UMA ANÁLISE ECOLINGUÍSTICA DA MÚSICA SERTANEJA DE RAIZ NA ...

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Ecolingu?stica: Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem, v. 03, n. 01, p. 73-83, 2017.

"BOI TUF?O": UMA AN?LISE ECOLINGU?STICA DA M?SICA SERTANEJA DE RAIZ NA SOCIEDADE RURAL BAIANA DO IN?CIO DO S?C. XX Hans Donner Gomes da Mota (UEG) Jo?o Nunes Avelar Filho (UEG)

R e s u m o : O presente artigo tem como objetivo analisar a m?sica "Boi Tuf?o" interpretada pelo Trio Parada Dura, pela ?tica da ecolingu?stica. Nessa obra ? poss?vel ver as rela??es sociais existentes no in?cio do s?culo XX no sert?o da Bahia, bem como a rela??o das pessoas como o meio em que vivem. A constru??o mental da l?ngua tamb?m se faz presente e est? ligada a quest?es inerentes ? vida do sertanejo. A imutabilidade do destino tamb?m se faz presente na m?sica, pois a cren?a em um destino contra o qual n?o se pode lutar est? presente na humanidade desde os gregos at? os dias atuais e permeia todas as classes sociais. Entender como elementos aparentemente distantes do dia a dia do sert?o est?o presentes na m?sica ? outro objetivo do artigo.

P a l a v r a s - c h a v e : Destino. M?sica sertaneja. Ecolingu?stica. Sert?o

A b s t r a c t : The objective of this article is discuss the music and lyrics "Boi Tuf?o", sang by Trio Parada Fura, using the framework of ecolinguistics. This piece enables unveils some of the social relationships of the beginning of 20th century in the hinterland of Bahia, as well as the relationships of humans with their environment. The mental make-up of the language is also presente, as can be seen in the lives of the hillbillies. The inevitability of destiny can also be seen in the music, a destiny we cannnot avoid. This happens from the time of the Greeks up to the presente time. There are also some features that do not belong to the hinterland's lefe.

K e y w o r d s : Destiny. Country music. Ecolinguistics. Hinterland.

1. Introdu??o N?o ? de hoje que ? muito comum usar as manifesta??es art?sticas de uma ?poca ou lugar para entender seu o contexto hist?rico e cultural. Muito do que conhecemos da long?nqua cultura grega, por exemplo, chegou a n?s pelos resqu?cios de suas artes, principalmente no que diz respeito a sua religi?o como ? bem n?tido em Il?ada e na Odisseia. O aedo era figura principal na divulga??o dos mitos: "inspirados pelas musas, Hes?odo proclamava que ia revelar o `verdadeiro', celebrar o que foi e o que ser?".1 Os

VERNAT, Jean Pierre. `Raz?es do Mito'. Em: idem. Mito e sociedade na Gr?cia antiga. Bras?lia: Editora da UnB/Rio de Janeiro: Jos? Ol?mpio, 1992, pp. 183.

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` gregos acreditavam em seus mitos, eles viviam e agiam sob sua orienta??o. Portanto, podemos encarar qualquer manifesta??o art?stica como um objeto de estudo capaz de descortinar um mundo inteiro de significado. A m?sica brasileira de maneira geral ? muito rica de significados, desde sua forma??o at? os dias de hoje. Representante de uma parte importante da ess?ncia da brasilidade, o samba ? tido como um identificador do brasileiro mundo a fora. Apesar da import?ncia e da notoriedade do samba no cen?rio nacional, outros estilos musicais se fazem presentes na cultura brasileira como o sertanejo. O termo tem origem no sert?o nordestino do trabalhador das regi?es sertanosas do nordeste. J? o estilo musical est? relacionado ? cultura caipira da regi?o sudeste do Brasil. A partir do Estado de S?o Paulo, do seu interior, surge um sujeito t?pico que foi chamado de caipira. Esse caipira destingiu-se dos moradores rurais de outras regi?es do pa?s e s? passou a ser conhecido no in?cio do s?culo XX gra?as ? divulga??o de Corn?lio Pires (1884 - 1958). Nascido em Tiet?, ele foi respons?vel por propagar os princ?pios da cultura caipira. Viajou por v?rias cidades do interior contanto "causos" oriundos da vida no campo e foi o primeiro a inserir a m?sica de origem caipira na ind?stria fonogr?fica, em 1928, tornando a m?sica caipira algo comercial e mais not?rio no cen?rio nacional, al?m de lan?ar v?rios livros com a tem?tica da vida simples do homem no campo. A divulga??o de Corn?lio Pires abriu as portas para v?rios cantores de m?sica caipira origin?ria do campo, pois muitos cantores abandonaram a vida na ro?a para tentar a sorte nas r?dios da cidade. As composi??es caipiras trazem as dores e as alegrias do sertanejo, o dia a dia, a lida na ro?a, os amores, as lendas, as festas, e muitos outros temas pertinentes ? cultura caipira se fazem presentes nas m?sicas. Esse sertanejo de raiz vigora no cen?rio nacional at? mais ou menos a d?cada de 80, quando novas duplas surgem introduzindo novos elementos no estilo musical tornando-o mais urbano. Hoje h? uma divis?o entre o sertanejo de raiz, mais antigo e mais vinculado ao campo, e o sertanejo moderno, que aborda temas relacionados com a cidade. Em termos sociol?gicos a m?sica caipira retrata as rela??es de um grupo (moradores do campo) com o meio f?sico (campo). Por narrar muitas vezes o que o compositor viveu ou tratar de temas do meio rural, a m?sica caipira conquistou muitos f?s, que se identificavam e, provavelmente, se

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` sentiam representados nela. Nos sert?es mais isolados existiam ouvintes das m?sicas sertanejas com seus radinhos de pilha, pois o meio representava para o grupo uma totalidade, cujos limites coincidiam com os limites da atividade e mobilidade grupais, conforme C?ndido (1997). A representa??o do contexto e da intera??o entre o indiv?duo e o meio ? muito recorrente nessas m?sicas. Atualmente, cantores sertanejos reverenciam cantores genuinamente caipiras, e ? muito comum m?sicas antigas serem regravadas por cantores consagrados.

2. Hist?ria e An?lise de m?sica sertaneja `Boi Tuf?o' A m?sica proposta para an?lise neste artigo ? "Boi Tuf?o". composta por Jer?nimo Divino Tomaz, conhecido no mundo musical como Criolo. Ele comp?s centenas de m?sicas ao longo de mais de 50 anos de carreira e permaneceu ativo na m?sica at? seu falecimento em 2013. No decorrer de sua carreira teve dezenas de duplas, j? que umas das principais caracter?sticas dos cantores sertanejos ? formar duplas; a primeira e segunda voz, e muitos discos gravados. Em 1983 ganhou o disco de ouro pela m?sica "Toalha molhada" que foi uma das mais regravadas do artista. Tamb?m foi o compositor da m?sica "Hino de Reis" que faz parte do museu do folclore de Bras?lia e foi gravada inclusive em Portugal. Optei por usar como fonte a vers?o cantada pelo "Trio Parada Dura", lan?ada em 2006, pois n?o encontrei na discografia do compositor nenhuma grava??o da m?sica "Boi Tuf?o" ou qualquer outra informa??o do ano em que foi composta ou onde. Nesta m?sica ouvimos a hist?ria de um fazendeiro chamando Jeremias, um rico criador de gado do sert?o da Bahia, que leu a sorte do seu filho em uma cigana:

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Em um mil e novecentos No estado da Bahia Um rica?o fazendeiro Por nome de Jeremias Leu a sorte do seu filho Com a cigana Maria!

Ela disse meu amigo Me corta o cora??o Mais se veio pra saber Vou lhe dar explica??o O seu filho vai morrer Nos chifres do boi Tuf?o!

Fazendeiro Jeremias Mandou chamar o empregado! Vai buscar o boi Tuf?o Deixe ele encurralado Amanh?, rompendo o dia! O boi vai ser degolado!

O mo?o era obediente No cavalo foi montando Saiu pelo pasto afora Com o cora??o sangrando Desceu o chap?u no rosto Pra ningu?m lhe ver chorando!

Mataram o boi Tuf?o Os anos foram passando A cabe?a do animal No quintal ficou rolando! Naquele mesmo lugar Menino estava brincando

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E na hora do almo?o A sua m?e lhe chamou Garoto saiu correndo Numa pedra trope?ou Caiu na ponta do chifre Do boi que seu pai matou!

Naquele sert?o bravio Nada puderam fazer Foram chamar o doutor Ele n?o p?de atender O seu pai em desespero Vendo seu filho morrer

Menino falou baixinho Papai preste aten??o Eu vou pra junto de Deus Me tenha no cora??o Meu destino era morrer Nos chifres do boi Tuf?o!

A m?sica "Boi Tuf?o" apresenta um contexto bastante interessante e aparentemente distante da realidade do compositor, visto que tem como cen?rio o sert?o da Bahia, mais precisamente no in?cio do s?culo XX, no ano de 1900, e Criolo nasceu em Ituiutaba MG. Apesar da dist?ncia, os dois estados fazem divisa e o movimento migrat?rio de estados do nordeste para o sudeste ? muito comum desde a primeira metade do s?culo XX. No estado de S?o Paulo, o n?mero de imigrantes da regi?o nordeste em busca de novas condi??es de vida ? muito grande, e foi justamente em S?o Paulo que Criolo viveu durante cerca de 30 anos compondo e cantando nas r?dios. Mesmo com a dist?ncia temporal e f?sica, a narrativa musical consegue abarcar de maneira fiel como era o sert?o baiano no in?cio do s?culo XX. O isolamento das comunidades rurais daquela ?poca com a escassez de estradas, e as que existiam de m?

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