro-ministro para os Assuntos Regionais e Locais, o que mais uma vez revela a promiscuidade pol?tica entre legisladores e membros do Governo, com uso e abuso de cargos p?blicos para enriquecimento pessoal.

Di?genes do Esp?rito Santo Oliveira ? presidente da 5? Comiss?o de Economia e Finan?as, da Assembleia Nacional, e mant?m as fun??es de administrador do Banco Comercial Angolano, detido em 50% pelo Barclays Plc, atrav?s do Banco sul-africano ABSA. O referido banco tem como s?cios os deputados Juli?o Mateus Paulo, Dumilde das Chagas Rangel e Fernando Fran?a Van-D?nem, os ministros das Pescas e dos Transportes, respectivamente Salom?o Xirimbimbi e Augusto Tom?s, o governador da Hu?la, Isaac dos Anjos e outras proeminentes figuras do regime.

O Artigo 19? (C) claramente define como incompat?vel o exerc?cio do mandato de deputado com o de membro do Conselho de Administra??o de sociedades an?nimas. Todavia, o



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