As memórias construídas em torno dos Oito Batutas



Resumé

J’ai choisi le récit de Lúcio Rangel sur les Huit Batutas , um groupe de musicians brésiliens des années 1920 qui jouaient du samba e du choro, comme une façon de montrer comme les mémoires sont construites, selon la théorie de Mickael Pollack, en eclairant des faits sur lesquels on veut mettre du significat. Par contre, quelques faits de l’histoire sont oubliés, comme si l’auteur voulait les faire sortir de sont récit sur le passé.

Choro / samba/ l’histoire de la mémoire

Resumo

Escolhi a narrativa de Lúcio Rangel sobre os Oito Batutas, um grupo de músicos brasileiros dos anos 1920 que tocavam samba e choro, como uma forma de mostrar como as memórias são construídas, segundo a teoria de Mickael Pollack , iluminando fatos sobre os quais se quer atribuir significado.Porém outros fatos do passado são esquecidos, como se o autor os quisesse retirar de sua narrativa sobre o passado.

Choro / samba / história da memória

As memórias construídas em torno dos Oito Batutas

Luiza Mara Braga Martins*

Vamos neste breve artigo especificar o enquadramento de memória (Pollack, 1989) feito por Lúcio Rangel sobre o conjunto Oito Batutas. Lúcio Rangel (1962) foi jornalista, crítico de música e musicólogo. Debruçou-se sobre o estudo da música popular brasileira, além de ter igualmente grande conhecimento sobre jazz e enorme acervo destes gêneros musicais.

Foi o editor, junto com Pérsio de Moraes, da Revista da Música Popular, nos anos de 1954 a 1956, no Rio de Janeiro, a mais importante publicação do gênero até então, reunindo dezenas de colunistas e articulistas, em matérias sobre música popular brasileira e dando também conta do panorama musical norte-americano e europeu. A famosa revista teve catorze números e foi recentemente reeditada em fac-símile. Através desta revista e como crítico em colunas espalhadas pela imprensa carioca e paulista, Lúcio Rangel foi um dos principais formadores de opinião sobre música no Brasil nos anos 1950.

Fato interessante na carreira deste incansável pesquisador da música popular brasileira foi seu repúdio ao gênero Bossa Nova. Considerava que a mistura do samba a ritmos estrangeiros, como o jazz, ou mesmo a rumbas e boleros, descaracterizava o nosso ritmo mais genuinamente nacional. Segundo o teórico da comunicação Eduardo Coutinho (2002), de fato, o musicólogo Lúcio Rangel não era um admirador da Bossa Nova. Ao contrário, era um crítico que pretendia “resguardar o objeto da tradição das influências estrangeiras,” concebendo o “popular como fundamento da nacionalidade brasileira”(COUTINHO, 2002:66). Sua concepção de cultura popular era de matriz romântica e folclórica, um folclore passivo, do tipo “poesia da natureza” (natur poesie), segundo os irmãos Grim. Algo que não poderia ter autoria definida, “nasce como árvores, como um dom natural ou divino.” Rangel desconsiderava a dimensão ativa e processual da cultura popular, segundo Coutinho (2002).

Cultor das tradições da música brasileira, encontrou em os Oito Batutas um baluarte desta tradição.

Só compreendendo sua incompatibilidade estética com a bossa-nova é que vamos compreender melhor a eleição de figuras como Pixinguinha e os Oito Batutas no seu livro de 1962, em que, desde o prefácio, reclama do cenário musical degradado. Pixinguinha, os Oito Batutas e outros músicos da Primeira República e dos anos 1930, como Noel Rosa, seriam depositários de uma tradição musical de “pura brasilidade”. Eles precisavam ser lembrados, cultuados, ouvidos, respeitados. Esse foi o trabalho realizado pela Revista de Música Popular. Como o crítico musical José Ramos Tinhorão (1988), Rangel (1962) buscava “preservar a autenticidade da cultura popular em face das influências alienantes da cultura estrangeira” (COUTINHO, 2002:55).

O músico erudito, escritor, crítico de música e folclorista Brasílio Itiberê (1962) fez o prefácio de Sambistas e Chorões, no qual traça o cenário musical que o cercava naquele ano. Neste prefácio, abominava a música de má qualidade veiculada pelo rádio: “música discotecária feita de detritos e de plágios de tudo quanto é chato no mundo.” Sem se autoproclamar um nacionalista ferrenho, “um Policarpo Quaresma”, lamentava a devastação que se abatia sobre a música popular, que tinha sido atingida no cerne – o ritmo:

(...) tornou-se invertebrada, perdendo seus caracteres raciais específicos. Começaram, então, a surgir as formas híbridas – sambas-rumbas – sambaladas – samboleros – como quistos aderentes ao nosso populário, e tudo fabricado na base do plágio e da contrafacção. (...) Em suma, um panorama infecto ! Há, entretanto, um fato que me consola: é pensar que o folclore é coisa eterna e imperecível. A prova aí está na vitalidade criadora de alguns remanescentes da velha guarda, a exemplo desse bravo Pixinguinha, que constinua a produzir maravilhas, como se tivesse vinte anos. (RANGEL, 1962, prefácio)

Brasílio Itiberê também acentuava a facilidade com que Lúcio Rangel transitava entre o erudito e o popular, e sua “autenticidade folclórica”. Por tudo que foi dito neste prefácio, é importante destacar em que contexto foi escrito um livro que alude a os Oito Batutas. Para seu autor e seu prefaciador, o cenário musical era degradante, e era preciso buscar no passado da música brasileira valores que estavam ausentes no presente.

Apenas entendendo o desapontamento de Lúcio Rangel e Brasílio Itiberê com o cenário musical de início dos anos 1960, é que compreenderemos o resgate de músicas populares mais antigas e seus compositores, assim como o culto à velha guarda, encabeçada por Pixinguinha, Donga e João da Baiana, todos ainda vivos na época.

Lúcio Rangel buscou reler as produções musicais cariocas das primeiras décadas do século XX, dedicando-lhes uma memória em que cultua uma tradição, tradição que honrava o que havia de valor na música popular brasileira. É com estes olhos que vamos ler as alusões a Pixinguinha, Donga e aos Oito Batutas. Vamos ter uma ideia do que foi atribuído por Lúcio Rangel à história desse conjunto. É importante destacar alguns trechos, porque se trata do primeiro esforço de se fazer uma história dos Oito Batutas. Apesar das imprecisões e dos equívocos encontrados, principalmente quando os comparamos, hoje, com pesquisas mais recentes e mais completas, Lúcio Rangel assinou definitivamente o tom que, daqui para frente, marcaria todas as falas sobre os Oito Batutas.

Foi um enquadramento de memória vitorioso, que definia o grupo musical como pais fundadores da Música Popular Brasileira.

O texto de Lúcio resgata a historicidade e tece uma narrativa para a carreira do grupo. Daí a importância de citarmos trechos por vezes extensos, para percebermos o tratamento que Lúcio dá ao conjunto.

Num capítulo intitulado “Os tempos heróicos”, Rangel não define o termo, mas remete-nos aos primeiros tempos das gravações mecânicas, do fonógrafo e do gramofone. Cita músicos populares e suas gravações, como Patápio Silva, Baiano, Roberto Roldan, Mario Pinheiro, Os Geraldos, as Bandas do Corpo de Bombeiros, da Casa Edson, da Casa Faulhaber, entre outras. Lembra Donga de “Pelo Telefone” e O Grupo do Coringa, que gravou “Caninha”. A orquestra do Chico Bóia, que gravou “Careca”, o Grupo Carioca, com o trombonista Candinho. Lembra Eduardo das Neves, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Catulo da Paixão Cearense, Vicente Celestino, Francisco Alves e Sinhô, além de outros.

Mesmo não esquecendo antecessores ilustres, Pixinguinha é citado entre outros compositores e cantores como

(...) todo um capitulo da nossa música popular. Compositor, instrumentista, orquestrador e regente, está presente em pelo menos quinhentos discos de sucesso (...) Como orquestrador e regente, vamos encontrá-lo à frente de inúmeros grupos, como os Oito Batutas, a orquestra Típica Pixinguinha-Donga, a orquestra Columbia de Pixinguinha, o grupo da Velha Guarda, Diabos do Céu e muitos outros.(RANGEL,1962:39-40)

Sobre Pixinguinha, prosseguindo em sua biografia, Rangel diz: “(...) sendo um músico completo, e mais, tendo o verdadeiro ‘espírito’ de brasilidade em suas orquestrações, sabendo o tempo certo e a execução certa, o repertório certo e representativo de nossa música popular, sua fama se faz aumentar”(RANGEL, 1962:76).

Nesta tentativa de tecer uma breve biografia sobre Pixinguinha, Lúcio dedicou grande parte do seu trabalho a os Oito Batutas. O mesmo aconteceu posteriormente. Nas duas biografias de Pixinguinha, publicadas na década de 1970 por Marília T. B. da Silva e Arthur de Oliveira Filho (1979) e Sérgio Cabral (1977), grande parte das obras é dedicada à carreira do conjunto.

A alusão a os Oito Batutas se dá num clima de evocação dos músicos da Primeira República, construindo uma ambiência, uma aura para os precursores das gravações de discos no Brasil. Nesse contexto, o conjunto aparece submetido a um capítulo da brilhante carreira de Pixinguinha, que esteve à frente deste e de vários outros conjuntos, emprestando-lhes sua genialidade.

Rangel enumera suas primeiras gravações e ressalta a ingênua imprecisão do flautista ao comentar o período: Pixinguinha não lembrava qual tinha sido sua primeira música gravada. Donga também era impreciso ao falar de os Oito Batutas. Perguntado por Almirante sobre quanto tempo o conjunto permanecera na Europa, respondeu: “Desde que saímos do Brasil até que voltamos”(RANGEL, 1962:49). Podemos supor que, no início da década de 1960, os principais músicos de os Oito Batutas não tinham ainda consolidado ou ouvido alguma consolidação sobre sua obra e seu papel na História da Música Brasileira.

É importante registrar que, em 1962, Pixinguinha, ainda vivo, não tinha sido biografado. Foi considerado por Lúcio “o maior músico popular que já tivemos em todas as épocas, mesmo considerando a grandeza de um Ernesto Nazareth, de um Sinhô ou de um Noel Rosa”(RANGEL, 1962:64). Estava consolidado o nosso panteão de heróis musicais. Elogios, popularidade, genialidade e reconhecimento internacional precisavam ser exaltados. Vejamos.

Lúcio situou, equivocadamente, o início dos Oito Batutas no ano de 1922, no Cine Palais.[1] “Aí nasceria o mais célebre conjunto instrumental de nossa música popular: Os Oito Batutas”(RANGEL, 1962:68). Também foi caloroso ao falar deles, trazendo à tona a memória de uma carreira bem sucedida e mais meteórica do que foi de fato. Vejamos trechos de sua descrição:

Em poucos dias o hall do Palais atraía multidões. O trânsito da Avenida Central era interrompido, muita gente comprava entrada apenas para ouvir o novo conjunto, tal a novidade e a beleza de suas execuções, o imediatismo de suas músicas. Rui Barbosa era admirador dos mais assíduos às sessões do cinema, Ernesto Nazareth saia do seu piano no cinema Odeon, quase em frente ao Palais, para ouvir deliciado as músicas de Pixinguinha e seus companheiros. Passou a ser a grande sensação da temporada as exibições dos “Oito Batutas”. Com a vinda do bailarino Duque e sua companheira, Gaby, que faziam furor nas capitais do velho mundo, passaram os “Oito Batutas” a tocar, também, no Cabaré Assírio no andar subterrâneo do Teatro Municipal, freqüentado pela jeunesse dorée, os play-boys da época, rapazes ricos e pouco atarefados. Foi Duque quem sugeriu ao Sr. Arnaldo Guinle ajudar o conjunto em uma temporada na Europa. (RANGEL, 1962:69-70)

Este relato contém lapsos importantes de tempo e acontecimentos. Entre a estreia do grupo no Palais, em 1919, até sua viagem a Paris, em janeiro de 1922, passaram-se quase três anos. Arnaldo Guinle se tornou mecenas do grupo ainda em 1919, quando financiou turnês de os Oito Batutas por vários estados do Brasil, pedindo-lhes em troca uma pesquisa sobre o folclore musical de cada região por eles visitada. Foram a São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia e Pernambuco.

No relato de Lúcio, tudo parece ser mais meteórico do que foi. Mas dele estão ausentes também as inúmeras resistências que apareceram na imprensa contra os Oito Batutas em forma de críticas, tanto raciais quanto musicais. Faltou também a Lúcio comentar as várias mudanças de músicos que o conjunto sofreu, assim como sua controvertida aproximação do estilo das jazz-bands.

Sobre a viagem a Paris, Rangel cita o relato de Floresta de Miranda, que, além de jornalista, era secretário particular de Arnaldo Guinle, comentando a chegada dos músicos no inverno francês, tiritando de frio sem os trajes apropriados: “A estréia no Sherazade. Sucesso completo. Paris acode àquele dancing. Pixinguinha com sua flauta infernal faz o diabo. China abafa no pinho com sua bela voz e Donga abafa no pinho e desperta paixões...”(RANGEL, 1962:70).

O primeiro prêmio de flauta do Conservatório de Paris, Harold de Bozzi, teria ficado “embasbacado com Pixinguinha”(RANGEL, 1962:70). O público de Paris, durante seis meses, teria cercado o grupo, entusiasmado. Depois, temporada em Buenos Aires, onde gravaram, na Victor, discos raríssimos.[2] “Em 1923, já estariam no Assírio, com orquestra e vários instrumentos de sôpro. Se não se apresentavam como os ‘Oito Batutas’, conservaram, segundo Rangel, todas as qualidades que fizeram deles legítimos expoentes da nossa música popular” (RANGEL, 1962:71).

Nesse último trecho, Lúcio Rangel ressalta que, na volta da Argentina, os Oito Batutas trocaram de nome e se apresentavam com vários instrumentos de sopro. Será que o autor desconhece que foi nesse período que eles se apresentavam no estilo das jazz-bands, sendo Rangel um dos grandes conhecedores e colecionadores dos discos de jazz? O fato da presença de instrumentos de sopro pode estar relacionada à moda do jazz entre nós, nos anos 1920. Mas desprezar essa referência é um indício muito evidente das escolhas de Rangel sobre o que lembrar e esquecer de os Oito Batutas.

Lúcio Rangel chega a pontuar que, apesar da mudança no nome e da inclusão dos instrumentos de sopro, os músicos “conservaram todas as qualidades que fizeram deles legítimos expoentes da nossa música popular”, conforme citação acima.

Nesse jogo de luz e sombra que marca a eleição de uma memória, em detrimento de outras, é possível que a transformação dos Oito Batutas numa jazz-band tenha sido posta no esquecimento por Rangel, para que as qualidades nacionais do conjunto pudessem ser destacadas, postas em relevo. Não podemos esquecer que os Oito Batutas são evocados por Rangel, neste contexto, para servirem de contraponto à bossa nova, que era, talvez, mais uma aproximação entre o samba e o jazz. Desta forma, como admitir que os próprios Oito Batutas foram, eles também, uma orquestra de jazz?

Não podemos esquecer que, durante parte da carreira dos Oito Batutas, eles se lançaram em turnês pelo Brasil, trajando vestes sertanejas, num espetáculo chamado “Uma noite no sertão”. E o repertório eclético do grupo incluía cocos, toadas sertanejas, emboladas e cateretês, além do samba e do choro, do maxixe e das modinhas, do corta-jaca e do lundu. Ele relegava ao esquecimento a sua transformação numa orquestra de jazz. Afinal, estamos falando de um formador de opinião sobre música, que repudiava as influências do jazz na música brasileira. Como, então, reconhecer em Os Oito Batutas a inflluência deletéria do jazz, se os considerava os baluartes da tradição de tudo quanto era genuinamente brasileiro?

Segundo minhas pesquisas, em seus catorze números, publicados entre 1954 e 1956, a Revista da Música Popular fez cinco alusões aos Oito Batutas. Numa destas referências, a Revista cita o disco “Garuna”, na verdade, o maxixe “Graúna”, de João Pernambuco, gravado pelos Oito Batutas na Argentina, como um disco raríssimo. Dos Batutas que o gravaram, diz a matéria, apenas quatro ainda sobreviviam (era o ano de 1955).

Alguns sobreviventes do conjunto e outros músicos, que a eles vieram juntar-se, como Pixinguinha, Donga, Jacob, Raul Palmieri, João da Baiana, Bororó, Sebastião Cirino, Mirinho, Salvador, Benedito Lacerda, etc., constituíam, segundo a revista, a chamada Velha Guarda e conservavam “as legítimas tradições da música popular brasileira”. Ainda recebiam elogios os festivais, realizados anualmente em São Paulo, por iniciativa de Almirante e da Rádio Record: ”eram verdadeiros acontecimentos” (Revista da Música Brasileira, 1955:293). Estamos vendo, então, que houve uma tentativa de dar continuidade aos Oito Batutas pelos conjuntos denominados de Guarda Velha, nos anos 30, e, depois, da Velha Guarda, com Almirante, nos referidos festivais. A revista cobria os Festivais da Velha Guarda com fotos, reportagens e depoimentos. Se pensarmos nestes termos, Os Oito Batutas atravessaram décadas tocando o autêntico repertório do samba e do choro cariocas, pois seu maestro fundador, Pixinguinha, foi igualmente líder e maestro orquestrador, além de instrumentista dos conjuntos da Guarda Velha e da Velha Guarda. Estes dois conjuntos, entre outros que Pixinguinha formou, teriam mantido a tradição de os Oito Batutas.

No contexto de repúdio à bossa nova, ao sambolero e ao samba-rumba, Lúcio Rangel escreveu sobre os Oito Batutas e, numa primeira tentativa de lhes legar uma história, tornou-os depositários de uma tradição musical no país, tradição esta que não deveria ser mudada pela aproximação do samba com gêneros musicais estrangeiros. Ao abordá-los como legítimos representantes do folclore urbano do Brasil, deixou na sombra o fato de se terem apresentado durante anos como a “jazz-band Oito Batutas”. Neste enquadramento de memória, feito nos anos 1950/1960, não cabia evocar a aproximação entre os Oito Batutas e o jazz. Os Oito Batutas foram eleitos representantes do samba autêntico e da tradição.

Mais uma vez, é possível perceber como cada contexto iluminou diferentes aspectos de os Oito Batutas, em função das batalhas musicais que se travavam naquele momento histórico. Em outras palavras, pode-se dizer que o mundo musical é um lugar de lutas e conflitos, de construção de novas e renovadas identidades.

Lúcio Rangel dos anos 1950 aos 1960, buscou preservar e cultuar a figura de Pixinguinha, dos Oito Batutas, do pessoal da Guarda Velha e da Velha Guarda. Estes músicos eram os depositários de uma tradição e de uma autenticidade brasileiras que não poderiam ser perdidas. Houve, assim, a “museificação” da figura de Pixinguinha, que, desde os trinta e quatro anos, já era associado ao que havia de tradicional na música brasileira. Lúcio Rangel é certamente o maior articulador da criação de uma versão que toma os Oito Batutas como baluartes da tradição, como uma espécie de pais fundadores da verdadeira música popular brasileira.

Esta aura quase mágica que cerca os Oito Batutas até hoje, pelo menos no restrito círculo de seus admiradores e conhecedores, foi criada, principalmente nos anos 1950 e início dos 1960, por este autor. Rangel, através principalmente da Revista da Música Popular, nos anos 1950, foi um dos grandes responsáveis pela formação de opinião a respeito da música no Brasil. O autor, por meio de suas publicações, consolidou um determinado enquadramento da memória e da história dos Batutas.

Rangel foi autor nacionalista, que procurava definir as tradições musicais brasileiras, dando-lhes uma história, realçando suas vitórias, assim como suas especificidades. Preocupado com a perda da identidade cultural musical no Brasil, elegeu os Oito Batutas como um símbolo de músicos autênticos e nacionais. Como se vê através deste estudo de caso, a questão da nacionalidade cultural atravessa as histórias e as memórias escritas e divulgadas sobre o conjunto.

BIBLIOGRAFIA

Coutinho, Eduardo Granja. Velhas histórias, memórias futuras: O sentido da tradição na obra de Paulinho da Viola. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2002

POLLACK, Mickael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”. In: Estudos Históricos, vol.2, n.3, 1989

RANGEL, Lúcio. Sambistas e chorões – aspectos e figuras da música popular brasileira. São Paulo: Livraria Francisco Alves/Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1962

REVISTA DA MÚSICA POPULAR. Edição fac-símile 1954/1956. Rio de Janeiro: FUNARTE/Bem-Te-Vi, 2006

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[1] Nota da autora: o fato se deu em abril de 1919, 1922 foi o ano em que Os Batutas foram a Paris e Buenos Aires.

[2] Hoje, reunidos no selo Revivendo, encontram-se reunidas as vinte músicas gravadas pelos Oito Batutas na Victor Buenos Aires.

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