Moçambique para todos



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Televisão é algo desconhecido para a grande maioria nas zonas rurais

Pobreza que “habita” nas zonas rurais do país (Concl.)

Qualquer um que visitar as zonas rurais moçambicanas e prestar o mínimo de atenção às precárias condições em que vivem os seus habitantes, facilmente concordará com o presidente Guebuza quando  insiste em dizer que “sem a erradicação da pobreza, a própria Independência moçambicana nunca estará completa. Isto porque a Independência pressupõe que as pessoas devem deixar de viver na tragédia da pobreza a que eram deliberadamente condenados pelo colonialismo português”.

Maputo, Sexta-Feira, 4 de Maio de 2007:: Notícias

 

Antes da Independência não havia nenhum sinal de desenvolvimento como se vê agora. Apesar da sua prevalência, já há muita gente cuja indumentária  mostra que o país está a progredir, especialmente nos últimos 15 anos de paz. Na hora da independência em 1975, era quase impossível ver uma pessoa de cor calçada, mas hoje, mesmo nessas zonas que encontramos muitos “condenados da terra” pela pobreza absoluta de que falamos ao longo deste artigo, há já muita gente razoavelmente bem vestida, com os seus pés protegidos por qualquer coisa, mesmo que seja uma sandália. Mas o facto é que a pobreza ainda é gritante, causa muito desgosto às pessoas, e tira-lhes o sabor da Independência.  Daí que o presidente Guebuza insista em dizer que enquanto a pobreza prevalecer, a própria Independência não terá sentido. E ele tem toda a razão do mundo.

Uma das provas de que os milhões de moçambicanos que vivem nas zonas rurais estão hermeticamente fechados do resto do seu próprio país e, mais ainda, do resto do mundo,  é o desconhecimento que revelam em relação aos avanços tecnológicos com que os outros povos desfrutam.

É interessante que todos nós que estamos nesta digressão pelo mundo rural, já nos sentimos também desligados do mundo moderno, e de tudo de que dele estamos habituados a ter,  como  o acesso às emissões radiofónicas, notícias da televisão, e mesmo dos jornais. Já não falo da Internet, essa nem sequer se sabe aqui da sua existência. Um dia fiquei espantado quando ao perguntar uma estudante do IMAP em Ulónguè Tete, que está a cursar o professorado, se conhecia onde podia navegar na Internet, ela me respondeu que aqui é impossível, porque nem temos mar, e muito menos barcos. Talvez lá no rio Zambeze,   disse ela em tom inocente, antes de adiantar que “só que fica tão longe que acho que não vale a pena o senhor tentar ir lá”. Fiquei tão perplexo e não tive a coragem de lhe explicar que não era necessariamente navegar no mar. Fez-me lembrar uma  certa secretária que uma vez tentou mandar um fax nos buraquinhos do telefone, porque ela pensava que assim se enviavam os faxes.

Praticamente eles continuam a usar os mesmos utensílios domésticos tão arcaicos que os seus antepassados de há séculos também usavam, e a viver em casas que são mais casebres e que, nas palavras de Guebuza, mais se parecem com “'esconderijos”' do que propriamente com uma residência  duma família inteira. Continuam a trabalhar a terra com a enxada de cabo curto, e só muito poucos têm recorrido ao tractor.

Até hoje, eles continuam a deixar tudo que fazem, para levantar as cabeças e contemplar os helicópteros e aviões que, amiúde, vão passando sobre os céus das suas zonas. Isto porque o avião para eles é algo tão raro, havendo muitos que chegam a nascer e viver muitos anos, sem que nunca o tenham visto até ao fim dos seus dias. Em todos os sítios por onde tem aterrado a avioneta e os helicópteros que transportam Guebuza e sua comitiva, há uma comoção total e concentração de pessoas só para contemplar aqueles engenhos voadores. Muitos deles nunca as tinham visto pelo menos de perto em toda a  sua vida, e por isso ficam a contemplá-los durante horas a fio como se estivessem a guardá-los. E isto diz respeito a milhões de pessoas que vivem nos 128 distritos moçambicanos.

MUNDO ATRASADO

Maputo, Sexta-Feira, 4 de Maio de 2007:: Notícias

 

Por incrível que pareça, nestas zonas, há falta de quase tudo o que se tem nas cidades, a tal ponto que quem tem um rádio receptor que lhe permite ter acesso a uma estação radiofónica, já é um verdadeiro rei. Há quase uma semana que estou privado da Rádio Moçambique e de todas as televisões do país e do mundo. Aliás, para eles,  nem vale a pena falar de televisão  - porque  o preço com que um aparelho é vendido,  equivale ao que um citadino comum duma grande cidade como  Maputo ou Nampula, tem de juntar para comprar um “dubaizinho para o transportar no seu dia-a-dia”.

Aliás, mesmo os que têm dinheiro para comprá-lo,  ou que tenham alguém que os possa dar, como aqueles que já têm filhos que milagrosamente conseguiram escapar deste mundo atrasado que se chama zonas rurais moçambicanas, e singrar nos seus estudos nas grandes urbes do país ou além-fonteira, deparam-se com um outro problema intransponível - que é a energia eléctrica que aqui é totalmente inexistente.

Confesso que nunca antes dei tanta importância à energia como agora que me vejo privado do meu celular, porque  ficou sem  carga, uma vez que não o posso carregar, justamente porque em muitos dos distritos por onde temos escalado nesta digressão que o presidente Guebuza está a fazer pelo país em busca de soluções para resgatar os camponeses que vivem esmagados pela pobreza,  não tem energia eléctrica, e se há, é tão escassa que fornecida de tempos a tempos através de geradores, e muitas vezes numa altura em que nós estamos fora das casas em que somos hospedados.  Desde que a 12 deste mês integrei a equipa de jornalistas que está a cobrir o périplo que Guebuza está a fazer pelos distritos moçambicanos, sinto-me também isolado do resto de Moçambique e, mais do mundo, a tal ponto que na segunda-feira dia 23, em que escrevo esta crónica, não sabia quem terá ganho as eleições gerais que tiveram lugar na Nigéria fez uma semana  domingo último, e nas que tiveram também lugar na França.  A última notícia que tive sobre as nigerianas é que a oposição estava a alegar que não iria aceitar os resultados porque já estava na posse de dados que indicavam que houve fraude ou manipulações. Mais do que isso, não sei nada. Mas já para a maioria dos meus compatriotas que vivem sempre  nestas zonas rurais em que eu estou apenas de passagem, já nem tem ideia de que houve eleições  num país chamado Nigéria, simplesmente porque nunca ouviram falar dele.

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Em muitos distritos pede-se escolas que leccionem o ensino médio (Arquivo)

FALTA TUDO

Maputo, Sexta-Feira, 4 de Maio de 2007:: Notícias

 

Para os que vivem nas cidades e nunca saíram por muito tempo delas, não fazem a mínima ideia do que é viver nas zonas rurais moçambicanas. Aqui se o parto complica-se e exige uma cesariana, o fim é trágico porque a futura mãe terá de morrer mesmo, incluindo o seu futuro bebé. Aqui se alguém fica doente e tem de ser operado de urgência, o fim é morrer, porque simplesmente não há médicos nem condições técnicas para uma cirurgia. Aqui os estudantes que concluem a 10.ª classe estão impedidos de prosseguir para além, mesmo que morram de vontade de continuar, porque não há escolas que leccionam para além desta classe. Isto faz com que em todos os pontos que Guebuza escala, as populações locais lhe peçam que mande construir escolas médias e hospitais em condições de fazer cesarianas e outras operações cirúrgicas.

Numa palavra, aqui falta tudo o que nas cidades parece natural, como água potável, luz, transportes públicos, hospitais e médicos a qualquer hora.

Tudo isto faz com que a decisão de Guebuza de acelerar o desenvolvimento dos distritos seja uma decisão que vai para além do índole político, para ser bastante humanitária que devia ser apoiada por todos os homens de boa vontade. Acho mesmo que cada moçambicano que tenha um salário por mês, devia dar algo para se criar um fundo para desenvolvimento socioeconómico dos 128 distritos. É certo que os que de entre nós têm um emprego e um rendimento somos poucos, mas a história provou já que as minorias podem salvar as maiorias. Os que pegaram em armas e nos libertaram do colonialismo eram uma minoria, mas porque estavam decididos, derrotaram o colonialismo e hoje todos nós estamos livres e desfrutamos da independência que eles resgataram com muito sacrifício. Se cada um de nós que trabalha dar nem que seja um metical por mês, isso irá fazer uma grande diferença nas zonas rurais onde vive a maioria dos nossos compatriotas na pior das pobrezas.

• Gustavo Mavie, da AIM

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