Sobre o assassinato de Eduardo Mondlane (2)



Sobre o assassinato de Eduardo Mondlane (2)

Por Benedito Tomás Muianga

Versões sobre um assassinato

Frustrada a tentativa de alternar o poder da Frelimo durante o II Congresso, em Dar-es-Salaam, Mateus Gwenjere mobilizava apoios entre os guerrilheiros e makondes vindos de Zanzibar, Mtwara ou Cabo Delgado para a eleição de um novo presidente da Frelimo que ele pretendia realizar em Janeiro de 1969. As ramificações desses apoios conduziam-no até Rashidi Kawawa, segundo vice presidente da Tanzânia, a Lawi Sijoana, ministro da Saúde, e a J.H.K. Matola, super intendente da Polícia em Dar-es-Salaam, entre outros. Mondlane, porém, recorreu ao presidente do Comité de Libertação da OUA, através do qual conseguiu que Mateus Gwenjere fosse detido e desterrado para Tabora a 28 de J Dezembro. A 3 de Janeiro de 1969, o Comité Executivo da Frelimo reuniu-se na capital tanzaniana, tendo decidido suspender Lázaro Kavandane de secretário provincial de Cabo Delgado

Precisamente um mês depois, Eduardo Mondlane morria em Dar-es-Salaam, vítima da explosão de uma encomenda bomba. Passados vinte e seis anos, continuam por esclarecer na sua totalidade as circunstâncias deste crime político. Arreigada à sua postura criptíca, a direcção da Frelimo tem-se servido da ocorrência para fins políticos, nomeadamente para denegrir oponentes seus e justificar a execução de parte dos mesmos. Se antes, e imediatamente após a Independência, a Frelimo concentrava as suas acusações sobre a PIDE/DGS, hoje ela tornou-se mais abrangente, apontando o dedo aos chamados "traidores".

Não obstante o facto da morte de Eduardo Mondlane ter ocorrido numa fase bastante conturbada da Frelimo, há fortes indícios de que a Polícia política do regime colonial foi quem executou o crime. A grande incógnita reside em saber se a PIDE/ /DGS actuou em conluio com as forças que dentro da Frelimo se opunham a Mondlane; se aquela polícia política apenas se aproveitou dessa situação, agindo independentemente ou se houve uma coincidência de planos. Estas e outras dúvidas poderiam ser esclarecidas se a Frelimo fosse mais transparente na sua conduta, trazendo a público o relatório elaborado conjuntamente pela Policia tanzaniana e inglesa, em colaboração com a Interpol, em vez de mantê-lo fechado a sete chaves.

As revelações feitas neste semanário por Sérgio Vieira não esclarecem tais dúvidas. Pelo contrário, geraram ainda maior confusão. Confrontadas com o parecer das autoridades policiais tanzanianas e de citações extraídas do referido relatório, as revelações daquele membro da Frelimo tornam-se ambíguas e infundadas. O facto de Sérgio Vieira encontrar-se no Cairo na altura da morte de Mondlane não constitui motivo para ele ter feito afirmações descabidas, como, por exemplo, a de que a encomenda-bomba fora entregue a Uria Simango ou a Silvério Nungo, um dos quais a teria alegadamente feito chegar às mãos da vitima.

Na realidade, as investigações conduzidas pela Polícia tanzaniana revelaram que, por uma questão do sorte, Simango não caiu vítima da bomba que viria a matar o presidente da Frelimo Depois da encomenda bomba ter sido encaminhada para os escritórios da Frelimo, no dia 1 de Fevereiro, Uria Simango pegou nela e até rasgou, parcialmente, o papel que a embrulhava para ver o que continha! Ao notar que se tratava de um livro em francês -idioma quo ele não entendia - voltou a fechar a encomenda. Além do mais, se Simango estivesse envolvido no caso, obviamente que ele nem pararia nos escritórios da Frelimo até que Mondlane recolhesse a encomenda. É de salientar que a 11 de Março, Uria Simango recebeu, através dos correios de Nachingueia, uma encomenda-bomba semelhante àquela que vitimara Mondlane. Uma terceira encomenda, também armadilhada, foi endereçada a Marcelino dos Santos, mas em ambos os casos a polícia tanzaniana já estava alertada, tendo desactivado os respectivos engenhos explosivos. Ao contrário do que afirmou Sérgio Vieira, nenhuma encomenda-bomba foi enviada a Samora Machel, embora a Polícia tanzaniana deduzisse que o chefe do departamento de defesa da Frelimo, assim como Joaquim Chissano, seriam os próximo alvos dado que os livros até então recebidos faziam parte duma série de cinco volumes da obra de Georgy Plekhanov.

Quanto a Silvério Nungo, não deixa de ser estranho, que sendo ele um dos suspeitos conforme Sérgio Vieira, afirma, a Polícia tanzaniana tivesse permitiria que ele permanecesse em liberdade e que a Frelimo até tivesse podido tê-lo enviado para a Base Central de Cabo Delgado, onde viria a ser executado a 8 de Junho de 1969. Tendo a morte de Eduardo Mondlane ocorrido na Tanzânia, logo, as autoridades deste país tinham jurisdição plena sobre um suspeito como Nungo. Especialmente numa altura em que as investigações ainda decorriam. E se Silvério Nungo tivesse sido de facto o responsável pela entrega das encomendas bomba, que motivos teria para eliminar Uria Simango, um forte aliado seu dentro da Frelimo?

Num outro passo das suas declarações, Sérgio Vieira refere que"... as autópsias, os dados demonstraram que Mondlane estaria de pé quando rebentou a bomba e a explosão atinge-lhe a caixa torácica, destrói-lhe os membros superiores e não lhe destrói os membros Inferiores...

Segundo o relatório da autópsia elaborado pela Policia tanzaniana, o livro explodiu quando Mondlane, sentado numa cadeira, o tinha sob o colo. Os ferimentos foram infligidos na zona abdominal, tendo o impacto da explosão até furado o assento da cadeira. Aliás, inicialmente, as autoridades tanzanianas aventaram a hipótese de que a explosão fora causada por uma mina colocada sob o assento da cadeira.

Quanto á entrega da encomenda bomba que vitimou Mondlane, Sérgio Vieira traça uma trajectória deveras interessante em que a PIDE/ /DGS teria recorrido a pessoas estranhas aos seus serviços, nomeadamente Jardim e Cristina, e que estes teriam posteriormente, entregue a encomenda a um conhecido inimigo do regime colonial português, o padre Pollet. Este passaria depois a encomenda para Samuel Dhlakama, em Mbeya, o qual, já em Dar-es-Salaam, a teria entregue a Simango ou a Nungo. De facto, a PIDE/DGS não teria encontrado melhor forma para pôr em risco uma operação tão melindrosa que visava decapitar a direcção da Frelimo, para já não falar da possibilidade da encomenda vir a ser aberta pelas autoridades fronteiriças, ou ser detectada pela vigilância tanzaniana, pois um volume de 15x25 cm, com mais de 800 páginas, não é exactamente um livro de bolso! Sérgio Vieira não diz como é que as outras duas encomendas-bomba chegaram à Tanzânia.

Os familiares de Samuel Dhlakama já tiveram a oportunidade de rebater as alegações de Sérgio Vieira. Relativamente a Jardim e a Cristina, afirmou Sérgio Vieira:

"O livro-bomba é montado na Beira. É levado da Beira para o Consulado Ge-

ral de Portugal, no Malawi, em que estava Jorge Jardim e outro funcionário que acompanhava sempre Jardim, que era o senhor Orlando Cristina".

A verdade é que Jardim era cônsul do Malawi na Beira e não de Portugal naquele país, e, em 1969, Cristina era o responsável pela segurança da empresa Lusalite, no Dondo, Jardim, no seu livro, "Moçambique, Terra Queimada", afirma que:

"Quando o Dr. Eduardo Mondlane (por quem o Dr. Banda tinha sincero apreço) foi assassinado, preparava-se o Presidente do Malawi para promover o nosso encontro. Não o quisera fazer mais cedo por duvidar da minha preparação para isso. Por tudo, tive a maior pena em que esse crime houvesse sido cometido. Só faltava que, anos depois, me viessem a acusar de o ter planeado".

Voltando a contrariar o parecer da Polícia tanzaniana, ao que parece para reforçar a sua tese sobre o alegado envolvimento de Jardim e Cristina, Sérgio Vieira afirmou que as pilhas usadas na encomenda-bomba haviam sido exportadas do Japão para a cidade da Beira, onde teriam sido comercializadas. De acordo com as autoridades tanzanianas, as pilhas faziam parte de um lote de 2 000 que haviam sido exportadas pela fábrica Hitachi-Maxell de Osaka, Japão, para Lourenço Marques, mais concretamente para a Casa Pfaff, cita na Rua Joaquim Lapa, n° 5.

O papel da PIDE/DGS

Há também fortes indícios do envolvimento da facção makonde na morte de Mondlane, pois, como atrás referimos, já em Maio de 1968, elementos fiéis a Kavandame haviam tentado eliminar o presidente da Frelimo. A rendição de Lázaro Kavandame aos portugueses, a 16 de Março de 1969, numa altura em que a Polícia tanzaniana pretendia interrogá-lo em Mtwara, no âmbito das investigações sobre a morte de Mondlane, não deixa de ser sintomática. Mas até que ponto a PIDE/DGS teria dependido de Kavandame ou da sua facção para executar o crime, é algo que carecesse ainda de esclarecimento.

O que é tido como certo é que as encomendas bomba, incluindo a que matou Mondlane, foram montadas por Casimiro Monteiro, inspector da PIDE/DGS em serviço em Lourenço Marques desde 1965. Monteiro, que entrara para a Divisão de Informações da PIDE/DGS, em Novembro de 1964, fora transferido para a capital moçambicana pouco depois de ter participado na "Operação Outono" que culminou no assassinato do General Humberto Delgado. Nos finais da década de 50, Monteiro havia recebido treino especializado em explosivos. Já em 1967, a delegação da PIDE em Lourenço Marques iniciara os preparativos da "Operação Barbarossa" destinada a assassinar Eduardo Mondlane. A operação envolvia o envio de agentes seus a Dar-es-Salam durante a estação alta de turismo.

Uma indicação do envolvimento da PIDE/DGS foi dada pelo então governador colonial, Baltazar Rebelo de Sousa. No dia seguinte ao da morte de Eduardo Mondlane, e enquanto os primeiros despachos das agências noticiosas a partir de Dar-es-Salaam diziam que o presidente da Frelimo havia caído vítima de tiro de espingarda. Rebelo de Sousa, bastante intrigado com as notícias, afirmava em privado que o governo português era da opinião que o uso de uma bomba-relóglo seria mais típico dos makondes.

Fontes consultadas:

1. Mateus Pinho Gwenjere, perfil autobiográfico. Tabora. 16 de Novembro de 1972.

2. Stanley Meister, "Rebel Unit Spli Over Africa Goate",

in Los Angeles Times, 30 de Junho de 1968, relativamente as relações entre Mondlane e Gwenjere.

3. Francisco Nota Moisés. Entrevista com o autor, Victoria, 6 de Março de 1992, relativamente ao conflito entre os estudantes e a direcção da Frelimo.

4. Geoffrey Sawaya, director da Polícia judiciária, CID Depoimentos sobre as investigações do assassinato do presidente da Frelimo, Dar-es-Salaam, 5 e 15 de Fevereiro, e 26 de Março de 1969.

5. Sérgio Vieira. Entrevistado por Salomão Moyana, in Savana. 18 de Fevereiro de 1994, pp 1-5

6. The Standard. Dar-es-Salaam. Edição de 25 de Março de 1969, anunciando que Uria Simango recebera uma encomenda-bomba.

7. Uria Timóteo Simango, "Situação Triste na Frelimo", Dar-es-Salaam, 3 de Novembro de 1969, relativamente à execução de Silvério Nungo.

8. Urias Timóteo Simango, conferência de imprensa, in "Notícias da Beira". 24 de Agosto de 1974.

9. Francisca Dhlakama. Entrevistada por Salomão Moyana, in Savana, 4 de Março de 1994, pp 1.12-13.

10. Jorge Jardim, "Moçambique Terra Queimada", Editorial Intervenção. Lisboa, 1976. p 44.

11. David Martin, "Interpol solves a guerrilla whodunit", in "The Observer". Londres, edição de 6 de Fevereiro de 1972, p 4, sobre a venda de Pilhas Hitachi à Casa Pfaff.

12. Manuel Garcia e Lourdes Maurício: "O Caso Delgado - Autópsia da "Operação Outono'". Edições Jornal EXPRESSO, Lisboa 1977

13 L. Pereira, antiga funcionária da PIDE/DGS. Entrevista com o autor, sobre a "Operação Barbarossa", Lisboa, 8 de Maio de 1983. 14. Baltazar Rebello de Sousa, transcrição duma conversa no Palácio da Ponta Vermelha, 5 de Fevereiro de 1969 ■

SAVANA – 16.02.1996

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